VÍCIOS
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
BURLA
MODO DE VIDA
Sumário

I - Por razões de lógica precedência, o Tribunal da Relação deverá conhecer em primeiro lugar dos vícios que possam determinar a anulação do julgamento, depois, dos que possam implicar a anulação do acórdão recorrido, seguindo-se o conhecimento amplo da matéria de facto (erro de julgamento) e, por fim, as diversas questões de direito suscitadas.
II - Os vícios previstos no nº 2 do art. 410º do CPP, verificáveis por recurso exclusivo ao texto da decisão recorrida ou através da conjugação desta com as regras da experiência comum, traduzem uma revista alargada, expediente que funcionando como válvula de segurança do sistema de recursos relativamente à matéria de facto, difere da impugnação ampla pelo objecto da apreciação. Enquanto a impugnação da matéria de facto por referência à prova produzida em audiência tem como objecto o julgamento, a revista alargada recai exclusivamente sobre a decisão proferida.
III - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [al. a) do nº 2 do art. 410º] afere-se no âmbito dos limites objectivos do thema probandum, constituído pelos factos de pronúncia obrigatória pelo tribunal segundo a conjugação das normas dos artigos 124º, 339º, nº 4, 368º, nº 2 e 374º, nº 2, do CPP. Assim, serão objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis, bem como os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil. Tanto podem ser factos alegados pela acusação como factos alegados pela defesa, ou mesmo factos resultantes da prova produzida em audiência (cfr. art. 339º, nº 4). Têm é que ser factos relevantes para as questões enunciadas nas diversas alíneas do nº 2 do art. 368º; e, ressalvados os factos atendíveis resultantes da audiência, aí incluídos os que se traduzam numa alteração não substancial devidamente comunicada ou de uma alteração substancial aceite pelos sujeitos processuais, terão que ser factos previamente alegados numa das peças processuais em que podem ser submetidos à apreciação do tribunal, sendo indiferente que tenham sido considerados provados ou não provados. O que releva é que tenham sido averiguados e que o tribunal sobre eles se tenha pronunciado. Fora deste âmbito, a insuficiência da matéria de facto para a decisão que veio a ser proferida não traduz o vício do art. 410º, nº 2, al. a), mas sim um erro de direito na prolacção da decisão. Assim, procurando o recorrente fazer assentar a verificação do vício numa ausência originária da matéria de facto que considera relevante (por ausência da sua menção na acusação deduzida), estará afastada a verificação do vício previsto na al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP, ainda que possa estar em causa a verificação dos elementos típicos do crime, a apreciar no âmbito da subsunção dos factos ao direito aplicável.
IV - O sistema processual penal português encontra sólidos alicerces no princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do CPP, tendo descartado o rígido sistema da prova tarifada. Esta liberdade de apreciação da prova é estabelecida em estreita vinculação com o dever de indagação da verdade material, exigindo uma motivação que permita o controlo da actividade jurisdicional na fixação da prova.
V - Não explicitando a lei processual penal em que consiste o exame crítico da prova, a jurisprudência vem densificando esse conceito aferindo a suficiência da fundamentação pela sua aptidão para a compreensão dos meios de prova atendidos e dos raciocínios desenvolvidos pelo julgador para atingir as conclusões a que chegou e que lhe permitiram fixar a matéria de facto, tanto a que teve como assente como a que considerou não provada.
VI - O dever de fundamentação assegura a transparência do processo de decisão, ao obrigar a que a decisão de facto tenha suporte na análise e valoração daquilo que foi levado ao conhecimento do julgador em audiência; assegura uma função de convencimento, facultando aos interessados a possibilidade de se inteirarem não apenas da decisão que incidiu sobre o caso concreto, mas das razões que a ela conduziram; funciona como segurança do sistema de prova, permitindo que em caso de discordância dos interessados relativamente às conclusões retiradas da prova, o tribunal de recurso se pronuncie sobre o bem-fundado da decisão, inteirando-se do iter lógico-racional prosseguido pelo julgador, aferindo da sua razoabilidade e correspondência com as regras da experiência comum; e desempenha, por fim, uma função de credibilização dos tribunais e da própria justiça, ao assegurar que a decisão penal não é fruto de mera arbitrariedade discricionária, antes resultando de uma ponderada avaliação e análise da prova.
VII - A resolução criminosa pressupõe a prévia representação pelo agente da natureza ilícita dos factos que se propõe praticar. Essa visão antecipada do facto traduz um dos elementos constitutivos do dolo, a saber, o seu elemento intelectual. A resolução constitui um segundo momento e traduz o querer, a vontade do agente em concretizar um determinado resultado, ou seja, o elemento volitivo do dolo.
VIII - A decisão de facto é moldada no equilíbrio entre o juízo de certeza respaldado na prova e a inconsistência de factos que apesar da prova produzida não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal; se uma vez produzida e analisada a prova subsistir uma dúvida razoável sobre a veracidade do facto, o non liquet daí resultante será necessariamente valorado a favor do arguido. Se, pelo contrário, for alcançada uma certeza judiciária, o facto deve ser firmado como provado.
IX - A dúvida razoável em que se consubstancia o princípio in dubio pro reo é uma dúvida metódica que, reconhecendo a impossibilidade de concluir com segurança pela verificação de um determinado facto, terá que firmar-se no conjunto da prova produzida e na razoabilidade das situações da vida. Poderá sobrevir por total ausência de prova (quando a prova directa não confirma o facto e não é de admitir o funcionamento de prova indirecta), por os meios de prova que apontam no sentido da verificação do facto (positivo ou negativo) não se apresentarem como convincentes, ou ainda por as premissas que permitiriam considerar como provado um concreto facto admitirem coerentemente ter como verificados factos alternativos com igual grau de probabilidade. Todas estas situações geram uma impossibilidade ôntica de verificação do facto, que até poderá ser verdadeiro, mas que não estará comprovado.
X - Em contraponto, a comprovação fáctica exige uma «certeza judiciária». Não se trata de uma certeza absoluta, contra todas as possibilidades, mas de uma certeza lógica e racional, assente na prova, fundada num equilibrado sentido da vida e na normalidade das situações.
XI - São elementos constitutivos do crime de burla previsto no art. 217º do Código Penal:
- A utilização de astúcia pelo agente;
- O erro ou engano da vítima induzidos pela astúcia utilizada pelo agente;
- A prática, pela vítima, de actos decorrentes do erro ou engano;
- O prejuízo patrimonial da vítima ou de terceiro, resultante desses actos;
- A intenção do agente de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
XII - A verificação do crime de burla pressupõe necessariamente a astúcia do agente, traduzida na utilização de um meio enganoso. Esse meio enganoso deverá ser a causa efetiva do erro em que incorre a vítima e nesse engano deverá residir a causa da prática, pela vítima, de actos que originem prejuízos patrimoniais. Nessa medida, vem sendo apontado como pressuposto do preenchimento do tipo legal a verificação de um duplo nexo de imputação objectiva: o nexo entre a conduta enganosa adoptada pelo agente e a prática, pela vítima, de actos susceptíveis de causar a diminuição do seu património ou do património de terceiros; e, concomitantemente, o nexo entre estes actos e a efectiva verificação do prejuízo.
XIII - A circunstância fazer da burla modo de vida traduz-se em o agente obter através de burlas praticadas com carácter de continuidade ou de regularidade os meios indispensáveis à sua subsistência, à sua vida quotidiana, não sendo indispensável para a verificação desta circunstância que se trate de uma actividade exclusiva, ou mesmo de uma actividade contínua.
XIV - Não prevendo o crime de burla como elemento constitutivo a reiteração do facto, a unificação de todos os factos praticados pelo agente numa única conduta só poderá ocorrer por uma de duas vias: pela via do crime continuado, se estiverem verificados os respectivos pressupostos; ou pela via do cometimento dos crimes de burla como modo de vida.
Esta circunstância qualificativa, ao pressupor a reiteração de condutas para funcionamento da agravante, obsta, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, à autónoma consideração como crime de cada uma das condutas típicas isoladamente consideradas.
XV - No âmbito das alternativas previstas no art. 26º do Código Penal, o segmento «é punível como autor quem (…) tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (…)» dá corpo à coautoria, que tem como pressuposto fundamental uma execução conjunta do facto, a exigir que o coautor tenha, em determinada medida, o domínio do facto; não necessariamente da totalidade do facto, mas pelo menos de uma parcela da execução, só assim se justificando que responda pela totalidade do delito o agente que por si levou a cabo apenas uma parte da execução típica (Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, pág. 792), pressupondo-se ainda, do ponto de vista subjectivo, uma decisão conjunta. Nessa medida, todos os comparticipantes se afirmam como coautores, ainda que possa ser distinto o contributo de cada um deles para o resultado final.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Tribunal da Relação de Coimbra

Secção (criminal)

Recurso nº 3593/16.7T9CBR.C1

Relator – Jorge Miranda Jacob

1ª Adjunta – Cândida Martinho

2ª Adjunta – Teresa Coimbra

_________________________

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

           No âmbito destes autos de processo comum (tribunal colectivo) que correram termos pelo Juízo Central Criminal de Coimbra – Juiz 3, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferido acórdão de cujo dispositivo, na parte agora relevante, consta o seguinte:

             (…)

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, este Tribunal Coletivo decide condenar os arguidos:

            A) o arguido AA (…)

            B) O arguido BB pela pratica, em coautoria e concurso efetivo:

            - de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo art. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 1 e 2, als. a) e b) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;

            - de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo art. 256º, n.º 1, als. a), b) e e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 1 anos de prisão;

            - de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo art. 368º-A 1 e 2 do Código Penal, à data dos factos, atualmente pelo 368º-A 1 e 3 do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            Em cumulo jurídico na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período.

            c) A arguida CC (…)

            Mais se determina a condenação dos arguidos, solidariamente, a proceder ao pagamento ao Estado da quantia global de €66.254, por constituir vantagem do crime, nos termos do art.º 110, n.º 1 al. b) e 4 do CP.

            (…)

            Recorre o arguido BB formulando as seguintes conclusões:

            A. O dever de fundamentação, plasmado nos artigos 374º, nº 2, do CPP e no artigo 205º, nº 1, da CRP, erige-se como pedra basilar de um Estado de Direito Democrático, viabilizando junto dos seus cidadãos a compreensão das decisões proferidos pelos seus tribunais, o que significa, ipso facto, que a sua inteligibilidade integra quer a apreensão da prova produzida nos autos sem que seja necessário proceder à consulta do processo, quer o enquadramento dos factos ao direito, sem salto nas referidas operações. Dito de outro modo: qualquer cidadão deve poder extrair da leitura da sentença o raciocínio lógico-dedutivo que presidiu à tomada daquela concreta decisão, sem recurso a qualquer elemento externo ao processo.

B. Nesta sede, a Jurisprudência manda que as decisões não se contentam com o elenco dos meios de prova produzidos – nomeadamente, teor das declarações e depoimentos prestados ou listagem dos documentos constantes dos autos –, antes exigindo a sua efectiva análise, permitindo perceber como o julgador chegou à conclusão de que um tal facto sucedeu ou não sucedeu, explicitando a força de convencimento dos meios de prova convocados, assim como o silogismo ensaiado aquando do recurso às provas judiciais. E não se bastará com a utilização de frases genéricas tabelares – tais quais através de depoimento isento, sereno, credível ou ainda segundo as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer –, antes comandando uma explicitação concreta e adequada à factispecie em causa.

C. Analisado o Acórdão que nos ocupa, conclui-se que:

- quanto à prova documental, o Tribunal a quo não explicita em que termos os documentos o convenceram e para a prova de que factualidade (com indicação da sua força probatória, conteúdo, interligando-o com os demais meios de prova, etc.), quedando-se por efectuar uma lista de documentos – vide fls. 27 e 28;

- tal modo de proceder repete-se quanto às declarações prestadas pelos arguidos e depoimentos das testemunhas, sendo efectivamente precipitada uma súmula do por si referidos, com uma breve e genérica análise da sua credibilidade, sem qualquer explicitação relativamente aos factos imputados aos arguidos;

- em sede de fundamentação de direito, o Acórdão recorrido se limita a concluir, com uma formulação tabelar que poderá ser aplicada a qualquer processo em que estejam em causa os ilícitos sob escrutínio nos autos, que se mostram preenchidos os elementos do tipo (fls. 33 e 34);

D. Ora, da leitura da fundamentação, deveria o leitor alcançar porque motivo e com base em que meios de prova foi dado como provado que os arguidos, dentro dos quais, o Recorrente, aderiram ao plano alegadamente construído pelo co-arguido AA; como e quando forjaram os documentos; por que razão se conclui que bem sabiam que os documentos usados para efectivar os pedidos de reembolso eram falsos / forjados e que os voos haviam sido cancelados; quais os factos, meios de prova e raciocínio que permitem concluir que os arguidos fizeram da prática do crime de burla modo de vida, para fundamentar a condenação pela alínea b), do nº 2, do artigo 218º do CP; que operações visando camuflar a origem ilícita das quantias depositadas na conta do Recorrente e permitir a sua integração do sistema financeiro, dando-lhe uma aparência de legalidade e/ou visando a aquisição de bens a fim de disfarçar a sua origem foram praticadas pelo Recorrente;

E. Deste jeito, violou o Tribunal a quo o dever de fundamentação ínsito no artigo 374º, nº 2, do CPP, o que inquina a decisão recorrida do vício de nulidade previsto no artigo 379º, n º 1, alínea a), do CPP, devendo ser revogado o Acórdão recorrido e ordenada a remessa dos autos à Primeira Instância, a fim de ser sanado o vício invocado, não se consentindo que o mesmo seja sanado por este Venerando Tribunal, sob pena de violação do duplo grau de jurisdição imposto pelo artigo 32º, nº 1, do CPP.

F. A interpretação e aplicação da norma contida no artigo 374º, nº 2, do CPP, sufragada pelo Tribunal a quo, no sentido de o dever de fundamentação se encontrar cumprido com o elenco dos documentos que serviram de base à decisão e das declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, sem que seja explicitado o seu exame crítico por referência aos factos dados por assentes e não assentes, em cotejo com os demais meios de prova, são ilegais e inconstitucionais, porque violadoras do disposto no artigo 20º, nº 1, da CRP (acesso aos Tribunais e à Justiça), no artigo 32º, nº 1, da CRP (direito ao recurso que só poderá ser exercido se a decisão de que se recorre for inteligível) e no artigo 205º, nº 1, da CRP e do direito a um processo justo e equitativo, garantido pelos artigos 32º, nºs 1 e 5 e 6º da CEDH (Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

G. Preliminarmente, dir-se-á, para comodidade de apreensão dos vícios que se apontam ao areópago sob análise que o Recorrente foi condenado pela prática dos crimes de:

i) burla qualificada, seja pelo valor consideravelmente elevado do alegado prejuízo sofrido pelo erário público, seja por constituir modo de vida dos arguidos;

ii) falsificação de documentos, seja na sua vertente material, seja na modalidade de uso de documento falso e

iii) branqueamento de capitais, através do depósito na sua conta bancária de quantias provenientes da prática dos crimes anteriormente referidos, visando introduzi-las no circuito bancário e, assim, dar-lhes uma aparência de licitude e disfarçar a sua proveniência;

H. E assim, é dado como provado que o Recorrente aceitou colaborar com o co-arguido AA, aderindo ao plano por este elaborado, tendo em vista a recolha de proveitos substanciais, através de pedidos de pagamento de subsídio de mobilidade efectuados com base em títulos de viagem entre a Região Autónoma da Madeira e o Continente, obtidos electronicamente mas posteriormente anulados nos prazos contratuais previstos, em nome de terceiros residentes na Madeira, através de certificações notariais forjadas dos seus cartões de cidadão, bem sabendo que as viagens não tinham sido realizadas.

I. Alegadamente, as quantias obtidas através dos pedidos de pagamento do subsídio eram parcialmente canalizadas para a compra de novos bilhetes, sendo o remanescente entregue ao referido coarguido AA, vendo o Recorrente a sua colaboração remunerada em cerca de € 1.000,00 por mês durante os 3/4 meses em que prestou este serviço, ainda que em montante não concretamente apurado.

J. Considerando o disposto nos artigos 4º e 6º, nº 1, do Decreto-lei n.º 134/2015, de 24 de Julho, deveriam quer o libelo acusatório, quer o Acórdão condenatório, identificar a data em que foi efectivamente pedido o pagamento do subsídio de mobilidade, conquanto este apenas pode ser concedido, após o sexagésimo dia a contar da data da emissão da factura ou da factura-recibo e no prazo máximo de 90 dias a contar da data da realização da viagem de regresso, como previsto no artigo 5º, nº 1, da Portaria n.º 260-C/2015, de 24 de Agosto, o que não sucedeu;

K. Tal factualidade é de crucial relevo para a boa descoberta da verdade material, nomeadamente, no que atine ao preenchimento do elemento objectivo do crime de burla qualificada pelo qual foi o Recorrente condenado, isto é, quanto à comprovação, ou não, da verificação do erro astuciosamente provocado aos balcões dos CTT onde eram efectuados os pedidos de pagamento, adequado à concretização do prejuízo invocado;

L. Ademais, quanto ao alegado prejuízo causado no montante de € 66.254,00, nos termos dados como assentes no ponto 26º, não toma em consideração o custo assumido pela aquisição das viagens, sendo que tal circunstância tem reflexo quanto ao valor da perda declarada, conquanto, as alegadas vantagens devem ser quantificadas deduzindo ao valor dos pedidos de pagamento de subsídio a quantia despendida na aquisição dos bilhetes, o que não foi feito.

