ARGUIDO ADVOGADO
RECURSO
ASSISTÊNCIA DE DEFENSOR
Sumário


1. Todo e qualquer arguido, ainda que tenha a qualidade de advogado, tem de ser assistido por defensor nos casos em que tal assistência é obrigatória.
2. Nesta conformidade, o direito que, em geral, se reconhece ao advogado de litigar em causa própria, sofre restrições na jurisdição penal.
3. São várias as regras processuais dos estatutos do defensor e do arguido que tornam incompatível o exercício do auto-patrocínio.
4. Sendo inequívoco que "num processo de estrutura acusatória, os poderes que por lei são atribuídos ao defensor não são em muitas situações conciliáveis com a sua posição de arguido, v.g, os Art.ºs 141°, n.° 6, 326° e sobretudo o Art.º 352°, do CPP.
5. Decorrendo expressamente, dos artigos 32.º 3 da CRP e 64.º, n.º 1, alínea e), do CPP, que, para a interposição de recursos penais (ordinários ou extraordinários), é obrigatória a assistência de defensor, o recorrente está legalmente impedido de assumir a sua própria representação para pugnar neste recurso.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

No processo de incidente de recusa, com o n.º 3465/19.... a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Criminal de Ponte de Lima, por despacho de 15/01/2024 – Ref: ...00, em retificação do que havia sido proferido em 22/09/2023 – Ref: ...00, foi decidido:

«Posto que, afinal, o Requerente beneficia de apoio judiciário, incorrendo o despacho de 22 de Setembro de 2023 em lapso por informação errónea por parte da Segurança Social, reformula-se o mesmo, nos seguintes termos:

*
Por requerimento de 2 de Junho de 2023, veio AA apresentar reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 157.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex vi artigo 4 º do Código de Processo Penal), relativamente à notificação que lhe foi efectuada para proceder ao pagamento do montante de € 1.224,00, pelo qual foi condenado por acórdão de 10/10/2022 do Tribunal da Relação de Guimarães.
Entende tratar se de uma soma abrangida pelo benefício de apoio judiciário.
Pronunciou-se o Ministério Público, conforme promoção de 7 de Junho de 2023, no sentido do indeferimento da reclamação, e condenação em custas do requerente, em razão do artigo 45.º, n.º 7 do Código de Processo Penal não prever uma condenação em custas nem em multa processual, mas sim uma penalidade devida pela utilização infundada do sistema judiciário, de todo o modo não abrangida por eventual protecção jurídica de que beneficiasse o arguido.
Concorda-se que a quantia prevista no artigo 45.º, n.º 7 do Código de Processo Penal assume a natureza de penalidade não abrangida pelo benefício de apoio judiciário na modalidade e de dispensa de pagamento de taxa de justiça e encargos.
Com efeito, dispõe o citado dispositivo que “se o tribunal recusar o requerimento do arguido, do assistente ou das partes civis por manifestamente infundado, condena o requerente ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC”, redacção de que decorre que o legislador pretendeu afastar esta condenação quer do conceito de custas, quer do conceito de multa.
Penalidades a que se reporta o artigo 3.º do Regulamento das Custas Processuais, que as distingue expressamente das custas e aproxima do regime das multas (“1. As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte. /2. As multas e outras penalidades são sempre fixadas de forma autónoma e seguem o regime do presente Regulamento.”).
No sentido de que se tratam de condenações distintas e com regime diverso, vejam-se, a título de exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 29/06/2023, proferido no processo n.º 1571/23.9YRLSB, onde se sumariou que “A utilização manifestamente infundada do incidente de recusa constitui um grave obstáculo ao normal decurso da realização da justiça, pelo que deve ser sancionado nos termos do nº 7 do artigo 45º do Código de Processo Penal”, e cujo dispositivo termina com condenação “Nos termos do artigo 45.º, n.º 7, do Código de Processo Penal, […], no pagamento de 7 U Cs, a título de sanção processual, bem como em custas “fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida.”, o mesmo sucedendo nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2022, proferido no processo n.º 101/12.2TAVRM de 26/07/2022, proferido no processo n.º 16017/21.9T8LSB, de 09/05/2023, proferido no processo n.º 738/20.6T9TVD, e da Relação do Porto de 22/02/2017, proferido no processo 881/16.6JAPRT (todos com condenação em custas do requerente que decaiu, com taxas de justiça fixadas entre 1 e 3 UCs, acrescidas de condenação nos termos do artigo 45 º n .º 7 do Código de Processo em somas fixadas entre 6 e 10 UCs). Este entendimento em nada sai beliscado pelo facto de alguns incidentes de recusa não terem, eventualmente, sido taxados em custas pelos Tribunais Superiores.
Razão pela qual se indefere a reclamação.
Sem custas, atenta a simplicidade.»
*
Não se conformando com o assim decidido, interpôs o arguido/requerente AA, o presente recurso que, na sua motivação, traz formuladas as seguintes conclusões – Ref: ...05 - que se transcrevem:
«III. CONCLUSÃO. O PEDIDO RECURSÓRIO
12. Visto o que antecede, legítimo será extrair as seguintes conclusões principais:
i) O Despacho recorrido omite pronúncia sobre uma questão basilar de direito: a omissão de notificação ao principal interessado de aresto em que, inclusive, lhe é aplicada uma multa;
ii) Por alcance do n.º 2, a contrario sensu, do artigo 121.º do CPP, essa nulidade permanece por sanar;
iii) Por consequência, o Recusante abaixo-assinado permanece impedido de impugnar em via de recurso a condenação que lhe foi aplicada pelo Alto Tribunal ad quem no quadro do n.º 7 do artigo 45.º do CPP;
iv) Efectivamente, essa norma jusprocessual penal não pode deixar de ser interpretada como estabelecendo uma decisão condedeixar de ser interpretada como estabelecendo uma decisão condenatória recorrível em um grau,
v) sob pena de aplicação, in concreto, da mesma norma segundo uma dimensão materialmente inconstitucional.
13. Fazendo no caso, consequentemente, sã e inteira justiça, como cumpre, dignar-se-á o Alto Tribunal ad quem:
A) Admitir, em definitivo, o presente recurso,
B) ordenando a notificação ao Recorrente do acórdão de 10--10-2022 nestes autos,
C) para os devidos efeitos processuais e legais, tudo conforme vai expressamente REQUERIDO.»
*
Em 1ª instância, o Ministério Público, nas suas alegações de resposta – Ref: ...33, concluiu do seguinte modo (transcrição):

