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CABEÇA DE CASAL
BENS PRÓPRIOS
HERANÇA
Sumário
I – Assente que o inventariado era titular de aplicação financeira constituída a título de seguro de capitalização, a resgatar por motivo do seu óbito e tendo como beneficiária em morte a ora cabeça de casal, verifica-se que, por morte do inventariado, a beneficiária adquiriu um direito próprio ao recebimento da prestação devida pelo banco em consequência do resgate da aplicação financeira; II – Tratando-se de um direito próprio da cabeça de casal, adquirido por morte do inventariado, o montante correspondente à prestação devida em resultado do resgate da aplicação financeira não integra a herança; III – Defendendo o apelante a pertença exclusiva ao inventariado dos valores pecuniários depositados em determinadas contas bancárias solidárias, cabia-lhe ilidir a presunção estabelecida no artigo 516.º do Código Civil, da qual decorre que as verbas em causa pertencem em partes iguais aos contitulares das contas, a saber, o inventariado e a cabeça de casal; IV – Não tendo o apelante logrado ilidir tal presunção, impõe-se considerar comuns as quantias depositadas nessas contas bancárias, pertencentes em partes iguais ao inventariado e à cabeça de casal. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 23/21.6T8RMR-A.E1
Juízo de Competência Genérica ...
Tribunal Judicial da Comarca ...
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
Nos presentes autos de inventário – intentados a 13-01-2016 em cartório notarial e remetidos a 14-01-2021 ao Juízo de Competência Genérica ..., nos termos do artigo 12.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 117/2019, de 13-09 –, por óbito de AA, falecido a ../../2015, no estado de divorciado, em que é requerente BB e foi nomeada cabeça de casal a requerida CC, esta apresentou relação de bens.
Notificado, o requerente deduziu reclamação quanto à relação de bens apresentada pela cabeça de casal, invocando: a) a falta de verbas que entende deverem ser relacionadas, a saber, no ativo: i. aplicação plano poupança reforma efetuada no BPI no valor de € 22.061,27; ii. a metade não relacionada do saldo das contas bancárias tituladas pelo inventariado identificadas sob as verbas 26, 27, 28 e 29; iii. doação à cabeça de casal de prédio rústico sito em ... ou ..., descrito no registo predial sob o número ...99 e inscrito na matriz sob o artigo ...4 da Secção A da freguesia e concelho ..., com o valor patrimonial de € 185,48; no passivo: iv. crédito a favor do reclamante relativo a despesas com certidões de óbito do inventariado e de nascimento dos herdeiros e escritura de habilitação destes no valor de € 241,33; b) a indevida relacionação dos créditos que identifica a favor da cabeça de casal, designadamente do relacionado sob a verba 7.
Notificada da reclamação quanto à relação de bens, a cabeça de casal apresentou resposta, na qual defende a total improcedência da mesma.
Foram efetuadas diligências probatórias, designadamente inquirição de testemunhas.
Por despacho de 27-05-2022, foi julgada parcialmente procedente a reclamação quanto à relação de bens, decidindo-se o seguinte: Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente o presente incidente de reclamação sobre a relação de bens e, consequentemente: a) Determinar o aditamento ao ativo de verba contendo o prédio rústico composto de cultura arvense montado de sobro ou sobreiral, eucaliptal, mato e oliveiras, com a área de seis mil seiscentos e oitenta metros quadrados, sito em ... ou ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...4 da secção A, com indicação expressa da sua doação pelo inventariado à cabeça-de-casal, por conta da sua quota disponível; b) Determinar a exclusão das verbas n.ºs 4, 5, e 6 do passivo; c) Conceder à cabeça-de-casal o prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da presente decisão para apresentar relação de bens devidamente corrigida nos termos determinados nos pontos a) e b) supra.
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Custas do incidente pelo interessado reclamante e pela cabeça-de-casal na proporção de 90% e 10%, respetivamente, fixando-se a taxa de justiça em 2UC (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais).
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Registe e notifique.
Inconformado, o requerente interpôs recurso deste despacho, no qual, além do mais, arguiu a respetiva nulidade por omissão de pronúncia.