M. Seja quanto à adesão ao plano alegadamente urdido pelo co-arguido AA, seja quanto à falsificação das certificações notariais, seja quanto ao facto de os pretensos passageiros, residentes na Ilha da Madeira não terem realizado as viagens, não terem facultados os seus documentos, não terem solicitado os pedidos de reembolso, e ainda seja quanto à anulação das viagens e posterior pedido de reembolso, a decisão recorrida é totalmente omissa relativamente aos elementos probatórios que permitem tal conclusão – vide fls. 26 e 27, ainda que

N. O Recorrente, nas declarações por si prestadas e que a decisão recorrida valorou por as considerar credíveis, a fls. 30 – negou ter aderido a um qualquer plano elaborado pelo co-arguido, assim como negou ter conhecimento da falsificação dos documentos identificativos e ainda dos bilhetes terem sido anulados e reembolsados, acreditando piamente que efectuava uma prestação de serviços lícita, mediante retribuição e que os pedidos de pagamento do subsídio de mobilidade correspondiam ao pretendido pelos passageiros identificados nos bilhetes electrónicos;

O. A factualidade dada como provada nos pontos 2º, 9º, 11º, 14º, 18º, 22º a 29º deverá ser dada como não provados, nos termos infra indicados, padecendo a decisão impugnada do vício notório de insuficiência da matéria de facto;

P. Em conformidade, deverá o Recorrente ser absolvido dos crimes de burla qualificada, falsificação de documentos qualificada e de branqueamento de capitais pelos quais foi condenado e, consequentemente, ser declarada improcedente a perda de produtos/vantagens, nos termos do artigo 110º do CP, porquanto

Q. A não inclusão de tal matéria no libelo acusatório torna a Acusação Pública manifestamente infundada nesta parte, sendo ainda certo que, constituindo elemento típico do crime, não poderão nem o Tribunal a quo, nem o Tribunal ad quem proceder à sua sanação através dos mecanismos ínsitos nos artigos 358º e 359º, ambos do CPP, primo, porque o Recorrente opõe-se à alteração substancial dos factos; secundo, porque tal alteração nunca poderá ser subsumida à previsão normativa contida no artigo 358º, do CPP;

R. O areópago sob escrutínio vê-se inquinado do vício de contradição insanável, já que o Recorrente foi condenado pela prática do crime de burla qualificada, por alegado preenchimento da cláusula qualificativa prevista na alínea b), do nº 2, do artigo 218º, conjugado com o disposto no artigo 217º, ambos do CP, ou seja, pelo facto de alegadamente o Recorrente fazer da burla modo de vida, quando:

a) o Recorrente é primário, conforme se dá como provado no ponto 31º da matéria de facto dada como assente;

b) não é dado como provado que o Recorrente faça da burla modo de vida, nem tão-pouco são dados como provados factos que assim o demonstram, antes pelo contrário, já que, a fls. 23 é dado como não provado que os arguidos viviam exclusivamente da prática de actos como os supra descritos, e

c) em sede de condições pessoais, é dado como provado sob o ponto 30.A. que o arguido se encontra actualmente a trabalhar desde 20-09-2021, auferindo um salário mensal variável, entre cerca de € 1.000,00 a € 2.400,00, sendo que, em sede de determinação da pena parcelar, se conclui, a página 36, que De realçar que neste momento todos os arguidos se encontram inseridos a nível social e profissional, parecendo-nos que terá sido um caso isolado nas suas vidas que não se voltará a repetir, ainda que em sede de fundamentação da pena única se exare, a fls. 38 – ainda que no singular, dando a entender que o Tribunal a quo apenas se referiu a um arguido, desconhecendo-se qual – que Assim, na avaliação da personalidade, tendo em conta o modo de vida do arguido, conclui-se que o conjunto global dos factos indicia uma tendência criminosa, para a prática de crimes contra o património;

S. Mais, considerando o acima referido e o consignado no Acórdão recorrido, encontram-se reunidos os pressupostos do disposto no artigo 426º, nº 1, do CPP, devendo o Acórdão ser revogado e substituído por outro que absolva o recorrente da prática do crime de burla qualificada, nos termos das disposições conjugadas contidas nos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2, alínea b), ambos do CPP;

T. Quanto à condenação pela prática dos três crimes em co-autoria, por ter alegadamente aderido ao plano elaborado pelo co-arguido AA– vide pontos 2º; 9º - Nessa conformidade –; 11º – Assim, em execução de tal plano i(…) que lhe permitiram obter indevidamente a quantia de pelo menos 39.878€ dos pagamentos recebidos relativamente às viagens: – ;18º – Para tanto –; 22º; 23º –, a fls. 23, é dado como não provado que os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consicente, em execução do plano conjunto a que todos aderiram, e, em sede de fundamentação, a fls. 26, ressumbra da súmula das declarações prestadas pelo Recorrente, que: não se conseguiu demonstrar que tivesse qualquer plano originário com o AA;

U. O que configura contradição insanável, de particular importância, porquanto a condenação do Recorrente ancora precisamente na alegada co-autoria na prática dos crimes, cujo plano foi todo ele urdido pelo co-arguido AA, mais a mais considerando os factos provados 1º; 3º a 8º, centrados e apenas contemplando esse co-arguido, sendo ainda dado como provado no ponto 14º que os valores dos subsídios eram entregues ao AA e que o Recorrente apenas auferia um pagamento pelos serviços prestados – pontos 10º (comissão pelo trabalho efectuado) 17º;

V. A condenação ancora em juízos de inferência ilícitos, porque não alcandorados em factos objectivos demonstrados, com explicitação clara do silogismo que permitiu a conclusão pela prova dos factos e preenchimento do tipo imputado, inquinando a decisão recorrida do vício de erro notório na apreciação da prova, devendo o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que absolva o Recorrente dos crimes pelos quais foi condenado e ainda declarada improcedente a perda de vantagens, nos termos do disposto no artigo 426º, nº 1, do CPP,

W. O avocado vício constitui, outrossim, violação do dever de fundamentação previsto no artigo 374º, n,º 2, do CPP, por desrespeito ao princípio da livre apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção, nos termos do disposto no artigo 127º do CPP identicamente violado, ferindo a decisão recorrida, de novo, da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP.

X. De tudo o quanto supra se explanou, resulta a violação do princípio in dúbio pro reo, assim como do dever de fundamentação previsto no artigo 374º, n,º 2, do CPP, por desrespeito ao princípio da livre apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção, nos termos do disposto no artigo 127º do CPP e da presunção de inocência, prevista no artigo 32º, nº 2 da CRP, outrossim violados, ferindo a decisão recorrida, de novo, da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra de absolvição.

Y. Analisados os autos, para efeitos de impugnação alargada, conclui-se que foram incorrectamente julgados os pontos 1º; 2º; 9º; 11º; 14º; 18º; 22º; 23º; 24º; 25º; 26º; 27º; 28º e 29º dos factos provados;

Z. No ponto 11º dos factos provados, são dados como provados os pedidos de pagamento de subsídio alegadamente efectuados pelo Recorrente, sem, contudo, ser indicada a data em que foi efectuado o pedido de pagamento; são duplicados pedidos de pagamento e ainda são referidos pedidos de pagamento que o Recorrente não apresentou, como se depreende dos documentos constantes de fls. 290 e 422, dos autos principais e do Apenso 1, Volumes I e II;

AA. Ora, os pedidos de pagamento do subsídio de mobilidade foram todos apresentados antes do sexagésimo dia a contar da data da emissão da fatura ou da fatura-recibo, pelo que não podiam os funcionários dos balcões do CTT, legítima e legalmente proceder ao seu pagamento, não tendo a conduta dos arguidos e, em concreto, do Recorrente possibilitado o erro repontado no Acórdão, como originador do prejuízo sofrido pelo erário público;

BB. Conclui-se da prova documental convocada que foram indevidamente considerados pedidos de pagamento de subsídio social de mobilidade, no valor de € 314,00 (trezentos e catorze euros) cada, totalizando, € 7.222,00 (sete mil, duzentos e vinte e dois euros), que deverão ser deduzidos à verba consignada no ponto 26, assim como ao valor da perda de vantagem.

CC. Outrossim, ao valor total dos pedidos de pagamento de subsídio de mobilidade, não foi deduzido o valor do custo de aquisição dos bilhetes adquiridos pelos arguidos, o qual não foi sequer quantificado pela Acusação Pública, coarctando o integral e efectivo exercício dos direitos e garantias de defesa do arguido recorrente, ressumbrando violado o direito à igualdade de armas, a um processo justo e equitativo, garantido pelos artigos 32º, nºs 1 e 5 e 6º da CEDH (Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

           DD.    Deverão os factos dados como provados serem corrigidos, de acordo com a prova acabada de chamar à colação e demonstrativa do erro de julgamento, nos seguintes termos:

           1.Em data não determinada de 2016, o Em data não determinada de 2016, o arguido AA, elaborou um plano criminoso, no intuito de obter para si e para terceiros que o ajudassem, substanciais proveitos que não lhes eram devidos, defraudando o erário público.

           2. Para o efeito, solicitou a colaboração dos arguidos BB e CC os quais aderiram ao plano, com o mesmo intuito. Não provado;

           9.Nessa conformidade, solicitou aos arguidos CC e BB, para procederem à reclamação dos valores do subsidio de mobilidade nos balcões dos CTT, o que estes fizeram, após lhes facultar a documentação

           11.Assim, em execução de tal plano, o arguido BB, diretamente e em representação de terceiras pessoas, efetuou pedidos de pagamento de subsídio social de mobilidade previsto no Decreto Lei nº. 134/2015, de 24 de julho, usando para tal faturas de pagamento de bilhetes de avião relativas a viagens alegadamente efetuadas entre a Região Autónoma da Madeira e o continente e vice-versa, com recurso a certificações notariais contrafeitas, que lhe permitiram obter indevidamente a quantia de pelo menos no valor de 32.656,00 € dos pagamentos recebidos relativamente às viagens:

Pretensamente realizadas por DD:

 

Data

Voo inicial

 

Data

Voo regresso

Data do Pedido de de

pagamento

 

Valor SSM

 

Nº. bilhete

 

Local pagamento

 
 
 
 
 
29.08.2016 29.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163394212 Restauradores. - Lx
11.09.2016 12.09.2016
30-09-2016
314,0
331 2401885519
Batalha – Porto
07.09.2016 08.09.2016
30-09-2016
314,0
331 2401885499
14.08.2016 15.08.2016
30-09-2016
314,0 €
331 2401885367 Canidelo – Porto
15.09.2016 16.09.2016
30-09-2016
314,0 €
331 2401885536

Pretensamente realizadas por EE:

21.09.2016 21.09.2016
30-09-2016
314,0
0472163630740
Batalha – Porto

Pretensamente realizadas por FF

04.07.2016 04.07.2016
07-07-2016
314,0
0472163034521
Batalha - Porto
21.07.2016 21.07.2016
05-08-2016
314,0
0472163243346
Restauradores. - Lx
02.08.2016 02.08.2016
05-08-2016
314,0
0472163243344
 
19.07.2016 19.07.2016
05-08-2016
314,0
0472163243347
 
26.07.2016 27.07.2016
05-08-2016
314,0
0472163243345
 
29.08.2016 29.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163394203
 

Pretensamente realizadas por GG

04.07.2016 04.07.2016
07-07-2016
314,0 €
0472163034529
Restauradores. - Lx
25.08.2016 25.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883450
Restauradores – Lx
02.08.2016 03.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883430
 

Pretensamente realizadas por HH:

04.07.2016  
07-07-2016
314,0 €
0472163034525
Restauradores. – Lx

Pretensamente realizadas por II

04.07.2016  
07-07-2016
314,0 €
0472163034523
Restauradores. – Lx

Pretensamente realizadas por JJ:

04.07.2016  
07-07-2016
314,0 €
0472163034527
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por KK:

04.07.2016  07-07-2016
314,0 €
0472163034528
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por LL:

04.07.2016 04.07.2016
07-07-2016
314,0 €
0472163035340
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por MM:

09.08.2016 09.08.2016
12-08-2016
314,0 €
0472163274699
Restauradores. - Lx
05.07.2016 05.07.2016
12-08-2016
314,0 €
0472163274711
28.07.2016 28.07.2016
11-08-2016
314,0
0472163273089
19.07.2016 19.07.2016
12-08-2016
314,0
0472163274717
30.07.2016 30.07.2016
12-08-2016
314,0
0472163274704
29.08.2016 29.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163274723

Pretensamente realizadas por NN

02.08.2016 02.08.2016
12-08-2016
314,0 €
0472163274746
Restauradores. - Lx
09.08.2016 09.08.2016
12-08-2016
314,0 €
0472163274741
07.07.2016 07.07.2016
11-08-2016
314,0
0472163273091
17.07.2016 17.07.2016
11-08-2016
314,0
0472163273087
14.07.2016 14.07.2016
11-08-2016
314,0
0472163273098

Pretensamente realizadas por CC:

27.08.2016 28.08.2016
29-08-2016
314,0
0472163309517
Restauradores. - Lx
07.07.2016 07.07.2016
11-08-2016
314,0
0472163273094
29.08.2016 29.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163274732
05.07.2016 05.07.2016
12-08-2016
314,0
0472163274715
13.07.2016 13.07.2016
12-08-2016
314,0
0472163274693
28.07.2016 28.07.2016
12-08-2016
314,0
0472163274695
21.07.2016 21.07.2016
11-08-2016
314,0
0472163273099
02.08.2016 02.08.2016
12-08-2016
314,0
0472163274697
07.08.2016 07.08.2016
12-08-2016
314,0
0472163274691

Pretensamente realizadas por OO

29.08.2016 29.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163394208
Restauradores. - Lx
07.07.2016 07.07.2016
11-08-2016
314,0
0472163271025
17.07.2016 17.07.2016
11-08-2016
314,0
0472163273086
10.07.2016 10.07.2016
11-08-2016
314,0
0472163273093
14.07.2016 14.07.2016
11-08-2016
314,0
0472163273090
 5.08.2016 25.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883464
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por PP

12.08.2016 12.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163394210
Restauradores. - Lx
21.07.2016 22.07.2016
31-08-2016
314,0
331 2401815031

Pretensamente realizadas por QQ:

29.08.2016 29.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163274727
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por RR

29.08.2016 29.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163394204 Restauradores. - Lx
25.08.2016 25.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883457

Pretensamente realizadas por SS:

29.08.2016 29.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163394205 Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por TT

29.08.2016 29.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163394202
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por UU

29.08.2016 29.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163394213
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por VV:

05.08.2016 05.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163394207
Restauradores. - Lx
29.08.2016 29.08.2016
31-08-2016
314,0
0472163394206

Pretensamente realizadas por WW

27.08.2016 28.08.2016
29-08-2016
314,0
0472163309522
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por XX:

03.09.2016 04.09.2016
28-09-2016
314,0
331 2401885469
Galiza - Porto

Pretensamente realizadas por YY:

25.07.2016 26.07.2016
30-08-2016
314,0
331 2401883509 Galiza - Porto
13.07.2016 13.07.2016
25-08-2016
314,0 €
331 2401883259 Restauradores. - Lx
23.08.2016 23.08.2016
24-08-2016
314,0 €
331 2401883339 Restauradores. - Lx
02.08.2016 03.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883437
27.08.2016 27.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883472

Pretensamente realizadas por ZZ:

22.08.2016 23.08.2016
29-09-2016
314,0
331 2401886928 Batalha - Porto
23.09.2016 24.09.2016
29-09-2016
314,0
331 2401886785
18.08.2016 19.08.2016
29-09-2016
314,0
331 2401886959
10.08.2016 11.08.2016
29-09-2016
314,0
331 2401887058
14.08.2016 15.08.2016
29-09-2016
314,0
331 2401887015

Pretensamente realizadas por AAA

06.08.2016 07.08.2016
29-09-2016
314,0
331 2401884907
Batalha - Porto

Pretensamente realizadas por BBB

30.06.2016 01.07.2016
12-07-2016
314,0
331 2401812545
Batalha - Porto

Pretensamente realizadas por CCC

20.06.2016 21.06.2016
12-07-2016
314,0
331 2401812569
Batalha - Porto
08.06.2016 09.06.2016
12-07-2016
314,0 €
331 2401812553
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por DDD:

26.06.2016 27.06.2016
12-07-2016
314,0
331 2401812536
Batalha - Porto
18.06.2016 19.09.2016
12-07-2016
314,0 €
331 2401812530
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por EEE:

23.08.2016 23.08.2016
24-08-2016
314,0 €
331 2401883335 Restauradores. - Lx
13.07.2016 13.07.2016
25-08-2016
314,0 €
331 2401883257
02.08.2016 03.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883434
 
27.08.2016 27.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883470
 
25.07.2016 26.07.2016
31-08-2016
314,0
331 2401883506
 
29.07.2016 30.07.2016
31-08-2016
314,0
331 2401883490
 

Pretensamente realizadas por FFF:

23.08.2016 23.08.2016
24-08-2016
314,0 €
331 2401883340
Restauradores. - Lx
13.07.2016 13.07.2016
25-08-2016
314,0 €
331 2401883261
 
29.07.2016 30.07.2016
31-08-2016
314,0 €
312 40188349601
 
02.08.2016 03.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883439
 
27.08.2016 27.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883478
 
25.07.2016 26.07.2016
31-08-2016
314,0
331 2401883511
 

Pretensamente realizadas por GGG:

13.07.2016 13.07.2016
25-08-2016
314,0 €
331 2401883255
Restauradores - Lx
 23.08.2016 23.08.2016
24-08-2016
314,0
331 2401883330
29.07.2016 30.07.2016
31-08-2016
314,0
331 2401883488
25.07.2016 26.07.2016
31-08-2016
314,0
331 2401883504
27.08.2016 27.08.2016
YY
314,0
331 2401883467

Pretensamente realizadas por HHH

27.08.2016 27.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883460
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por III

29.07.2016 30.07.2016
31-08-2016
314,0
331 2401883500
Restauradores. - Lx
02.08.2016 03.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883445
27.08.2016 27.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883484
25.07.2016 26.07.2016
31-08-2016
314,0
331 2401883517

Pretensamente realizadas por JJJ

02.08.2016 03.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883443
Restauradores. - Lx
25.07.2016 26.07.2016
31-08-2016
314,0
331 2401883515
29.07.2016 30.07.2016
31-08-2016
314,0
331 2401883498
27.08.2016 27.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883480

Pretensamente realizadas por KKK

25.08.2016 25.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883453
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por LLL:

25.08.2016 25.08.2016
29-08-2016
314,0
331 2401883455
Restauradores - Lx

Pretensamente realizadas pelo arguido BB

12.07.2016 12.07.2016
24-08-2016
314,0
331 2401883253
Restauradores - Lx

 

14. como já se referiu, na posse dos valores entregues pelos balcões dos CTT, os arguidos BB e CC entregavam tais valores ao arguido AA.

18. Para tanto, os arguidos BB e AA usavam as contas bancárias tituladas por ambos, nas quais eram depositados os valores obtidos nos balcões CTT da forma supra descrita, sendo parte deles depois utilizados na compra de bilhetes eletrónicos de viagens de e para a Madeira, que de imediato eram anulados, voltando os valores às contas do BB e do AA.

22. As quantias depositadas nas contas dos arguidos, usadas para comprar bilhetes eram, todas, provenientes da prática dos factos que supra se descreveram. Não provado

23. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução do plano elaborado pelo AA e a que os demais aderiram, com a intenção concretizada de enganarem os funcionários dos CTT, fazendo-os crer estarem na posse de títulos válidos de transporte entre a Madeira e o Continente e em condições de beneficiarem dos subsídios de mobilidade, bem como autorizados pelos titulares de tais bilhetes a proceder ao respetivo levantamento, o que era falso. Não provado no que diz respeito ao Recorrente.

24. Para tanto, os arguidos usaram títulos de transporte e supostas cópias certificadas de cartões de cidadão para erradamente fazerem crer estarem autorizados a praticar tais autos e legitimados ao recebimento dos subsídios, o que não correspondia à verdade. Não provado no que diz respeito ao Recorrente.

25. Bem sabiam que uma certificação notarial de documento faz fé pública e atesta perante terceiros a veracidade do documento certificado e que forjaram e usaram tais certificações em cópias de cartões de cidadão de residentes na Madeira. Não provado no que diz respeito ao Recorrente.

26.Conseguiram com essa actuação a quantia de pelo menos € 66.254, em prejuízo dos efetivos titulares do direito ao recebimento dos subsídios e fundamentalmente, do Estado Português, que, assim, se viu indevidamente desapossado de tal valor. Não provado no que diz respeito ao Recorrente.

27.Os funcionários dos CTT apenas entregaram as quantias aos arguidos perante a convicção, pelos mesmos criada mediante o uso dos documentos descritos, de estavam reunidos os requisitos para o recebimento dos subsídios e estavam autorizados para tal pelos respetivos e putativos beneficiários. Não provado.

28.Mais sabiam os arguidos AA e BB que o dinheiro depositado nas suas contas provinha da prática de crime, que os valores usados na compra de bilhetes e daí transferidos se destinavam à prática de novos crimes e aos próprios arguidos que usaram tais contas para introduzirem tais valores no circuito bancário, assim lhes dando uma aparência de licitude e disfarçarem tal proveniência. Não provado em relação ao Recorrente.

29.Todos os arguidos sabiam, sempre, que praticavam atos proibidos e punidos pela lei penal. Não provado em relação ao Recorrente.