« Conclusões
I. À vista do Ministério Público, a decisão impugnada não merece qualquer censura, ou reparo, não enfermando da indigitada nulidade por omissão de pronúncia.
II. Em boa verdade e bem vistas as coisas, o recurso interposto não é admissível, porquanto não foi apresentado, nem subscrito, pela Ilustre Defensora Oficiosa do Arguido/Recorrente AA, mas sim por este “advogando em causa própria”, em clara violação do artigo 64.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, pelo que não deverá ser conhecido pelo Tribunal ad quem, ao abrigo dos artigos 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.
Sem conceder, caso assim não se entenda,
III. O despacho proferido pelo Tribunal a quo não enferma de nulidade, na medida em que não perpetrou omissão de pronúncia, tendo, ao invés do alegado pelo Arguido/Recorrente AA, aquele tribunal conhecido de todas as questões relevantes suscitadas em sede da dita “Reclamação”, não se verificando o preenchimento da previsão legal do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), aplicável ex vi artigo 97.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
IV. Ademais, ao contrário do vaticinado pelo Arguido/Recorrente AA, a questão em mérito foi definitivamente decidida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão proferido a 10.10.2022, que lhe foi notificado, na pessoa da sua Ilustre Defensora Oficiosa, com observância da disciplina processual penal.
V. Aliás, tudo visto e ponderado, o que resulta do recurso interposto pelo Arguido/Recorrente AA é, sim, uma discordância jurídica quanto à forma de notificação do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, a 10.10.2022, que, segundo aquele, faz com que não o possa impugnar para o Supremo Tribunal de Justiça, e não quanto à decisão verdadeiramente impugnada e proferida pelo Tribunal a quo.
Nestes termos e nos por V. Ex.as doutamente supridos, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o douto despacho recorrido na íntegra e nos seus termos, assim se fazendo
INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!»
*
Após ter sido admitido o presente recurso, remetidos os autos a esta Relação, a Dign.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer – Ref: ...61, defendendo:
“(…)
«Questão prévia: Da ausência de representação do arguido pela sua defensora /rejeição do recurso:
Como, de forma cristalina, se explanou na resposta do Ministério Público, o recurso foi subscrito pelo próprio arguido, advogado, assumindo a sua própria representação e não pela ilustre defensora oficiosa que o representa nos autos, a Emª Sr.ª Dr.ª BB, a qual foi notificada do despacho recorrido em 16 de Janeiro de 2024 e a ele não reagiu.
Sendo certo que decorre, expressamente, dos art.ºs 32.º 3 da CRP e 64.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal que, para a interposição de recursos penais ( ordinários ou extraordinários), é obrigatória a assistência de defensor.
Ora, não obstante ser advogado e sem prejuízo da sua preparação técnico-jurídica, o recorrente não pode assumir a sua representação na peça processual apresentada porquanto a lei é expressa na exigência de assistência de defensor, fundamentada, não só na necessidade de garantir uma defesa eficaz, mas também que o defensor dê toda a colaboração que, por seu lado, deve ser dada à administração da justiça, pois o defensor é um órgão autónomo da administração da justiça, competindo-lhe, como tal, colaborar com o Tribunal, de forma diferenciada, na descoberta da verdade e na realização do direito ( conf. Ac. S.T.J., de 06-12-01, P° 3.347/01, Rel. Simas Santos).
Como refere Maia Gonçalves in Código de Processo Penal Anotado, 12ª edição, 210, “ …a al. d) ( agora e)), do nº 1, do artº 64º do C. P. Penal, estabelecendo que é obrigatória a assistência de defensor ao arguido nos recursos, tanto ordinários como extraordinários, contém normativo que se fundamenta na necessidade ou na alta conveniência da assistência, porque nos recursos normalmente se debatem questões de natureza jurídica que em regra o próprio arguido se não encontra preparado para discutir com competência e eficiência”.
Assim tem sido decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no Acórdão de 26 de Maio de 2021 (embora num recurso extraordinário) com o seguinte sumário:
“É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que o arguido não pode subscrever ele mesmo, o requerimento de interposição de recurso extraordinário de revisão. No processo penal português, a defesa do arguido, incluindo a fase de recurso, é, necessariamente e obrigatoriamente, assegurada por advogado – art. 64º n.º 1 do CPP. O arguido não pode autorrepresentar-se. Requerimento e alegação de recurso extraordinário de revisão elaborado e assinado unicamente pelo arguido não cumpre com uma das “condições necessárias” ou pressuposto processual legalmente exigido para poder admitir-se - artigos 64º n.º 1 al.ª e), 420 n.º 1 al.ª b) e 414º n.º 2 e do CPP.”
E também no douto Acórdão deste Tribunal da Relação de 17 de Outubro de 2023, proferido nos autos principais relativamente ao recurso da sentença e onde se sumariou:
I. No processo penal, o arguido que é advogado não se pode auto-representar na prática de atos que a lei reserva ao defensor, como o é o caso do exercício do direito ao recurso.
II. O arguido tem direito de recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis, mas tal direito de recurso, seja ele ordinário ou extraordinário, só poderá ser exercido com a assistência do defensor, cuja obrigatoriedade decorre de forma inequívoca e expressa do artigo 64.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal.
III. Qualquer arguido, ainda que tenha a qualidade de advogado, tem de ser assistido por defensor nos casos em que tal assistência é obrigatória, sofrendo, portanto, restrições na jurisdição penal o direito que, em geral, se reconhece ao advogado de litigar em causa própria, restrição essa que, necessariamente, o impede de renunciar ao direito de ser assistido por outro advogado, por a tal se opor o artigo 32.º, n.º 3 da nossa Constituição da República Portuguesa.
Como, doutamente, neste douto aresto, se explanou:
“…Tal posição não se mostra incompatível com o direito do arguido se defender pessoalmente, o mesmo será dizer que não é contrária aos instrumentos de direito internacional dos quais Portugal faz parte designadamente, à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, como, aliás, assim já se decidiu a respeito de queixa apresentada pelo ora arguido junto do THDH - Correia de Matos c. Portugal - queixa nº 56402/12, sobre a qual incidiu o acórdão datado de 04/04/2018, no sentido da não violação do artigo 6.º da Convenção, decisão votada por maioria, de cuja publicação[9] decorre o seguinte [transcrição]:
“1- Factos: O Requerente, advogado, foi acusado e condenado em processo-crime por injúria agravada a um juiz.
Os tribunais nacionais não permitiram que o requerente se defendesse a si próprio no processo-crime. O requerente alega que tais decisões nacionais violam o Artigo 6º nºs 1 e 3 (c) da Convenção.
2 - Decisão:
(a) Observações preliminares sobre a queixa do requerente: O caso em apreço respeita ao direito dos advogados se puderem defender a si próprios. Contudo, à data dos factos o requerente encontrava-se suspenso pela Ordem dos Advogados, pelo que não poderia exercer advocacia.