A cabeça de casal apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
Por despacho de 01-11-2022, foram apreciados os requerimentos apresentados pelas partes, tendo o recurso interposto pelo requerente sido admitido com subida em separado e efeito suspensivo, após o que se considerou verificada a arguida nulidade por omissão de pronúncia do despacho recorrido, vício que se decidiu suprir através da prolação integral da aludida decisão com incorporação da pronúncia omitida, nos termos seguintes: Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente o presente incidente de reclamação sobre a relação de bens e, consequentemente: a) Determinar o aditamento ao ativo de verba contendo o prédio rústico composto de cultura arvense montado de sobro ou sobreiral, eucaliptal, mato e oliveiras, com a área de seis mil seiscentos e oitenta metros quadrados, sito em ... ou ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...4 da secção A, com indicação expressa da sua doação pelo inventariado à cabeça-de-casal, por conta da sua quota disponível; b) Determinar a exclusão das verbas n.ºs 4, 5, 6 e 7 do passivo; c) Conceder à cabeça-de-casal o prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da presente decisão para apresentar relação de bens devidamente corrigida nos termos determinados nos pontos a) e b) supra.
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Custas do incidente pelo interessado reclamante e pela cabeça-de-casal na proporção de 90% e 10%, respetivamente, fixando-se a taxa de justiça em 2UC (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais).
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Registe e notifique.
Notificado desta decisão, o recorrente declarou manter interesse no recurso, com exceção da questão cuja apreciação se mostra prejudicada, e restringiu o respetivo âmbito nos termos que se transcrevem:
«(…) às demais matérias de falta de relacionamento no ativo da quantia de € 22.061,27 a título de PPR e de falta de relacionamento no ativo de metade dos depósitos das contas bancárias indicadas nas verbas 26, 27, 28 e 29 (determinado o aditamento ao ativo das verbas de € 22.061,27 a título de reforma Aforro PPR [com menção ao seu legado] e da metade omitida dos depósitos das contas bancárias da CGD), e a que se referem as conclusões de 5ª em diante».
A recorrida não apresentou resposta.
Por acórdão de 30-03-2023 desta Relação, a decisão recorrida foi declarada nula, na parte relativa à invocada falta de relacionação das verbas supra indicadas, por falta de especificação dos fundamentos de facto, tendo sido determinada a prolação de nova decisão, suprindo-se a nulidade em causa.
Regressados os autos à 1.ª instância, foi proferida sentença em 22-07-2023, na qual se decidiu o seguinte: Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente o presente incidente de reclamação sobre a relação de bens e, consequentemente: a) Determinar o aditamento ao ativo de verba contendo o prédio rústico composto de cultura arvense montado de sobro ou sobreiral, eucaliptal, mato e oliveiras, com a área de seis mil seiscentos e oitenta metros quadrados, sito em ... ou ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...4 da secção A, com indicação expressa da sua doação pelo inventariado à cabeça-de-casal, por conta da sua quota disponível; b) Determinar a exclusão das verbas n.ºs 4, 5, 6 e 7 do passivo; c) Conceder à cabeça-de-casal o prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da presente decisão para apresentar relação de bens devidamente corrigida nos termos determinados nos pontos a) e b) supra.
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Custas do incidente pelo interessado reclamante e pela cabeça-de-casal na proporção de 90% e 10%, respetivamente, fixando-se a taxa de justiça em 2UC (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais).
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Registe e notifique.
