EMBARGOS DE EXECUTADO
JULGADO DE PAZ
CITAÇÃO EDITAL
Sumário

I–No regime da Lei nº 78/2001, de 13.07, que regula a competência, organização e funcionamento dos julgados de paz e a tramitação dos processos da sua competência, estabeleceu-se no artº 46º/2 que “não se admite a citação edital”.

II–A melhor interpretação do regime que resulta de tal proibição seria a da impossibilidade de prosseguimento do processo contra ausentes ou incertos, podendo o autor desistir da instância a fim de instaurar a ação perante os tribunais judiciais.

III–A Lei nº 54/2013, de 31.07, alterou a Lei nº 78/2001, acrescentando ao artº 60º um nº 3 do seguinte teor: “Nos processos em que sejam partes incapazes, incertos e ausentes, a sentença é notificada ao Ministério Público junto do tribunal judicial territorialmente competente”; esta alteração ocorreu sem que tivesse sido alterado o artº 46º, mantendo-se a proibição da citação edital e também nada se referiu quanto à forma como os ausentes e os incertos seriam citados e/ou representados em juízo.

IV–Nos termos do regime consagrado no CPC, a citação dos ausentes é efetuada sob a forma edital e, após, caso o réu não pratique qualquer ato, há lugar à intervenção do Mº Pº ou à nomeação de defensor, caso o Mº Pª seja o autor.

V–No entanto, essas intervenções visam apenas que o ausente esteja representado nos termos subsequentes do processo, não constituindo, de todo, formas substitutivas da citação.

VI–Em face do regime que resulta da Lei dos Julgados de Paz, em todas as ações que corram termos perante esses julgados e em que o réu seja ausente, não existe qualquer forma de citação, sendo apenas possível obter a sua representação em juízo, pelo que, pretendendo o autor executar a sentença, fica sempre sujeito à invocação, na ação executiva, do vício da falta de citação.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



RELATÓRIO



Recorrente: MS
Recorrido: AE
Por apenso ao processo de execução de sentença para pagamento de quantia certa que o recorrente instaurou contra o recorrido, que corre termos sob o nº 652/22.0T8SRE, veio este deduzir oposição à execução mediante embargos de executado. Entre outros fundamentos, invocou a invalidade da citação realizada na ação declarativa intentada no Julgado de Paz de que emerge a sentença dada à execução.

O exequente-recorrente contestou os embargos, pugnando pela improcedência da invocada exceção.

O tribunal a quo considerou que, tendo em conta o estado do processo e os elementos juntos aos autos, tinha já todos os elementos de facto que permitiam uma decisão conscienciosa de mérito, pelo que foi proferido saneador-sentença cujo trecho decisório é o seguinte:
Termos em que julgo procedente a oposição à execução mediante embargos de executado e, nos termos do artigo 732º, nº4 do CPC, determino a extinção da execução”.
*

