EXECUÇÃO DE SENTENÇA
SENTENÇA DO ÂMBITO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
JUÍZO DE COMÉRCIO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário

I – Desde que a decisão exequenda tenha sido proferida por um juízo de comércio – ressalvado o regime especial das execuções por custas –, a competência para a executar cabe ao tribunal que a proferiu, independentemente do estado em que se encontre o processo em que a mesma foi proferida.
II – São os juízos do comércio os materialmente competentes para a execução das suas próprias decisões, e não os juízos de execução, mesmo que o processo de insolvência esteja já encerrado, sendo o título executivo a sentença de verificação de créditos.
III – Quando a incompetência absoluta é conhecida e verificada em despacho liminar (antes da citação do réu ou executado), ela determina o indeferimento liminar (art.ºs 590.º, n.º 1, e 726.º, n.º 2, do CPCiv.); quando é conhecida e verificada após a citação do réu, ela determina a sua absolvição da instância (art.ºs 278.º, 576.º, n.º 2, e 577.º do CPC).

Texto Integral

Apelação nº 277/23.3T8ACB.C1

Tribunal recorrido: Comarca de Leiria - Juízo de Execução de Alcobaça - Juiz 2

Relatora: Maria Catarina Gonçalves

1.º Adjunto: Maria João Areias

2.º Adjunto: Helena Melo

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A Banco 1..., S.A., veio instaurar execução contra A..., S.A., pedindo o pagamento da quantia global de 2.725.861,24€ (capital e juros) emergente de crédito concedido à Executada no âmbito de diversos empréstimos e operações bancárias e apresentando como título executivo certidão da sentença homologatória de plano de insolvência e da sentença de verificação de créditos proferidas no âmbito do processo de insolvência com o n.º 1285/12.... (onde foi declarada a insolvência da Executada por sentença de 22/10/2012).

Por despacho de 06/03/2023, foi determinada a notificação da Exequente para se pronunciar sobre a incompetência em razão da matéria do Juízo de Execução onde a execução havia sido instaurada (Juízo de Execução de Alcobaça – Comarca de Leiria), tendo em conta o título executivo apresentado e o disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da LOSJ.

A Exequente respondeu, sustentando a competência do Juízo de Execução em questão, invocando em favor da sua posição o Acórdão do STJ de 21/04/2022 (proferido no âmbito do Processo: 4286/20.6T8ALM-D.L1.S1).

Por decisão proferida em 18/04/2023, foi julgada verificada a excepção de incompetência absoluta, em razão da matéria, e determinada a absolvição da Executada da instância.

Inconformada com essa decisão, a Exequente veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1.ª A ação executiva para pagamento de quantia certa seguiu a forma de processo comum ordinário, não tendo, por esse facto, a sociedade executada sido ainda citada para os termos da execução;

2.ª A verificação oficiosa da incompetência absoluta do tribunal não implica a absolvição da executada da instância, mas sim o indeferimento do requerimento executivo, em despacho liminar, tal como decorre do contido, concertadamente, na 2.ª parte do n.º 1, do artigo 99.º e n.º2 alínea b), do artigo 726º, ambos do C. P. Civil;

3.ª Não tendo a executada empresa “A..., S.A.”, sido citada para os termos da ação executiva obviamente que não podia ser absolvida da instância executiva como o foi, nem sequer, por esse facto, pode responder ao presente recurso, pelo que importa que a decisão recorrida seja corrigida quanto a tal matéria.