Por outro lado, o requerente já tinha apresentado uma queixa semelhante, perante o Tribunal, a qual deu lugar a uma decisão de 15 de Novembro de 2001 (Correia de Matos contra Portugal (dec.), queixa nº 48188/99). Nessa decisão, o TEDH constatou que, muito embora, em regra, os advogados se pudessem representar a si próprios em tribunal, as autoridades competentes, no âmbito da sua margem de apreciação, poderiam exigir a nomeação de um representante legal para defender um advogado no âmbito de um processo-crime, caso entendessem que o mesmo não tinha condições para avaliar devidamente os interesses em causa. Deste modo, o Tribunal rejeitou a referida queixa por considerar que a mesma era manifestamente infundada.
(b) Análise dos fundamentos subjacentes à legislação portuguesa: É jurisprudência assente do Tribunal que os Estados têm liberdade para escolher os meios pelos quais asseguram que os respectivos sistemas jurídicos estão em conformidade com o Artigo 6.º, n.º 3, alínea c) da Convenção. Com efeito, a ratio da norma em causa é a assegurar a equidade global do processo penal.
In casu, as decisões dos tribunais nacionais refletem a jurisprudência assente quer do Tribunal Constitucional, quer do Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual a obrigatoriedade da assistência de defensor ou mandatário constituído em processo penal não visa limitar a ação da defesa, mas antes proteger o arguido, garantindo uma defesa eficaz.
Neste âmbito, as normas relevantes do Código de Processo Penal partem da premissa de que a defesa de um arguido é melhor acautelada por um profissional que possa oferecer uma defesa lúcida, imparcial e efectiva.
Tais considerações são ainda mais prementes no caso concreto do requerente, uma vez que o mesmo se encontrava suspenso pela Ordem dos Advogados, pelo que não poderia sequer prestar assistência jurídica a terceiros. Por outro lado, o requerente já tinha sido condenado por crime idêntico contra magistrado. Tendo em conta a importância do papel dos advogados na administração da justiça, neste contexto específico em especial os deveres de urbanidade e de cooperação, existiam dúvidas fundadas de que o requerente poderia não ter a objetividade e imparcialidade necessárias para conduzir sua própria defesa de forma eficaz.
Ademais, a circunstância da legislação portuguesa não permitir que um advogado se represente a si próprio em processo penal, não impedia o requerente de escolher a forma como a sua defesa era conduzida, porquanto a lei processual confere ao arguido vários meios pelos quais o mesmo pode participar e intervir ativa e pessoalmente no processo.
Por último, qualquer arguido que não esteja satisfeito com a defesa levada a cabo pelo defensor nomeado, pode – mediante fundamentos válidos e razoáveis - pedir a sua substituição ou constituir mandatário da sua confiança. Muito embora os arguidos condenados tenham que suportar os custos relacionados com a nomeação de defensor, podem sempre pedir apoio judiciário caso não possam suportar tais custos. Assim, apesar da legislação nacional obrigar à representação em processo penal através de defensor, na prática, os arguidos podem participar ativamente na sua própria defesa, sendo que a ratio da lei em causa visa garantir a boa administração da justiça, respeitando o direito do arguido à igualdade de armas. Considerando o contexto processual como um todo, e tomando em consideração a margem de apreciação de que dispõem os Estados-Membros quanto à escolha dos meios para assegurar a defesa dos arguidos, o Tribunal considera que, in casu, as razões apresentadas pelos tribunais nacionais para a exigência de obrigatória de defensor são relevantes e suficientes.
(c) Equidade global do julgamento: A defesa do requerente foi assegurada por um defensor oficioso.
O requerente optou por não comparecer à audiência de discussão e julgamento, pelo que decidiu deliberadamente não participar ativamente na sua defesa em conjunto com o defensor nomeado. Por outro lado, não só o requerente não contactou o defensor por forma a delinear com ele uma estratégia de defesa, como não apresentou qualquer queixa relativa aos serviços prestados pelo defensor, nem alegou qualquer falha processual por parte do mesmo. Por último, importa ainda sublinhar que também optou por não constituir mandatário.
Pelo exposto, inexistem razões para duvidar de que a defesa do requerente pelo defensor oficioso nomeado pelo tribunal tenha sido conduzida de forma adequada. Resulta das observações do requerente e das suas sucessivas queixas apresentadas perante o Tribunal que a sua principal preocupação não era tanto a sua posição processual no processo crime do qual foi alvo, mas antes o seu desejo de fazer valer a sua posição de princípio contra a obrigatoriedade de assistência por defensor em processo penal.”
O mesmo será dizer que o direito de auto-patrocínio a que se alude na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, "não é, …, um direito absoluto, podendo os Estados, pela via legislativa ou por decisão judicial, impor a obrigação de a defesa ser assegurada por um advogado". [10]
A própria Ordem dos Advogados já foi chamada a dar parecer sobre a questão, tendo-se pronunciado no mesmo sentido, cfr. Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.° E-21/1997 de 02-06-1999.
Submetida a questão ao Tribunal Constitucional, veio este tomar posição no sentido de que "a opção legislativa decorrente da interpretação normativa em causa, que exige que o arguido, mesmo que advogado, seja defendido por um advogado que não ele, não se vê que seja contraditada pela Constituição".[11]
Neste alinhamento, só nos resta concluir, portanto, que no processo penal, o arguido que é advogado não se pode auto-representar na prática de atos que a lei reserva ao defensor, como o é o caso do exercício do direito ao recurso.
Como vimos, é esta a solução legal decorrente, expressamente, do artigo 64.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, encontra-se conforme à Constituição da República Portuguesa [artigo 32.º, n.º 3] e não afronta as disposições constantes de instrumentos internacionais sobre a matéria, designadamente, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.[12]..
Cfr. também, entre muitos outros, os Acórdãos de 18/12/2017, deste Tribunal da Relação de Guimarães, no Processo 143/15.6T9PTL-B.G1 e de 12/10/2011 do Tribunal da relação do Porto, no Processo n.º 1997/08.8TAVCD-A.P1.
Assim, não obstante o exercício, pelo mesmo, da profissão de advogado, o arguido não pode exercer a defesa em causa própria, no caso, interpor o recurso em apreciação, não se mostrando, consequentemente, devida e legalmente representado para este acto processual.
***
Daí que, o nosso parecer é no sentido de, ao abrigo dos art.ºs 414.º n.º 2 e 420, n.º 1, al. b) do C. P. Penal, se rejeitar o recurso por falta de representação do recorrente»
*
Apesar de ter sido dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do Art.° 417° do C.P.Penal, não houve resposta ao parecer.
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Exarado o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.° 419° do C.P.Penal.
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Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II Fundamentação