EE. Deverá o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que absolva o recorrente, seja quanto aos crimes pelos quais foi condenado, seja quanto à perda declarada, nos termos do disposto no artigo 110º do CP.

FF. Na procedência do esforço recursório ensaiado em sede de matéria de facto, depreende-se a falta de preenchimento dos elementos típicos dos crimes pelos quais foi o Recorrente condenado, pelo que deverá ser absolvido, assim como deverá ser declarada improcedente a perda declarada nos autos, nos termos do disposto no artigo 110º do CP.

SEM PRESCINDIR,

GG. Ante os factos dados como provados, nomeadamente no ponto 2º, e a fundamentação de facto e de direito constantes da decisão recorrida, assim como tudo quanto acima se alegou, é manifesto que o Recorrente não pode ser condenado como co-autor, seja porque não elaborou, nem aquiesceu na concretização do plano urdido pelo co-arguido, não tendo sequer conhecimento dos factos integradores do plano e imprescindíveis à perfectibilização da conduta integradora de qualquer um dos crimes pelos quais foi condenado – veja-se, a falsificação dos documentos de identificação dos passageiros; a aquisição de bilhetes de antemão vocacionados a serem anulados; a não realização das viagens;

HH. Ademais, nem se mostrou preenchido o elemento subjectivo que também preside à verificação da co-autoria, seja na sua vertente intelectual, seja na sua vertente volitiva, já que o Recorrente estava convicto que as viagens iam ser de facto realizadas por quem de direito e o subsídio entregue a essas mesmas pessoas;

II. Logo, nunca poderia o Recorrente ser condenado como co-autor dos crimes pelos  quais foi condenado, devendo, em conformidade, ser absolvido, sendo que ao decidir como decidiu, violou a decisão recorrida as normas extraídas da conjugação do disposto nos artigos 26º, 217º, nº 1, 218º, nºs 1 2 2, alíneas a) e b), 256º, nºs 1, alíneas a), b) e e) e 3, e 368º-A, nºs 1 e 3, todos do CP.

JJ. Outrossim, considerando a factualidade dada como provada nos autos, seja fruto do presente esforço recursivo, seja acaso este improceda, o que por mera cautela de raciocínio se excogita, sem consentir, sempre se dirá que:

- o pagamento do subsídio de mobilidade ocorreu por erro dos funcionários dos balcões dos CTT em nada assacável aos arguidos e, muito menos, ao Recorrente, porquanto, nos termos do disposto nas disposições conjugadas contidas nos artigos 6º, nº 1, do Decreto-lei n.º 134/2015, de 24 de Julho e artigo 5º, nº 1, da Portaria n.º 260-C/2015, de 24 de Agosto, apenas seriam elegíveis pedidos formulados após o sexagésimo dia a contar da data da emissão da factura ou da factura-recibo, o que não sucedeu;

- o Recorrente não pretendeu ilidir, nem tão-pouco prejudicar o erário público, estando plenamente convencido que as viagens haviam sido realizadas, os bilhetes de avião válidos, as cópias certificadas dos documentos de identificação eram verdadeiros e os pedidos de pagamento eram efectuados em prol dos passageiros, enquadrando-se num contrato de prestação de serviços mediante retribuição;

KK. Quer a Acusação Pública, quer o Acórdão recorrido são totalmente omissos neste particular, não imputando ao Recorrente o dolo específico acima exigido, enfermando a própria acusação de narração insuficiente, a qual não pode ser suprida através dos mecanismos previstos nos artigos 358.º ou 359.º, ambos do CPP;

LL. Nesta confluência, deverá o Recorrente ser absolvido da prática do crime de burla qualificada.

MM. O recorrente não forjou as cópias certificadas dos documentos de identificação civil, nem tão-pouco sabia que o eram, ainda que nenhuma prova efectiva se tenha feito neste particular, a não ser por depoimento dos titulares dos respectivos documentos; desconhecia as viagens tituladas pelos bilhetes electrónicos não haviam sido realizadas, nem que tinham sido anuladas; - desconhecia que os titulares dos referidos bilhetes de avião nunca haviam solicitado a emissão dos mesmos, e ainda que fosse pedidos pagamentos de subsídio em seu nome; e não teve qualquer domínio do facto quanto à alegada fabricação de documento falso (alíneas a) e b) do tipo, pelo que nunca poderia ser condenado pela prática do referido crime nessas modalidades;

NN. Deverá o Recorrente ser absolvido da prática do crime de falsificação de documentos pelo qual foi erroneamente condenado;

OO. Finalmente, lida a decisão impugnada, tendo presente as alegações acima expostas, dúvidas não soçobram que a conduta imputada ao Recorrente não permite o preenchimento dos elementos do tipo de branqueamento de capitais, não tendo praticado qualquer acto objectivo integrador do crime em questão, desconhecendo a proveniência ilícita das quantias depositadas na sua conta;

PP. Deverá o Recorrente ser absolvido.

QQ. Sem prescindir, o que apenas por mera cautela de raciocínio se excogita, sem consentir, por tudo quanto acima se alegou, a actuação do Recorrente apenas poderá integrar a cumplicidade, nos termos do disposto no artigo 27º do CP, normativo este que surge violado pela decisão recorrida.

RR. Não tendo o arguido Recorrente praticado os factos típicos ilícitos pelos quais foi condenado, deverá a declaração de perda a favor do Estado ser revogada em consonância.

SEM PRESCINDIR,

SS. Conforme se alegou supra e se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, os autos não contém elementos suficientes para quantificar os valores susceptíveis de declaração de perda, conquanto, não foram determinados concreta e correctamente os pagamentos de subsídio de mobilidade indevidamente pagos, nem tão-pouco foram deduzidos a esse valor a quantia despendida a título de aquisição dos bilhetes de avião, pelo que deverá a perda ser declarada improcedente.

TT. O Tribunal a quo não cumpriu o dever de fundamentação que lhe é exigido, seja no que diz respeito às penas parcelares, seja no que diz respeito à pena única determinada em cúmulo, consagrado pelas disposições conjugadas contidas nos artigos 374º, n.º 2 e 375º, n.º 1, ambos do CPP e no artigo 71º, n.º 3 do CP, normas estas que emergem violadas, padecendo da nulidade prevista no artigo 379º, n,º 1, alínea a) do CPP, a qual desde já se invoca.

UU. Acresce que, no caso da procedência do argumentário quanto à cumplicidade, deverá, por conseguinte, ser a medida da pena especialmente atenuada, nos termos das disposições conjugadas contidas nos artigos 27º, nº 2 e 73º, ambos do CP.

ASSIM,

VV. Tendo sempre presente o princípio da culpa, os factos dados como provados, nomeadamente, quanto à inserção social e familiar do Recorrente, a ausência de antecedentes criminais, o tempo decorrido desde a prática dos factos e o bom comportamento entretanto assumido, deverão as penas aplicadas ao recorrente, pela prática, dos crimes de burla qualificada, falsificação agravada e branqueamento de capitais, ser fixadas no mínimo legal previsto, assim como a pena única a aplicar, ou seja:

- Quanto ao crime de burla:

A pena concreta deverá ser fixada, no mínimo legal previsto, ou seja, 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período;

- Quanto ao crime de falsificação de documentos:

A pena concreta deverá ser fixada, no mínimo legal previsto, ou seja, 6 meses e ser substituída, por força do disposto no artigo 45º do Código Penal, por pena de multa, fixada no mínimo legal de 10 dias, à taxa diária de € 5,00 (cinco euro), ou seja, € 50,00 (cinquenta euros);

- Quanto ao crime de branqueamento de capitais:

A pena concreta deverá ser fixada, no mínimo legal previsto, ou seja, 1 mês e ser substituída, por força do disposto no artigo 45º do Código Penal, por pena de multa, fixada no mínimo legal de 10 dias, à taxa diária de € 5,00 (cinco euro), ou seja, € 50,00 (cinquenta euros);

- Quanto à pena única, considerando o disposto no artigo 77º, nºs 1 e 2 do CP:

Pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período e pena de multa, fixada em 10 (dez) dias, à taxa diária de € 5,00 (cinco euro), ou seja, € 50,00 (cinquenta euros).

Termos em que, na procedência do presente recurso, deverá ser revogada a decisão recorrida, absolvendo-se o Recorrente dos crimes pelos quais foi condenado (…)

 

            O M.P., na sua resposta, pronunciou-se pela manutenção da decisão recorrida concluindo pela forma seguinte:

            1- O recorrente, pretendendo impugnar a matéria de facto dada como provada, encontrava-se, nos termos estabelecidos pelo artigo 413.º, n.º 3, e n.º 4, do Código de Processo Penal, vinculado ao ónus de especificar, além dos concretos pontos de facto que veio a considerar incorrectamente julgados, as provas concretas que impunham decisão diversa.

            2- Não tendo sido observado esse dever de especificação probatória e porque, por outro lado não se verifica qualquer das demais situações previstas no artigo 431.º, daquele Código, torna-se imodificável a matéria de facto assente no douto acórdão recorrido.

            3- Pelas razões desenvolvidas nesta resposta, não se vislumbra que o acórdão enferme dos vícios elencados nas alíneas a), b) e c), do artigo 410.º, n.º 2, do C.PP, invocado pelo recorrente.

            4- O douto acórdão recorrido evidencia, minimamente, é certo, o substracto racional que levou à formação da convicção do Colectivo de Juízes, não enfermando, por isso, de vício processual e, concretamente, da nulidade prevista no artigo 379º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, arguida pelo recorrente

            5-Tendo presente as finalidades da punição, a culpa do arguido e as exigências de prevenção, sem haver deixado de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos de crime, depunham a favor ou contra aquele, o Tribunal determinou, com bondade, quer as penas parcelares concretamente a aplicar, quer, decorrente do cúmulo jurídico operado, a pena única.

           6- O douto acórdão recorrido fez correcta interpretação dos preceitos legais que havia a aplicar, não se mostrando ofendido qualquer normativo, apontado na motivação do recorrente, ou outra qualquer disposição legal e, designadamente, alguma das mencionadas na presente resposta.

            Nesta instância o Exmº. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

            Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a audiência, como havia sido requerido pelo recorrente.

Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões formuladas, as questões a conhecer são as seguintes:

- Nulidade decorrente de falta de fundamentação da matéria de facto provada; 374º, nº 2, do CPP  e 379º, n º 1, alínea a), do CPP;

- Falta de averiguação de factualidade essencial para o preenchimento do elemento objectivo do crime de burla qualificada;

- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

- Impugnação ampla da matéria de facto;

- Contradição insanável;

- Inexistência de coautoria, ocorrendo falta de factos provados que a consubstanciem;

- Erro notório na apreciação da prova;

- Violação do princípio in dubio pro reo;

- Absolvição do recorrente relativamente a todos os crimes por que foi condenado em 1ª instância;

- Redução das penas parcelares e da pena única;

- Ilegal declaração de perda a favor do Estado:

II – FUNDAMENTAÇÃO:

           

            O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

            1.Em data não determinada de 2016, o Em data não determinada de 2016, o arguido AA, elaborou um plano criminoso, no intuito de obter para si e para terceiros que o ajudassem, substanciais proveitos que não lhes eram devidos, defraudando o erário público.

            2. Para o efeito, solicitou a colaboração dos arguidos BB e CC os quais aderiram ao plano, com o mesmo intuito.

            3.Com vista à concretização de tal plano, de modo não concretamente apurado, o arguido AA arranjava a documentação necessária consistentes em cópias de cartões de cidadão de madeirenses e certificações notariais e adiantava as quantias para os primeiros bilhetes eletrónicos.

            4.Após, o arguido AA procedia à compra de bilhetes, efectuava os cancelamentos e reclamava os valores do subsidio social de mobilidade nos balcões dos CTT.

            5. Concretamente, tal plano consubstanciar-se-ia, num primeiro momento, na aquisição, por via eletrónica, de um bilhete para viajar entre o arquipélago da Madeira e o Continente nos dias seguintes, sendo emitido o respetivo bilhete eletrónico e recibo comprovativo dessa aquisição.

            6.Em seguida era emitido o cartão de embarque online (nas 36H00 anteriores ao voo da TAP e nas 48H00 anteriores ao voo da SATA).

            7.Nas 24H00 seguintes à emissão do recibo era solicitado o cancelamento à companhia aérea, sendo reembolsada a totalidade do montante pago pelo bilhete.

            8. Posteriormente, era reclamada numa loja CTT – no caso vertente, em território continental – o pagamento do subsídio social de mobilidade, mediante a apresentação de documentos aparentemente válidos (bilhete, recibo de pagamento e cartão de embarque) bem como de certificações notariais forjadas de cópias dos cartões de cidadão dos pretensos passageiros.

            9. Nessa conformidade, solicitou aos arguidos CC e BB, para procederem à reclamação dos valores do subsidio de mobilidade nos balcões dos CTT, o que estes fizeram, após lhes facultar a documentação

            10. Na posse dos valores entregues pelos balcões dos CTT, os arguidos BB e CC entregavam tais valores ao arguido AA que lhes pagava uma comissão pelo trabalho efectuado.

            11. Assim, em execução de tal plano, o arguido BB, diretamente e em representação de terceiras pessoas, efetuou pedidos de pagamento de subsídio social de mobilidade previsto no Decreto Lei nº. 134/2015, de 24 de julho, usando para tal faturas de pagamento de bilhetes de avião relativas a viagens alegadamente efetuadas entre a Região Autónoma da Madeira e o continente e vice-versa, com recurso a certificações notariais contrafeitas, que lhe permitiram obter indevidamente a quantia de pelo menos 39.878 € dos pagamentos recebidos relativamente às viagens:

Pretensamente realizadas por DD:

 
Data

Voo inicial

 
Data

Voo regresso

 

Valor SSM

 

Nº. bilhete

 

Local pagamento

 
 
 
 
 
29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163394212 Restauradores. - Lx
11.09.2016 12.09.2016
314,0
331 2401885519
Batalha – Porto
07.09.2016 08.09.2016
314,0
331 2401885499
14.08.2016 15.08.2016
314,0 €
331 2401885367 Canidelo – Porto
15.09.2016 16.09.2016
314,0 €
331 2401885536
19.08.2016  
314,0 €
047 2163309517  
 20.08.2016
314,0 €
047 21633095122  

 Pretensamente realizadas por EE:

21.09.2016 21.09.2016
314,0
0472163630740
Batalha – Porto

Pretensamente realizadas por FF

04.07.2016 04.07.2016
314,0
0472163034521
Batalha - Porto
04.07.2016 04.07.2016
314,0 €
0472163034521
21.07.2016 21.07.2016
314,0
0472163243346
Restauradores. - Lx
02.08.2016 02.08.2016
314,0
0472163243344
 
19.07.2016 19.07.2016
314,0
0472163243347
 
26.07.2016 27.07.2016
314,0
0472163243345
 
29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163394203
 

Pretensamente realizadas por GG

04.07.2016 04.07.2016
314,0 €
0472163034529
Restauradores. - Lx
25.08.2016 25.08.2016
314,0
331 2401883450
Restauradores – Lx
02.08.2016 03.08.2016
314,0
331 2401883430
 

Pretensamente realizadas por HH:

04.07.2016  
314,0 €
0472163034525
Restauradores. – Lx

Pretensamente realizadas por II

04.07.2016  
314,0 €
0472163034523
Restauradores. – Lx

Pretensamente realizadas por JJ:

04.07.2016  
314,0 €
0472163034527
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por KK:

04.07.2016  
314,0 €
0472163034528
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por LL:

04.07.2016 04.07.2016
314,0 €
0472163035340
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por MM:

09.08.2016 09.08.2016
314,0 €
0472163274699
Restauradores. - Lx
05.07.2016 05.07.2016
314,0 €
0472163274711
28.07.2016 28.07.2016
314,0
0472163273089
19.07.2016 19.07.2016
314,0
0472163274717
30.07.2016 30.07.2016
314,0
0472163274704
29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163274723

Pretensamente realizadas por NN

02.08.2016 02.08.2016
314,0 €
0472163274746
Restauradores. - Lx
09.08.2016 09.08.2016
314,0 €
0472163274741
07.07.2016 07.07.2016
314,0
0472163273091
17.07.2016 17.07.2016
314,0
0472163273087
14.07.2016 14.07.2016
314,0
0472163273098

Pretensamente realizadas por CC:

27.08.2016 28.08.2016
314,0
0472163309517
07.07.2016 07.07.2016
314,0
0472163273094
29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163274732
05.07.2016 05.07.2016
314,0
0472163274715
13.07.2016 13.07.2016
314,0
0472163274693
28.07.2016 28.07.2016
314,0
0472163274695
21.07.2016 21.07.2016
314,0
0472163273099
02.08.2016 02.08.2016
314,0
0472163274697
07.08.2016 07.08.2016
314,0
0472163274691

Pretensamente realizadas por OO

29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163394208
Restauradores. - Lx
07.07.2016 07.07.2016
314,0
0472163271025
17.07.2016 17.07.2016
314,0
0472163273086
10.07.2016 10.07.2016
314,0
0472163273093
14.07.2016 14.07.2016
314,0
0472163273090
 5.08.2016 25.08.2016
314,0
331 2401883464
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por PP

29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163394211
Restauradores. - Lx
12.08.2016 12.08.2016
314,0
0472163394210
21.07.2016 22.07.2016
314,0
331 2401815031
Restauradores. - Lx
29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163274727
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por QQ:

29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163274727
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por RR

29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163394204 Restauradores. - Lx
25.08.2016 25.08.2016
314,0
331 2401883457 Restauradores. - Lx
Pretensamente realizadas por SS:
29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163394205 Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por TT

29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163394202
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por UU

29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163394213
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por VV:

05.08.2016 05.08.2016
314,0
0472163394207
Restauradores. - Lx
29.08.2016 29.08.2016
314,0
0472163394206

Pretensamente realizadas por WW

27.08.2016 28.08.2016
314,0
0472163309522
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por XX:

30.08.2016 31.08.2016
314,0
331 2401885449 Fernão Magalhães -  Cª
26.08.2016 27.08.2016
314,0
331 2401885405
22.08.2016 23.08.2016
314,0
331 2401885392
18.08.2016 19.08.2016
314,0
331 2401885375
14.08.2016 15.08.2016
314,0
331 2401885356
03.09.2016 04.09.2016
314,0
331 2401885469
Galiza - Porto

Pretensamente realizadas por MMM

11.09.2016 12.09.2016
314,0
331 2401886681
Fernão Magalhães -  Cª
07.09.2016 08.09.2016
314,0
331 2401886647
15.09.2016 16.09.2016
314,0
331 2401886715
19.09.2016 20.09.2016
314,0
331 2401886752
03.09.2016 04.09.2016
314,0
331 2401886614

Pretensamente realizadas por NNN

14.08.2016 15.08.2016
314,0
331 2401885364
Fernão Magalhães -  Cª
18.08.2016 19.08.2016
314,0
331 2401885382
22.08.2016 23.08.2016
314,0
331 2401885401

Pretensamente realizadas por OOO

26.08.2016 27.08.2016
314,0
331 2401885436
Fernão Magalhães -  Cª
22.08.2016 23.08.2016
314,0
331 2401885394
18.08.2016 19.08.2016
314,0
331 2401885378
14.08.2016 15.08.2016
314,0
331 2401885358

Pretensamente realizadas por YY:

25.07.2016 26.07.2016
314,0
331 2401883509 Galiza - Porto
13.07.2016 13.07.2016
314,0 €
331 2401883259 Restauradores. - Lx
23.08.2016 23.08.2016
314,0 €
331 2401883339 Restauradores. - Lx
02.08.2016 03.08.2016
314,0
331 2401883437
27.08.2016 27.08.2016
314,0
331 2401883472