Inconformado com o decidido, apelou o exequente, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
I
O título apresentado à execução, é uma Douta Sentença proferida pelo Julgado de Paz de Cantanhede, já transitada em julgado.
II
Ao Recorrido, apenas lhe era admissível o recurso aos Embargos de Executado para oposição à execução, os fundamentos que constam do artigo 729º do C.P.C., não tendo sequer invocado qualquer alínea desse artigo, nem formulou qualquer pedido que se pudesse enquadrar nesse comando normativo.
III
Há inadmissibilidade da oposição à execução, por falta de verificação de qualquer um dos fundamentos constantes do artigo 729º do C.P.C., pois estamos perante um caso de existência de uma Douta Sentença transitada em Julgado, havendo título executivo.
IV
O Recorrido não reclamou nem recorreu da Douta Sentença dada à execução.
V
O Recorrido, antes de instaurar o processo de embargos de executado, foi reclamar junto do processo que correu termos no Julgado de Paz de Cantanhede, com o nº …, da pretensa falta de citação, tendo sido proferido em 7-11-2022 um Douto despacho pela Senhora Juiz do Julgado de Paz de Cantanhede, a indeferir a invocada nulidade de citação.
VI
Essa Douta decisão foi notificada às partes, designadamente ao ora Recorrente e Recorrido, e ao actual Ilustre Mandatário do Recorrido, por email enviado em 08-11-2022.
VII
Esta Douta decisão não foi objecto de qualquer reclamação ou recurso por parte do ora Recorrido.
VIII
Essa Douta decisão e cópia da notificação às partes foram juntos como Doc. nº 1, com a contestação aos Embargos elaborada pelo ora Recorrente.
IX
Esse Douto despacho, ao não ter sido objecto de qualquer reclamação ou recurso, transitou em julgado.
X
As partes são as mesmas, foi apreciada a mesma questão de direito, também tinha de ser respeitada tal Douta decisão nestes Autos, o que não aconteceu.
XI
Esse Douto despacho, o respectivo teor, tinha de ser totalmente dado como provado nos factos dados como provados na Douta Sentença em recurso, o que não aconteceu.
XII
Tinha de ser dado como provado que o Recorrido não recorreu nem reclamou desse Douto despacho, pelo que tinha sido objecto de trânsito em julgado.
XIII
Não consta da Douta Sentença tal realidade processual, tal como não constam os factos dados como não provados, o que é motivo de Nulidade por Omissão de pronúncia da Douta Sentença em recurso.
XIV
Há omissão de pronúncia, pois o Douto Tribunal não apreciou as questões levantadas em sede de contestação de embargos, designadamente haver inadmissibilidade da oposição à execução, por violação do disposto no artigo 729º do C.P.C.., e a existência de dois casos julgados, que são o da Douta Sentença proferida pelo Julgado de Paz a condenar o ora Recorrido, e a Douta decisão que apreciou concretamente a questão invocada de nulidade de citação, nesse processo do julgado de paz de Cantanhede, proferida a 07-11-2022, e que não foi objecto de reclamação nem de recurso.
XV
A Douta Sentença padece de Nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC, por manifesta omissão de pronúncia.
XVI
O recorrente instaurou uma acção de honorários no julgado de paz de Cantanhede, contra dois demandados, a empresa “M”, e o ora Recorrido, pelos motivos que lá constam alegados, tendo indicado todas as moradas e contactos que conhecia do recorrido.
XVII
Nunca se conseguiu que o recorrido fosse citado por via postal.
XVIII
O Recorrido muda constantemente de morada, como se pode constatar nestes Autos, onde a morada actual do recorrido nem sequer é a mesma que consta da procuração forense que outorgou ao seu Ilustre Mandatário.
XIX
Frustraram-se todas as tentativas de citação postal, apesar de a efectuada em 21-07-2020, e em 23-07-2020, e de o Recorrido ter sido convidado a dirigir-se ao Julgado de Paz para ser concretizada a citação, aquele nunca compareceu naquelas instalações, nem nunca contactou o julgado de paz.
XX
Foram pedidas informações a várias entidades, e vieram indicar a morada que já constava dos Autos e para onde já havia sido tentada e frustrada a citação.
XXI
Não existe a possibilidade de citação por via edital, e face à impossibilidade de citação do ora recorrido, foi proferido Douto despacho fundamentado, em 15-12-2020, que declarou o ora recorrido ausente em parte incerta, e ordenou a notificação da Ordem dos Advogados, para proceder à nomeação de defensor oficioso.
XXII
Nos termos do disposto da Lei dos Julgados de Paz, no artigo 46º, nº 2 da Lei 78/2001 de 13-07, alterada pela Lei 54/2013, de 31-07, foi o que aconteceu.
XXIII
Aplicou-se a Lei Processual Civil, constante do artigo 21º, nº 1 do CPC, ex vi do disposto no artigo 63º do LJP.
XXIV
Ficaram garantidos os direitos do ora recorrido, nos termos da Lei dos Julgados de Paz e da Constituição da República Portuguesa, artigo 20º, nº 4, primeira parte.
XXV
Foi assegurada a legalidade da actuação do tribunal, garantindo os direitos do ora Recorrido, evitando que ficasse indefeso.
XXVI
Ao aplicar-se o artigo 21º do CPC, como não há Ministério Público nos Julgados de Paz, apenas há uma solução, que é citar-se o ausente no defensor oficioso.
XXVII
Este é o normal procedimento nos Julgados de Paz, é o que resulta da Lei, e é a Jurisprudência que tem sido seguida, designadamente o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-02-2022, bem como Dr. Juiz Conselheiro Cardona Ferreira, em “Julgados de Paz – Organização, competência e funcionamento”, da Coimbra Editora, 2001, p. 64.
XXVIII
A Lei dos Julgados de Paz é uma Lei especial, pelo que terá de ser esta a ser aplicada relativamente às citações, e não a que consta do Código de Processo Civil, que é uma Lei geral, a não ser que haja norma remissiva.
XXIX
Não basta não se concordar com uma Lei, para ser recusada a sua aplicação.
XXX
No processo do Julgado de Paz de Cantanhede, cumpriu-se a Lei em vigor, face à impossibilidade de citação postal, o que levou a que, em 18-12-2020, fosse nomeado um primeiro defensor oficioso, que pediu escusa, e a seguir foi nomeado novo defensor em 14-04-2021, o Dr. HA, o qual foi citado em 15-04-2021.
XXXI
O ora Recorrido foi citado na pessoa do seu defensor oficioso, na referida data de 15-04-2021, de acordo com a lei aplicável aos processos que correm termos nos Julgados de Paz.
XXXII
O Julgado de Paz de Cantanhede cumpriu todas as formalidades que a Lei prevê para que o Recorrido fosse citado, como o foi efectivamente.
XXXIII