Incidências processuais com interesse para decisão:

- No âmbito do processo com o nº 3645/19...., de incidente de recusa da Mm.ª Juiz CC (então titular do processo), veio a ser proferido acórdão neste Tribunal da Relação de Guimarães, com o seguinte – Ref: ...42:
«III - Dispositivo
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao pedido de recusa.
Ao abrigo do disposto no artigo 45º, nº7, do CP.P., condena-se o requerente no pagamento da importância correspondente a 12 UC.»

- Com data de 11/01/2023, o recorrente apresentou requerimento nos autos com o nº 3645/19...., de que este incidente é apenso com o seguinte teor:
«1) Por ofício do Tribunal a quo datado de 15 de Dezembro transacto (Doc. ...), fui notificado para o pagamento de uma multa,
2) referenciada numa conta dali enviada em 11 de Novembro (Doc. ...) como decorrente de «Acórdão Tribunal Relação ref.ª ...42 d 10-10-2022, art. 45º, nº 7 CP»;
3) Sucede, porém, que eu não fui notificado de qualquer decisão do Tribunal da Relação ad quem, pelo que não pude exercer, de modo algum, o direito de defesa quanto esse putativo acórdão,
4) acrescendo que a «soma» prevista no n.º 7 do artigo 45.º do CPP estaria sempre a coberto do apoio judiciário que me foi oportunamente concedido para este processo.
Termos por que, de harmonia com a lei, REQUEIRO:
— me seja notificado o aresto em referência,
com suspensão, entretanto, do prazo comunicado.
E. D.
..., data supra
O Recorrente,
advogando, em causa própria,
AA
- - -
Dr. AA»

- Após ter sido ordenado, por despacho de 03/02/2023 – Ref: ...18, foi o acórdão em questão notificado ao recorrente AA, em 07/02/2023, com envio de cópia do mesmo – Ref: ...11.

- Desse aresto veio então o recorrente apresentar reclamação -Ref: ...33, com data de 16/02/2023, no qual solicitava:
 «REQUER:
— Se digne o Tribunal revogar, ou, pelo menos, reduzir ao valor mínimo a condenação em custas antedecidida.»
- Na sequência dessa reclamação foi proferido acórdão, datado de 06/03/2023, com a Ref: ...93, onde se decidiu pela improcedência da mesma.

- Este acórdão foi notificado à defensora oficiosa do ora recorrente, Dr.ª BB, em 07/03/2023, com envio de cópia do mesmo – Ref: ...45.

- Devolvido o processo à 1ª instância, após emissão da respetiva guia, foram a defensora oficiosa do recorrente – Ref: ...31, e este último – Ref: ...54, notificados para «Assunto: Pagamento de multa – art.º 28.º do Regulamento das Custas Processuais», sendo essa notificação acompanhada daquela guia.

- No dia 02/06/2023, apresentou o ora recorrente documento, que denominou de “Reclamação” – Ref: ...29, em que se insurgia contra a emissão dessas guias para pagamento, e pugnava pela consideração da verba em que havia sido condenado, ao abrigo do disposto no art. 45º, do CPP, no conceito de custas processuais, pelo que estaria isento desse pagamento, por beneficiar de apoio judiciário que o isentava de tal.