Pretensamente realizadas por ZZ:

22.08.2016 23.08.2016
314,0
331 2401886928 Batalha - Porto
23.09.2016 24.09.2016
314,0
331 2401886785
18.08.2016 19.08.2016
314,0
331 2401886959
10.08.2016 11.08.2016
314,0
331 2401887058
14.08.2016 15.08.2016
314,0
331 2401887015

Pretensamente realizadas por AAA

06.08.2016 07.08.2016
314,0
331 2401884907
Batalha - Porto

Pretensamente realizadas por BBB

30.06.2016 01.07.2016
314,0
331 2401812545
Batalha - Porto

Pretensamente realizadas por CCC

20.06.2016 21.06.2016
314,0
331 2401812569
Batalha - Porto
08.06.2016 09.06.2016
314,0 €
331 2401812553
Restauradores. - Lx
20.06.2016 21.06.2016
314,0 €
331 2401812569 Batalha - Porto

Pretensamente realizadas por DDD:

26.06.2016 27.06.2016
314,0
331 2401812536
Batalha - Porto
18.06.2016 19.09.2016
314,0 €
331 2401812530
Restauradores. - Lx
26.06.2016 27.06.2016
314,0 €
331 2401812136
Batalha - Porto

Pretensamente realizadas por EEE:

23.08.2016 23.08.2016
314,0 €
331 2401883335 Restauradores. - Lx
13.07.2016 13.07.2016
314,0 €
331 2401883257
02.08.2016 03.08.2016
314,0
331 2401883434
 
27.08.2016 27.08.2016
314,0
331 2401883470
 
25.07.2016 26.07.2016
314,0
331 2401883506
 
29.07.2016 30.07.2016
314,0
331 2401883490
 

Pretensamente realizadas por FFF:

23.08.2016 23.08.2016
314,0 €
331 2401883340
Restauradores. - Lx
13.07.2016 13.07.2016
314,0 €
331 2401883261
 
29.07.2016 30.07.2016
314,0 €
312 40188349601
 
02.08.2016 03.08.2016
314,0
331 2401883439
 
27.08.2016 27.08.2016
314,0
331 2401883478
 
25.07.2016 26.07.2016
314,0
331 2401883511
 

Pretensamente realizadas por GGG:

13.07.2016 13.07.2016
314,0 €
331 2401883255
Restauradores - Lx
 23.08.2016 23.08.2016
314,0
331 2401883330
29.07.2016 30.07.2016
314,0
331 2401883488
25.07.2016 26.07.2016
314,0
331 2401883504
27.08.2016 27.08.2016
314,0
331 2401883467

Pretensamente realizadas por HHH

27.08.2016 27.08.2016
314,0
331 2401883460
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por III

29.07.2016 30.07.2016
314,0
331 2401883500
Restauradores. - Lx
02.08.2016 03.08.2016
314,0
331 2401883445
27.08.2016 27.08.2016
314,0
331 2401883484
25.07.2016 26.07.2016
314,0
331 2401883517

Pretensamente realizadas por JJJ

02.08.2016 03.08.2016
314,0
331 2401883443
Restauradores. - Lx
25.07.2016 26.07.2016
314,0
331 2401883515
29.07.2016 30.07.2016
314,0
331 2401883498
27.08.2016 27.08.2016
314,0
331 2401883480

Pretensamente realizadas por KKK

25.08.2016 25.08.2016
314,0
331 2401883453
Restauradores. - Lx

Pretensamente realizadas por LLL:

25.08.2016 25.08.2016
314,0
331 2401883455
Restauradores - Lx
Pretensamente realizadas pelo arguido BB
12.07.2016 12.07.2016
314,0
331 2401883253
Restauradores - Lx

12. A arguida CC, diretamente e em representação de terceiras pessoas, efetuou pedidos de pagamento de subsídio social de mobilidade previsto no Decreto Lei nº. 134/2015, de 24 de julho, usando para tal faturas de pagamento de bilhetes de avião relativas a viagens alegadamente efetuadas entre a Região Autónoma da Madeira e o continente e vice-versa, com recurso a certificações notariais falsas, que lhe permitiram obter indevidamente a quantia de pelo menos 15.700,00 € dos pagamentos recebidos relativamente às viagens: 
            Pretensamente realizadas nas datas de: 

Data voo inicial Data voo regresso Valor SSM Nº. bilhete Local pagamento
21.08.2016 21.08.2016 314,0 € 331 2401883232 Restauradores - Lx
25.07.2016 25.07.2016 314,0 € 04721632744722 Restauradores - Lx
21.08.2016 21.08.2016 314,0 € 331 2401883225 Restauradores - Lx
21.08.2016 21.08.2016 314,0 € 331 2401883240 Restauradores - Lx
17.07.2016 17.07.2016 314,0 € 331 2401883217 Restauradores - Lx
21.08.2016 21.08.2016 314,0 € 331 2401883237 Restauradores - Lx
01.10.2016 01.10.2016 314,0 € 0472163572838 Estações CTT Lisboa
03.10.2016 04.10.2016 314,0 € 472163572839 “     “    “
04.10.2016 - 314,0 € 4721636307332 “     “    “
30.09.2016 30.09.2016 314,0 € 47216363073602 “     “    “
27.09.2016 27.09.2016 314,0 € 0472163630739 “     “    “
19.09.2016 20.09.2016 314,0 € 33112401885598 “     “    “
11.09.2016 12.09.2016 314,0 € 3312401885512 “     “    “
15.09.2016 16.09.2016 314,0 € 3312401885531 “     “    “
23.09.2016 24.09.2016 314,0 € 3312401886815 “     “    “
10.08.2016 11.08.2016 314,0 € 31240188435401 “     “    “
17.07.2016 18.07.2016 314,0 € 312401188376802 “     “    “
29.08.2016 29.08.2016 314,0 € 47216327473201 “     “    “
27.08.2016 28.08.2016 314,0 € 0472163309517 “     “    “
08.07.2016 08.07.2016 314,0 € 0472163274724 “     “    “
17.07.2016 18.07.2016 314,0 € 0472163274726 “     “    “
24.07.2016 31.07.2016 314,0 € 0472163274729 “     “    “
25.07.2016 25.07.2016 314,0 € 47216327472202 “     “    “
15.07.2016 16.07.2016 314,0 € 04721632747280 “     “    “
20.07.2016 23.07.2016 314,0 € 0472163273731 “     “    “
04.07.2016 06.07.2016 314,0 € 0472163274736 “     “    “
09.07.2016 09.07.2016 314,0 € 04721632747350 “     “    “
27.07.2016 30.07.2016 314,0 € 0472163274734 “     “    “
10.07.2016 10.07.2016 314,0 € 47216327473301 “     “    “
29.07.2016 29.07.2016 314,0 € 47216327471802 “     “    “
22.07.2016 22.07.2016 314,0 € 47216327471601 “     “    “
26.07.2016 26.07.2016 314,0 € 47216327469402 “     “    “
08.08.2016 09.08.2016 314,0 € 47216327470002 “     “    “
03.08.2016 03.08.2016 314,0 € 47216327470201 “     “    “
19.07.2016 19.07.2016 314,0 € 47216327469602 “     “    “
11.07.2016 12.07.2016 314,0 € 47216327469202 “     “    “
14.07.2016 14.07.2016 314,0 € 47216327470502 “     “    “
07.08.2016 07.08.2016 314,0 € 47216327469102 “     “    “
02.08.2016 02.08.2016 314,0 € 47216327469702 “     “    “
28.07.2016 28.07.2016 314,0 € 47216327469501 “     “    “
13.07.2016 13.07.2016 314,0 € 47216327469301 “     “    “
05.07.2016 05.07.2016 314,0 € 4721632741501 “     “    “
21.07.2016 21.07.2016 314,0 € 4721632730990 “     “    “
07.07.2016 07.07.2016 314,0 € 4721632730940 “     “    “
14.06.2016 15.06.2016 314,0 € 31240181259301 “     “    “
29.06.2016 30.06.2016 314,0 € 31240181286201 “     “    “
 16.06.2016 20.06.2016 314,0 €472162991002 “     “    “
01.04.2016 01.04.2016 314,0 € 47216281707701 “     “    “
11.03.2016 11.03.2016 314,0 € 472162817254 “     “    “
02.06.2016 03.06.2016  314,0 € 47216281707301 “     “    “

 

            13. O arguido AA, diretamente e em representação de terceiras pessoas, efetuou pedidos de pagamento de subsídio social de mobilidade previsto no Decreto Lei nº. 134/2015, de 24 de julho, usando para tal faturas de pagamento de bilhetes de avião relativas a viagens alegadamente efetuadas entre a Região Autónoma da Madeira e o continente e vice-versa, com recurso a certificações notariais falsas, que lhe permitiram obter indevidamente a quantia de pelo menos 10.676 € dos pagamentos recebidos relativamente às viagens: 

            Pretensamente realizadas por GG: 

 14.07.2016 14.07.2016
314,0
331 2401883243
 
355 ap I
Restauradores – Lx

Pretensamente realizadas por RR

 13.07.2016 13.07.2016
314,0
331 2401883249
530 ap I
Restauradores – Lx
-- Pretensamente realizadas por YY
 06.08.2016 07.08.2016
314,0
331 2401883414
203 ap I
Restauradores – Lx
 10.08.2016 11.08.2016
314,0
331 2401883389
208 ap I
Restauradores – Lx
-- Pretensamente realizadas por EEE
 06.08.2016 07.08.2016
314,0
331 2401883408
 
298 ap I
Restauradores – Lx
 10.08.2016 11.08.2016
314,0
331 2401883386
 
304 ap I
Restauradores – Lx
-- Pretensamente realizadas por FFF
 06.08.2016 07.08.2016
314,0
331 2401883417
 
383 ap I
Restauradores – Lx
 10.08.2016 11.08.2016
314,0
331 2401883393
 
388 ap I
Restauradores – Lx

-- Pretensamente realizadas por GGG

 06.08.2016 07.08.2016
314,0
331 2401883403
 
183 ap I
Restauradores – Lx
 10.08.2016 11.08.2016
314,0
331 2401883384
 
188 ap I
Restauradores – Lx
Pretensamente realizadas por HHH
 13.07.2016 13.07.2016
314,0
331 2401883251
223 ap I
Restauradores – Lx
-- Pretensamente realizadas por III
 06.08.2016 07.08.2016
314,0
331 2401883426
248 ap I
Restauradores – Lx
 10.08.2016 11.08.2016
314,0
331 2401883401
253 ap i
Restauradores – Lx
-- Pretensamente realizadas por JJJ
 17.07.2016 17.07.2016
314,0
331 2401883364
500 ap I
Restauradores – Lx
 06.08.2016 07.08.2016
314,0
331 2401883420
504 ap I
Restauradores – Lx
 

Inquérito


 10.08.2016 11.08.2016
314,0
331 2401883398
509 ap I
Restauradores – Lx

 
Mas também, pretensamente, realizadas nas datas de: 

Data voo inicial Data voo regresso Valor SSM Nº. bilhete Local pagamento
10.08.2016 11.08.2016 314,0 € 331 24018833860 Não é indicado
06.08.2016 07.08.2016 314,0 € 331 24018834080 Não é indicado
13.07.2016 14.07.2016 314,0 € 331 24018832510 Não é indicado
28.06.2016 30.06.2016 314,0 € 331 24018128700 Não é indicado
23.06.2016 24.06.2016 314,0 € 0472162870263 Não é indicado
25.06.2016 26.06.2016 314,0 € 0472162835471 Não é indicado
02.06.2016 03.06.2016 314,0 € 47216281622301 Não é indicado
19.05.2016 23.05.2016 314,0 € 04721627236880 Não é indicado
17.05.2016 17.05.2016 314,0 € 0472162721336 Não é indicado
13.05.2016 13.05.2016 314,0 € 04721627211335 Não é indicado
16.05.2016 16.05.2016 314,0 € 0472162720931 Não é indicado
07.05.2016 08.05.2016 314,0 € 0472162658354 Não é indicado
05.05.2016 06.05.2016 314,0 € 0472162658342 Não é indicado
04.05.2016 04.05.2016 314,0 € 0472162656891 Não é indicado
03.05.2016 03.05.2016 314,0 € 0472162625347 Não é indicado
02.05.2016 02.05.2016 314,0 € 047216262447402 Não é indicado
30.04.2016 01.05.2016 314,0 € 047216262222227 Não é indicado
29.04.2016 29.04.2016 314,0 € 0472162602842 Não é indicado

            14. como já se referiu, na posse dos valores entregues pelos balcões dos CTT, os arguidos BB e CC entregavam tais valores ao arguido AA.

            15.Assim, a arguida CC efectuava essa entrega ao arguido AA em numerário, recebendo cerca de 50€ a 70€ por cada deslocação que efectuava às estações dos CTT para proceder ao levantamento dos subsídios, como pagamento dos serviços prestados, em número não concretamente apurado.

           16. O arguido BB entregava o dinheiro ao arguido AA, em numerário ou depositava na sua conta bancaria e posteriormente transferia o valor para a conta bancária do arguido AA.

           17. Como pagamento pelos serviços prestados o arguido BB auferia quantia não concretamente apurada mas que quantifica em cerca de €1000 por mês, tendo trabalhado conjuntamente, cerca de três ou 4 meses, com o arguido AA.

           18. Para tanto, os arguidos BB e AA usavam as contas bancárias tituladas por ambos, nas quais eram depositados os valores obtidos nos balcões CTT da forma supra descrita, sendo parte deles depois utilizados na compra de bilhetes eletrónicos de viagens de e para a Madeira, que de imediato eram anulados, voltando os valores às contas do BB e do AA.

            19. Assim, foi depositado pelos arguidos na conta do arguido BB n.º ...17 do Banco 1..., a 3 de julho de 2016, € 3.720, foram comprados bilhetes à TAP, na mesma data, no valor de € 2.015,58, transferidos a crédito € 3.820 a 20.07.2016, sendo que na mesma data foram transferidos € 3.800 para a conta n.º  ...15, titulada no Banco 1... pelo arguido AA; a 19.09.2016 foram depositados € 2.200 na mesma conta e comprados € 2.380,23 de bilhetes à TAP.

            20.Na conta n.º  ...15, titulada no Banco 1... pelo arguido AA:

            -           entre 25 de maio de 2016 e 7 de junho de 2016, foram depositados pelos arguidos

€ 9.780 em numerário, comprados € 2.078,88 de bilhetes à TAP e transferidos € 2.400 Banco1...app para o arguido PPP;

            -          entre 8 e 17 de junho de 2016, foram depositados pelos arguidos € 6.036 em numerário, transferidos € 2.825 Banco1...app para o arguido PPP;

            -           entre 21 de junho de 2016 e 15 de julho de 2017, foram depositados pelos arguidos € 12.045 em numerário, comprados € 1.611,38 de bilhetes à TAP e transferidos € 5.950 Banco1...app para o arguido PPP;

           -           entre 16 e 20 de julho de 2016, foram depositados pelos arguidos € 4.950 em numerário e recebida uma transferência de € 3.800 proveniente de uma conta do arguido BB;

           -          entre 10 e 21 de agosto de 2016, foram depositados pelos arguidos € 5.290 em numerário e transferidos € 6.600 para o arguido PPP;

            -           entre 26 de agosto de 2016 e 7 de setembro de 2016, foram depositados pelos arguidos € 4.360 em numerário e transferidos para o arguido PPP €3.900;

            - entre 4 e 5 de outubro de 2016, foram depositados pelos arguidos € 1.057 em

numerário e  comprados € 675,39 de bilhetes à TAP. 

           21.Também recebeu o arguido AA na conta por si titulada na Banco 2... com o número ...00, entre junho e dezembro de 2016, um total de € 24.355, em depósitos de numerário.

           22.As quantias depositadas nas contas dos arguidos, usadas para comprar bilhetes eram, todas, provenientes da prática dos factos que supra se descreveram.

           23.Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução do plano elaborado pelo AA e a que os demais  aderiram, com a intenção concretizada de enganarem os funcionários dos CTT, fazendo-os crer estarem na posse de títulos válidos de transporte entre a Madeira e o Continente e em condições de beneficiarem dos subsídios de mobilidade, bem como autorizados pelos titulares de tais bilhetes a proceder ao respetivo levantamento, o que era falso.

           24.Para tanto, os arguidos usaram títulos de transporte e supostas cópias certificadas de cartões de cidadão para erradamente fazerem crer estarem autorizados a praticar tais autos e legitimados ao recebimento dos subsídios, o que não correspondia à verdade.

           25.Bem sabiam que uma certificação notarial de documento faz fé pública e atesta perante terceiros a veracidade do documento certificado e que forjaram e usaram tais certificações em cópias de cartões de cidadão de residentes na Madeira.

           26.Conseguiram com essa actuação a quantia de pelo menos € 66.254, em prejuízo dos efetivos titulares do direito ao recebimento dos subsídios e fundamentalmente, do Estado Português, que, assim, se viu indevidamente desapossado de tal valor.

            27.Os funcionários dos CTT apenas entregaram as quantias aos arguidos perante a convicção, pelos mesmos criada mediante o uso dos documentos descritos, de estavam reunidos os requisitos para o recebimento dos subsídios e estavam autorizados para tal pelos respetivos e putativos beneficiários.

            28.Mais sabiam os arguidos AA e BB que o dinheiro depositado nas suas contas provinha da prática de crime, que os valores usados na compra de bilhetes e daí transferidos se destinavam à prática de novos crimes e aos próprios arguidos que usaram tais contas para introduzirem tais valores no circuito bancário, assim lhes dando uma aparência de licitude e disfarçarem tal proveniência.

            29.Todos os arguidos sabiam, sempre, que praticavam atos proibidos e punidos pela lei penal.

            30. Mais se provou em relação às condições pessoais dos arguidos:

             A. Em relação ao arguido BB:

            - O arguido centrou a sua vida no Luxemburgo, onde exerce actualmente, e desde 20-09-2021, a profissão de pedreiro/telhador (couvreur), auferindo um salário mensal variável, oscilando entre cerca de € 1.000,00 (mil euros) e € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros), consoante as horas efectivamente laboradas, retribuídas com o valor hora ilíquido de € 15,60 (quinze euros e sessenta cêntimos),

            - Tendo alterado o seu domicílio, no início do presente mês, para ...8 Rue ... ..., FRANÇA;

            - Tal alteração deveu-se ao aumento do custo de vida actual no Luxemburgo e inflação do valor das rendas, sendo de muito menor valor em terras gaulesas, ainda que acresçam despesas de combustível;

           - Enfrenta o arguido as naturais despesas de alimentação, combustível, médicas e medicamentosas, telecomunicações, e ainda a prestação dos empréstimos bancários por si assumidos em Portugal e que continua a honrar, no valor de € 164,30 (cento e sessenta e quatro euros e trinta cêntimos).

            B) Em relação à arguida CC, resulta do relatório social:

            À data da prática dos factos, a arguida residia em Lisboa, para onde se havia deslocado após um desentendimento com a mãe, com quem residia na região. A dificuldade em integrar-se profissionalmente na sua área de estudos, serviços jurídicos, tê-la-á confrontado com dificuldades económicas que não partilhou com as pessoas mais próximas, nomeadamente com o irmão residente no continente.

            Atualmente, CC, de 26 anos, reside com a mãe, empregada na restauração, num apartamento arrendado situado no Funchal.