Novamente inconformado, o requerente interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que «determine o aditamento ao ativo das verbas de € 22.061,27 a título de reforma Aforro PPR (com menção ao seu legado) e da metade omitida dos depósitos das contas bancárias da CGD», terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«1ª: A quantia de € 22.061,27 a título de PPR, que o testamento identifica como “um seguro de capitalização – Reforma Aforro PPR, com o número de certificado ...85-...57” (…), foi expressamente legado à cabeça de casal – devendo ser aditado à matéria assente - o que se crê terá passado despercebido ao Tribunal e implica desde logo decisão diversa;
2ª: À data do óbito o inventariado detinha ele próprio aquela quantia de € 22.061,27 a título de Reforma Aforro PPR”, valor que o próprio aplicou e de que pôde dispor em vida como bem entendesse, como aliás também dispôs para o caso da sua morte, também não correspondendo ao pagamento de nenhum risco contratualizado (como no seguro de vida), sendo uma mera aplicação financeira com disposição condicional e eventual a favor de terceiro;
3ª: Trata-se de uma mera aplicação integral de capital;
4ª: A própria Jurisprudência citada na sentença inviabiliza e contradiz a decisão tomada, por partir de diferentes pressupostos: inexistiam herdeiros legitimários, VI - Falecendo o autor da herança sem deixar herdeiros legitimários, (…) o que torna de todo inaplicável aquele entendimento ao caso concreto dos autos; De outro modo e através dum mero mecanismo de aplicação de capital, tornar-se-ia livre a deserdação;
5ª: Deve ser determinado o aditamento ao ativo da verba de € 22.061,27 a título de Reforma Aforro PPR, e com menção ao seu legado;
6ª: As contas bancárias indicadas por metade nas verbas 26, 27, 28 e 29 eram co-tituladas pelo inventariado e pela cabeça de casal, conferindo-lhes a lei, no que é completamente pacífico, uma mera presunção de compropriedade, ilidível;
7ª: Logo na sua resposta à reclamação a cabeça de casal veio arengar deverem os requerimentos probatórios requeridos ser integralmente recusadas e/ou indeferidas na totalidade, e expressamente declarar “ressalvando-se, sem condescender, pelo respeito do sigilo bancário, reserva da vida privada da cabeça de casal”;
8ª: Com essa sua declaração, logo a cabeça de casal impediu, como aliás quis, a produção de outros meios de prova junto do Banco e para o que seria necessária a sua autorização, e com isso se dando a inversão do ónus da prova (344.º, n.º 2, do CC);
9ª: E notificada ela para documentar todos os movimentos de capitais próprios que tenha creditado nas contas de que era co-titular, veio esta declarar não dispor de qualquer suporte documental, não juntando comprovativo de uma única ocasião em que tenha creditado as contas de seu pai com um cêntimo que fosse;
10ª: Era à cabeça de casal que, na sequência do requerido e determinado, incumbiria fazer a prova da existência dos tais eventuais movimentos, e é evidente que a sua omissão apenas é ditada pela inexistência de qualquer operação dessa natureza - devendo ser aditado à matéria assente que a cabeça de casal nunca creditou aquelas contas;
11ª: Mais, estava na sua única disponibilidade apresentar tais documentos se existentes ou obtê-los junto do Banco;
12ª: Assim, ora por se tratar da prova de facto negativo, ora porque tais movimentos se existentes só comprovados por documentos em poder da cabeça de casal ou na sua única disponibilidade, deve ser entendido caber à cabeça de casal o ónus da prova do que representou ou invertido o ónus da prova, nos termos dos artigos 342.º, n.º 2, 343.º, n.º 1, 344.º, n.º 2, do CC e 430.º e 417.º do CPC.;
13ª: Além disso, ficou documentado nos autos (ofício do Centro Nacional de Pensões de 30/9/2021), e deve ser aditado aos factos provados, que desde Fevereiro de 1990 o inventariado recebeu em identificada conta da CGD a sua pensão mensal no valor de 769,44 euros – do que a cabeça de casal não é, nunca foi nem pode ser dona de metade; 14ª: Mas mais, o inventariado legou a seus três filhos “o saldo que possuir à data da sua morte, nas contas tituladas em seu nome na Caixa Geral de Depósitos, nomeadamente, a conta de activos financeiros com o número ...95....50....44....01 e a conta de depósitos estruturados – E... Março 2011, com o número ...96....50....34-...01” – o que deve igualmente ser aditado aos factos provados,
15ª- pelo que reforçadamente se impõe concluir serem aqueles saldos de sua única propriedade, e em qualquer caso ser dado como provado o facto dado como não provado.
16ª: Deve assim ser determinado o aditamento ao ativo de metade dos depósitos das contas bancárias da CGD.;
17ª: A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 342.º, 343.º e 344.º do CC e 430.º, 417.º, 615.º e 1105.º do CPC e deve ser revogada e substituída por outra que determine o aditamento ao ativo das verbas de € 22.061,27 a título de reforma Aforro PPR (com menção ao seu legado) e da metade omitida dos depósitos das contas bancárias da CGD,
E assim se fazendo JUSTIÇA!»
A cabeça de casal apresentou contra-alegações, sustentando que o apelante não impugnou a decisão relativa à matéria de facto e defendendo a manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre reapreciar as questões seguintes:
- da reapreciação da decisão relativa à matéria de facto;
- da relacionação das verbas indicadas pelo apelante.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Decisão de facto
2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. À data da sua morte, em 2015/06/20, o inventariado AA era titular de aplicação financeira denominada “reforma aforro PPR”, associada à conta de depósito à ordem ...01 também por si titulada, no banco BPI, constituída a título de seguro de capitalização, com montante de operação de € 22.061,27, a resgatar por motivo do seu óbito, sendo beneficiário em morte deste a interessada CC.