4.ª De acordo com o Mapa III, anexo ao Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 77/2021, de 23 de novembro, relativo ao Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, o Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, tem, em Alcobaça, Juízos de competência especializada, em concreto, dois Juízes de Execução, com competência territorial nos municípios de Alcobaça, Batalha, Bombarral, Caldas da Rainha, Nazaré, Óbidos Peniche e Porto de Mós, ou seja, o Juízo de execução de Alcobaça é um Juízo de Competência Especializada para a tramitação da ação executiva com competência territorial na área da sede da empresa executada, ou seja, no concelho de Porto de Mós;

6.ª O título executivo dado à execução é um título composto (cfr., prescrito concertadamente na alínea d), do n.º1, do artigo 703.º, do C. P. Civil, e na alínea c), do n.º1, do artigo 233.º, CIRE), integrado pelo plano de insolvência apresentado e votado no processo principal de insolvência onde veio a ser homologado por douto acórdão proferido em 01/04/2014, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, transitado em julgado em 21/04/2014, aresto esse que se encontra autuado no apenso F (recurso em separado), bem como pela sentença de verificação de créditos, transitada em julgado em 14/12/2015, proferida no apenso D (reclamação de créditos);

7.ª O legislador não pretendeu com o disposto na alínea c), do n.º1, do artigo 233.º, CIRE), transformar os Tribunais de Comércio que se dedicam a promover as execuções universais, através dos processos de insolvência, em juízos de execução destinados a executar créditos individuais face ao não cumprimento, pelos devedores, dos diversos créditos reestruturados pelos planos de insolvência;

8.ª O prescrito no artigo 233.º, n.º1, alínea c), do CIRE, visou antes a criação de um título executivo que pudesse vir a ser utilizado pelos diversos credores depois do encerramento do processo de insolvência e em vista do exercício, pelos mesmos, dos seus direitos contra os devedores, evitando duplicações desnecessárias de procedimentos declarativos para verificação dos seus créditos.

9.ª Não existe pelo Tribunal de Comércio a aquisição de qualquer conhecimento especial dos créditos, que justifique a aplicação do disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea a), e no n.º 3, da LOSJ, tendo-se limitando o Tribunal de Comércio a verificar os créditos, como o da Banco 1..., integrados pelo Administrador de Insolvência na lista de credores reconhecidos a que alude o n.º2, do artigo 129.º, do CIRE, por força do disposto no n.º 3, do artigo 130.º, do CIRE, que determina que, se não houver impugnações é de imediato proferida sentença de verificação em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador de insolvência; 10.ª A ser entendido que, por força do disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea a), e no n.º 3, da LOSJ, a presente ação executiva tinha de ser instaurada no Tribunal de Comércio este rapidamente se converteria num tribunal de execuções, contrariando o espirito do legislador ao criar um Tribunal de competência especializada em matéria executiva.

11.ª A recorrente entende que não é aplicável a execução proposta pela Banco 1... o disposto o n.º3, do artigo 128.º, da LOSJ, dado que sendo o Juízo de Execução de Alcobaça um juízo de execução especializada com competência na área da localização da sede da sociedade executada, conforme disposto no n.º 1, do artigo 89.º, do C.P.C, é este o competente e nele teria a presente ação executiva de ser proposta, como o foi, sendo esta a posição que deriva do prescrito no n.º 2, do artigo 85.º, do C.P.C., a qual é defendida pelo douto aresto do STJ, proferido no âmbito do Processo: 4286/20.6T8ALM-D.L1.S1, datado de 21/04/2022;

12.ª A execução proposta pela Banco 1... não poderia correr, nos próprios autos (cfr. prescrito no artigo 85.º, n.º1, do C.P.C)., dado que os autos do título executivo composto são distintos, num caso, no concerne à sentença homologatória do plano de insolvência, o processo principal de insolvência e quanto sentença de verificação de créditos, o apenso de reclamação de créditos.

13.ª Sendo o título executivo dado à execução, previsto no artigo 233.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, um titulo composto por duas decisões distintas, proferidas em processos distintos, uma no processo principal de insolvência e outra no apenso de reclamação de créditos, também por essa razão não lhe deve ser aplicado o disposto no artigo 85.º, n.º 1, do CIRE, nem o disposto no n.º3, do artigo 128.º, da LOSJ, sendo antes de considerar, por via do disposto n.º2, do artigo 85.º, do C.P.C, como competente para a presente ação executiva o juízo de execução de Alcobaça, por se tratar de um juízo especializado de execução com competência no concelho de Porto de Mós a que pertence a freguesia onde está localizada a sede da empresa executada.