- Após diligências no sentido de apurar junto da Segurança Social qual a situação do recorrente/arguido no âmbito do processo principal, veio a ser proferido o despacho de 22/09/2023, com a Ref: ...00, em que se decidiu:
«Por requerimento de 2 de Junho de 2023, veio AA apresentar reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 157.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal), relativamente à notificação que lhe foi efectuada para proceder ao pagamento do montante de € 1.224,00, pelo qual foi condenado por acórdão de 10/10/2022 do Tribunal da Relação de Guimarães.
Entende tratar-se de uma “soma” abrangida pelo benefício de apoio judiciário.
Pronunciou-se o Ministério Público, conforme promoção de 7 de Junho de 2023, no sentido do indeferimento da reclamação, e condenação em custas do requerente, em razão do artigo 45.º, n.º 7 do Código de Processo Penal não prever uma condenação em custas nem em multa processual, mas sim uma penalidade devida pela utilização infundada do sistema judiciário, de todo o modo não abrangida por eventual protecção jurídica de que beneficiasse o arguido.
Compulsados os autos e apensos, apenas consta o ofício de 09/06/2020 junto aos autos principais, com decisão final de indeferimento quanto ao requerimento de protecção jurídica, reiterada agora pelo ofício de 05/09/2023.
Deste modo, ainda que se entendesse no sentido pretendido pelo reclamante – o que não sucede – tal não o desobrigaria de proceder ao pagamento da quantia em apreço, porquanto nos presentes autos não lhe foi concedido benefício de apoio judiciário, em qualquer das suas modalidades.
Ainda assim, sempre se esclarece que se entende que a quantia prevista no artigo 45.º, n.º 7 do Código de Processo Penal assume a natureza de penalidade, não abrangida pelo benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e encargos.
Com efeito, dispõe o citado dispositivo que “se o tribunal recusar o requerimento do arguido, do assistente ou das partes civis por manifestamente infundado, condena o requerente ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC”, redacção de que decorre que o legislador pretendeu afastar esta condenação quer do conceito de custas, quer do conceito de multa.
Penalidades a que se reporta o artigo 3.º do Regulamento das Custas Processuais, que as distingue expressamente das custas e aproxima do regime das multas (“1. As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte./2. As multas e outras penalidades são sempre fixadas de forma autónoma e seguem o regime do presente Regulamento.”).
No sentido de que se tratam de condenações distintas e com regime diverso, vejam-se, a título de exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 29/06/2023, proferido no processo n.º 1571/23.9YRLSB-9, onde se sumariou que “A utilização manifestamente infundada do incidente de recusa constitui um grave obstáculo ao normal decurso da realização da justiça, pelo que deve ser sancionado nos termos do nº 7 do artigo 45º do Código de Processo Penal”, e cujo dispositivo termina com condenação “Nos termos do artigo 45.º, n.º 7, do Código de Processo Penal, […], no pagamento de 7 UCs, a título de sanção processual, bem como em custas “fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida”, o mesmo sucedendo nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2022, proferido no processo n.º 101/12.2TAVRM-F.G1-A.S1, de 26/07/2022, proferido no processo n.º 16017/21.9T8LSB-B.L1-A.S1-A-A, de 09-05-2023, proferido no processo n.º 738/20.6T9TVD.L1-A.S1-AA, e da Relação do Porto de 22 de Fevereiro de 2017, proferido no processo 881/16.6JAPRT-Q.P1 (todos com condenação em custas do requerente que decaiu, com taxas de justiça fixadas entre 1 e 3 UCs, acrescidas de condenação nos termos do artigo 45.º, n.º 7 do Código de Processo Penal, em somas fixadas entre 6 e 10 UCs). Este entendimento em nada sai beliscado pelo facto de alguns incidentes de recusa não terem, eventualmente, sido taxados em custas pelos Tribunais Superiores.
Razão pela qual se indefere a reclamação.
Sem custas, atenta a simplicidade.»

- Esta posição veio a ser reiterada, não obstante a retificação aí efetuada no que concerne à situação de benefício de apoio judiciário com isenção do pagamento de custas do recorrente, no âmbito do despacho de 15/01/2024 – Ref: ...00, que foi impugnado por esta via recursiva.
*
Decidindo