Em face de ter-se verificado estar ausente em parte incerta, e dado não existir nos Julgados de Paz a figura do Ministério Público, seja para representar os Demandantes, seja os Demandados, foi nomeado um Defensor, nos termos do disposto no artigo 21º, nº 1 do CPC, por força do disposto no artigo 63º da Lei dos Julgados de Paz, pelo que a citação foi válida.
XXXIV
A questão da validade da citação foi apreciada pela Senhora Juiz do Julgado de Paz de Cantanhede, quando proferiu a Douta Sentença condenatória, e quando em 07-11-2022, considerou válida a citação do Recorrido na pessoa do seu defensor oficioso, nomeado pela Ordem dos Advogados, bem como todos os actos subsequentes, e julgou improcedente a invocada nulidade da citação.
XXXV
Douta Decisão essa que foi comunicada ao ora Recorrido em 08-11-2022, e também ao actual Ilustre Mandatário do Recorrido, por email, tal como a primeira Douta Sentença condenatória foi comunicada ao Defensor Oficioso que tinha sido nomeado ao Recorrido, e que dela não interpôs qualquer recurso, transitando assim em julgado ambas as Doutas Decisões.
XXXVI
Doutas decisões essas, que não foram objecto de qualquer reclamação ou recurso por parte do ora Recorrido, legitimamente representado primeiro por um Ilustre Defensor Oficioso, e depois pelo actual Ilustre Mandatário constituído com procuração forense.
XXXVII
Como a Douta Decisão de 7-11-2022 também não foi objecto de reclamação ou recurso, também houve lugar ao trânsito em julgado dessa questão da falta de citação, ou nulidade de citação, que o Recorrido veio invocar nestes Embargos, já com Mandatário constituído.
XXXVIII
Apesar de ter sido notificado dessa Douta Decisão, não veio informar os presentes Autos, como era sua obrigação, dado que a aceitou, ao não recorrer nem reclamar, como podia ter feito no prazo que lhe é concedido por Lei, mas decidiu conformar-se com tal Decisão.
XXXIX
Desde o dia 8 de Novembro de 2022, que o Recorrido aceitou que tinha sido correctamente citado, e como tal, litiga de Má-Fé perante este Tribunal, em face das consequências do trânsito em julgado dessa Douta decisão proferida em 7-11-2022.
XL
O recorrente considera que está verificada aqui também a excepção de trânsito em Julgado da questão da falta de citação do recorrido no processo nº …, que expressamente se invocou em sede de contestação aos Embargos, mas cuja questão não foi apreciada pelo Douto Tribunal a quo, pelo que consideramos haver Omissão de Pronúncia, e consequente Nulidade da Douta Sentença, que expressamente se invoca.
XLI
O Recorrido omitiu conscientemente ao presente Tribunal tal Douta decisão, para assim conseguir manter a execução suspensa, sem qualquer fundamento legal para tal, o que configura uma conduta grave de litigância de Má-Fé.
XLII
Estando vedado ao Douto Tribunal a quo conhecer os factos que já foram apreciados em sede própria, pois aqui apenas lhe competia conhecer a questão da falta de citação, caso essa questão já não tivesse sido conhecida pelo Douto Tribunal que proferiu a Douta Sentença em execução, facto que foi dado a conhecer aos Autos pelo ora Recorrente logo aquando da contestação dos embargos.
XLIII
O Recorrido, quando foi notificado da Certidão da Douta decisão proferida em 07-11-2022, que o ora Recorrente juntou a acompanhar o requerimento entrado em 03-02-2023, onde consta bem claro que tal Douta decisão tinha transitado em julgado em 09-12-2022, o ora Recorrido não impugnou esse documento, aceitando assim tal certidão, nos precisos termo que foi emitida pelo Julgado de Paz de Cantanhede.
XLIX
A certidão junta em 03-02-2023, não tendo sido impugnada pelo recorrido, tinha de constar o respectivo teor nos factos dados como provados.
L
Impunha-se por isso a total improcedência dos Embargos, face aos documentos juntos aos Autos, designadamente a Douta decisão transitada em julgado em 09-12-2022, e cuja junção aos Autos em 03-02-2023 não foi impugnada pelo ora Recorrido.
LI
Tinha de ter sido dado como provado que o ora Recorrido aceitou a Douta Decisão proferida pelo Julgado de Paz de Cantanhede, em como a citação foi válida, bem como todos os actos praticados subsequentes, na qual foi julgada improcedente a invocada nulidade da citação.
LII
O Recorrido não veio aos presentes Autos, dar a conhecer tal Douta Decisão transitada em julgado, pois, sendo do seu conhecimento directo, era sua obrigação legal e moral, dar a conhecer ao presente Tribunal.
LIII
O processo executivo está com a tramitação suspensa, sem fundamento, e por causa do comportamento censurável do Recorrido.
LIV
O ora Recorrido litigou e litiga de total Má-Fé, ao fazer um uso reprovável dos presentes Autos, e como tal, deverá ser condenado, nos termos do disposto no artigo 542º e seguintes do C.P.C., em multa a favor do Tribunal em montante nunca inferior a 10 Ucs, e em indemnização a favor do ora Recorrente, em montante nunca inferior a 2.000,00 Euros, atento o grave comportamento do Recorrido, e as consequências que dele decorrem para o processo executivo e a sua normal tramitação.
LV
Há Erro manifesto na apreciação da prova documental junta aos Autos, designadamente no que toca ao documento junto com a contestação aos embargos, e a certidão junta em 03-02-2023, e que não foi objecto de impugnação por parte do Recorrido.
LVI
Há Erro manifesto na interpretação e aplicação do Direito.
LVII
Indicam-se como violadas, entre outras, as normas constantes dos artigos 615º, nº 1, al. d) e artigo 580º, nº 1 e 581º, todos do Código de Processo Civil, e artigo 21º do CPC aplicável ex vi artigo 63º da Lei dos Julgados de Paz.
LVIII
Termos em que, nos Doutamente Supridos, deve ser proferido Douto Acórdão que dê provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta decisão recorrida, proferindo Vossas Excelências Douto Acórdão que declare Nula a Douta Sentença por Omissão de Pronúncia, e julgue procedentes as excepções invocadas de Caso Julgado da Douta Sentença condenatória por Trânsito em Julgado, e do Caso Julgado por Trânsito em Julgado da Douta decisão que apreciou a validade da citação, e da inadmissibilidade da Oposição por falta de fundamentos legais, designadamente os constantes do artigo 729º do C.P.C., devendo ainda o Recorrido ser condenado como litigante de Má-Fé, em multa a favor do Tribunal, em montante nunca inferior a 10 ucs, e no pagamento de uma indemnização ao Recorrente, na quantia nunca inferior a 2.000,00 Euros, julgando-se improcendentes os embargos, e ordenando-se o prosseguimento da acção executiva na sua normal tramitação, em devido tempo, assim fazendo Vossas Excelências a Costumada Justiça!
*