2. À data da sua morte, em 2015/06/20, o inventariado AA era cotitular, juntamente com a inventariada CC, de conta bancária n.º ...00, da Caixa Geral de Depósitos, com saldo positivo no valor de € 2.469,14.
3. À data da sua morte, em 2015/06/20, o inventariado AA era cotitular, juntamente com a inventariada CC, de conta bancária n.º ...61, da Caixa Geral de Depósitos, com saldo positivo no valor de € 10,00.
4. À data da sua morte, em 2015/06/20, o inventariado AA era cotitular, juntamente com a inventariada CC, de conta bancária n.º ...78, da Caixa Geral de Depósitos, com saldo positivo no valor de € 29.747,78.
5. À data da sua morte, em 2015/06/20, o inventariado AA era cotitular, juntamente com a inventariada CC, de conta bancária n.º ...01, da Caixa Geral de Depósitos, com saldo positivo no valor de € 25.000,00.
6. Antes da morte do inventariado, a interessada CC movimentava as contas referidas nos pontos 2, 3, 4 e 5 supra.
2.1.2. Outros factos provados:
i) O inventariado AA faleceu no dia ../../2015, no estado de divorciado, deixando como únicos herdeiros seus três filhos: o apelante BB, divorciado, a apelada CC, divorciada, e DD, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com EE;
ii) O inventariado lavrou testamento no dia 01-10-2010, no qual institui vários legados;
iii) Consta do testamento a que alude a alínea ii), além do mais, o seguinte: No dia um de Outubro de dois mil e dez, no Cartório Notarial (…), compareceu como testador: AA (…) E POR ELE FOI DITO: (…) I – Que, por conta da sua quota disponível e em compensação dos encargos e cuidados que a sua filha CC lhe tem prestado e continua a prestar em vida, nomeadamente alimentação, vestuário, cuidados médicos, higiene, apoio e carinho, lega-lhe: a) (…). b) O saldo da conta (à data da sua morte) aberta em nome do testador com o número 2-...14....00....01, junto do banco BPI, S.A., referente a um seguro de capitalização – Reforma Aforro PPR, com o número de certificado: ...85-...57, afecto à referida conta. II – Que lega a seus três filhos (…), em comum e por conta da sua legítima, o saldo que possuir à data da sua morte, nas contas tituladas em seu nome na Caixa Geral de Depósitos, nomeadamente, a conta de activos financeiros com o número (…) e a conta de depósitos estruturados – E... Março 2011, com o número (…). III. E finalmente declara que é aforrista número (…) e que possui os seguintes certificados de aforro da Dívida Pública Portuguesa, os quais por sua morte deseja que sejam distribuídos da seguinte forma, respeitando os nomes em que constam titulados: (…).
[Os factos constantes das alíneas i) a iii) foram considerados provados com base no teor da escritura de habilitação de herdeiros e do testamento juntos aos autos.]
2.1.3. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
a) As quantias dos saldos bancários referidos nos pontos 2, 3, 4 e 5 da matéria de facto provada pertenciam integralmente ao inventariado AA.
2.2. Apreciação do objeto do recurso
2.2.1. Reapreciação da decisão relativa à matéria de facto
O apelante, apesar de não impugnar expressamente a decisão sobre a matéria de facto constante do despacho recorrido, põe em causa tal decisão, tecendo considerandos sobre a prova produzida e sustentando, designadamente, que determinados elementos não foram devidamente considerados pela 1.ª instância.
Porém, o artigo 640.º do Código de Processo Civil impõe ónus ao apelante que pretenda obter a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto, pelo que cumpre verificar se foram cumpridos os requisitos impostos pelo indicado preceito.
Sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o citado artigo 640.º o seguinte: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Explicando o sistema vigente quando o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, afirma António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, págs. 165-166), além do mais, o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)”.
Em anotação ao citado preceito, explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 770) que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objeto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões”.
Analisando as alegações de recurso apresentadas, verifica-se que o recorrente não impugna expressamente a decisão relativa à matéria de facto, nem especifica, nas conclusões formuladas, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, igualmente não indicando, no corpo das alegações ou nas respetivas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre tais questões de facto, assim não tendo dado cumprimento aos ónus previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do mencionado artigo 640.º.