Vejamos então:
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as únicas questões a apreciar são de direito e prendem-se com:
- Poderia o arguido, na sua qualidade de advogado, atuar neste processo, designadamente na interposição de recurso, em causa própria?
- Deverá ao apoio judiciário concedido ao recorrente isentá-lo do pagamento da verba em que foi condenado;
- a notificação do acórdão que o condenou ao pagamento da verba correspondente às 12 Ucs em falta, deveria ter sido feita ao próprio arguido, uma vez que não bastava ter-se procedido a tal na pessoa da defensora oficiosa nomeada?
Apreciemos, pois, as mesmas, de forma conjugada:
«Ora, desde logo, torna-se forçoso salientar que a efetiva proteção dos direitos do homem exige, para além da sua consagração substantiva, garantias fundamentais de processo que permitam não só salvaguardá-los, como também implementá-los.
O conjunto dessas garantias está condensado na noção de processo equitativo, entendido este como processo conformado "de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva" (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, Pág. 415), e que foi erigido em paradigma das sociedades democráticas.
Podendo mesmo afirmar-se que o princípio do processo equitativo foi plasmado, através da definição dos elementos que o integram, em instrumentos de proteção de direitos fundamentais destinados a explicitar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente nos Art.ºs 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 14° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, tendo também sido acolhido no n.° 4 do Art.º 20° da C.R.P. como parte integrante do direito mais abrangente de acesso aos tribunais.
Uma das concretizações deste princípio consiste na enunciação do núcleo mínimo de direitos que devem ser reconhecidos ao acusado, entre eles o de se defender a si próprio ou de ter a assistência de um defensor da sua escolha (cfr. alínea c) do n.º 3 do Art.º 6° e alínea d) do n.° 3 do Art.º 14°, respetivamente da Convenção e do Pacto supra mencionados).
Na C.R.P., verifica-se ser no respetivo Art.º 32° que, efetivamente, se condensam "os mais importantes princípios materiais do processo criminal - a constituição processual criminal" (cfr. Autores e Obra supra citados, Volume I, 4ª Edição Revista, Pág. 515).
E, nesse normativo, começa-se por afirmar, no respetivo n.° 1, a cláusula geral de que "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso", vindo, de seguida, explicitadas as principais garantias de defesa que o processo criminal assegura, consistindo uma delas precisamente o direito do arguido a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo (cfr. n.° 3).
Direito este que se justifica "com base na ideia de que o arguido não é objecto de um acto estadual mas sujeito do processo, com direito a organizar a sua própria defesa" (cfr. Autores e Obra supra citados, Volume I, 4ª Edição Revista, Pág. 519).
Inexistem dúvidas de que os tribunais são os primeiros garantes da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (cfr. Art.º 202º da C.R.P.).
Contudo, a nossa lei fundamental reconhece, de igual modo, o papel fundamental dos advogados na administração da justiça e, em particular, na defesa daqueles direitos, dedicando uma norma, no título consagrado aos Tribunais, ao patrocínio forense, na qual consagra, como princípio geral, que "a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça" (cfr. Art.º 208°).
Em consonância com este preceito, contém o Estatuto da Ordem dos Advogados (actualmente, consagrado na Lei n.° 15/2005 de 26 de Janeiro, que revogou o Decreto-Lei n.° 84/84 de 16 de Março, com as alterações subsequentes), nos seus Títulos II e III, diversas normas que regulam o exercício da advocacia, entre as quais avultam, para o que ora releva, os Art.ºs 61º, n.ºs 1 e 3, 62º, n.º 2, 64º, 76º, n.º 1, 78º, n.º 1, 84º, 85º, n.º 1, 92º, n.º 2 e 94º, n.º 1.
Mais se constata que, concretizando a garantia consagrada no n.° 3 do Art.º 32º da C.R.P., a nossa lei adjetiva enumera, entre os direitos de que o arguido goza, "em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei", o de "constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor" (cfr. Art.º 61º, n.º 1, alínea e) do C.P.Penal, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, sendo que na formulação da anterior alínea d) este direito se traduzia em "escolher defensor ou solicitar ao tribunal que lhe nomeie um").
Outrossim, no n.° 1 do Art.º 62º do C.PPenal, explicita-se que o arguido "pode constituir advogado em qualquer altura do processo", enquanto que no n.° 1 do subsequente Art.º 64° vêm definidos os casos em que é obrigatória a assistência de defensor, admitindo-se, ainda, a nomeação de defensor fora desses casos no circunstancialismo definido no n.° 2 do mesmo preceito, sendo de todo o modo obrigatória essa nomeação, nos termos do n.° 3, na eventualidade de ainda não ter sido feita e de o arguido ainda não ter advogado constituído, quando contra ele haja sido deduzida acusação, devendo a identificação do defensor constar do despacho de encerramento do inquérito.
Perante este quadro legal, mantém-se válido o entendimento de que todo e qualquer arguido, ainda que tenha a qualidade de advogado, tem de ser assistido por defensor nos casos em que tal assistência é obrigatória.
Nesta conformidade, o direito que, em geral, se reconhece ao advogado de litigar em causa própria, sofre restrições na jurisdição penal.
Este entendimento, sendo pacífico na jurisprudência e na doutrina, já era seguido nos tempos da vigência do C.P.Penal de 1929, quando Luís Osório, a propósito do Art.º 22° desse diploma, defendia que "ainda quando o réu for um advogado deve o juiz nomear-lhe um defensor oficioso (...). A intervenção do defensor é uma garantia de ordem pública e não diminui, em coisa alguma, os direitos do réu e antes torna mais eficaz a sua defesa; pois (...) é sempre difícil e muitas vezes perigoso o patrocínio de si mesmo" (cfr. Comentário ao Código de Processo Penal Português, 1º Vol., Págs. 281 e segs.).