Termos em que, Ilustres Desembargadores, sempre deverá ser admitido o presente recurso, sendo-lhe dado provimento, revogando-se a decisão recorrida, incluindo na parte em que absolveu a executada da instância executiva sem esta ter sido citada para os termos do processo, sendo a decisão recorrida substituída por outra que tenha em atenção o contido nas supra citadas conclusões, sendo, nessa decorrência, julgado competente para a tramitação da presente ação executiva o juízo de execução de Alcobaça, por se tratar de um juízo especializado de execução com competência no concelho de Porto de Mós a que pertence a freguesia onde está localizada a sede da empresa executada.

Após remessa dos autos a este Tribunal da Relação, foi aqui determinado que os mesmos fossem remetidos à 1.ª instância para cumprimento do disposto no art.º 641.º, n.º 7, do CPC.

Tendo sido citada para os termos da causa e para os termos do recurso, a Executada veio juntar procuração, mas não respondeu ao recurso.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

· Saber se a competência para a presente execução pertence aos juízos de execução ou aos juízos de comércio, com vista a saber se se deve ou não ter como verificada a excepção de incompetência absoluta;

· Caso se conclua pela verificação dessa excepção, saber se ela dá lugar à absolvição da instância ou ao indeferimento liminar do requerimento executivo.


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III.

Está em causa no presente recurso a competência em razão da matéria do Juízo de Execução onde a execução foi instaurada (Juízo de Execução de Alcobaça – Comarca de Leiria).

A decisão recorrida considerou – e decidiu – que o Juízo de Execução não detinha competência em razão da matéria por estar em causa uma execução baseada em decisões proferidas pelo Juízo de Comércio (sentença homologatória de plano de insolvência e sentença de verificação de créditos) que, nos termos do art.º 128.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da LOSJ, se insere no âmbito de competência dos Juízos de Comércio. Nessas circunstâncias e por força da referida incompetência, absolveu a Executada da instância.

A Apelante discorda dessa decisão por duas razões:

- Sustenta, em primeiro lugar, que a incompetência absoluta não poderia determinar, no caso, a absolvição da Executada da instância, mas sim o indeferimento liminar do requerimento executivo, sendo certo que a Executada ainda não havia sido citada;

- Sustenta, em segundo lugar, que o Juízo de execução detém competência em razão da matéria para a presente execução, argumentando, no essencial: que  o legislador não pretendeu com o disposto na alínea c), do n.º1, do artigo 233.º, CIRE, transformar os tribunais de comércio – que se dedicam a promover as execuções universais, através dos processos de insolvência – em juízos de execução destinados a executar créditos individuais face ao não cumprimento, pelos devedores, dos diversos créditos reestruturados pelos planos de insolvência; que o juízo de comércio limitou-se a verificar os créditos sem a aquisição de qualquer conhecimento especial dos créditos, que justifique a aplicação do disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea a), e no n.º 3, da LOSJ e que, a ser de outro modo, os juízos de comércio converter-se-iam em juízos de execuções, contrariando o espirito do legislador ao criar um tribunal de competência especializada em matéria executiva.

Comecemos por apreciar a questão de saber se a competência para a presente execução pertence aos juízos de execução ou aos juízos de comércio.

Segundo o disposto no n.º 1 do art.º 129.º da LOSJ, “compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil”. Todavia, de acordo com o disposto no n.º 2, estão excluídos do âmbito dessa competência os processos atribuídos aos tribunais e juízos aí identificados, designadamente, os processos atribuídos aos juízos de comércio.