O incumprimento, pelo recorrente, de qualquer dos ónus previstos nas citadas alíneas a), b) e c), é cominado com a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, conforme decorre do estatuído no corpo do n.º 1 do citado artigo 640.º, assim se encontrando afastada a possibilidade de a Relação convidar ao aperfeiçoamento das alegações, de forma a suprir tal omissão.
No caso presente, verificado o incumprimento pelo recorrente os indicados ónus – indicação nas conclusões dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre tais questões de facto –, sempre seria de rejeitar o recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, caso tivesse sido expressamente deduzida.
Verificada a falta de expressa impugnação da decisão de facto, impõe-se rejeitar a apreciação da argumentação do apelante, na parte em que põe em causa tal decisão.
2.2.2. Relacionação das verbas indicadas pelo apelante
Vem posta em causa na apelação a decisão de indeferimento da reclamação deduzida pelo apelante quanto à relação de bens apresentada pela cabeça de casal, no que respeita à invocada falta de relacionação das verbas seguintes: i. a quantia de € 22 061,27, correspondente a aplicação denominada “Reforma Aforro PPR” constituída no BPI; ii. a metade não relacionada do saldo das contas bancárias tituladas pelo inventariado identificadas sob as verbas 26, 27, 28 e 29.
É sabido que devem ser relacionados todos os bens sujeitos a inventário, bem como os créditos e as dívidas da herança, impondo-se apreciar, face ao objeto da apelação, se as duas verbas indicadas pelo apelante configuram direitos de conteúdo patrimonial pertencentes à herança e se devem ser aditadas à relação de bens.
No que respeita à invocada falta de relacionação da quantia de € 22.061,27, correspondente a aplicação denominada “Reforma Aforro PPR” constituída no Banco (…), extrai-se da decisão recorrida que o indeferimento desta parte da reclamação à relação de bens se baseou no seguinte: Conforme resulta provado, o inventariado detinha, à data do óbito, a quantia de € 22.061,27 a título de “Reforma Aforro PPR”. Entende o reclamante que esta quantia também deveria ser relacionada na verba n.º 25, tal como aqueloutra respeitante a “reforma investimento” no valor de € 47.958,61. Ora, resulta também provado que tal quantia constitui montante de operação de € 22.061,27, a resgatar por motivo do óbito do inventariado, sendo beneficiário em morte deste a interessada CC, equivalendo a um “seguro de capitalização” que, em suma, tinha como tomador e pessoa segura em vida o inventariado e como pessoa segura em morte a cabeça-de-casal. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que se cita, a título de exemplo, o AcSTJ de 2013/11/12, proc. n.º 530/10.6TJPRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/, vem entendendo que o contrato denominado “seguro de capitalização” deve ser considerado uma submodalidade legal típica de seguro de vida, no âmbito do qual, de acordo com o disposto nos artigos 183.º e ss do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril (regime jurídico do contrato de seguro), o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura, tratando-se de um seguro “misto” que inclui garantias em caso de morte ou em caso de vida. Trata-se de um contrato em que o segurador se obriga ao pagamento de um capital, quer em caso de morte do segurado durante a vigência do contrato, quer em caso de vida do mesmo no termo contrato, conciliando assim a vertente de risco puro (em caso de morte) com outra de capitalização. Decidiu-se naquele citado aresto, em situação idêntica à dos autos, que “inexistindo herdeiros legitimários, não há que relacionar as quantias que o inventariado despendeu com o pagamento dos prémios do seguro, quer para serem conferidas pelo herdeiro porventura beneficiado com o seguro, quer para os demais efeitos previstos no artigo 450.º do CC. Concluindo, o valor da aplicação contratada pelo inventariado não faz parte do acervo hereditário e, consequentemente, não tem que ser relacionado pelo cabeça de casal.” Dito de outro modo, o capital resgatável pela cabeça-de-casal, junto do BPI, na qualidade de beneficiária em caso de morte do inventariado, não tem que ser relacionada no processo de inventário, por não fazer parte do acervo hereditário, improcedendo assim a reclamação neste âmbito. Importa notar que diferente seria se o reclamante, em face da existência de herdeiros legitimários, tivesse vindo acusar a falta de relacionamento dos prémios/prestações do seguro de capitalização pagos pelo inventariado em vida. Porém, não tendo sido essa a quantia pretendida relacionar pelo ora reclamante, e encontrando-se o Tribunal adstrito ao pedido por aquele formulado, não pode ser considerada pelo Tribunal.