E justifica-se porque a própria carga emocional que a qualidade de arguido envolve nem sempre permite, mesmo a quem disponha de refinados conhecimentos jurídicos, conservar a lucidez necessária para fazer as melhores opções em termos de estratégia de defesa.
De facto, "as faculdades do arguido encontram-se diminuídas pelo peso da acusação, que presumivelmente lhe obnubila a clareza do raciocínio; e tem que haver-se com o aparato dos órgãos de justiça, impregnado de fórmulas técnicas e provido de conhecimentos jurídicos que ele, na maioria dos casos, não possui. (...) a existência de um órgão de defesa, de defensor, é obrigatória naqueles casos em que é de presumir a insuficiência do arguido para conduzir convenientemente a própria defesa, ou em determinados actos processuais particularmente graves para o arguido. Não importa, aliás, que o arguido tenha ele próprio conhecimentos jurídicos; nos casos de obrigatoriedade do defensor, este é igualmente necessário nessa hipótese, porque a defesa não é estabelecida apenas em favor do arguido, mas também para garantir o bom funcionamento da justiça, e é sempre de presumir uma perturbação de espírito do arguido, que possa afectar a segurança da defesa" (cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. I, Edição de 1955, Págs. 156 e seg.).
Além disso, são várias as regras processuais dos estatutos do defensor e do arguido que tornam incompatível o exercício do auto-patrocínio.
Sendo inequívoco que "num processo de estrutura acusatória, os poderes que por lei são atribuídos ao defensor não são em muitas situações conciliáveis com a sua posição de arguido, v.g, os Art.ºs 141°, n.° 6, 326° e sobretudo o Art.º 352°" (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 2ª Edição, Pág. 316).
Na jurisprudência dos nossos tribunais superiores encontram-se vários acórdãos, todos eles concluindo da mesma forma, maxime a de que a regra que permite aos advogados litigarem em causa própria é inaplicável aos casos em que o advogado é, ele próprio, arguido em processo penal (cfr., entre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 26-11-2003, C. J. - Acórdãos do S.T.J., Ano XI - 2003, Tomo III, Pág. 241, da Relação do Porto de 29-05-1991, proc. n.° 55/91 (citado por Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 13ª Edição - 2002, Pág. 210); de 12-06-1991, proc. n.º 0409757; de 12-02-1992, proc. n.º 9150844; de 10-02-1993, C. J., Ano XVIII - 1993, Tomo I, Pág. 249; de 05-06-2002, proc. n.° 0240116; de 07-06-2006, proc. n.º 0640507; de 13-06-2007, proc. n.º 910/06.1TBCTR.C1; da Relação de Lisboa de 13-12-1989, C. J., Ano XIV - 1989, Tomo V, Pág. 157; de 17-06-1997, C. J., Ano XXII - 1997, Tomo III, Pág. 158; de 28-09-2004, C. J., Ano XXIX - 2004, Tomo IV, Pág. 141; de 14-03-2007, proc. n.º 1270/2007-3; da Relação de Coimbra de 25-01-1995, C. J., Ano XX - 1995, Tomo I, Pág. 56 e da Relação de Guimarães de 03-05-2004, proc. n.º 390/04-2).
Por sua vez, a própria Ordem dos Advogados foi chamada a dar parecer sobre a questão, tendo-se pronunciado no mesmo sentido (cfr. Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.° E-21/1997 de 02-06-1999).
Ainda para mais, submetida a questão ao Tribunal Constitucional, pronunciou-se este no sentido de que "a opção legislativa decorrente da interpretação normativa em causa, que exige que o arguido, mesmo que advogado, seja defendido por um advogado que não ele, não se vê que seja contraditada pela Constituição" (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 578/01 de 18-12-2001, in D.R., II Série, de 28-02-2002).
Efectivamente, o direito de auto-patrocínio a que se alude na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, "não é, porém, um direito absoluto, podendo os Estados, pela via legislativa ou por decisão judicial, impor a obrigação de a defesa ser assegurada por um advogado" (cfr. Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3ª Edição, Pág. 169).
E, assim, o entendimento que afasta o auto-patrocínio do advogado/arguido não é violador das normas constantes dos Art.ºs 8º, n.ºs 1 e 2 e 16º, n.° 2 da C.R.P., dado que não comporta uma interpretação contrária à dimensão normativa do direito de o acusado se defender a si próprio consagrado nos instrumentos de protecção de direitos fundamentais destinados a explicitar a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Aliás, tal como salienta o predito Acórdão do Tribunal Constitucional, na aludida Declaração não se surpreende qualquer disposição que, directa ou indirectamente, próxima ou remotamente, tenha a ver com a questão da «auto-defesa».
De resto, a interpretação normativa em causa não restringe nenhum direito de defesa do arguido, antes os amplia, na medida em que introduz um fator acrescido de proteção do arguido, fazendo com que beneficie de um apoio técnico que complementa os seus próprios conhecimentos, com o benefício de provir de alguém que tem o distanciamento suficiente para avaliar os riscos com serenidade e evitar que o próprio, com as emoções penhoradas numa questão que tão profundamente o afeta (emoções essas que também o podem levar a convencer-se de que se pode bastar a si próprio na sua defesa), se deixe trair por elas.
Por outro lado, o facto de beneficiar de (mais um) apoio técnico-jurídico não significa que não possa oferecer a sua avaliação jurídica própria e de, juntamente com o colega investido nas funções de seu defensor, contribuir para delinear a estratégia de defesa a prosseguir.
Daí que se possa afirmar que, se na não admissão do auto-patrocínio há uma efectiva compressão do direito consagrado no Art.º 32°, n.º 3 da C.R.P., ela será sempre pela positiva e no sentido do reforço dos direitos de defesa do arguido (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 12-03-2008, relatado pela Exm.ª Desembargadora Maria Leonor Esteves, in www.dgsi.pt).» (Cfr. Ac. da RLx., de 15/06/2010, consultável no mesmo sítio, e que acompanhamos de muito perto)