            Ainda a nível familiar, assume manter um relacionamento de proximidade com o irmão, três anos mais velho que reside no continente, onde exerce funções de agente da PSP.

            Possui como habilitações académicas o 12ºano que concluiu no ano letivo 2014/2015 através de um curso profissional de técnico de serviço jurídicos.

            Atualmente possui vinculo efetivo, trabalhando como vendedora numa superfície comercial do Funchal.

            Aufere um vencimento base de 722€, contribuindo os abonos associados para completar este valor, tendo em janeiro de 2022 recebido o montante de 1040€. Retrata a sua condição económica como positiva, sentindo-se realizada a nível profissional quer pelo ambiente como pela natureza do trabalho.

           Aponta como principais encargos os relacionados com a renda da casa (630€) e consumos domésticos (100€) que refere partilhar com a mãe.

            No corrente mês contraiu um crédito automóvel no valor de 10.000€, pelo qual irá pagar uma mensalidade de 137€.

           CC, de 26 anos, apresenta uma condição de vida organizada, dispondo de uma situação laboral regular, que lhe permite fazer face às suas necessidades num cenário em que partilha a habitação com a progenitora. A nível familiar, e após um período em que a própria assume divergências com a mãe, retrata uma dinâmica adequada, com partilha das tarefas diárias e despesas.

            C. Quanto ao arguido AA apenas se sabe que está emigrado na Inglaterra, onde trabalha como fotografo.

            31. Os arguidos CC e BB são primários.

            32. O arguido AA tem averbado no seu CRC uma condenação no processo comum singular nr. 3457/16.... do J3 do Juizo Local criminal ..., por sentença proferida em 6.07.2021, transitada e, julgado em 10.01.2022, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 6, no total de € 1800, em cumulo jurídico - sendo 200 dias de multa pela pratica do crime de burla e 100 dias de multa pela pratica de cada um dos crimes de falsificação de documentos, praticados respectivamente em 4.2016 e 28.04.2016.

            Foram descritos como não provados os seguintes factos:

            Os arguidos PPP, AA, BB e CC urdiram um plano criminoso, no intuito de obterem para si substanciais proveitos que não lhes eram devidos, defraudando o erário público.

            Mais definiram os arguidos, encabeçados pelo PPP, os valores que caberiam a cada um por cada pedido de reembolso efetuado, sendo que a quase totalidade do valor assim obtido seria enviado para o arguido PPP, designadamente através das contas bancárias dos arguidos AA e BB.

           O arguido AA dava a arguida CC, por exemplo, recebia € 20 por cada subsídio), como pagamento dos serviços prestados e, depois, os encaminhava - bem como o por si diretamente obtido, descontada a sua “comissão” -  para o arguido PPP, seguindo indicações deste.

           Os depósitos nas contas dos identificados arguidos, subsequentes compras e transferências visaram ocultar a sua proveniência ilícita e fazer chegar a maior parte dos valores assim obtidos ao arguido PPP, conforme indicações deste, aceites e executadas pelos arguidos BB e AA.  

            Os arguidos viviam exclusivamente da prática de atos como os supra descritos.

            Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução do plano conjunto a que todos aderiram.

            Era o PPP quem arranjava a documentação necessária para a concretização deste plano (cópias de cartões de cidadão de madeirenses e supostas certificações  notariais), adiantou as quantias para os primeiros bilhetes eletrónicos e entregou tudo ao arguido AA, a quem encarregou de comprar os bilhetes e reclamar os valores nos balcões dos CTT, bem como de angariar terceiros, como os arguidos CC e BB, para procederem de igual forma.

            A decisão quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:

            Enunciada a factualidade provada e não provada, compete, agora, fundamentar a convicção do Tribunal Colectivo, ou seja, os motivos para assim ter decidido, sendo este um imperativo legal.

            A tal respeito, cumpre referir previamente alguns aspectos tidos em consideração, desde logo o facto de a lei dispor que, salvo disposição em contrário, “A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.” (art. 127.º do CPP). A lei processual penal consagrou, como basilar, o princípio da livre apreciação da prova, na medida em que o julgador não está vinculado a critérios legais de valoração probatória pré-estabelecidos, ou seja, “não vigora o princípio da tipicidade dos meios de prova ou da prova tarifada, mas antes o princípio da liberdade de prova”. Tal princípio tem duas vertentes: uma negativa, a qual significa que, na apreciação, valoração e graduação da prova, o tribunal não deve obediência a quaisquer cânones pré-estabelecidos ou tabelas hierárquicas elaboradas pelo legislador, antes existindo o dever de produzir a prova dos factos e de valorá-la livremente; outra positiva, a qual significa que os factos são dados como provados, ou não provados, de acordo com a íntima convicção que o julgador gerar em face do material probatório validamente constante do processo, quer ele provenha da acusação, quer da defesa, quer da iniciativa do próprio Tribunal, neste caso com recurso ao princípio da investigação acolhido no artigo 340.º, n.º 1, do CPP.

            Essa actividade de valoração probatória e consequente fundamentação está subordinada às regras da lógica, da razoabilidade e da experiência comum, assente num quadro de normalidade das coisas, segundo os padrões de um homem de cultura média, temperado pelas regras legais e seus princípios orientadores, na perspectiva de alcançar um juízo valorativo suficientemente consistente, que permita atingir a verdade material. Só se não for obtida prova bastante da culpabilidade ou a dúvida subsistir para além do razoável é que então actuará o princípio in dubio pro reo.

           Além disso, são relevantes, na actividade probatória, as designadas presunções, as quais se traduzem nas “ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.” (art. 349.º do Código Civil).

           Importa desde logo ter em consideração o depoimento dos arguidos, o qual ainda que não coincidente em toda a vertente da actividade delituosa permitem afirmar a participação de cada um deles.

           A arguida CC, confirmou a relação que tinha com o arguido AA, o qual já conhecia da Madeira, aquando duma entrevista de trabalho, sendo que nessa sequência mantiveram contacto através das redes sociais. Quando veio para Lisboa entrou em contacto com ele, no sentido de obter ajuda na sua inserção em Lisboa. Como precisava de dinheiro ele deu-lhe a possibilidade de morar num quarto em sua casa, assim como lhe propôs um trabalho, em part-time que consistia no levantamento dos reembolsos das viagens da Madeira.

           Quanto ao procedimento, diz que a documentação lhe era entregue pelo AA, e depois de proceder ao levantamento dos reembolsos nos CTT entregava o dinheiro em mão ao AA. Era ele que ia buscar o dinheiro porque ela não tinha meio de transporte para se deslocar.

           A documentação que lhe era entregue consistia no cartão de embarque, no documento de identificação da pessoa, normalmente cópia do cartão de cidadão certificada, ou outro documento que lhe permitisse levantar o reembolso, apesar de não ter a certeza se tinha alguma procuração.

            Este trabalho prolongou-se cerca de um mês e meio, sendo que em Agosto já não fazia esta actividade porque foi para o Algarve.

             Chegou a ver o AA com o BB uma vez em Lisboa, tendo-se encontrando no café, tendo este referido que desenvolvia a mesma actividade. Encontrou-se com o BB poucas vezes e não tinha o contacto dele.

            Teve conhecimento que o BB levantou reembolsos em seu nome, apesar de não ter efectuado as viagens.

            Diz que desconhecia que estivesse a fazer qualquer actividade ilícita dado que era normal o beneficiário solicitar a outra pessoa que faça o pedido de reembolso.

            Só se apercebeu da ilegalidade quando foi abordada pela policia à porta dos CTT.

            Após esta circunstancia o AA deixou de falar consigo e bloqueou as redes sociais.

            Deu o seu cartão de cidadão ao AA quando foi viver para casa dele, mas não soube indicar o motivo.

            Quanto ao valor que auferia mencionou que ganhava cerca de € 50 a €70, por cada vez que ia fazer levantamentos, sendo que desconhece o número de vezes que efetuou levantamento de reembolsos, mas admite como possível os valores indicados na acusação.

           Por sua vez o arguido BB esclareceu que conheceu o arguido AA no café em .... Num determinado dia foi abordado pelo AA acerca da possibilidade de proceder ao levantamento dos subsídios de mobilidade, alegando que tinha vários negócios abertos e o tempo que tinha era pouco para proceder ao seu levantamento.

           Pesquisou sobre a situação e aceitou o trabalho, dado que era uma situação temporária e dependa dos meses e do número de passagens. Recorda-se que tinha de dar o seu número de contribuinte porque era como se ele pagasse o bilhete e só assim podia pagar o bilhete. A sua actividade consista em esperar pela data do voo, e depois dele, com a documentação, ore aos CTT, assinar o recibo e depois juntar todos os papeis e ir embora. Realçou que o AA lhe entregava a documentação numa pasta que não tinha qualquer identificação designadamente relacionada com qualquer agência de viagens. Também chegou a comprar bilhetes sendo que para o efeito o AA depositou dinheiro na sua conta. Quanto as anulamentos das viagens só soube aquando do processo.

            É certo que não soube explicar a devolução do valor do cancelamento para a conta bancaria, no entanto não se conseguiu demonstrar que tivesse qualquer plano originário com o AA.

           Referiu que a entrega do dinheiro era em casa do AA, no final do dia, apesar de da documentação bancária junta aos autos, também haver transferências bancarias.

            Esclareceu que o AA lhe disse que tinha um chefe  - PPP - e que ele era intermediário mas nada sabe dessa situação.

            Não se recorda quanto é que auferia por esta actividade, mas admite que cerca de €1000 por mês acrescida de despesas de deslocação e o quarto, quando havia necessidade de deslocações fora de Lisboa, como aconteceu com a ida ao Porto para levantar dinheiro dado que em Lisboa não havia. O valor da quantia que referia variava em função do numero de bilhetes que pedia a devolução

            Confirma os levantamentos que efectuou apesar de não se recordar os nomes

            Trabalhou para o arguido cerca de 3 ou 4 meses

            Confirmou os depósitos efectuados na sua conta (por referencia aos factos descritos no ponto 13 da acusação)

            A posição assumida pelo arguido AA não colhe, ao dizer que era um mero intermediário do PPP, que era ele que tratava de tudo, designadamente da obtenção da documentação para depois pedirem o reembolso, quando na verdade aquilo que decorre dos autos é que era  arguido AA quem entregava a documentação aos demais arguidos, e depois era ele que recebia o dinheiro. É certo que consta da documentação bancaria algumas transferências para o PPP, mas desconhece-se a que titulo.

            O tribunal tomou ainda me consideração a prova documental junta as autos mormente:

            - Documentos juntos aos autos, designadamente os de fls. 2 a 19,  45 a 48, 54 a 181;

            -  documentos constantes dos APENSOS I (2 volumes),

            - documentos de fls. 183 a 221 e 844-845 (pesquisas de fichas de identificação civil),

            - quadros de fls. 222-234,

            - documentos de fls. 235 243 e 815-817 (fichas biográficas e pesquisas dos suspeitos),

            - imagens de fls. 268,

            - auto de visionamento de fls. 463-467,

            - documentos de fls. 270-273,

            - informações e documentos enviados pela SATA a fls. 356-421 e pela TAP a fls. 422,

            - documentos de fls. 482 a 489, 556 a 559 (modelos originais das certificações utlizadas no Cartório de QQQ),

            - 565 a 567 (bilhetes em nome de JJ), informações do ISS-IP de fls. 582-594 e 801,

            -Apenso II – Volume I quanto à documentação bancaria do arguido BB; volume II quanto à arguida CC, e volume III quanto ao arguido AA.

            -informações do Banco de Portugal de fls. 668 a 673 e 691,

            - informações fiscais de fls. 674-687,

            - informações bancárias de fls. 689, 695-696, 704, 711-713,

            - autos de buscas e apreensão de fls. 786 e 830-831,

            - registo online da sociedade “A... – Unipessoal, Lda.”, representada por AA, a fls. 812-814 e 915-916,

            - informações dos CTT a fls. 841-843,

            - informações bancárias de fls. 1064, 1072-1073,

            - certidões de fls. 961 e segs. e 983 e segs. 

           - Relatório social da arguida CC, os documentos juntos pelo arguidoa BB quanto à sua situação económico financeira.

            Relativamente à prova testemunhal importa referir o seguinte:

            1.Maria RRR, m. idf. a fls. 50, funcionaria dos CTT em Coimbra, confrontada com fls. 5 a 10 confirmou que a letra era de sua autoria, sendo que se tratava de um procedimento que estavam habituados a fazer, habitualmente com os estudantes. Todos os dias alteravam procedimentos decorrentes de normas que recebia, sendo que bastava apresentarem  cartão de cidadão, a factura e o bilhete para lhes emitirem o reembolso. Às vezes acontecia trazerem procurações ou as empresas apresentarem documentos de cada um dos viajantes. Estranhou que fosse uma terceira pessoa a efectuar o pedido de reembolso e solicitaram aos serviços esclarecimentos, na medida em que tem conhecimento da existência de varias situações irregulares. Mais referiu que não é normal a mesma pessoa fazer mais do que um pedido, sendo que não tinham acesso aos cancelamentos dos voos.

            SSS, agente da P.S.P. de Lisboa, m. idf. a fls. 269, apenas se recorda de ter sido chamado via central aos CTT, uma vez que estava lá alguém a tentar efectuar o pedido de reemsolso de uma viagem da Madeira (cfr. fls. 269 dos autos). A pessoa ficou surpreendida na medida em que reembolso foi recusado porque havia suspeitas de fraude.

            A grande maioria das testemunhas ouvidas foi no sentido de confirmarem serem residentes no continente e não terem realizado as viagens em causa nos autos e nas datas referidas, nem terem fornecidos os seus elementos de identificação a terceiros ou passado qualquer procuração para o efeito, desconhecendo como é que tiveram acesso aos mesmos, nem terem requerido o subsidio de mobilidade.  São o caso da testemunha NNN, m. idf. a fls. 471, AAA, m. idf. a fls. 474, DD, m. idf. a fls. 476, FFF, m. idf. a fls. 491, OO, m. idf. a fls. 494, KKK, m. idf. a fls. 509,  LL, m. idf. a fls. 511, BBB, m. idf. a fls. 514, EEE, m. idf. a fls. 537, TT, m. idf. a fls. 540, ZZ, m. idf. a fls. 548, WW, m. idf. a fls. 551, UU, m. idf. a fls. 572, FF, m. idf. a fls. 526, KK, m. idf. a fls. 535, LL, m. idf. a fls. 531; MM, m. idf. a fls. 545; JJ, m. idf. a fls. 507, DDD, m. idf. a fls. 479,  GGG, m. idf. a fls. 497, LLL, m. idf. a fls. 503; HH, m. idf. a fls. 505, III, m. idf. a fls. 574.

            A testemunha TTT, testemunha do arguido BB reconheceu que o mesmo é muito trabalhador, e de confiança, e honesto. uma vez que lhe fez obras numa casa do algarve e lhe podia confiar a chave sem qualquer problema.

            *

           Os factos não provados resultam de não se ter feito prova dos mesmo, atento o facto das posições contraditórias dos arguidos, sendo mais consistentes e fieis Áa realidade dos factos as versões dos arguidos BB e CC, uma vez que recebiam os documentos do ... e era a ele que devolviam os reembolsos, sendo pagos pelos serviços que prestavam.  Ao invés, o arguido AA, ainda que confirmando os factos, remetia a sua pratic e obtenção dos documentos para o PPP, sendo que nada se logrou provar quanto a isso, e sempre tentou envolver os demais arguidos no esquema por ele criado e em que ele é que beneficiava com o valor dos reembolsos. Assim, na ausência de mais prova, importa dá-los como não provados.


***

           Posto isto, haverá que apreciar as questões suscitadas, ainda que não necessariamente pela ordem pela qual foram identificadas, que corresponde, grosso modo, à sequência observada no recurso. Por razões de lógica procedência, haverá que conhecer em primeiro lugar dos vícios que possam determinar a anulação do julgamento, depois, dos que possam implicar a anulação do acórdão recorrido, seguindo-se o conhecimento amplo da matéria de facto e, por fim, as diversas questões de direito segundo a ordem de tratamento na decisão recorrida.
            Começaremos pela análise dos vícios previstos nas alíneas do nº 2 do art. 410º do CPP, com a prévia menção, válida para todos eles, de que a sua verificação deve ser determinável por recurso exclusivo ao texto da decisão recorrida ou através da conjugação desta com as regras da experiência comum, sem que se deva admitir, pois, a consulta de outros elementos do processo. Trata-se, na verdade, de uma revista alargada, expediente que funcionando como válvula de segurança do sistema de recursos relativamente à matéria de facto, difere da impugnação ampla pelo objecto da apreciação. Enquanto a impugnação da matéria de facto por referência à prova produzida em audiência tem como objecto o julgamento, a revista alargada recai exclusivamente sobre a decisão proferida.

            O recorrente alega a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, sustentando que se trata de vício com origem na acusação, em função do quadro legal aplicável aos pedidos de pagamento do subsídio de viagem, nomeadamente, o art. 6º, nº 1, do Decreto-lei n.º 134/2015, de 24 de Julho, porquanto:
            - O beneficiário tem de comprovar ter realizado a viagem de ida ou a viagem de ida e volta, a que respeita o subsídio;
            - O pagamento do subsídio apenas pode ser concedido, mediante a apresentação dos documentos previstos no artigo seguinte, e no prazo previsto na portaria a que se refere o artigo 4.º, isto é, após o sexagésimo dia a contar da data da emissão da factura ou da factura-recibo e no prazo máximo de 90 dias a contar da data da realização da viagem de regresso, como previsto no artigo 5º, nº 1, da Portaria n.º 260-C/2015, de 24 de Agosto;
           - Sendo a acusação e o acórdão recorrido totalmente omissos sobre o tema e sendo aqueles elementos relevantes para o preenchimento do elemento objectivo do crime de burla qualificada, a saber, para comprovação do erro astuciosamente provocado aos balcões dos CTT onde eram efectuados os pedidos de pagamento, adequados à concretização do prejuízo invocado;
           - Acrescendo ainda que o valor determinado no ponto 26, quanto ao alegado prejuízo causado no montante de €66.254,00, deveria ter em consideração o custo assumido pela aquisição das viagens, o que não foi tido em consideração;
            - E quanto à falsificação das certificações notariais, seja quanto ao facto de os pretensos passageiros, residentes na Ilha da Madeira não terem realizado as viagens, não terem facultados os seus documentos, não terem solicitado os pedidos de reembolso, e ainda seja quanto à anulação das viagens e posterior pedido de reembolso, a decisão recorrida é totalmente omissa quanto aos elementos probatórios que permitem tal conclusão.
            Apreciando, diremos que a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [al. a) do nº 2 do art. 410º] se traduz numa insuficiência dos factos provados para a conclusão que deles se extraiu. Verifica-se nas situações em que se evidencia que a decisão de direito foi tomada sem que se tenham apurado factos suficientes para uma decisão de direito ponderada no âmbito das soluções plausíveis. Se a decisão, condenatória ou absolutória, não tem suporte seguro nos elementos de facto provados, devendo concluir-se que tais factos não consentem a decisão encontrada, ou se «houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa» [1], estaremos perante o vício previsto nesta alínea. Esta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui, segundo o Ac. do STJ de 12/03/2015, um conceito jurídico-processual que apenas tem a ver com o texto da decisão recorrida, perspectivado na matéria de facto provada e não provada, no sentido de que a decisão em matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito. O seu significado prático é o de que a matéria de facto provada, pela sua insuficiência, não permite fundamentar a solução de direito, ou não foi investigada toda a matéria de facto relevante para a decisão e que constituía o objecto do processo, cobrindo assim tanto as situações em que o tribunal recorrido extravasa as premissas da decisão como aquelas em que omite a pronúncia sobre factos de que deveria ter conhecido, aferição que não terá que resultar necessariamente no âmbito da decisão concretamente proferida, antes devendo ser enquadrada no leque das soluções plausíveis de direito, respeitado que seja o âmbito da vinculação temática do tribunal.
           Estas afirmações devem ser interpretadas no âmbito daquilo que são os limites objectivos do thema probandum. O âmbito da matéria de facto de pronúncia obrigatória pelo tribunal decorre da conjugação das normas dos arts. 124º, 339º, nº 4, 368º, nº 2 e 374º, nº 2. Assim, serão objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis, bem como os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil. Tanto podem ser factos alegados pela acusação como factos alegados pela defesa, ou mesmo factos resultantes da prova produzida em audiência (cfr. art. 339º, nº 4). Têm é que ser factos relevantes para as questões enunciadas nas diversas alíneas do nº 2 do art. 368º; e, ressalvados os factos atendíveis resultantes da audiência, aí incluídos os que se traduzam numa alteração não substancial devidamente comunicada ou de uma alteração substancial aceite pelos sujeitos processuais, terão que ser factos previamente alegados numa das peças processuais em que podem ser submetidos à apreciação do tribunal. Com efeito, é em função dos factos de pronúncia obrigatória pelo tribunal que se afere o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, sendo indiferente que tenham sido considerados provados ou não provados. O que releva é que tenham sido averiguados e que o tribunal sobre eles se tenha pronunciado. Fora deste âmbito, a insuficiência da matéria de facto para a decisão que veio a ser proferida não traduz o vício do art. 410º, nº 2, al. a), mas sim um erro de direito na prolacção da decisão por as premissas não consentirem a decisão que veio a ser proferida [2].
            Em bom rigor, o recorrente incorre em erro assinalável quanto ao âmbito do vício que veio arguir em recurso, confundindo a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida com a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. São vícios distintos que importa precisar:

           - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada integra o elenco dos vícios da decisão previstos no art. 410º do CPP, devendo resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, assumindo a conformação de que acabámos de dar nota.