Discordando deste entendimento, alega o apelante que a quantia de € 22.061,27, correspondente à aplicação denominada “Reforma Aforro PPR” constituída no Banco (…), foi expressamente legada pelo inventariado à cabeça de casal no testamento que outorgou, devendo ser determinado o respetivo aditamento à relação de bens, com menção a tal legado; acrescenta que, à data do óbito, o inventariado detinha a indicada quantia, valor que aplicou e de que pôde dispor em vida, tratando-se de uma mera aplicação financeira com disposição condicional e eventual a favor de terceiro.
Vejamos se é de determinar o aditamento da indicada verba à relação de bens.
Encontra-se assente que, à data da sua morte, o inventariado era titular de aplicação financeira denominada “reforma aforro PPR”, associada a uma conta de depósito à ordem de que era titular no Banco (…), constituída a título de seguro de capitalização, com montante de operação de € 22.061,27, a resgatar por motivo do seu óbito, sendo beneficiário em morte deste a interessada CC.
Apesar de não constarem da matéria de facto assente as cláusulas contratuais que regulam esta relação jurídica, designadamente na parte relativa à respetiva vigência em vida do inventariado, o que não permite definir com rigor o regime aplicável, nomeadamente no que toca ao resgate prévio e ao recebimento pelo próprio inventariado do capital investido, dúvidas não há de que o contrato estabelece o resgate do indicado montante por morte do inventariado e designa a cabeça de casal como beneficiária.
Daqui decorre que, por morte do inventariado, a beneficiária adquiriu um direito próprio ao recebimento da prestação devida pelo banco em consequência do resgate da aplicação financeira.
Tratando-se de um direito próprio da cabeça de casal, adquirido por morte do inventariado, verifica-se que o montante correspondente à prestação devida em resultado do resgate da aplicação financeira não integra a herança, assim não havendo que o incluir na relação de bens, conforme considerou a 1.ª instância.
Apreciando situação análoga – concretamente, um caso relativo a um contrato celebrado entre uma associação mutualista e um seu associado, nos termos do qual este subscreveu a modalidade de capitais de reforma/complemento de rendimento, entregando as respetivas quotas para serem geridas e capitalizadas, ficando convencionado que, em caso de morte do subscritor, o capital acumulado deverá ser integralmente entregue aos beneficiários designados –, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 10-01-2017 (relator: José Raínho), proferido no proc. n.º 2303/12.2YXLSB-B.L1.S1 e publicado em www.dgsi.pt, entendeu o seguinte: (…) II. Falecendo o associado subscritor sem ter usado da faculdade que também lhe assistia contratualmente de resgatar o capital acumulado ou de o transformar em pensão anual vitalícia, está a promitente associação mutualista obrigada a cumprir a promessa contratada, prestando aos beneficiários, pois que adquirentes do direito à prestação, o capital acumulado. III. Nesta hipótese, o capital é devido diretamente aos beneficiários, não passando pelo património do promissário nem, consequentemente, fazendo parte da respetiva herança. IV. As relações do associado subscritor com as pessoas estranhas ao benefício não afetam a designação beneficiária, sendo aplicáveis as disposições relativas à colação, à imputação e à redução de liberalidades só no que corresponde às quantias entregues pelo subscritor à associação mutualista.