É certo, portanto, à luz do disposto na norma citada, que a competência para a presente execução só poderá pertencer aos juízos de execução se e na medida em que ela não esteja legalmente atribuída aos juízos de comércio.

Ora, o art.º 128.º do citado diploma legal, delimitando o âmbito de competência dos juízos de comércio – onde se inserem, designadamente, os processos de insolvência – determina no n.º 3 que essa competência “...abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões” (sublinhado nosso). Significa isso, portanto, que os juízos de comércio serão os competentes para as execuções que sejam instauradas e que tenham como fundamento (título executivo) decisões proferidas no âmbito dos processos de insolvência e no âmbito dos respectivos incidentes e apensos.

Nessas circunstâncias e tendo em conta que a presente execução se fundamenta em decisões proferidas no âmbito de um processo de insolvência (sendo que os títulos executivos invocados correspondem à sentença homologatória do plano de insolvência e à sentença de verificação de créditos), impõe-se concluir que ela se insere no âmbito de competência dos juízos de comércio.

Admitimos que possa causar alguma perplexidade (como faz notar a Apelante) que os juízos de insolvência (especialmente vocacionados para outras matérias) funcionem, na prática, como juízos de execução para, após o encerramento do processo de insolvência, tramitar as diversas execuções que venham a ser instauradas individualmente por cada um dos credores que viu o seu crédito reconhecido na sentença de verificação de créditos e que, eventualmente, nem sequer disponha de qualquer outro título executivo. Mas a verdade é que terá sido essa efectivamente a intenção do legislador quando determinou – sem qualquer restrição – que os juízos de comércio são competentes para a execução das suas decisões e, designadamente, – porque nada se disse em contrário – para as execuções que sejam instauradas com fundamento na sentença de verificação de créditos ou na decisão proferida em acção de verificação ulterior às quais se atribui expressamente força executiva (cfr. n.º 1, alínea c), do art.º 233.º do CIRE), não se vislumbrando razão válida para interpretar de forma restritiva o n.º 3 do citado art.º 128 e para reduzir o seu âmbito de aplicação, quando é certo que, nos termos previstos no n.º 3 do art.º 9.º do CC, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Neste sentido, além do Acórdão da Relação do Porto de 21/03/2022 (proferido no processo n.º 3630/21.3T8VLG.P1)[1], também decidiu a Sr.ª Presidente do Tribunal da Relação de Évora em decisão de 25/03/2024 (proferida no processo n.º 203/24.2T8ENT.E1)[2] – onde se alude a duas decisões que no mesmo sentido haviam sido proferidas pela referida Presidente e pelo Vice-Presidente do mesmo Tribunal – e que, além de outros argumentos, chama a atenção para o disposto no n.º 4 do art.º 233.º do CIRE (nos termos do qual os processos de verificação de créditos – ao contrário do que acontece com as restantes acções que correm por dependência do processo de insolvência – não são desapensados e remetidos para o tribunal competente) para concluir nos seguintes termos: “Se o processo de verificação de créditos se mantém dependente do processo de insolvência, também a sua execução será por apenso a este, já que o artigo 129.º, n.º 2 exclui da competência dos juízos de execução os processos atribuídos aos juízos de comércio, prevalecendo a competência por conexão que o artigo 128.º, n.º 3, da LOSJ consagra”.

Não encontramos razões para divergir desse entendimento e, portanto, impõe-se concluir que a presente execução se insere no âmbito de competência dos juízos de comércio, estando, por isso, excluída do âmbito de competência dos juízos de execução conforme preceitua o n.º 2 do art.º 129.º da LOSJ.

Assim e no que toca a essa questão, improcede o recurso e confirma-se a decisão recorrida na parte em que julgou verificada a excepção de incompetência absoluta, em razão da matéria, do Juízo de Execução (onde o processo foi instaurado).

Impõe-se agora apurar a consequência imposta pela verificação dessa excepção.