O recorrido apresentou contra-alegações e as seguintes conclusões:

Pelo exposto, resta unicamente a conclusão quem procurando confirmar a Justiça, deverão V. Exas. confirmar a decisão recorrida, porquanto, tal como tem sido o entendimento desse tribunal:
a)-Nas ações que correm nos julgados de paz, constatada a ausência em parte incerta do citando, deve ser citado em sua representação o Ministério Publico, junto do tribunal judicial territorialmente competente.
b)-Não estando o Ministério Público como autor, não existe base legal para a citação ser na pessoa do defensor oficioso, ocorrendo nesses caso falta de citação para a ação declarativa.
c)-A falta de citação e a inexistência de titulo executivo, são fundamento de oposição à execução, determinando a sua procedência, com a consequente extinção da execução.


FUNDAMENTAÇÃO


Colhidos os vistos cumpre decidir.


Objeto do Recurso


O objeto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, as questões a apreciar são as seguintes:
- nulidade da sentença por não ter apreciado da existência de caso julgado quanto à questão da citação apreciada pela decisão recorrida e que é decorrente da decisão do julgado de paz que julgou improcedente a invocação, pelo embargante-recorrido, da nulidade da citação;
- apurar se ocorre o vício de falta de citação que fundamentou a procedência dos embargos.

***


Factualidade tida em consideração pela 1ª Instância


Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1.Em 30.03.2022, MS intentou ação executiva contra AE, apresentando como título executivo sentença proferida no processo nº …, do julgado de paz de Cantanhede.

