PESSOA COLECTIVA
MEDIDA DA PENA
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Sumário


1. O quantitativo diário da pena de multa aplicada a pessoa singular ou pessoa colectiva, deve ser fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos;
2. No caso de uma pessoa colectiva, como uma sociedade comercial, há que atender à totalidade dos proveitos de exploração, deduzidos os respectivos custos e impostos, bem como quaisquer encargos com o seu financiamento, porque só desse modo se percebe a existência de lucro ou de prejuízo de exploração;
3. Omitindo a sentença factos que permitam apurar a situação económica e financeira da sociedade arguida, padece a mesma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, a) do Código de Processo Penal, cujo conhecimento é oficioso.
4. Não constando dos autos qualquer meio de prova designadamente, prova documental, que permita ao tribunal de recurso a modificação da decisão sobre a matéria de facto (cf. o artigo 431.º, a) do Código de Processo Penal), a existência do apontado vício e a consequente impossibilidade de decidir a causa, determina o reenvio do processo para novo julgamento apenas quanto à questão da fixação do quantitativo diário da pena de multa aplicada à Sociedade arguida.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

A) Relatório:

1) No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local de ..., Juiz ..., nos autos de Processo Comum Singular, com o n.º 3282/19...., após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença, datada de 15/12/2023, onde se decidiu:

a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido no artigo 348º, n.º 1 a) do Código Penal, na pena de 80 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €15,00 (quinze euros), o que perfaz um montante global de €1.200,00 (mil e duzentos euros);
b) Declarar a sociedade arguida EMP01..., Lda responsável pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido no artigo 348.º, n.º 1 a) do Código Penal, com referência ao artigo 100.º, n.º 1 do RJUE, condenando-a na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €200,00 (duzentos euros), o que perfaz um montante global de €10.000,00 (dez mil euros).

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2) Inconformado com esta decisão, da mesma vieram interpor recurso os arguidos, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

1.ª Nos presentes autos o Ministério Público deduziu acusação contra o recorrente AA imputando-lhe factos que consubstanciam a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas do artigo 348.º, n.º 1 do Código Penal, com referência ao artigo 100.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12 – Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).
2.ª Foi também deduzida acusação contra a sociedade EMP01..., Lda tendo sido imputados factos que consubstanciam a prática de um crime de desobediência, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas do artigo 348.º, n.º 1 do Código Penal, com referência ao artigo 100.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12 – Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).
3.ª Atenta a factualidade dada como provada, o Tribunal recorrido entendeu condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido no artigo 348.º, n.º 1, a), do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), o que perfaz um montante global de € 1,200,00 (mil e duzentos euros);
E declarar a sociedade arguida EMP01..., Lda responsável pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido no artigo 348.º, n.º 1, a) do CP, com referência ao artigo 100.º, n.º 1 do RJUE, condenando-se na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 200,00 (duzentos euros), o que perfaz um montante global de € 10.000,00 (dez mil euros).
4.ª Os recorrentes não se conformam com a douta decisão recorrida porquanto não parecem estar reunidos os pressupostos da aplicação da medida concreta da pena aplicada, designadamente no que toca ao número de dias e ao quantitativo diário fixados para as penas de multa aplicadas, por serem estes manifestamente inadequados e desproporcionais.
5.ª Fundamenta-se, assim, o presente recurso na discordância quanto à determinação da medida concreta das penas aplicadas.
6.ª Como se colhe do art. 71.º do Código Penal "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção".
7.ª O julgador quando determina a pena deve ter em conta a medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e, depois, avaliar e determinar a pena a aplicar atenta a prevenção especial de socialização do agente.
8.ª Devia o Tribunal "a quo" ao determinar a pena de multa, visto que foi considerada suficiente para promover a recuperação social dos recorrentes e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção geral e especial, escolha que não nos merecem qualquer reparo, fazê-lo atendendo à gravidade dos factos praticados e às especiais circunstâncias atenuantes do caso concreto. 
9.ª Não podemos ignorar qual a motivação que esteve na origem da obra realizada e o dolo com que o arguido atuou, que não nos parece ser reveladora de dolo intenso.
10.ª As penas de multa aplicadas aos ora recorrentes ultrapassam, claramente, a medida da culpa.
11.ª A sentença recorrida não teve em conta, as circunstâncias em que a obra foi feita e com que motivação. Por um lado, as rampas que foram introduzidas no passeio não impedem a circulação e estacionamento dos restantes transeuntes, por outro lado, sempre julgou o recorrente que a legalização das mesmas fosse ocorrer – processo que, diga-se, ainda se encontra em apreciação pela Câmara Municipal ....
12.ª Não só o recorrente AA admitiu, de forma honesta e verdadeiro, os factos de que vinha acusado, bem como a sociedade de que é representante legal e também recorrente, como também inexistem condenações anteriores pela prática de crimes da mesma natureza e, acrescente-se, por quaisquer outros.
13.ª A prática do crime de desobediência imputada aos recorrentes, atentas as consequências verificadas in casu, não pode ser considerada com a gravidade de lhes ser aplicada penas de multa daqueles montantes, merecendo os recorrentes tratamento menos severo.
14.ª A pena de multa aplicada aos recorrentes, quer no tocante aos dias, quer no tocante ao quantitativo diário de taxa, não deverá ir além do mínimo legal, sendo certo que esta será a medida da pena justa e adequada, tendo em conta os arts. 70º e 71º do Código Penal.
15.ª A fixação do quantitativo correspondente a cada dia de multa deve ser efectuada em função da situação económica e financeira dos condenados e dos seus encargos pessoais não tendo a douta sentença recorrida feito tal apreciação.