            - Já a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida nada tem a ver com os vícios previstos no art. 410º, antes se reportando à impugnação da matéria de facto e à reapreciação da prova, nos termos do ar. 412º, nº 3, remetendo para o domínio da livre apreciação da prova, com sede legal no art. 127º, este, como os anteriormente citados sem menção de origem, do Código de Processo Penal.

            Em síntese, na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre falta de indagação de factos essenciais para a decisão a proferir, enquanto que na insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, ocorre uma errada apreciação da prova, com reflexo nos factos provados e não provados.
            Transpondo as considerações que antecedem para o caso sub judice, procurando o recorrente fazer assentar a verificação do vício numa ausência originária da matéria de facto que considera relevante, por ausência da sua menção na acusação deduzida, é manifesto não estar em causa o vício previsto na al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP. Quando muito, se o alegado se revelasse pertinente, estaria em causa a verificação dos elementos típicos do crime, a apreciar no âmbito da subsunção dos factos ao direito aplicável (questão de que conheceremos mais adiante), mas não o vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º.

            O recorrente sustenta também a verificação de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão [al. b) do nº 2 do art. 410º], alegando ter sido condenado por recurso à previsão da alínea b) do nº 2 do artigo 218º conjugado com o disposto no artigo 217º, ambos do CP, alegadamente, por fazer da burla modo de vida. Não obstante, é delinquente primário, não foi dado como provado que fizesse da burla modo de vida nem tão-pouco foram dados como provados factos que assim o demonstrem, tendo sido considerado como não provado que os arguidos vivessem exclusivamente da prática de actos como os descritos; e em sede de condições pessoais, teve-se como assente que se encontra a trabalhar desde 20-09-2021, auferindo um salário mensal variável, entre cerca de € 1.000,00 a € 2.400,00. Em sede de determinação da pena parcelar , refere-se, a fls. 36 “De realçar que neste momento todos os arguidos se encontram inseridos a nível social e profissional, parecendo-nos que terá sido um caso isolado nas suas vidas que não se voltará a repetir”; e a fls. 38 “Assim, na avaliação da personalidade, tendo em conta o modo de vida do arguido, conclui-se que o conjunto global dos factos indicia uma tendência criminosa, para a prática de crimes contra o património”, desconhecendo-se a que arguido o Tribunal a quo se quer referir.
           Conclui assim pela contradição insanável existente entre os factos dados como provados e não provados e a fundamentação, eivando de erro de facto e de direito a decisão condenatória proferida quanto à prática pelo recorrente do crime de burla qualificada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2, alínea b), do Código Penal.
            Também a propósito da condenação pela prática dos três crimes em coautoria, por ter alegadamente aderido ao plano elaborado pelo coarguido AA, face ao que se teve como provado, considera o recorrente ocorrer contradição insanável.
           Analisemos, pois, os contornos do vício da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão.
            A jurisprudência dos tribunais superiores vem considerando que este vício supõe uma contradição em termos tais que “não pode ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência” [3].  Trata-se de “um vício ao nível das premissas, determinando a formação deficiente da conclusão”, de tal modo que “se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível” [4]. Assim, a contradição insanável da fundamentação revela-se através de uma incoerência, evidenciada por uma relação de incompatibilidade ou conflitualidade entre dois ou mais factos ou premissas inconciliáveis, em termos tais que a afirmação de um ou uns implique necessariamente a negação do outro ou outros, e reciprocamente. É o que sucede, por exemplo, quando o mesmo facto é dado como provado e como não provado, o que se traduz na verificação de premissas que não podem afirmar-se simultaneamente como verdadeiras, ou quando se consideram assentes factos contraditórios. Do mesmo modo, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão pressupõe uma relação de conflitualidade entre os fundamentos invocados e a decisão adoptada, o que sucede quando os factos assentes (ou não assentes) são incompatíveis com a fundamentação que o tribunal apontou para os considerar como provados ou como não provados, seja por via da objectiva contradição de sentidos, seja por evidência decorrente das regras da experiência comum.
            Decompondo o alegado nas suas diversas vertentes, conclui-se o seguinte:
            Relativamente aos termos da condenação, na parte em que é alegada a insubsistência da condenação pela al. b) do nº 2 do art. 218ºdo Código Penal, estamos uma vez mais perante questão de direito a dirimir mediante a subsunção dos factos ao direito aplicável, com vista ao enquadramento jurídico-penal da conduta. Não se trata, pois, de verificar a existência do vício previsto no art. 410º, nº 2, al. b), que manifestamente não está em causa. A questão será tratada mais adiante, no momento oportuno.
            O mesmo se dirá, mutatis mutantis, relativamente ao alegado quanto à contradição entre o provado e a condenação pela prática dos crimes em coautoria.
            Quanto aos termos da aparente contradição valorativa resultante da fundamentação:
            Sob a epígrafe «Determinação da pena», consta do acórdão do tribunal colectivo, a fls. 36, a seguinte afirmação:
           De realçar que neste momento todos os arguidos se encontram inseridos a nível social e profissional, parecendo-nos que terá sido um caso isolado nas suas vidas que não se voltará a repetir.
            Mais adiante, a fls. 38, a propósito da determinação da pena única, vem afirmado:
            Assim, na avaliação da personalidade, tendo em conta o modo de vida do arguido, conclui-se que o conjunto global dos factos indicia uma tendência criminosa, para a pratica de crimes contra o património.
            Alega o recorrente que se desconhece a que arguido o Tribunal a quo se quer referir.
            Reconhecendo-se que o texto do acórdão em análise não é isento de reparo, tratando conjuntamente a posição dos diversos arguidos sem cuidar de distinguir com rigor a qual deles se refere em cada momento, há que convir, no entanto, que a análise do texto no seu conjunto permite verificar que a segunda das afirmações que acima transcrevemos não visa, manifestamente, o ora recorrente, mas o arguido AA, o único arguido relativamente ao qual se conhecem antecedentes criminais, aliás, dados como assentes sob o nº 32 da matéria de facto provada.
            Por outro lado, a circunstância de se ter considerado como não provado que os arguidos viviam exclusivamente da prática de actos como os supra descritos, não é contraditória com a sua condenação pelo crime agravado pela circunstância prevista na al. b) do art. 218º do Código Penal (fazendo da burla modo de vida) na medida em que o funcionamento dessa agravante não exige que o agente viva exclusivamente da prática de burlas, como melhor se explicitará infra, na análise do tipo legal.
           O recorrente alega ainda contradição insanável a propósito de ter sido considerado como não provado que os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução do plano conjunto a que todos aderiram, desenvolvendo o seguinte raciocínio:
           A fls. 23, é dado como não provado que os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consicente, em execução do plano conjunto a que todos aderiram,
            E, em sede de fundamentação, a fls. 26, ressumbra da súmula das declarações prestadas pelo Recorrente, que: “Por sua vez o arguido BB esclareceu que conheceu o arguido AA no café em .... Num determinado dia foi abordado pelo AA acerca da possibilidade de proceder ao levantamento dos subsídios de mobilidade, alegando que tinha vários negócios abertos e o tempo que tinha era pouco para proceder ao seu levantamento.
          Pesquisou sobre a situação e aceitou o trabalho, dado que era uma situação temporária e dependa dos meses e do número de passagens. Recorda-se que tinha de dar o seu número de contribuinte porque era como se ele pagasse o bilhete e só assim podia pagar o bilhete. A sua actividade consista em esperar pela data do voo, e depois dele, com a documentação, ore aos CTT, assinar o recibo e depois juntar todos os papeis e ir embora. Realçou que o AA lhe entregava a documentação numa pasta que não tinha qualquer identificação designadamente relacionada com qualquer agência de viagens. Também chegou a comprar bilhetes sendo que para o efeito o AA depositou dinheiro na sua conta. Quanto as anulamentos das viagens só soube aquando do processo.
            É certo que não coube explicar a devolução do valor do cancelamento para a conta bancaria, no entanto não seconseguiu demonstrar que tivesse qualquer plano originário com o AA.”,
            Sendo que as declarações do Recorrente foram credibilizadas a fls. 30, quando se concluiu, em sede de fundamentação dos factos não provados, que “Os factos não provados resultam de não se ter feito prova dos mesmo, atento o facto das posições contraditórias dos arguidos, sendo mais consistentes e fiéis à realidade dos factos as versões dos arguidos BB e CC, uma vez que recebiam os documentos do AA e era a ele que devolviam os reembolsos, sendo pagos pelos serviços que prestavam”;
           Tal contradição reveste particular importância, porquanto a condenação do Recorrente ancora precisamente na alegada co-autoria na prática dos crimes, cujo plano foi todo ele urdido pelo co-arguido AA, mais a mais considerando os factos provados 1º; 3º a 8º, centrados e apenas contemplando esse co-arguido, sendo ainda dado como provado no ponto 14º que os valores dos subsídios eram entregues ao AA e que o Recorrente apenas auferia um pagamento pelos serviços prestados – pontos 10º (comissão pelo trabalho efectuado) 17º;
            Nessa confluência
           Deverá ser declarada a existência de contradição insanável existente entre os factos dados como provados, não provados e a fundamentação, eivando de erro de facto e de direito a decisão condenatória proferida quanto à prática dos crimes pelos quais foi o Recorrente condenado;
           A contradição, no entanto, é apenas aparente. A análise cuidada do texto do acórdão recorrido permite compreender aquilo que o tribunal a quo não esclareceu com a profundidade e clareza que seriam desejáveis. Sintetizando, diremos que se afirmava no ponto 19 da acusação que Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução do plano conjunto a que todos aderiram, com a intenção concretizada de enganarem os funcionários dos CTT, fazendo-os crer estarem na posse de títulos válidos de transporte entre a Madeira e o Continente e em condições de beneficiarem dos subsídios de mobilidade, bem como autorizados pelos titulares de tais bilhetes a proceder ao respetivo levantamento, o que era falso.
            Consta do acórdão do tribunal colectivo, no facto nº 23, que Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução do plano elaborado pelo AA e a que os demais  aderiram, com a intenção concretizada de enganarem os funcionários dos CTT, fazendo-os crer estarem na posse de títulos válidos de transporte entre a Madeira e o Continente e em condições de beneficiarem dos subsídios de mobilidade, bem como autorizados pelos titulares de tais bilhetes a proceder ao respetivo levantamento, o que era falso.
            E foi dado como não provado que
            Os arguidos PPP, AA, BB e CC urdiram um plano criminoso, no intuito de obterem para si substanciais proveitos que não lhes eram devidos, defraudando o erário público.
            Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução do plano conjunto a que todos aderiram.
            A aparente contradição entre o provado e o não provado não resulta senão da louvável preocupação do tribunal recorrido em distinguir os termos do que teve como assente relativamente ao que constava da acusação formulada pelo Ministério Público, fazendo coincidir o provado com a percepção que teve da prova. Pena é que tenha sido tão parco na motivação da matéria de facto, como o foi, aliás, na discussão das questões de direito, atitude que de algum modo contendeu com a clareza da decisão ao ponto de roçar seriamente a insuficiência, constatação que nos foi assaltando por diversas vezes ao longo da apreciação deste recurso.
           Os demais argumentos invocados a este propósito pelo recorrente não têm cabimento com o significado e alcance que este lhes atribui, como melhor resultará do que se exporá mais adiante.
            Sem mais delongas, conclui-se não se verificar contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

            Ainda em sede dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, arguiu o recorrente o erro notório na apreciação da prova, em aparente confusão deste vício com a insuficiência de fundamentação, vício que também arguiu autonomamente.
            O erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP, “existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente, por não passar despercebido ao comum dos observadores, uma conclusão sobre o significado da prova, contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito dos factos relevantes para a decisão de direito” [5], exigindo-se que seja um erro manifesto, um erro evidente, decorrente da leitura do texto da decisão. A interpretação que se traduz numa outra leitura, meramente possível ou razoável, da prova produzida, não traduz erro notório, não se tendo por verificado este vício quando o recorrente discorda da forma como o tribunal valorou a prova produzida e fixou a matéria de facto. Do mesmo modo, não é este vício que está em causa quando a impugnação da decisão se centra na fundamentação do provado, como sucede no caso, em que o recorrente se atém à utilização pelo tribunal de julgamento de presunções que considera infundadas.
           Analisado o texto do acórdão recorrido, dele não decorre de forma evidente qualquer erro de valoração da prova que se ofereça como manifesto, como incontornável, ainda que apenas na perspectiva do jurista, necessariamente mais atento às particularidades das questões de facto na sua interacção com o mundo do direito e com os critérios de interpretação da prova.
            Em conclusão, e encerrando assim a análise da decisão recorrida na perspectiva da revista alargada, conclui-se pela não verificação de qualquer dos vícios previstos no nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.

           Prosseguindo, há que apreciar a verificação de eventual nulidade decorrente de falta de fundamentação da matéria de facto à luz do previsto nas disposições conjugadas dos art.s 374º, nº 2  e 379º, n º 1, alínea a), do CPP.
            Na óptica do recorrente, o acórdão do tribunal colectivo padece de nulidade porquanto na motivação de facto não está explicitado em que termos os documentos convenceram o tribunal e para a prova de que factualidade, com indicação da sua força probatória e conteúdo, interligando-os com os demais meios de prova, quedando-se o colectivo pela lista dos documentos que terá analisado, o mesmo sucedendo quanto às declarações prestadas pelos arguidos e depoimentos das testemunhas, constando apenas uma súmula do por si referido, com uma breve e genérica análise da sua credibilidade, sem qualquer explicitação relativamente aos factos imputados aos arguidos; assim como não se alcança com base em que meios de prova foi dado como assente que o recorrente aderiu ao plano alegadamente construído pelo coarguido AA; como e quando forjaram os documentos; e por que razão se conclui que bem sabiam que os documentos usados para efectivar os pedidos de reembolso eram falsos / forjados e que os voos haviam sido cancelados.
            Analisemos, pois, o critério legal da fundamentação de facto.
            Nos termos do art. 374º, nº 2, do CPP, ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

            Esta fundamentação constitui verdadeiramente o cerne da decisão a proferir em 1ª instância. É aqui que o julgador evidenciará o prudente juízo formulado sobre a prova produzida, explicitando os meios de prova que lograram convencê-lo da factualidade que teve por assente ou que considerou indemonstrada, por recurso a raciocínios lógico-dedutivos, às regras da experiência comum e a presunções naturais consentidas pela prova directa. Como se refere no Acórdão do STJ de 21/03/2007, «a fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor, e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão, o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular seu próprio juízo» [6].

            Não explicitando a lei processual penal em que consiste o exame crítico das provas, a jurisprudência vem densificando esse conceito aferindo a suficiência da fundamentação em função da sua aptidão para permitir a compreensão dos meios de prova atendidos e dos raciocínios desenvolvidos pelo julgador para atingir as conclusões a que chegou e que lhe permitiram fixar a matéria de facto, tanto a que teve como assente como a que considerou não provada. Essa explicitação poderá ser concisa, desde que permita sem margem para dúvidas compreender o processo de formação da convicção que conduziu à solução de facto plasmada na decisão.

            Pode ler-se um pouco mais adiante no texto do Acórdão do STJ que antes citámos e por referência a diversas decisões daquele supremo tribunal, que «o rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte».

           O que seguramente esse exame crítico não tem que ser é uma assentada, à semelhança dos depoimentos escritos previstos no antigo regime processual penal, tanto mais que para conhecimento do teor da prova oralmente produzida em audiência e visando permitir a sua reapreciação em recurso consagrou a lei a documentação da prova através da respectiva gravação. Estando o conhecimento e reapreciação da prova salvaguardados por essa via, careceria de razoabilidade a exigência de uma detalhada indicação, em sede de motivação de facto, do teor dos depoimentos prestados em audiência, tarefa de difícil concretização e verdadeiramente inútil, pois que discordando o recorrente da interpretação da prova efectuada pelo tribunal de 1ª instância tem ao seu dispor a possibilidade de a impugnar por recurso à prova gravada, nos termos processualmente previstos no art. 412º do CPP.

            Também se não exige que o julgador pormenorize relativamente a cada um dos factos provados ou não provados as provas atendidas e os raciocínios e deduções desenvolvidos para os ter ou não como assentes, procedimento que para além de não encontrar guarida na letra da lei deixaria de fora a relevância da oralidade/imediação, pedra de toque da avaliação da prova, na medida em que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais” [7].

            As exigências de fundamentação deverão, isso sim, estar em harmonia com a função prática por ela prosseguida, visando uma multiplicidade de finalidades reclamadas por uma perspectiva moderna e humanista da justiça penal.

            Assim, e desde logo, o dever de fundamentação assegura a transparência do processo de decisão, vertida na correspondência entre a prova produzida e a decisão de facto, ao obrigar a que esta última tenha suporte na análise e valoração daquilo que foi levado ao conhecimento do julgador em audiência.

           Assegura, por outro lado, uma função de convencimento, garantindo que ao(s) destinatário(s) da decisão penal, como aos demais sujeitos processuais e à comunidade jurídica em geral, é facultada a possibilidade de se inteirarem não apenas da decisão que incidiu sobre o caso concreto, mas das razões que a ela conduziram.

           Cumpre ainda uma função de segurança do sistema de prova, permitindo que em caso de discordância dos interessados relativamente às conclusões retiradas da prova, o tribunal de recurso se pronuncie sobre o bem-fundado da decisão, inteirando-se do iter lógico-racional prosseguido pelo julgador, aferindo da sua razoabilidade e correspondência com as regras da experiência comum.