Extrai-se da fundamentação do aludido acórdão, além do mais, o seguinte: (…) do contrato estabelecido entre a ora Inventariada e o Banco (…) sempre resulta, pelo menos, uma atribuição patrimonial para os beneficiários, conquanto dependente de uma circunstância implícita e negativa (o não resgate prévio pela promissária) e de uma circunstância explícita e positiva (a morte da promissária). O promitente Banco (…) ficou obrigado a prestar quer à promissária quer aos beneficiários designados, ocorrendo apenas que em relação a estes a prestação ficou dependente da eventualidade dessas circunstâncias. (…) não tendo a Inventariada exercido em seu benefício pessoal a faculdade que lhe assistia nos termos contratados (não se verificou assim a inerente condição potestativa, que de outro modo neutralizaria a cláusula beneficiária), segue-se que, falecida ela, passou automaticamente a prestação do promitente Banco (…) a ter como sujeitos ativos os beneficiários designados, que a ela adquiriram então direito. (…) Tal prestação a que o promitente Banco (…) estava vinculado ingressou assim direta e automaticamente na esfera jurídico-patrimonial dos terceiros beneficiários designados, sendo a nosso ver inadequado ficcionar-se aqui o respetivo trânsito pela esfera jurídico-patrimonial da promissária. Isto é assim porque, justamente, a promissária nunca chegou a pôr em funcionamento em seu benefício pessoal a cláusula contratual atinente ao resgate ou à atribuição de uma pensão anual vitalícia (ou seja, e atalhando caminho, não optou por fazer reverter para o seu património o objeto da prestação a que o Banco (…) se obrigara perante ela em caso de vida). Pelo contrário, manteve sempre o benefício pendente ou atuante quer a seu favor quer a favor da pessoa dos filhos, e assim se finou. Sem dúvida que estes terceiros beneficiários adquiriram o direito contra o Banco (…) em virtude do negócio jurídico celebrado pela Inventariada e do que com base nele esta despendeu; porém, nada receberam diretamente do património da contraente promissária, na medida em que, face à existência e aos termos da contratação a favor de terceiros para o caso da morte, a prestação do Banco (…) passou automaticamente a ter como sujeitos credores os beneficiários designados.
Assente que assiste à cabeça de casal um direito próprio à prestação devida pelo banco em consequência do resgate da aplicação financeira denominada “Reforma Aforro PPR” constituída no Banco (…), mostra-se acertada a decisão recorrida, ao indeferir a reclamação à relação de bens, na parte relativa à invocada falta de relacionação da correspondente quantia de € 22.061,27.
Aqui chegados, cumpre apreciar se é de determinar o aditamento à relação de bens da metade não relacionada do saldo das contas bancárias tituladas pelo inventariado identificadas sob as verbas 26, 27, 28 e 29.
Tal pretensão foi rejeitada pela decisão recorrida com fundamento na motivação seguinte: É pacífico entre as partes a existência das contas bancárias referidas nas verbas 26, 27, 28 e 29 da relação de bens se encontram adstritas a depósitos titulados simultaneamente pelo inventariado em vida e pela cabeça-de-casal, e que esta as movimentou. Note-se que as contas à ordem podem ser singulares e coletivas e estas podem, por seu turno, ser solidárias ou conjuntas. (…) Os alegados movimentos das contas levados a cabo pela cabeça-de-casal isoladamente (o que permite concluir que as mesmas são efetivamente contas solidárias), mostram-se, assim, como lícitos, não constituindo, pois, a sua movimentação um “empréstimo” das mesmas por banda do inventariado, para eventuais casos de necessidade. Em todo o caso, conforme vem sendo salientado na jurisprudência nacional, a referida solidariedade da conta “(…) não pré-determina a propriedade dos ativos contidos na mesma, que poderão ser da exclusiva propriedade de um ou de alguns titulares da conta ou, inclusive, de um terceiro” (cfr. Acórdão do TRG de 2016/04/07, proc. n.º 1171/09.6TBPTL-A.G1, in www.dgsi.pt/). Neste caso, deve presumir-se, nos termos dos artigos 512.º e 516.º do Código Civil que participam nos créditos equivalentes aos saldos bancários em partes iguais (cfr. AcSTJ de 2017/11/15, proc. n.º 879/14.9TBSSB.E1.S1, in www.dgsi.pt/). Trata-se, ainda assim, de presunção ilidível que pode ser afastada por prova contrária (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil), o que manifestamente o reclamante não logrou, e que se lhe impunha, atento o ónus da prova que sobre si recai (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). Improcede a reclamação também nesta parte.
O apelante não põe em causa o regime de conta solidaria de cada uma das contas bancárias identificadas nos pontos 2, 3, 4 e 5 de 2.1.1., nem a presunção de que os seus contitulares, o inventariado e a cabeça de casal, comparticipam em partes iguais no crédito, conforme considerou a 1.ª instância.
Porém, afirma o apelante que a cabeça de casal, com a sua atuação processual, o impediu de ilidir a aludida presunção legal, não apresentando documentação comprovativa dos movimentos efetuados nas indicadas contas bancárias, nem autorizando a respetiva obtenção junto do banco; sustenta o recorrente que tal determina a inversão do ónus da prova, por força do estatuído no artigo 344.º, n.º 2, do Código Civil, defendendo se considere que era à cabeça de casal que competia provar os movimentos efetuados nas referidas contas bancárias, concretamente que creditou naquelas contas, concluindo dever ter-se por verificado que a mesma nunca nelas creditou qualquer montante.