Quanto ao recorrente AA
16.ª Considerou-se como provado, no tocante às suas condições económicas que tem um vencimento mensal líquido de cerca de EUR 1.400,00 (mil e quatrocentos euros), que vive em casa arrendada e suporta uma renda mensal de EUR 400.00 (quatrocentos euros) e que paga ao seu filho menor uma pensão de alimentos de EUR 360,00 (trezentos euros). Apesar de não constar dos factos provados, naturalmente que a estas despesas acrescem as demais relativas à sua vida corrente. Acresce ao seu vencimento mensal, uma quantia de cerca de EUR 550.00 (quinhentos e cinquenta euros) que retira como dividendo de outra empresa da qual é sócio e gerente.
17.ª Feita a opção pela pena de cariz pecuniário, na determinação concreta da pena de multa, num primeiro momento há que determinar o número de dias da multa, que de acordo com o estatuído no artigo 47º, n.º 1 do Código Penal, é feito em função dos critérios estabelecidos no artigo 71º n.º1, do mesmo Código, isto é, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e, num segundo momento, há que fixar a taxa diária da multa entre € 5,00 e € 500,00 – artigo 47º, n.º 2 do Código Penal - em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
18.ª No caso vertente, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que o Tribunal “a quo” não procedeu criteriosamente à avaliação das circunstâncias apuradas, para este efeito relevantes, no que concerne ao número de dias e ao quantitativo diário da multa, mostrando-se nesta vertente a pena excessiva e um pouco desproporcionada em face da culpa do agente e das exigências de prevenção.
19.ª O grau da ilicitude do facto é pouco acentuado, o arguido não agiu com dolo direto, a consequência do crime é de pequena gravidade e o arguido, ora recorrente, não tem antecedentes criminais relacionados com crimes desta natureza. 
20.ª É em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais que deve ser fixada em concreto a taxa diária, o que no caso sub judice, entendemos ter sido fixada na sentença recorrida, de forma ligeiramente excessiva e desproporcionada - a taxa diária de € 15,00 - que deve ser reduzida para o mínimo de € 5,00, que temos por mais justa e adequada e que não deixará de representar para o arguido um sacrifício, sem, contudo, se repercutir de forma intolerável na satisfação das suas próprias necessidades mais elementares.