2.Do despacho proferido pelo julgado de paz de Cantanhede resulta que:
No âmbito das diligências para citação do demandado AE foi expedida, em 04.06.2020, carta de citação para a morada indicada no Requerimento inicial, a qual veio devolvida com a menção "desconhecido".
Por requerimento de 16.06.2020 veio o demandante indicar uma nova morada do demandado, para onde foi efetuada nova tentativa de citação, em 16.06.2020, a qual veio devolvida com a menção "mudou-se".
Por despacho de 30.06.2020 foi ordenada nova tentativa de citação para a morada do demandado que consta na certidão permanente da sociedade MMC, Lda., o que foi cumprido no mesmo dia. A citação veio devolvida com a menção "objeto não reclamado".
Em 21.07.2020 foi efetuada nova tentativa de citação para a morada do demandado referida anteriormente, a qual veio devolvida com a menção "objeto não reclamado".
Em 21.07.2020 foi ainda enviado ao demandado carta convite para se dirigir, dentro de 10 dias, ao Julgado de Paz a fim de ser concretizada a citação, a qual foi entregue em 23.07.2020.
O demandado não respondeu ao convite que lhe foi dirigido. Frustrada a citação via postal, por despacho de 18.08.2020, foi ordenada a solicitação de informação às entidades identificadas no artigo 236° n°1 do CPC.
Solicitada informação às entidades, veio o IMTT informar que não consta qualquer informação acerca do demandado no sistema informático de condutores; a AT e o CDSS Coimbra vieram indicar a morada que já constava dos autos e para onde já havia sido tentada e frustrada a citação.
Face à impossibilidade de citação do Demandado, e não havendo lugar a citação edital nos Julgados de Paz, nos termos do disposto no artigo 46º, n° 2 da Lei nº 78/2001, de 13.07, alterada pela lei nº 54/2013, de 31.07 (doravante LJP), foi proferido despacho fundamentado, em 15.12.2020, que declarou o mesmo ausente em parte incerta e ordenou a notificação da Ordem dos Advogados para proceder à nomeação de Defensor Oficioso.
No seguimento desse despacho foi nomeado, em 18.12.2020, Defensor Oficioso ao Demandado, a Sra. Dra. SS, a qual informou que requereu escusa. Em 14.04.2021 foi nomeado Defensor Oficioso ao Demandado, o Sr. Dr. HA, o qual foi citado em 15.04.2021”.


Fundamentação jurídica


Invoca o recorrente a nulidade da sentença, nos termos do artº 615º/1, al. d) do CPC, com base nos seguintes argumentos:
a)- o recorrido, quando teve conhecimento da sentença, invocou na ação declarativa a mesma questão quanto à invalidade da citação;
b)-o julgado de paz julgou improcedente a questão suscitada;
c)-o recorrido não recorreu dessa decisão, pelo que a mesma transitou em julgado;
d)-tendo transitado em julgado, verifica-se a exceção de caso julgado;
e)- não tendo o tribunal a quo apreciado dessa exceção à exceção invocada pelo recorrido, verifica-se a nulidade da sentença, nos termos do artº 615º/1, al. d) do CPC.

Acontece, porém, que o caso julgado referido pelo recorrente nem sequer existe. O caso julgado a que se reportam os artºs 580º e 581º do CPC, e que é suscetível de constituir exceção dilatória, é o caso julgado material, ou seja, aquele que decorre do trânsito em julgado da sentença que apreciou do mérito da causa. A questão relativa à nulidade da citação, suscitada pelo recorrido perante o julgado de paz, respeita exclusivamente à relação processual, pelo que, nos termos do artº 620º/1 do CPC, apenas tem força obrigatória dentro do processo. A consequência da improcedência da questão da nulidade decidida pelo julgado de paz é unicamente a de não se produzirem os efeitos da nulidade ou falta da citação no próprio processo onde a questão foi suscitada. Tal decisão teria, sim, influência no processo executivo, mas apenas se fosse considerada procedente pois nesse caso determinaria a anulação de todo o processado posterior à petição inicial, nos termos do artº 187º do CPC, afetando por isso a sentença, que deixaria de ter eficácia por via daquela anulação.
O processo executivo, que corre termos perante os tribunais judiciais, é um processo distinto daquele processo, pelo que tal decisão, que respeita unicamente à relação processual, não tendo valor extra-processual, em nada influencia este processo no âmbito da exceção de caso julgado (como se referiu acima, caso a decisão fosse de procedência, já afetaria o processo executivo, não por via do caso julgado mas por via da eficácia extintiva da decisão anulatória).
Daí que o tribunal a quo nem sequer deveria apreciar de tal questão, pois, na realidade, não existe qualquer caso julgado material suscetível de ter eficácia fora do processo onde a decisão foi proferida.
*