            Desempenha, por fim, uma função de credibilização dos tribunais e da própria justiça, ao assegurar que a decisão penal não é fruto de mera arbitrariedade discricionária, antes resultando de uma ponderada avaliação e análise da prova.
            Revertendo ao caso dos autos e analisando a motivação consignada pelo tribunal recorrido verifica-se que este deu nota de ter apreciado a prova no seu conjunto, valorando, desde logo, as declarações dos coarguidos. Essas declarações foram concatenadas com outros meios de prova, testemunhal e documental, e no que particularmente concerne ao ora recorrente, o arguido BB, a súmula das suas declarações, consubstanciadas no que disse e no que não soube explicar, não deixam margem para dúvidas quanto à leitura que delas fez o tribunal recorrido. Qualquer cidadão de mediano entendimento, ainda que completamente leigo em matéria de direito, compreenderia que alguém que desse as explicações que o arguido BB deu em audiência não poderia senão ter perfeita consciência do que estava a fazer.
            Vejamos: o arguido “tinha de dar o seu número de contribuinte porque era como se ele pagasse o bilhete e só assim podia pagar o bilhete”.  Por outro lado, “a sua actividade consistia em esperar pela data do voo, e depois dele, com a documentação, ir aos CTT, assinar o recibo e depois juntar todos os papeis e ir embora”. A lógica destas explicações é a de que o arguido BB, de antemão, já sabia que o voo viria a ser anulado, na sequência do que pediria o reembolso do valor da passagem aérea. Qual poderia ser a lógica de tudo isto, senão a de uma fraude organizada, tendo por objecto o recebimento de quantias que iriam ser indevidamente pagas por voos não realizados? O recorrente não avançou qualquer explicação verosímil e este tribunal de recurso também a não consegue intuir; mas já intui sem margem para dúvidas, através dos ensinamentos da experiência comum, que o recorrente tinha plena consciência do que estava a fazer.
           Pretende o recorrente que decorre nulidade da circunstância de o tribunal a quo não ter explicitado em que termos os documentos o convenceram, e para a prova de que factualidade. Contudo, como ele próprio reconhece, a dado passo das suas alegações, não está o tribunal de julgamento vinculado a indicar todos os meios de prova de que se serviu para considerar provado cada um dos factos que teve como assente. Em termos de fundamentação, o que efectivamnte releva é que os documentos foram valorados pelo tribunal, que deu nota de a eles ter atendido na análise da prova.
            Pretende por outro lado que deveria ter sido indicada a força probatória e conteúdo dos documentos, interligando-os com os demais meios de prova.
           Quanto à indicação da força probatória dos documentos, o sistema processual penal português encontra sólidos alicerces no princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP, tendo descartado o rígido sistema da prova tarifada. Esta liberdade de apreciação da prova é estabelecida em estreita vinculação com o dever de indagação da verdade material, exigindo uma motivação que permita o controlo da actividade jurisdicional na fixação da prova, o que se vem a traduzir na necessidade de a decisão do tribunal em sede de facto encontrar sólidos alicerces na prova produzida. É o que sucede no caso vertente, em que às declarações e depoimentos produzidos em audiência se adiciona a incontornável prova documental.
            Vem ainda sustentado que não se alcança com base em que meios de prova foi dado como provado que o recorrente aderiu ao plano alegadamente construído pelo coarguido AA; como e quando forjaram os documentos; e por que razão se conclui que bem sabiam que os documentos usados para efectivar os pedidos de reembolso eram falsos / forjados e que os voos haviam sido cancelados.
           Relativamente a estas últimas afirmações, respeitantes ao conhecimento de os documentos serem forjados, a súmula das declarações prestadas pelo recorrente fala por si e para ela remetemos, de tão elucidativa que se apresenta, apesar da sua singeleza; elemento que vale da mesma forma para responder à dúvida suscitada quanto aos meios de prova que levaram a que se desse como provado que o recorrente aderiu ao plano do coarguido AA. Claro que a resolução criminosa pressupõe a prévia representação pelo agente da natureza ilícita dos factos que se propõe praticar. Essa visão antecipada do facto traduz um dos elementos constitutivos do dolo, a saber, o seu elemento intelectual. A resolução constitui um segundo momento e traduz o querer, a vontade do agente em concretizar um determinado resultado, ou seja, o elemento volitivo do dolo. Ainda que o dolo deva ser consubstanciado em matéria de facto, traduz um acontecimento da vida psicológica, da vivência interna do agente, não constituindo por essa razão facto directamente percepcionável pelos sentidos do espectador. Nessa medida, há que inferi-lo a partir da exteriorização da conduta na sua globalidade; razão pela qual só por recurso à presunção judicial, diluída na livre convicção do julgador, é possível determiná-lo, necessariamente através de factos naturalísticos, susceptíveis de directa apreensão, conjugados com as regras da experiência.
            Abreviando razões, diremos que a fundamentação do provado se ateve aos mínimos, mas permite, ainda assim, compreender sem esforço a leitura que o tribunal fez da prova ante si produzida, satisfazendo tanto as exigências de transparência do processo decisório como as exigências de convencimento do intérprete neutro [8].
            Não se vê, pois, que tenham sido violadas as disposições dos arts. 20º, nº 1, 32º, nº 1, e 205º, nº 1, da CRP e dos art.s 32º, nºs 1 e 5 e 6 da CEDH (Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

            Socorrendo-se de uma outra via de impugnação, o recorrente alega a existência de erro de julgamento e dá nota de pretender prevalecer-se da impugnação ampla da matéria de facto. Contudo, não fez, sequer, uma aproximação ao modelo de impugnação legalmente previsto para esse efeito. Na verdade, a alegação de erro de julgamento por referência à prova produzida em audiência pressupõe o cumprimento dum ónus de impugnação especificada. Querendo impugnar a matéria de facto, o recorrente tem que organizar o recurso com observância do formalismo previsto nos nºs 3 e 4 do art. 412º; nomeadamente – e para além do mais – tem que indicar nas suas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e tem que indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. Esta última indicação faz-se com a menção das concretas provas que impõem decisão diversa, em obediência a um objectivo prático, que é o de garantir que a impugnação apresentada tem subjacente fundadas razões de discordância.
            O sentido útil da lei, segundo a leitura integrada das diversas disposições que relevam na ordenação do recurso de facto, não oferece dúvidas de maior.

Segundo o nº 2 do art. 364º, “quando houver lugar a gravação magnetofónica ou audiovisual, deve ser consignado na acta o início e o termo da gravação de cada declaração”.

Por seu turno, o nº 4 do art. 412º diz que as especificações previstas nas alíneas b) e c) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na acta, “…devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.

Portanto, impugnando um determinado ponto de facto, que concretizará, o recorrente terá que mencionar as provas que fundamentam a impugnação, identificando os depoentes ou declarantes cujas afirmações corroboram a posição sustentada, indicando, por referência ao consignado na acta, as passagens concretas que fundamentam a discordância relativamente ao aspecto em análise. 

Esta indicação concreta implica a indicação dos segmentos relevantes da gravação, por referência ao momento da gravação (é o que resulta da conjugação dos nºs 4 e 6 do art. 412º); o que não significa que apenas os segmentos indicados pelo recorrente venham a ser ouvidos. O tribunal de recurso procederá à audição “… das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa” (nº 6 do art. 412º).

Subjacentes a estas exigências legais estão razões de ordem prática: garantir que o recorrente não reduz a sua impugnação a considerandos genéricos sobre o sentido da prova e a credibilidade dos depoimentos; e assegurar, simultaneamente, a racionalização da actividade do tribunal superior. Por um lado, responsabiliza-se o recorrente pela indicação precisa dos elementos que impõem uma decisão diversa da recorrida, indicando o trecho do depoimento que pretende invocar e a sua localização; e ao mesmo tempo, faculta-se um acesso simples do tribunal de recurso aos elementos que o recorrente invoca.

Ora, o recorrente fez uma impugnação genérica dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, não tendo indicado os segmentos da gravação que apoiam a posição que sustenta relativamente à prova.

Se as conclusões do recurso, acima transcritas (que servem, entre outras finalidades, a da delimitação do objecto do recurso [9], operando a vinculação temática do tribunal superior e definindo o âmbito do conhecimento que obrigatoriamente se impõe ao tribunal ad quem), não cumprem as exigências legais relativas à impugnação da matéria de facto, certo é que também na motivação o recorrente não procedeu às indicações a que estava obrigado para validamente impugnar o julgamento de facto.

A omissão limitada às conclusões seria sanável mediante convite para aperfeiçoamento, nos termos do art. 417º, nº 3. Não assim quando o vício vem da própria motivação, já que esta é inalterável, não podendo as conclusões exceder os limites definidos por aquela.

Nesta medida, não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto nos termos que lhe eram legalmente exigíveis nem sendo admissível alteração da motivação do recurso, vedado está a este Tribunal da Relação conhecer da matéria de facto. Nessa medida, não ocorrendo quanto a ela qualquer vício de conhecimento oficioso, a matéria de facto considera-se definitivamente fixada.

            O recorrente faz apelo ao princípio in dubio pro reo pretendendo por essa via alcançar a absolvição. Contudo, o texto da decisão recorrida não lhe dá razão. Constituindo um princípio geral do processo penal, o in dubio pro reo afirma-se também como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Esta dúvida razoável é uma dúvida metódica que, reconhecendo a impossibilidade de concluir com segurança pela verificação de um determinado facto, terá que firmar-se no conjunto da prova produzida e na razoabilidade das situações da vida. É aquela dúvida que se forma no espírito do julgador quando este, na apreciação crítica da prova, não encontra alicerces para ter como assente um determinado facto.  Poderá sobrevir por total ausência de produção de prova (quando a prova directa não confirma o facto e não é de admitir o funcionamento de prova indirecta), por os meios de prova que apontam no sentido da verificação do facto (positivo ou negativo) não se apresentarem como convincentes, ou ainda porque as premissas que permitiriam considerar como provado um concreto facto admitem coerentemente ter como verificados factos alternativos com igual grau de probabilidade. Todas estas situações geram uma impossibilidade ôntica de verificação do facto, que até poderá ser verdadeiro, mas que não está comprovado. Assim se sedimenta a dúvida razoável e se desencadeia o funcionamento do princípio in dubio pro reo. Em contraponto, a comprovação fáctica exige uma «certeza judiciária». Não se trata de uma certeza absoluta, contra todas as possibilidades, mas de uma certeza lógica e racional, assente na prova, fundada num equilibrado sentido da vida e na normalidade das situações. Se uma vez produzida e analisada a prova subsistir uma dúvida razoável sobre a veracidade do facto, o non liquet daí resultante será necessariamente valorado a favor do arguido. Se, pelo contrário, foi alcançada uma certeza judiciária, o facto deve ser firmado como provado. É neste equilíbrio entre o juízo de certeza respaldado na prova e a inconsistência de factos que apesar da prova produzida não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal que é moldada a decisão penal em matéria de facto.

           Em sede de recurso, em que o tribunal superior não dispôs da oralidade/imediação relativamente à prova produzida, o juízo de non liquet ao arrepio da decisão de primeira instância só será de admitir se manifestamente a prova produzida não comportar outra alternativa, revelando-se absolutamente inadmissível firmar o facto como provado. O que o tribunal de recurso não pode fazer é interferir com a opção do tribunal recorrido assente numa solução verosímil, racionalmente explicitada e com lastro na prova produzida.

           Ora, no caso vertente, não se vê que o tribunal recorrido tenha atingido uma situação de dúvida, resolvendo-a em desfavor do recorrente. A decisão sobre a matéria de facto foi motivada por referência às provas que fundamentaram a convicção do tribunal, através duma valoração critica racionalmente desenvolvida, que respeitou as regras da experiência comum, e as circunstâncias do caso não permitem afirmar a verificação de várias soluções em termos de facto que encontrem apoio na prova produzida e que se apresentem como igualmente verosímeis.

Vejamos de seguida a alegação de que não constam da própria acusação e consequentemente não foram transpostos para a decisão factos essenciais para a o preenchimento do tipo objectivo de crime de burla qualificada. Já antes aludimos a esta linha de argumentação, cujo conhecimento relegámos para momento ulterior. Recuperemos, pois, a súmula argumentativa que ao tema concerne:
          - O beneficiário tem de comprovar ter realizado a viagem de ida ou a viagem de ida e volta, a que respeita o subsídio;
          - O pagamento do subsídio apenas pode ser concedido, mediante a apresentação dos documentos previstos no artigo seguinte, e no prazo previsto na Portaria a que se refere o artigo 4.º, isto é, após o sexagésimo dia a contar da data da emissão da factura ou da factura-recibo e no prazo máximo de 90 dias a contar da data da realização da viagem de regresso, como previsto no artigo 5º, nº 1, da Portaria n.º 260-C/2015, de 24 de Agosto;
           - Sendo a acusação e o acórdão recorrido totalmente omissos sobre o tema e sendo aqueles elementos relevantes para o preenchimento do elemento objectivo do crime de burla qualificada, a saber, para comprovação do erro astuciosamente provocado aos balcões dos CTT onde eram efectuados os pedidos de pagamento, adequados à concretização do prejuízo invocado;
            - Acrescendo ainda que o valor determinado no ponto 26, quanto ao alegado prejuízo causado no montante de €66.254,00, deveria ter em consideração o custo assumido pela aquisição das viagens, o que não foi tido em consideração;
            - E quanto à falsificação das certificações notariais, seja quanto ao facto de os pretensos passageiros, residentes na Ilha da Madeira não terem realizado as viagens, não terem facultados os seus documentos, não terem solicitado os pedidos de reembolso, e ainda seja quanto à anulação das viagens e posterior pedido de reembolso, a decisão recorrida é totalmente omissa quanto aos elementos probatórios que permitem tal conclusão.

Apreciando:

O crime de burla está tipificado no art. 217º, nº 1, do Código Penal nos seguintes termos:

1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

(…)

Esta formulação legal permite identificar como elementos constitutivos do tipo os seguintes:

            - A utilização de astúcia pelo agente;

            - O erro ou engano da vítima induzidos pela astúcia utilizada pelo agente;

            - A prática, pela vítima, de actos decorrentes do erro ou engano;

            - O prejuízo patrimonial da vítima ou de terceiro, resultante desses actos;

            - A intenção do agente de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.

O art. 218º, por seu turno, prevê as circunstâncias que qualificam o crime e as penas correspondentemente aplicáveis. No caso vertente, o arguido foi condenado pelo crime qualificado segundo as alíneas a) e b) do nº 2 deste artigo, correspondentes à seguinte previsão:

(…)

2 - A pena é a de prisão de dois a oito anos se:

 a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;

 b) O agente fizer da burla modo de vida;

 (…)

O prejuízo patrimonial de valor consideravelmente elevado é aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto, conforme resulta do art. 202º, al. b), do Código Penal. Já a circunstância de fazer da burla modo de vida traduz-se em o agente obter com carácter de continuidade ou de regularidade os meios indispensáveis à sua subsistência, à sua vida quotidiana, não sendo indispensável para a verificação desta circunstância que se trate de uma actividade exclusiva, ou mesmo de uma actividade contínua, como vem sendo acentuado pela jurisprudência.

Temos assim que a verificação do crime de burla previsto no art. 217º do Código Penal pressupõe necessariamente a astúcia do agente, traduzida na utilização de um meio enganoso. Esse meio enganoso deverá ser a causa efetiva do erro em que incorre a vítima e nesse engano deverá residir a causa da prática, pela vítima, de actos que originem prejuízos patrimoniais. Nessa medida, vem sendo apontado como pressuposto do preenchimento do tipo legal em questão a verificação de um duplo nexo de imputação objectiva: o nexo entre a conduta enganosa adoptada pelo agente e a prática, pela vítima, de actos susceptíveis de causar a diminuição do seu património ou do património de terceiros; e, concomitantemente, o nexo entre estes actos e a efectiva verificação do prejuízo.

Em termos porventura mais práticos, poderemos dizer que é necessário que o agente, através de acto enganatório, convença a vítima a fazer a disposição do seu património ou do património de um terceiro; e que esse engano seja a causa efectiva ou directa da disposição patrimonial lesiva.

Compulsada a matéria de facto assente dela resulta, com interesse para a posição do arguido recorrente, o seguinte:

- Que o arguido AA elaborou  um plano criminoso no intuito de obter para si  e para terceiros que o ajudassem, substanciais proveitos que não lhes eram devidos, defraudando o erário público;

- Que para o efeito solicitou a colaboração do arguido BB, que aderiu a esse plano com o mesmo intuito;

- Que com vista à concretização de tal plano, de modo não concretamente apurado, o arguido AA arranjava a documentação necessária consistente em cópias de cartões de cidadão de madeirenses e certificações notariais e adiantava as quantias para os primeiros bilhetes eletrónicos;

- Após, procedia à compra de bilhetes, efectuava os cancelamentos e reclamava os valores do subsidio social de mobilidade nos balcões dos CTT;

- Assim, num primeiro momento, era adquirido por via eletrónica um bilhete para viajar entre o arquipélago da Madeira e o Continente nos dias seguintes, sendo emitido o respetivo bilhete eletrónico e recibo comprovativo dessa aquisição;

- Em seguida, era emitido o cartão de embarque online (nas 36H00 anteriores ao voo da TAP e nas 48H00 anteriores ao voo da SATA);

- Nas 24H00 seguintes à emissão do recibo era solicitado o cancelamento à companhia aérea, sendo reembolsada a totalidade do montante pago pelo bilhete;

- Posteriormente, era reclamada numa loja CTT – no caso vertente, em território continental – o pagamento do subsídio social de mobilidade, mediante a apresentação de documentos aparentemente válidos (bilhete, recibo de pagamento e cartão de embarque) bem como de certificações notariais forjadas de cópias dos cartões de cidadão dos pretensos passageiros;

- No âmbito do plano a que aderiu, o arguido BB, utilizando a documentação cedida pelo arguido AA, procedeu à reclamação dos valores do subsidio de mobilidade nos balcões dos CTT, valores que os CTT lhe entregaram após ter facultado a documentação correspondente;

- De seguida, o arguido BB entregava esses valores ao arguido AA, que lhe pagava uma comissão pelo trabalho efectuado;

- Na execução desse plano obteve dos CTT a entrega dos valores correspondentes ao subsídio social de mobilidade descriminados nas tabelas vertidas na matéria de facto provada;

- O arguido BB entregava o dinheiro ao arguido AA, em numerário ou depositava na sua conta bancaria e posteriormente transferia o valor para a conta bancária do arguido AA;

- Os arguidos BB e AA usavam as contas bancárias tituladas por ambos, nas quais eram depositados os valores obtidos nos balcões CTT, sendo parte deles depois utilizados na compra de bilhetes eletrónicos de viagens de e para a Madeira, que de imediato eram anulados, voltando os valores às contas do BB e do AA.