É sabido que, face às regras de distribuição do ónus da prova estatuídas no artigo 342.º do CC, salvo casos especiais, cabe àquele que invocar um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (n.º 1), competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2). Estas regras invertem-se, entre outras situações, quando haja presunção legal, conforme previsto no n.º 1 do artigo 344.º do Código Civil.
Acresce que dispõe o n.º 2 deste artigo 344.º o seguinte: 2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.
Sob a epígrafe Documentos em poder da parte contrária, o artigo 429.º do Código de Processo Civil dispõe o seguinte: 1 - Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar. 2 - Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação.
O artigo 430.º do aludido código, por seu turno, sob a epígrafe Não apresentação do documento, determina o seguinte: Se o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 417.º.
Ora, o n.º 2 do artigo 417.º do mesmo código dispõe o seguinte: Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil. Acrescenta o n.º 3 do preceito: A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
Permite o n.º 1 do artigo 429.º, à parte que pretenda fazer uso de documento em poder da contra parte, requerer que esta seja notificada para o apresentar dentro de prazo a fixar, devendo para o efeito, no requerimento, identificar quanto possível o documento e especificar os factos que com ele quer provar, sendo que a notificação só será ordenada se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa.
Em anotação ao citado artigo 429.º, explicam António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 505) o seguinte: «Tratando-se de documento pertinente (…), isto é, com interesse para a decisão da causa, mas que não esteja em poder de quem dele pretende uso, se acaso a sua disponibilização não ocorrer espontaneamente pela parte que o detém, ficará a mesma obrigada a proceder à sua junção quando tal lhe for determinado, mediante requerimento da parte interessada, a qual deve indicar os factos que pretende demonstrar por essa via probatória. A notificação à parte detentora do documento é feita sob a cominação constante do artigo 417.º».
O n.º 2 do citado artigo 344.º do CC, conforme explica José Lebre de Freitas (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 427), «sanciona com a inversão do ónus da prova a atuação da parte com ele não onerada que culposamente impeça o onerado de fazer valer a prova do facto».
Em anotação ao citado artigo 344.º, esclarece Luís Filipe Pires de Sousa (Direito Probatório Material Comentado, Coimbra, Almedina, 2020, pág. 42) o seguinte: «A conduta da contraparte inviabilizadora da prova ao onerado tanto pode assentar em dolo como em negligência (“culposamente”), como deflui da conjugação sistemática deste artigo 344.º com o artigo 431.º, n.º 2, do CPC».
No caso presente, não decorre da factualidade tida por provada qualquer elemento que permita considerar verificado que a cabeça de casal haja tornado impossível a prova que incumbia ao apelante, nem que tal tenha resultado de conduta culposa da mesma, o que afasta a inversão do ónus da prova invocada pelo apelante, atenta a falta de preenchimento dos pressupostos previstos no n.º 2 do citado artigo 344.º.
A decisão relativa à matéria de facto não foi validamente impugnada na presente apelação, conforme supra exposto em 2.2.1., sendo certo que não decorre da factualidade assente qualquer elemento relativo à atuação da ré, designadamente ao carácter doloso ou gravemente negligente da sua conduta ativa ou omissiva, o que não permite considerar preenchidos os requisitos estabelecidos para a pretendida inversão do ónus da prova.
Nesta conformidade, defendendo o apelante a pertença exclusiva ao inventariado dos valores pecuniários depositados nas contas bancárias solidárias identificadas nos pontos 2, 3, 4 e 5 de 2.1.1., cabia-lhe ilidir a presunção estabelecida no artigo 516.º do Código Civil, da qual decorre que as verbas em causa pertencem em partes iguais aos contitulares das contas, a saber, o inventariado e a cabeça de casal.
Não tendo o apelante logrado ilidir tal presunção, impõe-se considerar comuns as quantias depositadas nessas contas bancárias, pertencentes em partes iguais ao inventariado e à cabeça de casal, conforme decidiu a 1.ª instância.
Improcede, assim, na totalidade, a apelação, cumprindo confirmar a decisão recorrida.
Em conclusão: (…)
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
Évora, 06-06-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Mário João Canelas Brás (1.º Adjunto)
Cristina Dá Mesquita (2.ª Adjunta)