O tribunal a quo fundamentou da seguinte forma a decisão:
Da falta citação;
Conforme resulta dos autos de execução e é expressamente admitido pela executada, ora embargante, a exequente apresentou como título uma sentença proferida no processo nº …, do julgado de paz de Cantanhede.
De acordo com o disposto no artigo 729º do Código de Processo Civil– que tem por epígrafe “fundamentos de oposição à execução baseada em sentença” – “fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a).- Inexistência ou inexequibilidade do título;
b).- Falsidade do processo ou do traslado ou infedilidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c).- Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d).- Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e).- Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f).- Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g).- Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h).-Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i).-Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.”
Conforme resulta do supra exposto, o título dado à execução é uma sentença, sendo que os factos alegados pela executada, os previstos na alínea d), ou seja, Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo.
Assim, considerando a forma como o executado/opoente configurou as respectivas pretensões e atenta a matéria factual apurada, a questão a decidir consiste em aferir da falta da citação realizada no âmbito da acção declarativa em que foi proferida a sentença que constitui o título dado à execução de que depende a presente oposição e os efeitos que pode ter nos presentes autos.
Ora, os julgados de paz integram as categorias de tribunais previstas no art. 209º da CRP (cf. nº 2).
A Lei nº 78/2001, de 13/07, entretanto alterada pela Lei nº 54/2013, de 31/07, regulamenta a competência, organização e o funcionamento dos julgados de paz e a tramitação dos processos da sua competência.
A criação dos julgados de paz visou a composição dos litígios por acordo das partes (cf. art. 2º, nº 1, relevando, também, entre outros o disposto nos arts. 8º, nº 1, 49º, 50º, 51º, e 57º da supra referida Lei) e os procedimentos que foram concebidos para alcançar tal desiderato são orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual (cf. art. 2º, nº 2).
A citação (cf. art. 219º, nº 1, Código Processo Civil) visa dar conhecimento à outra parte da existência do processo, “(…) é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (…).
Trata-se do acto que, em obediência ao princípio do contraditório (solenemente proclamado na parte final do nº1 do artº. 3º), visa fechar o ciclo constitutivo da relação processual. " vide Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, “Manual de processo Civil", 2ª Edição, pág. 266.
O princípio do contraditório é um dos princípios estruturantes do processo civil, emergindo do disposto no art. 20º, nºs 1 e 4, da CRP, que consagra o direito de acesso de todos os cidadãos ao Direito e aos tribunais, para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como o direito a um processo equitativo.
Refere o art. 45º da Lei nº 78/2001, de 13/07, entretanto alterada pela Lei nº 54/2013, de 31/07:
“Citação do demandado
1-Caso o demandado não esteja presente aquando da apresentação do requerimento, a secretaria deve citá-lo para que este tome conhecimento de que contra si foi instaurado um processo, enviando-lhe cópia do requerimento do demandante.
2- Da citação devem constar a data da sessão de pré-mediação, o prazo para apresentação da contestação e as cominações em que incorre no caso de revelia.”
E o art. 46º:“Formas de citação e notificação
1-As citações e notificações podem ser efetuadas por via postal, podendo, em alternativa, ser feitas pessoalmente, pelo funcionário.
2-Não se admite a citação edital.
3-As notificações podem ser efetuadas pessoalmente, por telefone, telecópia ou via postal e podem ser dirigidas para o domicílio ou, se for do conhecimento da secretaria, para o local de trabalho do demandado.
4-Não há lugar à expedição de cartas rogatórias e precatórias.”
Atenta a matéria assente, foi proferido Despacho de ausente em parte incerta e solicitado à Ordem dos Advogados a respetiva nomeação de defensor Oficioso; foi nomeado um defensor oficioso em 18.02.2020, a qual requereu escusa, nomeado outro defensor oficioso em 14.04.2021, o qual foi citado a 15.04.2021.
Nesses processos, não há lugar à citação edital.
E a questão coloca-se, então, em saber como efetivar nesses processos a representação dos ausentes.
Aqui seguimos de perto o acórdão proferido pela RL, datado de 18.02.2022, “O Sr. Conselheiro Cardona Ferreira[5], apresenta-nos soluções para a questão, defendendo: “Mas, se não puder haver citação postal, nem por funcionário? Sem citação, penso que se ofenderia, conscientemente, o sagrado direito de defesa, com violação do artigo 20.º da Constituição da República. Parece só haver uma solução: é a passagem ao alcance do artigo 15º do Código Processo Civil”, “mutatis mutandis” e, porque não há Ministério Público junto dos Julgado de Paz, o Juiz de Paz designar, nessa extrema hipótese, defensor oficioso a citar.”; e ainda, “Portanto, o primeiro segmento do nº 1 do artigo 38º deve ser cumprido como possível ou com os próprios ou como representantes, se necessário e viável. (…) se a citação pessoal ou quase-pessoal não foi possível, feita a citação em Defensor oficioso, a revelia, se existir, será sempre inoperante, como é elementarmente lógico e resulta do nº 1 do art. 567º do CPC, ex vi do art. 63 desta lei e, hoje, da decisiva nova redação do nº 2 do art. 58º”[6].
Salvo o devido respeito, não concordamos com esta solução, que não encontra respaldo no Código de Processo Civil nem em qualquer outra fonte de direito convocável.
A Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, que aprovou o (novo) Estatuto do Ministério Público, consagra no seu art. 2º, além do mais, que o Ministério Público defende os interesses que a lei determinar, resultando ainda do ar. 4º, nº 1, al. b), da mesma lei, que lhe compete, especialmente, representar entre outros os ausentes em parte incerta.
Esta competência mostra-se acolhida no art. 21º, do Código de Processo Civil, que sob a epígrafe “Defesa do ausente e do incapaz pelo Ministério Público”, dispõe o seguinte:
1- Se o ausente ou o incapaz, ou os seus representantes, não deduzirem oposição, ou se o ausente não comparecer a tempo de a deduzir, incumbe ao Ministério Público a defesa deles, para o que é citado, através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, presumindo-se a citação efetuada no terceiro dia posterior ao do seu envio, correndo novamente o prazo para a contestação.
2- Quando o Ministério Público represente o autor, é nomeado defensor oficioso.
3- Cessa a representação do Ministério Público ou do defensor oficioso logo que o ausente ou o seu procurador compareça ou logo que seja constituído mandatário judicial do ausente ou do incapaz.”
Deste modo, declarada a situação de ausência do réu/demandado é citado o Ministério Público a quem compete a sua representação.
A representação de ausente por defensor oficioso só está prevista quando o Ministério Público represente o autor.
Por outro lado, o Código de Processo Civil só admite a citação do réu na pessoa de advogado quando estejam reunidos os pressupostos a que se reporta o nº 5, do seu art. 225º, ou seja, quando a pessoa a citar tenha constituído mandatário com poderes especiais para receber a citação, mediante procuração passada há menos de quatro anos.
Fora destas situações, a lei não prevê a citação do citando na pessoa de advogado ou de defensor oficioso, sendo que caso o legislador tivesse querido esta solução para o caso particular das ações que são intentadas e correm termos nos julgados de paz, não deixaria de a ter consagrado expressamente.
Deste modo, concretizada uma citação de ausente na pessoa de defensor oficioso nos casos em que o Ministério Público não figura como autor, terá a mesma de considerar-se inexistente, porque desprovida de base legal”.
Assim, da análise dos autos resulta que o Ministério Público não figurou como autor, logo, declarada a situação de ausência do réu/demandado teria que ser citado o Ministério Público a quem compete a sua representação, o que não ocorreu.
Nestes termos, tem razão o embargante: não foi citado para a acção declarativa – o que significa que a sentença apresentada não pode valer como título executivo, pelo que a presente oposição à execução terá que proceder”.