Quanto à recorrente EMP01..., lda
21.ª Quanto à sociedade arguida consideraram-se como provados o número de funcionários e veículos, setenta e quatro e vinte e quatro, respetivamente, bem como a faturação anual da mesma que se cifra em cerca de EUR 11.400.000,00. 
22.ª A faturação anual de uma empresa não se confunde com o resultado líquido do exercício que a mesma apresenta em determinado ano. 
23.ª No caso concreto, não cuidou o Tribunal a quo de averiguar, em concreto, qual o resultado líquido do exercício da empresa para que pudesse ponderar, de forma justa e adequada, qual o quantitativo diário a fixar. É que, o montante apurado a este título é incomensuravelmente inferior, aliás como resulta das regras da experiência, ao montante de faturação anual.
24.ª A medida concreta da pena de multa que se estabeleceu para a sociedade recorrente, fixou-se num número de dias e num quantitativo diário muito superiores ao mínimo legalmente previsto, o que motiva a nossa discordância quanto à pena aplicada.
25.ª Reitere-se que, não foi feita prova concreta quanto ao rendimento da sociedade e ao determinar-se a medida concreta da pena a aplicar sempre teria que ser feita, salvo melhor opinião, por análise ao resultado líquido do exercício e nunca por referência à faturação.
26.ª Deverão as penas de multa em que os arguidos foram condenados ser reduzidas para medida concreta inferior, diminuindo o número de dias fixados bem como o quantitativo diário aplicado, tomando em consideração a concreta situação económica e financeira dos arguidos, e quanto ao recorrente AA também aos seus encargos pessoais.
27.ª Na decisão impugnada, o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 40.º n.ºs 1 e 2, 47.º n.º 2, 90.º-B, n.º 5 e 71.º n.ºs 1 e 2 todos do Código Penal.
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3) Notificado do requerimento de interposição de recurso o Ministério Púbico respondeu pugnando pela sua improcedência e confirmação da Sentença recorrida, concluindo que:

I O arguido singular e a sociedade arguida, ora recorrentes, assentam a sua discordância relativamente à sentença recorrida unicamente quanto à determinação da medida concreta das penas de multa argumentando que são excessivas e não deve ir alem do mínimo legal".
II Não põem em crise a matéria de facto dada como provada na sentença condenatória, para a qual integralmente se remete, nem a respetiva qualificação jurídica.    
III O Tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de escolha e graduação das penas — incluindo os invocados no presente recurso — sendo avaliada a conduta dos arguidos em função dos parâmetros legais, que foram respeitados, designadamente as elevadas exigências de prevenção geral, as reduzidas exigências de prevenção especial, o dolo direto, a ausência de antecedentes criminais, a ausência de regularização das obras em curso "não tendo, portanto, os arguidos logrado reparar o mal causado" e as condições económicas dos arguidos/recorrentes dadas como provadas.
IV Sendo valorados os fatores apontados na sentença recorrida para a determinação da medida das penas de multa haverá de concluir-se não assistir razão aos recorrentes pois aquelas, sendo fixadas em 80 (oitenta) e 50 (cinquenta) dias num máximo de 120 (cento e vinte) dias, não ultrapassam a medida da sua culpa e correspondem ao mínimo de pena imprescindível à tutela do bem jurídico e das expectativas comunitárias.
V Acresce que a fixação do quantitativo diário das penas de multa próximo do montante mínimo estabelecido pelos artigos 47.º, n.º 2 e 90.º - B, n.º 5 do Código Penal - ou seja, em € 15,00 num mínimo de € 5,00 e num máximo de € 500,00, relativamente ao arguido singular, e em € 200,00 num mínimo de € 100,00 e num máximo de € 10.000,00, relativamente à sociedade arguida — revela-se adequada e proporcional à respetiva situação económica e tendo em consideração que a pena deverá representar um real sacrifício sob pena de ficar desvirtuada e de se fomentar um sentimento de impunidade.
VI Em suma, a sentença recorrida não merece qualquer censura pois fez uma correta e adequada ponderação dos fatores de determinação da medida concreta da pena e não padece de qualquer vício.
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4) O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Senhor Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de o recurso dos arguidos ser julgado improcedente e de este Tribunal proceder oficiosamente à retificação da sentença nos termos do artigo 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código de Processo Penal, com base em erro material referente à discrepância entre o que consta na fundamentação da medida da pena e no dispositivo no que respeita à taxa diária da pena de multa fixada à sociedade recorrente.
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5) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os arguidos não apresentaram resposta.
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6) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre apreciar e decidir.
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B) Fundamentação:

1. Âmbito do recurso e questões a decidir:

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal)[1]. Acresce que da conjugação das normas constantes dos artigos 368.º e 369.º, por remissão do artigo 424.º, n.º 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objeto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artigo 412.º, do mesmo diploma;
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.

No caso dos autos face às conclusões da motivação apresentadas no recurso, a questão a decidir reduz-se à de saber se as penas de multa em que foram condenados, são excessivas.
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2. A sentença recorrida:

Naquilo em que a mesma releva para o conhecimento do objeto do recurso, é o seguinte o teor da sentença impugnada:

2. Fundamentação de Facto

I. Factos provados
Resultaram provados os seguintes factos:
1) A arguida EMP01... -, Lda, legalmente representada pelo seu sócio-gerente – de facto e de direito -, o arguido AA, é proprietária e dona de uma obra de construção civil sita na Rua ..., ..., ..., nesta cidade ...;
2) Essa obra consistia na ampliação do pavilhão aí existente e destinado a sede da arguida;
3) Apesar do pavilhão estar devidamente licenciado pelo alvará de construção n.º 1489/99, não estava licenciada a sua ampliação, designadamente a construção de cais de cargas e descargas, nem a construção de quaisquer rampas;
4) Contudo, no dia 07/01/19 os serviços de fiscalização da Câmara Municipal ... verificaram que a obra em apreço estava a ser executada sem a necessária licença/ comunicação prévia;
5) Assim, no referido dia, foi verificado que o arguido havia determinado a construção de:
a. uma rampa entre o estacionamento e o passeio público, em toda a extensão da frente do lote ...7;
b. uma rampa em frente ao portão principal do pavilhão, tendo procedido ao rebaixamento do passeio;
c. uma rampa, em betão, que abrange a via de estacionamento e o passeio público, em frente a uma ampliação ilegal do pavilhão, já objecto de embargo
6) Assim, por despacho do Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo, foi ordenada a reposição do espaço pertencente ao domínio público no mesmo estado em que se encontrava antes das referidas obras, com remoção das rampas e reposição dos passeios em toda a extensão do lote ...7;
7) No dia 23/04/19 tal despacho foi pessoalmente notificado ao arguido, enquanto legal representante da sociedade arguida, tendo sido expressamente advertido que deveria executar
8) No dia 23/04/19 tal despacho foi pessoalmente notificado ao arguido, enquanto legal representante da sociedade arguida, tendo sido expressamente advertido que deveria executar os trabalhos de remoção e reposição no prazo de 30 dias, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal – crime de desobediência;
9) Não obstante essa advertência e de ter entendido essa ordem, o arguido, em data não concretamente apurada posterior à da notificação supra referida, sem nada que o justificasse, não procedeu à obra determinada pela Autoridade Administrativa – de remoção das rampas e reposição dos passeios públicos;
10) O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com a intenção concretizada de desobedecer à ordem de que era destinatário, cujo conteúdo havia entendido, não obstante saber que essa ordem fora emanada pela entidade camarária competente, no enquadramento de atribuições legais que lhe estão atribuídas. Sabia igualmente que essa ordem era formal e substancialmente legítima e lhe fora regularmente comunicada;
11) Mais sabia que deveria proceder no prazo conferido à obra determinada, tendo ficado ciente das consequências que lhe poderiam advir se desrespeitasse tal ordem;
12) O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei penal;
Provou-se ainda que
13) O arguido é divorciado, tem um filho de 16 anos (que reside com a mãe), vive em casa arrendada suportando uma renda no valor de cerca de €400,00, suporta uma pensão de alimentos no valor de €360,00, tem o 9º ano de escolaridade, e aufere um vencimento líquido do cargo de gerente que desempenha da sociedade arguida, cerca de €1.400,00;
14) O arguido aufere ainda um rendimento anual de €6.000,00 a €8.000,00 por força de dividendos que retira de uma outra empresa do qual também é sócio-gerente;
15) A sociedade arguida está a laborar, tem 74 trabalhadores e 24 veículos;
16) A sua empresa factura anualmente a quantia de €11.400.000,00;
17) Arguido e sociedade arguida não têm antecedentes criminais registados;
(…)
4. Escolha e Medida da Pena
Pela prática do crime de desobediência:
• O arguido incorre na pena abstracta de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias – art. 348.º, n.º 1 do CP;
• A sociedade arguida incorre na pena abstracta de multa até 120 dias – art. 348.º, n.º 1 e art. 90.º-B, n.º 1, 2 e 3. ambos do CP.
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Como é sabido, a determinação da medida da pena, dentro dos limites legais, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção – arts. 71.º, n.º 1 e90.º-B, n.º4, ambos do CP.
As exigências de prevenção legalmente consagradas correspondem à protecção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – art. 40.º, n.º 1 do CP.
Por seu turno, a culpa do agente constitui, de harmonia com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, um limite inultrapassável (art. 1.º da Constituição da República Portuguesa, e art. 40.º, n.º 2 do CP)
Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo a culpa concreta do agente, o que implica, por um lado, que não há pena sem culpa, e por outro, que esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo
Assim, partindo-se da moldura penal abstracta aplicável ao caso concreto, elabora-se uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é fornecido pela culpa concreta do arguido, e o limite mínimo resulta de um quantum de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma violada, segundo considerações de prevenção geral de integração.
Dentro desse espaço de liberdade ou de indeterminação actuam considerações extraídas das exigências da prevenção especial de socialização, tudo mediante critérios que devem ser aplicados num acto único, interagindo de forma dialéctica, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: i) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; ii) a intensidade do dolo ou da negligência; iii) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; iv) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; v) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; ou ainda vi) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – art. 71.º, n.º 2 do CP.
Nestes termos, e ponderando as circunstâncias que rodearam a prática dos factos, para efeitos de grau e medida da culpa de arguido e sociedade arguida, há que tomar em consideração o dolo revelado, que é de considerar intenso – tendo agido com dolo direto. Para além disso, até à presente data a situação não foi regularizada, não tendo, portanto, os arguidos logrado reparar o mal causado.
Por outro lado, em matéria de prevenção geral, existem particulares necessidades de prevenção que no caso se fazem sentir, nomeadamente o dever de respeito e acatamento das ordens emanadas por autoridades públicas, como é o caso dos executivos camarários.
Por último, e no que diz respeito às necessidades de prevenção especial, as mesmas situam-se num patamar moderado a diminuto, tendo em conta que nem arguido nem a sociedade arguida sofreram qualquer condenação anterior pela prática de crime da mesma natureza.
Tudo conjugado, a pena de multa afigura-se, em face do caso concreto, plenamente suficiente e eficaz para assegurar a tutela dos bens jurídicos assumidos como valiosos pela sociedade e levar o agente a conformar a sua conduta de acordo com os valores protegidos pelas referidas normas vigentes na sociedade.
Nestes termos, temos por adequada a aplicação de uma pena de 80 dias de multa ao arguido AA; e uma pena de 50 dias de multa à sociedade arguida.
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Ora, cada dia de multa (aplicado às pessoas singulares) corresponde a uma quantia entre os €5,00 e os €500,00 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais – art. 47.º, n.º 2 do CP.
Em face do exposto, e tendo por base as condições pessoais e financeiras reveladas pelo arguido em sede de audiência de julgamento, fixa-se o quantitativo diário em €15,00.
Diversamente, no que respeita à sociedade arguida, na determinação do quantitativo diário da multa, é o mesmo fixado em função da situação económica e financeira da sociedade arguida, entre 100,00€ e 10.000,00€. Descendo ao caso em apreço, e uma vez que resultou provado que a sociedade arguida se encontra a laborar, tem 74 trabalhadores e 24 veículos, e factura anualmente o montante de €11.400.000,00, reputa-se de razoável e proporcional a fixação de um quantitativo diário de €500,00;
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Uma breve nota a propósito da eventual substituição da pena de multa pela admoestação (suscitada no decurso das alegações): com efeito, as exigências diminutas de prevenção especial poderiam em abstracto fazer equacionar a eventual substituição da pena de multa aplicada ao arguido pela admoestação, nos termos e para os efeitos do art. 60.º do CP
Da análise disposto no art. 60.º do CP, resulta que os pressupostos estabelecidos para a aplicação de tal pena de substituição são os seguintes: a aplicação de uma pena concreta de multa não superior a 240 dias (pressuposto formal); a existência de prévia reparação do dano causado pela prática do crime; a adequação e suficiência da pena de amoestação para a realização das finalidades punitivas (pressuposto material); a inexistência, em regra, de anterior condenação em qualquer pena nos três anos anteriores ao facto.
Tal instituto apenas poderá ter lugar em casos extraordinários, ou seja, quando for de concluir que a adequação à culpa às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura geral abstracta escolhida pelo legislador para a moldura respectiva. Implicará uma diminuição da ilicitude, culpa ou nas exigências de prevenção (necessidade de pena), que radicará a autêntica ratio da atenuação especial da pena – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29.06.2011, processo n.º 222/08.6SAGRD.C2, in www.dgsi.pt.
Ora, descendo ao caso em apreço, haverá a considerar que falece desde logo a possibilidade de substituição de uma pena de multa por uma admoestação considerando que até à presente data o mal não foi reparado, ou seja, nunca arguido/ sociedade arguida diligenciar para repor os passeios no estado em que se encontravam antes das obras, devendo, por isso, manter-se as penas de multa nos seus precisos termos.
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3. Apreciação do recurso