A decisão recorrida determinou, com fundamento nessa excepção, a absolvição da Executada da instância ao abrigo do disposto nos artigos 97.º, 99.º, 278.º, n.º 1, alínea a) e 577.º, alínea a), do CPC.

Considera, no entanto, a Apelante que a Executada não podia ser absolvida da instância – sendo certo que ainda não havia sido citada – e que a verificação da incompetência absoluta do tribunal apenas poderia determinar o indeferimento liminar do requerimento executivo.

Neste ponto, assiste razão à Apelante.

Conforme dispõe o n.º 1 do art.º 99.º do CPC, “a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar”.

E tal significa, naturalmente, que, quando a incompetência absoluta é conhecida e verificada em despacho liminar (antes da citação do réu ou executado) ela determinará o indeferimento liminar (cfr. artigos 590.º, n.º 1, e 726.º, n.º 2, do CPC); quando é conhecida e verificada após a citação do réu ela determinará a sua absolvição da instância (cfr. artigos 278.º, 576.º, n.º 2, e 577.º do CPC).

Com efeito, ainda que a instância se inicie formalmente com a apresentação em juízo da petição, a verdade é que a instância assim iniciada não produz qualquer efeito em relação ao réu antes da respectiva citação (cfr. art.º 259.º do CPC), não fazendo sentido, por isso, que, antes da citação, o réu seja absolvido de uma instância que para ele ainda não se iniciou e ainda não produziu qualquer efeito. É por isso que a verificação da incompetência absoluta ou outra excepção dilatória insuprível e de conhecimento ofícioso em sede liminar (antes, portanto, da citação) dá lugar ao indeferimento liminar e não à absolvição da instância (sendo certo que, nesse momento, não existe ainda, em relação ao réu, qualquer instância do qual possa ser absolvido); a verificação da incompetência ou de outra excepção dilatória apenas dará lugar à absolvição da instância quando é julgada verificada após a citação, ou seja, num momento em que o início da instância já operou e já está a produzir efeitos em relação ao réu.

Isso mesmo é referido por José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto[3], quando escrevem o seguinte:

A instância, embora se inicie com a propositura da acção, apenas se aperfeiçoa, como dispõe o art.º (...), com a citação do réu. Assim, se o processo comportar despacho liminar e o juiz, ao proferi-lo, julgar o tribunal absolutamente incompetente, a petição inicial é liminarmente indeferida (...) pois não faria sentido a absolvição da instância dum réu perante o qual a proprositura da acção ainda não houvesse produzido efeito.

Não comportando o processo despacho liminar ou, comportando-o, não tendo o juiz nele conhecido da incompetência, o conhecimento desta em momento posterior ao da citação do réu dá lugar à absolvição da instância”.

Sobre essa matéria, pode ver-se também o Acórdão da Relação de Lisboa de 11/09/2012 (processo n.º 1763/11.3TJLSB.L1-1)[4].

Ora, no caso dos autos, a excepção de incompetência absoluta foi julgada verificada em sede liminar, ou seja, num momento em que a Executada ainda não havia sido citada para a execução, e, portanto, ela não dá lugar à absolvição da instância, mas sim ao indeferimento liminar do requerimento executivo em conformidade com o disposto nos artigos 99.º, n.º 1, 577.º, alínea a), e 726.º, n.º 2, alínea b), do CPC.


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IV.
Em face do exposto, decide-se:
Ø Confirmar a decisão recorrida no segmento em que julgou verificada a excepção de incompetência absoluta;
Ø Revogar a decisão recorrida no segmento em que decidiu absolver a Executada da instância, substituindo-se essa decisão por outra que, com fundamento naquela excepção e ao abrigo do disposto nos artigos 99.º, n.º 1, 577.º, alínea a), e 726.º, n.º 2, alínea b), do CPC, indefere liminarmente o requerimento executivo.

Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

                              Coimbra,

                                       (Maria Catarina Gonçalves)

                                               (Helena Melo)

                                         (Maria João Areias) – vencida conforme declaração que segue

Apelação n.º 277/23.3T8ACB.C1

Voto de vencido:

A sentença de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência – contendo um acertamento, positivo ou negativo, quanto à existência, montante e natureza do crédito e eventual garantia – não prevê a condenação do devedor, pois o seu simples reconhecimento é suficiente para que o credor seja admitido ao concurso, atribuindo-lhe a direito a ver satisfeito o seu crédito no processo de insolvência (seja pela via do pagamento ou da homologação de um plano de recuperação)[5].

Como sustentava Miguel Teixeira de Sousa[6], no âmbito do CPERF, o objeto do processo de verificação de créditos não é o crédito como direito à prestação, mas como direito à execução do património do falido e à distribuição do produto da sua liquidação. Assentando nessa base e na diferença económica entre o direito à execução (que é o único que se encontra verificado) e o direito à prestação, tal autor negava eficácia exfalimentar à decisão sobre a verificação de um crédito reclamado.

Quanto à sentença de homologação do plano de recuperação, se, com a sua prolação, se produzem de imediato alterações nos créditos sobre a insolvência (art. 217º, nº5 do CIRE), em caso de incumprimento do plano, e salvo previsão neste em contrário, a moratória e o perdão concedidos aos créditos reconhecidos na sentença de verificação de créditos,  fica sem efeito, ocorrendo como que uma repristinação dos créditos originais (nº1 do art. 218º CIRE).[7]

A sentença de verificação e graduação de créditos e a sentença de homologação de um plano de recuperação destinam-se, a dentro do processo de insolvência, dar satisfação aos créditos verificados, não sendo suscetíveis de ser executadas, enquanto tal, fora do âmbito do processo de insolvência.

Daí que no atual CIRE, o legislador, para acautelar os créditos que não venham aí a ser satisfeitos, total ou parcialmente, e a fim de os dispensar da instauração de novos procedimentos declarativos para a verificação dos seus créditos, veio a atribuir à sentença de verificação e a sentença homologatória do plano de pagamentos (artigo 233º, nº1, al. c), CIRE), força de “título executivo”.

A atribuição de efeitos (fora do processo de insolvência) à sentença verificação de créditos destina-se a, uma vez encerrado o processo de insolvência, facultar aos créditos não satisfeitos no processo de insolvência um meio expedito de realizarem os seus direitos.

A instauração da presente execução, tendo por base como título executivo (entre outros) uma certidão da sentença de verificação de créditos, natureza que lhe é reconhecida pelo nº3 do art. 128º (natureza atribuída pelo legislador a diferentes títulos, inclusivamente extrajudiciais), em nossa opinião, não integra uma “execução de sentença”, caindo fora do âmbito de aplicação do artigo 128º, nº3, da LOSJ.

Como tal, não deverá ser instaurada nos juízos do comércio (caso em que teria de correr por apenso ao processo de insolvência, nos termos do artigo 85º do CPC), sendo para a mesma competentes os juízos de execução.

Concluindo, revogaria a decisão recorrida.

                                                                     

                                                 Maria João Areias

 


[1] Disponível em http://www,dgsi.pt.
[2] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[3] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 2.ª edição, pág. 204.
[4] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[5] Nas palavas de Catarina Serra, a sentença de verificação de créditos, tem natureza declarativa – de declaração ou certificação de direitos, desempenhando a função de titulo executivo, habilitando os credores a aceder à fase de pagamento – “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina 2019, p. 291-292.
[6] A verificação do passivo no processo de falência”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XXXVI, 1995 LEX., pp. 362, e 368-369.
[7] Como salienta Catarina Serra, os efeitos do incumprimento previstos em tal norma são automáticos e independentes da vontade dos envolvidos, não pressupondo por parte dos credores o exercício do direito de resolução – “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina 2019, pp. 323-324.