A questão em causa decorre da circunstância de o regime instituído pela Lei nº 78/2001, de 13.07, que regula a competência, organização e funcionamento dos julgados de paz e a tramitação dos processos da sua competência, estabelece no artº 46º/2, que “não se admite a citação edital”. Daí que se tenha colocado o problema de saber como se deve fazer prosseguir o processo quando estamos perante uma situação em que o réu a citar está ausente em parte incerta. Consideramos que a interpretação correta do regime instituído pela referida Lei é no sentido de, não sendo possível a citação pessoal, nos termos do artº 46º/1, o processo não pode prosseguir. Os procedimentos nos julgados de paz, que, acordo com o artº 2º da Lei nº 78/2001, estão concebidos e são orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual, consagrando-se a mediação como forma desejável de obter a composição do litígio, não se coaduna com a existência de ausentes nem incertos. Só pode ter sido essa a razão para a lei dos julgados de paz ter consagrado a proibição da citação edital. Na situação em que se apure que o réu é ausente, fica-se a aguardar por notícias sobre o seu paradeiro, de forma a permitir a citação pessoal. Alternativamente o autor pode desistir da instância de forma a instaurar a ação perante os tribunais judiciais, estando aí prevista expressamente a situação da ausência em parte incerta do réu. Cremos que esta é a melhor interpretação do regime consagrado na versão inicial da referida Lei nº 78/2001.
Aconteceu, porém, que a Lei nº 54/2013, de 31.07, alterou a Lei nº 78/2001. Uma das alterações foi acrescentar ao artº 60º um nº 3 do seguinte teor: “Nos processos em que sejam partes incapazes, incertos e ausentes, a sentença é notificada ao Ministério Público junto do tribunal judicial territorialmente competente”. Esta alteração ocorreu sem que tivesse sido alterado o artº 46º, que manteve a sua redação original, ou seja, manteve-se a proibição da citação edital e também nada se referiu quanto à forma como os ausentes e os incertos seriam citados e/ou representados em juízo.
Como vemos, agora, com a alteração levada a efeito pela Lei nº 54/2013, a Lei dos julgados de paz prevê expressamente que a ação possa correr termos contra ausentes e incertos. Mas como se efetua, nesses casos, a citação? A única citação que, para esses casos, o sistema jurídico admite, é a citação edital prevista no CPC. No entanto, essa forma de citação não é admissível nos julgados de paz, estando até expressamente proibida.
No julgado de paz resolveu-se a situação nomeando-se defensor oficioso ao réu ausente. Na decisão recorrida entendeu-se que a citação na pessoa de um advogado só é admissível na situação prevista no artº 225º/5 do CPC. Fora dessas situações, tal não é legalmente admissível, incumbindo sempre ao Mº Pº a representação do ausente, considerando por isso que ocorreu o vício de falta de citação.
No entanto, quer o procedimento levado a efeito no julgado de paz, quer o procedimento que no tribunal a quo se considerou ser o legalmente admissível, não respeitam à citação do ausente. Respeitam antes à sua representação em juízo. No CPC não ocorre a citação do Mº Pº ou a nomeação de defensor oficioso antes de se levar a efeito a citação edital. A citação do Mº Pº ou a nomeação de defensor não são formas de substituição da citação. Aliás, a lei processual só refere citação quanto ao Mº Pº e tal ocorre porque este passa a ter intervenção principal no processo. Quanto ao defensor, o CPC nem sequer refere que se trata de citação, mas antes de simples nomeação.
Nos termos do regime consagrado no CPC, a citação é efetuada previamente, sob a forma edital. Aquelas intervenções visam apenas que o ausente esteja representado nos termos subsequentes do processo, cessando elas se o ausente se apresentar em juízo, por si ou por procurador, ou constitua mandatário (cfr. artº 21º/3 do CPC). E essa apresentação em juízo pode ocorrer exatamente porque o réu foi citado, sob a forma edital, é certo, mas que permite que possa vir a ter conhecimento da ação que contra ele foi instaurada. A omissão in totum da citação é que impede qualquer possibilidade de ter tal conhecimento e não é por estar representado em juízo pelo Mº Pº ou por defensor que poderá vir a tê-lo.
Assim, a intervenção do Mº Pº e a do defensor constituem formas pelas quais o ausente será representado em juízo e não formas de citação. Deste modo, ainda que se admitisse como correto o procedimento levado a efeito no julgado de paz, respeitando esse procedimento apenas à representação do réu ausente, temos concluir que é uma evidência que o recorrente não foi citado.