Da alegada excessividade das penas de multa.
Alegam os recorrentes que as penas de multa em que foram condenados, devem ser “reduzidas para medida concreta inferior, diminuindo o número de dias fixados bem como o quantitativo diário aplicado, tomando em consideração a concreta situação económica e financeira dos arguidos, e quanto ao recorrente AA também aos seus encargos pessoais”.
Vejamos se assim é.
Decorre do disposto no artigo 348.º, n.º 1, do Código Penal, que para o crime de desobediência, encontra-se prevista uma moldura pena abstracta de pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias. Quanto à sociedade arguida, a moldura penal abstrata é de pena de multa até 120 dias. Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5,00 € e 500,00 € que o tribunal fixa, independentemente de o arguido ser pessoa singular ou pessoa colectiva, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais – artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal.

O código Penal contém uma disposição preliminar dentro do Título III, que se ocupa das consequências jurídicas do facto, nos termos da qual a aplicação de uma pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – cf.  o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal sendo que nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa». Para a determinação da medida concreta da pena há que fazer apelo aos critérios definidos pelo artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, nos termos dos quais, tal medida será encontrada dentro da moldura penal abstratamente aplicável, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. Deve o Tribunal na determinação concreta da pena o tribunal atender a «todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena».

No caso dos autos, no que respeita à escolha e determinação da medida concreta da pena, o Tribunal recorrido, no que diz respeito aos dois arguidos, ponderou em concreto, o dolo intenso (dolo directo como decorre da matéria de facto não impugnada) e a circunstância de a situação (obra de ampliação de um pavilhão), não ter sido, entretanto, regularizada, não tendo aqueles, “logrado reparar o mal causado”: Foi também ponderada a ausência de antecedentes criminais que situa as exigências de prevenção especial, num patamar “de moderado a diminuto”. O Tribunal ponderou ainda, com total acerto, as “particulares necessidades de prevenção que no caso se fazem sentir, nomeadamente o dever de respeito e acatamento das ordens emanadas por autoridades públicas, como é o caso dos executivos camarários”.
Partindo daqueles fundamentos, o Tribunal recorrido entendeu ser adequada a aplicação ao arguido AA de uma pena de multa que fixou em 80 dias e à sociedade arguida, uma pena de multa que fixou em 50 dias. Ora nenhum reparo nos merece o decidido quanto aos dias de multa assim fixados, considerando o limite máximo da pena abstratamente aplicável e tendo em conta que as penas de multa foram fixadas um pouco acima do respetivo meio, no caso do arguido e mesmo abaixo, no caso da sociedade arguida.
De salientar que não se pode olvidar que como  entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão de 22/09/2015 (proferido no processo n.º 634/15.9PBSTB.E1, consultado em www.dgsi.pt), “para manter a credibilidade da pena de multa, enquanto consequência jurídica do crime, aquela não pode deixar de assumir caráter aflitivo para o condenado, sendo-lhe igualmente inerente, como às demais penas, a possibilidade de afetar o modo de vida do próprio e dos que dele dependam, mesmo na sua vertente patrimonial”, acrescentando que o “único limite do quantitativo da multa é constituído, em nome da preservação da dignidade da pessoa, pelo asseguramento ao condenado do nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio económicas”.
Acresce que no que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1.ª instância, cumpre salientar que a intervenção correctiva do Tribunal Superior, só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada. Sufragamos o entendimento de que nesta matéria, tem plena aplicação aos tribunais de 2ª instância, a jurisprudência, relativa à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça  na determinação concreta das penas, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Raul Borges (acessível in www.gde.mj.pt, Processo n.º 09P0484), que passamos a citar: “… a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada[2].
De referir ainda que se revela acertada a não substituição da pena de multa pela admoestação tendo em conta a não reparação do mal causado, como bem se salienta na decisão recorrida.
Quanto ao quantitativo diário da pena de multa, independentemente de o condenado ser pessoa singular ou pessoa colectiva, o mesmo deve ser fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos[3].