- Assim, foi depositado pelos arguidos na conta do arguido BB n.º ...17 do Banco 1..., a 3 de julho de 2016, a quantia de € 3.720;

- Foram comprados bilhetes à TAP, na mesma data, no valor de € 2.015,58, transferidos a crédito € 3.820 a 20.07.2016, sendo que na mesma data foram transferidos € 3.800 para a conta n.º  ...15, titulada no Banco 1... pelo arguido AA; a 19.09.2016 foram depositados € 2.200 na mesma conta e comprados € 2.380,23 de bilhetes à TAP;

- Na conta n.º  ...15, titulada no Banco 1... pelo arguido AA, entre 16 e 20 de julho de 2016, foram depositados pelos arguidos € 4.950 em numerário e recebida uma transferência de € 3.800 proveniente de uma conta do arguido BB;

- Entre 4 e 5 de outubro de 2016, foram depositados pelos arguidos € 1.057 em numerário e comprados € 675,39 de bilhetes à TAP; 

- Também recebeu o arguido AA na conta por si titulada na Banco 2... com o número ...00, entre junho e dezembro de 2016, um total de € 24.355, em depósitos de numerário;

- Essas quantias depositadas nas contas dos arguidos, usadas para comprar bilhetes eram, todas, provenientes da prática dos factos descritos;

- O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, em execução do plano elaborado pelo AA a que aderiu, com a intenção concretizada de enganar os funcionários dos CTT, fazendo-os crer estar na posse de títulos válidos de transporte entre a Madeira e o Continente e em condições de beneficiar dos subsídios de mobilidade, bem como autorizado pelos titulares de tais bilhetes a proceder ao respetivo levantamento, o que era falso;

- Para tanto, usou títulos de transporte e supostas cópias certificadas de cartões de cidadão para erradamente fazer crer estar autorizado a praticar tais actos e legitimado ao recebimento dos subsídios, o que não correspondia à verdade;

- Bem sabiam os arguidos que uma certificação notarial de documento faz fé pública e atesta perante terceiros a veracidade do documento certificado e que forjaram e usaram tais certificações em cópias de cartões de cidadão de residentes na Madeira.

- Os arguidos conseguiram com essa actuação a quantia de pelo menos € 66.254, em prejuízo dos efetivos titulares do direito ao recebimento dos subsídios e fundamentalmente, do Estado Português, que, assim, se viu indevidamente desapossado de tal valor;

- Os funcionários dos CTT apenas entregaram as quantias aos arguidos perante a convicção, pelos mesmos criada mediante o uso dos documentos descritos, de estavam reunidos os requisitos para o recebimento dos subsídios e estavam autorizados para tal pelos respetivos e putativos beneficiários;

- Sabiam os arguidos AA e BB que o dinheiro depositado nas suas contas provinha da prática de crime, que os valores usados na compra de bilhetes e daí transferidos se destinavam à prática de novos crimes e aos próprios arguidos que usaram tais contas para introduzirem tais valores no circuito bancário, assim lhes dando uma aparência de licitude e disfarçarem tal proveniência;

- Todos sabiam que praticavam atos proibidos e punidos pela lei penal.

No que concerne ao crime de burla, esta factualidade evidencia o acto enganatório utilizado pelo recorrente para convencer os CTT a entregarem-lhe os valores correspondentes ao subsídio social de mobilidade (valores pertencentes a terceiro, pois seriam pagos pelo Estado), engano esse que foi a causa efectiva da entrega daqueles montantes patrimoniais.

Pretende o recorrente que não foi dada como provada a data do pedido de pagamento do subsídio nos CTT, quando nos termos do disposto no artigo 6.º, n. º1, do Decreto-Lei n.º 134/2015, de 24 de Julho, o pagamento do subsídio só pode ser efectuado se os documentos forem apresentados em determinado prazo. Contudo, essa é uma questão marginal relativamente ao crime de burla que o recorrente praticou e, contrariamente ao por ele alegado, não traduz matéria constitutiva do elemento objectivo do crime. Constitutivos desse elemento típico são todos aqueles factos acima enumerados que revelam que o arguido, através da sua actuação ardilosa e enganatória, convenceu os funcionários dos CTT a entregarem-lhe quantias a que não tinha direito fazendo-lhes crer que a entrega dessas quantias era devida e legítima, tendo o engano que neles criou sido determinante da entrega daquelas quantias, daí resultando prejuízo patrimonial para o Estado Português. Se porventura a entrega dessas quantias tiver sido efectuada em violação do procedimento previsto para o efeito, é questão que não contende com o intuito enganoso que, aliás, logrou os seus objectivos, nem retira eficácia à consumação do crime, por não constituir circunstância que exclua a responsabilidade do arguido. Trata-se de questão que respeita exclusivamente ao relacionamento contratual entre o Estado e os CTT e, de todo o modo, a matéria de facto não refere que os reembolsos ou alguns deles tenham sido efectuados em momento anterior ao devido nem o recorrente concretiza qualquer situação em que assim tenha sucedido.

No que concerne à pretensão do recorrente de ver deduzido ao montante de €66.254,00 apontado no ponto 26 da matéria de facto o custo assumido pela aquisição das viagens, que diz não ter sido levado em conta, o mínimo que se poderá dizer é que é espantoso que o recorrente tenha a audácia de procurar induzir o tribunal de recurso em erro, quando bem sabe que as quantias respeitantes à aquisição de bilhetes foram totalmente reembolsadas pelas companhias aéreas após a anulação dos bilhetes, conforme o tribunal a quo teve como assente no facto nº 7, que o recorrente nem sequer impugnou, respeitando o montante referido no facto nº 26 exclusivamente aos valores do subsídio social de mobilidade indevidamente recebidos. Aliás, não deixa de ser sintomático que apesar de alegar que as vantagens deveriam ser quantificadas deduzindo ao valor dos pedidos de pagamento de subsídio a quantia despendida na aquisição de bilhetes, o recorrente tenha sintetizado as suas pretensões recursórias na parte final das conclusões sem aí incluir esta vertente, certamente por ter a clara noção de que se o tivesse feito abriria caminho à sua condenação em taxa sancionatória excepcional, nos termos previstos no art. 521º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Alcançamos, pois, a definitiva conclusão de que a conduta do recorrente preenche a tipicidade do crime de burla.

Vejamos de seguida se o mesmo sucede relativamente à circunstância agravante prevista no nº 2, al. b), do Código Penal – fazendo da burla modo de vida – que aquele impugna.

Segundo Faria Costa, modo de vida é a maneira (…) pela qual quem quer que seja consegue os proventos necessários à própria vida em comunidade. Implica, por definição, uma série mínima de actos; e não exige que essa prática criminosa seja o único modo de obtenção de proventos. Implica uma estabilidade ligada a um comportamento que se traduz em benefício pessoal e social [10]. A jurisprudência vem aceitando pacificamente esta conceptualização, como se poderá verificar, entre outros, nos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/06/2015, recurso nº 202/10.1PBCVL.C1 (Deve entender-se como fazendo da burla modo de vida não é suficiente que as infracções singulares tenham sido cometidas com o escopo de lucro ou com o fim de outro proveito económico, mas o complexo das infracções deve revelar um sistema de vida, como é o caso do ladrão ou do burlão que vivem sem trabalhar, dos proventos dos delitos); de 26/10/2016, recurso nº 533/12.6GESLV.C1 (Não se exige que o agente se dedique de forma exclusiva à prática de um daqueles tipos legais de crime, mas sim que a série de ilícitos contra o património que o agente pratique seja factor determinante para que se possa concluir que disso também faz modo de vida); de 07/11/2018, recurso nº 1239/10.6PBCBR.C1 (A circunstância qualificativa do crime de burla prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 218.º do CP deve ser entendida como a maneira com que o agente logra obter os proventos indispensáveis à sua vida em comunidade, não sendo absolutamente preciso que se trate de uma ocupação exclusiva ou contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do visado); e de 27/01/2021, recurso nº 111/19.9PBCVL.C1 (Para o funcionamento da qualificativa modo de vida não é necessária uma ocupação exclusiva com a actividade ilícita, podendo simultaneamente o agente trabalhar de forma lícita, nem mesmo contínua, podendo até ser intermitente, desde que contribua para o sustento do arguido, o que tem que ressaltar da série de ilícitos cometidos).

No caso vertente, demonstrou-se que o arguido BB com a sua actuação, ainda que num período relativamente curto, logrou obter pelo menos a quantia de 39.878 € em pagamentos recebidos relativamente às viagens. O próprio arguido admitiu, nas suas declarações, que auferiria pela actividade que desenvolvia uma quantia variável, mas na orla dos €1000,00 por mês, acrescida de despesas de deslocação e do pagamento do quarto quando era necessário deslocar-se para fora de Lisboa.

Ainda que a sua actuação se tenha desenvolvido apenas por três ou quatro meses, como o próprio admite, dado o elevado número de actuações fraudulentas que desdenvolveu, traduzida numa sucessiva reiteração de crimes de burla, como resulta da matéria de facto e da circunstância de desenvolver aquelas tarefas como se de uma ocupação profissional se tratasse – pois na verdade é precisamente isso o que resulta do provado – dúvidas não há de que lhe é aplicável a circunstância qualificativa prevista no art. 218º, nº 2, al. b), do Código Penal. Aliás, a própria concentração de actuações criminosas tipificadoras do crime de burla num espaço de meses, constituindo-se como actividade principal ou exclusiva do arguido durante esse período de tempo, sendo daí que retirava proventos para a sua subsistência, reforça esta conclusão.

Aliás, não prevendo o crime de burla a reiteração do facto, a unificação de todos os factos praticados pelo numa única conduta só poderia ocorrer por uma de duas vias: pela via do crime continuado, se estivessem verificados os respectivos pressupostos, o que não sucede no caso, ou pela via do cometimento dos crimes de burla como modo de vida. Esta circunstância qualificativa, ao pressupor a reiteração de condutas para funcionamento da agravante, obsta à autónoma consideração como crime de cada uma das condutas típicas isoladamente consideradas. De outro modo, seria violado o princípio do ne bis in idem. Nessa medida, a alternativa à unificação das condutas criminosas relativas à burla num só crime qualificado seria a responsabilização do arguido por uma pluralidade de crimes simples, posto que cada um dos ilícitos, só por si, também não poderia implicar a verificação da qualificativa do valor consideravelmente elevado; implicando a ulterior determinação de uma pena única para o concurso de crimes [11].

Revela-se assim inquestionável o enquadramento do crime de burla nos termos assumidos no acórdão recorrido.

Prossegue o recorrente, sustentando que não se mostram evidenciados os pressupostos da coautoria, podendo, quando muito, ser-lhe imputada uma actuação a título de cumplicidade.

            Renovando o que já temos escrito em anteriores decisões concernentes ao tema, o art. 26º do Código Penal, dispondo que «é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução», prevê diversas formas de execução do facto autonomizáveis em função das características da acção, mas recondutíveis, todas elas, ao conceito amplo de autoria.

            No âmbito das alternativas previstas naquela norma, o segmento «é punível como autor quem (…) tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (…)» dá corpo à coautoria, que tem como pressuposto fundamental uma execução conjunta do facto, a exigir que o coautor tenha, em determinada medida, o domínio do facto; não necessariamente da totalidade do facto, mas pelo menos de uma parcela da execução, só assim se justificando que responda pela totalidade do delito o agente que por si levou a cabo apenas uma parte da execução típica [12]. Com efeito, para a verificação dos elementos objectivos do crime (aqueles que se prendem com a sua execução propriamente dita) não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado, pelo que cada coautor é responsável como se fosse autor singular da respectiva realização típica [13]. O que se exige é que o contributo de cada um para o facto se apresente como uma parte da actividade total [14], pressupondo-se ainda, do ponto de vista subjectivo, uma decisão conjunta. A realização conjunta do facto, elemento objectivo da coautoria, decorre da vontade comum que preside à sua execução e o acordo igualmente pressuposto não carece de ser expresso, sendo idóneo para o efeito um acordo tácito, bastando para a sua verificação a mera adesão, desde que o agente tenha o domínio do facto a par dos demais comparticipantes. Nessa medida, todos os comparticipantes se afirmam como coautores, ainda que possa ser distinto o contributo de cada um deles para o resultado final.

             A factualidade provada descrita nos autos, nomeadamente, no que respeita ao ora recorrente, quadra totalmente com a coautoria, tanto quanto é certo que espelha uma actuação conjunta, assente numa decisão também conjunta, ainda que por adesão a um plano de outrem. O arguido BB tomou parte directa na execução dos factos contribuindo objectivamente para a sua realização, de tal modo que se não fosse a sua intervenção uma parte das burlas unificadas nos termos supra referidos (no âmbito da circunstância fazendo da burla modo de vida) não teriam tido lugar, assim se evidenciando o domínio parcial do facto, indispensável para a verificação do crime pelo arguido BB.

           O reverso desta conclusão traduz-se na exclusão da possibilidade de imputação do facto ao recorrente a título de cumplicidade, posto que esta forma de actuação reveste natureza meramente acessória, de tal modo que (…) o cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime mas não toma parte nela, limitando-se a facilitar o facto principal [15].

            O recorrente prossegue, pretendendo a sua absolvição relativamente ao crime de falsificação por que foi condenado, alegando quanto a esta pretensão o seguinte:

            - Não forjou as cópias certificadas dos documentos de identificação civil, nem tão-pouco sabia que o eram, ainda que nenhuma prova efectiva se tenha feito neste particular, a não ser por depoimento dos titulares dos respectivos documentos;

            - Desconhecia que as viagens tituladas pelos bilhetes electrónicos não haviam sido realizadas nem que tinham sido anuladas;

          - Desconhecia que os titulares dos referidos bilhetes de avião nunca haviam solicitado a emissão dos mesmos, e ainda que fosse pedidos pagamentos de subsídio em seu nome;

            O Recorrente não teve qualquer domínio do facto quanto à alegada fabricação de documento falso (alíneas a) e b) do tipo, pelo que

            Nunca poderia ser condenado pela prática do referido crime nessas modalidades.

           O alegado colide, no entanto, com a matéria de facto que o tribunal recorrido teve como assente e que se manteve inalterada por ausência de válida impugnação e de vícios notórios de conhecimento oficioso que com ela contendessem, tanto bastando para concluir pela improcedência desta pretensão do recorrente.

            O mesmo sucede relativamente ao crime de branqueamento, pelo qual o recorrente pretende também ser absolvido, posto que a factualidade provada evidencia a verificação da tipicidade do crime em causa.

            Nada há que alterar à liquidação com vista à declaração de perda a favor do Estado, posto que não ocorreu alteração da matéria de facto provada e o argumento concernente à dedução dos valores pagos pelas viagens já foi desmontado nos termos acima referidos.

           O recorrente insurge-se contra as penas parcelares, assim como contra a pena única em que foi condenado, pretendendo a sua redução. Não obstante, limitou-se à alegação de generalidades, sem concretizar de que modo as penas fixadas, quer parcelarmente quer em cúmulo jurídico, violam o critério legal de determinação da medida da pena. Essas penas foram, no entanto, todas elas, fixadas de forma ponderada e com observância do critério legalmente previsto, satisfazendo as exigências de prevenção sem exceder o limite imposto pela culpa. São, pois, penas justas, e nessa medida deverão ser confirmadas.

           

            Em conclusão, o presente recurso afirma-se como totalmente improcedente.

III – DISPOSITIVO:

           Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Tribunal da relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

Fixa-se a taxa de justiça em 5 UC.


*


                                                                           Coimbra,

                (Processado  pelo relator, revisto por todos os signatários e assinado electronicamente)


[1] - Acórdão do TRC de 12-09-2018, proc. nº 28/16.9PTCTB.C1
[2] - Sobre o tema, cf. Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, anot. ao art. 410º.
[3] - Ac. da Relação de Coimbra de 25-03-2010, proc. nº 1319/08.8TACBR.C1.
[4] - Ac. do STJ de 18-02-1998, nº convencional JSTJ00034535.
[5] - Entre outros, conferir, no sentido apontado, o Ac. do STJ de 22 de Abril de 2004, in “Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, ano XII, tomo 2, págs. 166/167.
[6] - Proc. 07P024, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jstj
[7] -Acórdão da Relação do Porto, de 29 de Setembro de 2004, in C.J., ano XXIX, tomo 4, pág. 210 e ss.

[8] - Com esta expressão temos em vista o entendimento normal do intérprete de boa fé, que é aquele que a ordem jurídica postula quando valora a capacidade de entendimento do destinatário de um texto. 
[9] - Jurisprudência constante dos tribunais superiores.
[10] - Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, anotação ao art. 204º.
[11] - Sobre o tema, veja-se o modelar acórdão do STJ de 22/11/2023, proc. nº 759/18.9PASNT.L1.S1, de cujo sumário destacamos o seguinte:
                (…)
                III. O tipo de crime de burla (artigo 217.º do CP), não inclui a reiteração do facto, o que significa que cada conduta criminosa, levada a efeito pela forma tipicamente prevista (execução vinculada), constitui um crime de burla, donde resultaria que a conduta do arguido preencheria idêntico número de crimes, em concurso, não estando demonstrada a verificação dos pressupostos do crime continuado (art.º 31.º, n.ºs 1 e 2 do CP).
               IV. A atual al. b) do n.º 2 do artigo 218.º do CP difere da redação da al. a) do artigo 314.º da versão originária (de 1982), que punia como burla agravada o facto de o «agente se entregar habitualmente à burla»; a atual expressão «o agente fizer da burla modo de vida» exige que, para além de o agente se dedicar habitualmente à burla, ele faça disso fonte de proventos para a sua sustentação, ainda que tenha meios próprios de subsistência ou rendimentos lícitos. Esta divergência justifica a diferenciação entre habitualidade e modo de vida, embora se realce a presença de um elemento em comum, que é a reiteração.
               V. Na formulação do tipo agravado o «modo de vida» atua como elemento de unificação de condutas reiteradas, que, vistas isoladamente, constituem, cada uma delas, um crime de burla «simples» (art.º 217.º do CP) e, no seu conjunto, uma situação de concurso de infrações (artigo 30.º, n.º 1 do CP). Mostra-se presente o pressuposto do crime habitual, que só se consuma com prática do último ato, em data a partir da qual se começa a contar o prazo de prescrição [art.º 119.º, n.º 2, al. b), do CP].
               VI. Tendo a atividade criminosa tido lugar durante 8 meses de forma reiterada e homogénea, através de condutas que, na sua individualidade, constituem crimes de burla «simples», na realização de um plano previamente definido, dever-se-á concluir que é a repetição, associada à sua finalidade de obtenção de proventos, independentemente de outros rendimentos, que confere unidade à ação típica, prolongada no tempo, de modo a preencher-se o elemento da burla qualificada através do «modo de vida». Só visto retroativamente, a partir do último ato fraudulento (da última «burla») se poderá concluir pela qualificação e pela dimensão do facto como consubstanciando um único crime qualificado por esta circunstância.
               VII. Porém, daí não resulta que o arguido deva ser punido como autor de 20 crimes de burla qualificada; ou o seria pela prática de 20 crimes de burla simples (artigo 217.º do CP), no caso de não ocorrer tal qualificativa, ou, ocorrendo, e sendo a conduta constituída por factos reiterados que, por constituírem modo de vida, conferem unidade à ação, apenas pode ser punido pela prática de um único crime de burla qualificada da previsão do artigo 218.º, n.º 2, al. b), do CP. Isto sob pena de a condenação por crimes de burla qualificada em concurso resultar em insuportável violação do conteúdo material do princípio constitucional ne bis in idem (artigo 29.º, n.º 5, da Constituição) ou da proibição da dupla valoração.
                (…)
[12] - Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, pág. 792.
[13] Cfr. José de Faria Costa, “Formas do Crime”, in  “Jornadas de Direito Criminal”, Centro de Estudos Judiciários, p. 170; e Ac. do STJ de 27/11/2019, proc. nº 88/11.9JACBR.C1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt/JSTJ.
[14] - Figueiredo Dias, idem.
[15] - Ac. STJ de 15/04/09, proc. 583/09