Mas, a ser assim, em todas as ações que correm termos perante os julgados de paz e em que o réu seja ausente, não existe citação, sendo apenas possível obter a sua representação. Pelo que, pretendendo o autor executar a sentença, fica sempre sujeito à invocação, na ação executiva, do vício da falta de citação. Pois terá que ser essa a conclusão a tirar. Pode parecer estranho, mas é o que decorre do regime consagrado na lei dos julgados de paz, que proibiu a citação edital sem prever qualquer outra qualquer forma de citação dos ausentes.

A interpretação contrária no sentido de a representação do ausente constituir uma forma de citação não tem qualquer sustentáculo legal. Desde logo não o tem na própria lei dos julgados de paz, que proíbe a citação edital e não contempla outra forma de citação. Quanto ao CPC, ao qual se deve recorrer subsidiariamente, também dele não se pode de forma alguma retirar tal conclusão, antes pelo contrário. A citação do Mº Pº e a nomeação de defensor oficioso são formas de representação em juízo, que se seguem à citação edital, e não formas de citação do ausente.

E, para além de não ter sustentáculo legal, seria inadmissível resolver a questão através da diminuição das garantias processuais do ausente, entendendo que perante os julgados de paz a citação pode ser substituída pelas formas de representação acima referidas. Seria uma violação do princípio do processo justo e equitativo consagrado no artº 20º/4 da Constituição da República Portuguesa. Podemos perguntar se tal constituirá uma situação justa para o autor. A questão é que ele aceita que o processo prossiga sem que a citação do ausente tenha sido efetuada quando tinha uma alternativa, que era desistir da instância e instaurar a ação perante os tribunais judiciais. Aceitando o prosseguimento naqueles termos, ficará sujeito à invocação do vício da falta de citação na ação executiva que vier a ser instaurada. E só pode ser essa a interpretação aceitável porque o autor tem alternativa, ao passo que o réu não a tem, ou seja, ficaria vinculado ao resultado de uma ação relativamente à qual não teve sequer possibilidade de ter conhecimento da respetiva existência por via da citação edital.

Assim, e em conclusão, ainda que se entendesse correto o procedimento efetuado nos julgados de paz, como pretende o recorrente, o vício da falta de citação mantinha-se, pois esse procedimento respeitou à representação do recorrido, mas não à sua citação, que nunca ocorreu, e nem poderia ter ocorrido como acima se expôs.

O recurso, tem, pois, e de forma manifesta, de improceder.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida, se bem que com fundamentos diferentes.
Custas pelo recorrente (artº 527º/1 e 2 do CPC).



TRL,06jun2024



Jorge Almeida Esteves - (relator)
Eduardo Petersen Silva - (1º Adjunto)
Gabriela de Fátima Marques - (2ª Adjunta)