No caso do arguido, considerando a sua situação económica assente num rendimento mensal fixo de 1400,00 €, acrescido de um valor variável mensal de 500,00 € a 666,00 € e considerando, por outro lado, as despesas apuradas, num valor total de 760,00 € (renda de casa e pensão de alimentos devidos a um filho menor), concordamos na íntegra com a decisão proferida na primeira instância, a qual sendo perfeitamente adequada e proporcional ao caso, deverá permanecer intocada.
Quanto à Sociedade arguida, na audiência de julgamento apurou-se que a mesma factura anualmente a quantia de €11.400.000,00, sabendo-se também que está a laborar, tem 74 trabalhadores e 24 veículos. Porém, ao contrário do arguido, nada foi apurado sobre as suas despesas. Neste ponto, assiste razão à recorrente porque “não foi feita prova concreta quanto ao rendimento da sociedade”, sendo certo que nos parece ser adequado, na fixação do quantitativo diário, ser levado em conta o resultado líquido do exercício e não, apenas, o volume global das receitas. Na verdade, para as pessoas colectivas, designadamente, para as sociedades comerciais, adaptando o critério acima indicado, haverá que atender à totalidade dos proveitos de exploração, deduzidos os respectivos custos e impostos, bem como quaisquer encargos com o seu financiamento, porque só desse modo se percebe a existência de lucro ou de prejuízo de exploração.
Existe, assim, na decisão recorrida, uma omissão factual da real situação económica e financeira da arguida, porque nada sabemos sobre o rendimento liquido que até pode ser muito baixo. A concreta situação económica da sociedade poderia ser apurada, por exemplo, através da última declaração de IRC disponível, sendo que nada foi indagado a este propósito na primeira instância.
Afirmando a sociedade arguida que aquele montante é excessivo, face à omissão factual da sua situação económica e financeira (sendo certo que não se vislumbra qualquer impossibilidade de obtenção de elementos de prova capazes de sustentarem a definição da omitida situação liquida da empresa), resta reconhecer que a matéria de facto provada relativa ao aspecto em referência, é insuficiente para permitir a decisão de direito que teve por objecto o quantitativo diário da pena de multa.
Padece, consequentemente, a sentença, quanto a esta concreta questão da fixação do montante diário da pena de multa aplicada à sociedade arguida, do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, a) do Código de Processo Penal, cujo conhecimento é oficioso. Nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, a) do Código de processo penal, constitui fundamento para o recurso, a insuficiência da matéria de facto provada (…), “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum”: como entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 11/05/2015 (proferido no processo n.º 3805/12.6IDPRT.G1 consultado em www.dgsi.pt), verifica-se aquele vício “quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz”. Como escrevem Simas Santos e Leal Henriques, (in Recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros, 2020), existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando “se chega à conclusão de que com os factos provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou (…), quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito”: como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 07/06/2021 (processo n.º 07P2268), “o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que podendo e devendo ser indagados, são necessários para se formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados, todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (…)”. No mesmo sentido, se pronunciou o mesmo Tribunal Superior no Acórdão do Tribunal de 12/03/2009 (processo n.º 3173/08.5), entendendo que “a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão implica falta de factos provados que autorizem a ilação tirada. É uma lacuna de factos, que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo da própria decisão…) mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar como provados os factos que se consideraram como provados”.
De tudo resulta que não constando dos autos, como se disse, qualquer meio de prova designadamente, prova documental, que permita ao tribunal de recurso a modificação da decisão sobre a matéria de facto (cf. o artigo 431.º, a) do Código de Processo Penal), a existência do apontado vício e a consequente impossibilidade de decidir a causa determina o reenvio do processo para novo julgamento apenas quanto à questão concretamente identificada (artigo 426.º, nº 1 do Código de Processo Penal), devendo na sentença a proferir ser observada a proibição de reformatio in pejus (artigo 409.º, nº 1 do Código de Processo Penal).
Consequentemente, é o recurso apresentado pelo arguido AA é improcedente “in totum” e é o recurso interposto pela sociedade “EMP01..., Lda”, parcialmente procedente, mas, apenas, relativamente ao quantitativo diário da pena de multa que lhe foi aplicada, ficando prejudicado, o conhecimento do erro material apontado no antecedente Parecer.
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C) Decisão:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao recurso, e, em consequência, decidem:

1) Julgar verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, a) do Código de Processo Penal, relativamente à questão da fixação do quantitivo diário da pena de multa aplicada à sociedade arguida EMP01..., Lda;
2) Determinar o reenvio do processo para novo julgamento apenas quanto à concreta questão identificada e delimitada no ponto 1 que antecede;
3) Confirmar, no mais a sentença recorrida, ficando prejudicado o conhecimento do erro material apontado no antecedente Parecer.
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O arguido AA suportará as custas, pelo decaimento total, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs - artigos 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa.
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Sem custas, quanto à sociedade arguida EMP01..., Lda, atenta a parcial procedência do recurso (artigo 513.º, n.º 1 e do Código de Processo Penal).
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Notifique.
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Guimarães, 5 de Junho de 2024 (o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
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Carlos da Cunha Coutinho (relator);
Paulo Almeida Cunha (1.º Adjunto);
Fátima Furtado (2.ª Adjunta).


[1]O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 7/95, de 19/10/1995, publicado no DR 1ª série, de 28/12/1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/7/2019, in www.dgsi.pt; de 25/06/1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03/02/1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28/04/1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II.
[2] Cf. mais recentemente neste mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/05/2019, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Gonçalves.
[3] Haverá, quanto às pessoas singulares, que considerar a totalidade dos rendimentos próprios do arguido, independentemente da sua fonte, deduzidos de impostos, deveres jurídicos de assistência e obrigações duradouras sobre os rendimentos (cf. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª Edição, 2013, pág. 47).