Reportando-nos ao caso concreto.
Estamos perante um recurso apenso a um incidente de recusa de juiz, requerido pelo ora recorrente AA.
Este processo de recurso, tal como o incidente de recusa referido, constituem apensos do processo principal nº 3465/19...., em que este recorrente assume a posição processual de arguido.
No âmbito desse incidente de recusa nº 3465/19...., por acórdão deste TRG, de 10 de outubro de 2022, foi esse arguido condenado a pagar uma quantia correspondente a 12 Ucs, liquidada no montante de € 1.224,00.
Após várias incidências de ordem processual, sempre com o intuito de ver abrangida, pelo apoio judiciário, a quantia a pagar no montante de € 1.224,00, liquidada na sequência do douto Acórdão desta Relação, veio a ser proferido o despacho de 15 de Janeiro de 2024 que, apreciando o seu requerimento/reclamação de 2 de Junho de 2023, indeferiu essa sua pretensão.
Inconformado com o teor dessa decisão, vem interpor o presente recurso.
Como resulta dos autos, o recorrente é advogado de profissão, e, atuando nessa qualidade, subscreve pessoalmente o presente recurso, pretendendo exercer a sua própria defesa, dispensando os serviços da defensora oficiosa que está nomeada, a Dr.ª BB.
Ou seja, e como já refere o Ministério Público na resposta ao recurso e no parecer emitido nesta instância, a peça recursiva foi subscrita pelo próprio arguido, advogado, assumindo a sua própria representação e não pela ilustre defensora oficiosa que o representa nos autos. Sendo certo que esta foi notificada do despacho recorrido, em 16 de Janeiro de 2024, e a ele não reagiu, bem como que a assistência jurídica e representação nos autos por parte daquela é do perfeito conhecimento do recorrente.
Ora, decorrendo expressamente, dos artigos 32.º 3 da CRP e 64.º, n.º 1, alínea e), do CPP, que, para a interposição de recursos penais ( ordinários ou extraordinários), é obrigatória a assistência de defensor, como se deixou explanado no acórdão supra transcrito, cujo entendimento se subscreve na integra, o recorrente está legalmente impedido de assumir a sua própria representação para pugnar neste recurso.
Vamos aqui reproduzir o que exarado ficou, e que sufragamos, no Acórdão deste Tribunal da Relação, de 17 de Outubro de 2023, proferido nos autos principais relativamente ao recurso da sentença e onde se sumariou:
«I. No processo penal, o arguido que é advogado não se pode auto-representar na prática de atos que a lei reserva ao defensor, como o é o caso do exercício do direito ao recurso.
II. O arguido tem direito de recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis, mas tal direito de recurso, seja ele ordinário ou extraordinário, só poderá ser exercido com a assistência do defensor, cuja obrigatoriedade decorre de forma inequívoca e expressa do artigo 64.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal.
III. Qualquer arguido, ainda que tenha a qualidade de advogado, tem de ser assistido por defensor nos casos em que tal assistência é obrigatória, sofrendo, portanto, restrições na jurisdição penal o direito que, em geral, se reconhece ao advogado de litigar em causa própria, restrição essa que, necessariamente, o impede de renunciar ao direito de ser assistido por outro advogado, por a tal se opor o artigo 32.º, n.º 3 da nossa Constituição da República Portuguesa.»
As normas legais aplicáveis e a corrente jurisprudencial relativa a esta matéria aponta, pois, no sentido inverso ao pretendido pelo recorrente
Estabelece o citado artigo 64.º, sob a epigrafe “Obrigatoriedade de assistência”, no seu nº 1 al. e): 1 - É obrigatória a assistência do defensor:
a);
b);
c);
d);
e) Nos recursos ordinários ou extraordinários;
Neste sentido (de que o arguido não pode representar-se a si próprio enquanto Advogado, para além da abundante jurisprudência acima referida, veja-se:
- O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-04-2012, in www.dgsi.pt/jstj, onde se pode ler: “Em termos de lei penal adjectiva, contrariamente ao que vigora para a obrigatoriedade de assistência do arguido por defensor (art. 64.° do CPP), não existe norma excludente da auto representação do assistente, sendo advogado, pois que apenas existe a obrigação de o assistente estar representado por advogado. Efectivamente, se a assistência de defensor ao arguido no processo radica nas garantias do processo penal, decorrentes do disposto no ad. 32.° da CRP, resultando óbvias limitações à actuação do defensor caso se permitisse a auto representação do arguido, tais limitações já não ocorrem se o sujeito processual for assistente, uma vez que a posição deste, apesar da sua relativa autonomia, é apenas a de colaborador do MP, a quem se encontra subordinado, nos termos do art. 69.°, nº 1, do CPP.”;
- O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-10-2011, onde se pode ler: “No processo penal, o arguido que é advogado não se pode auto-representar na prática de actos que a lei reserva ao defensor [art. 64.°, nº 1, do CPP]. Esta solução legal é conforme à CRP e não afronta as disposições constantes de instrumentos internacionais sobre a matéria, designadamente, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos”;
- E ainda do Tribunal Constitucional, o Acórdão proferido no âmbito do processo nº 58/2001, em que foi Relator Bravo Serra e onde se pode ler: “Significará isto que os direitos fundamentais consistentes no asseguramento da totalidade das garantias de defesa em processo penal e na liberdade de escolha de defensor por parte do arguido impõem que este (naquele tipo de processo), ao menos sendo advogado, se o desejar, possa defender-se a si mesmo? A esta questão responde o Tribunal negativamente. Efectivamente, a tese do recorrente só seria de aceitar se se partisse de uma posição de harmonia com a qual sendo o arguido um advogado (regularmente inscrito na respectiva Ordem), a sua «auto-representação» no processo criminal contra si instaurado representasse, de modo objectivo, um melhor meio de se alcançar a sua defesa e se a lei processual penal não reconhecesse ao arguido um conjunto de direitos processuais estatuídos, verbi gratia, no art° 67° no 7 e 63°, n° 2, quanto a este último avultando o de poder pelo mesmo arguido, ser retirada eficácia a actos processuais praticados pelo seu defensor em seu nome, se assim o declarar antes da decisão a tomar sobre tal acto. E é justamente dessa posição que se não pode partir. Não se nega que, na óptica (naturalmente subjectiva) do recorrente, este possa entender que a sua defesa em processo criminal seria melhor conseguida se fosse prosseguida pelo próprio na qualidade de «advogado de si mesmo», do que se fosse confiada a um outro advogado. Só que, como este Tribunal já teve oportunidade de salientar (cfr. citado Acórdão n° 252/97) “’há respeitáveis interesses do próprio interessado, a apontar para a intervenção do advogado, mormente no processo penal», sendo certo que, «mesmo no caso de licenciados em Direito, com reconhecida categoria técnico-jurídica, a sua representação em tribunal através de advogado, em vez da auto-representação, tem a inegável vantagem de permitir que a defesa dos seus interesses seja feita de modo desapaixonada», ou, como se disse no Acórdão nº 497/89 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14° volume, 227 a 247), ‘mesmo relativamente aos licenciados em Direito (enquanto parte) se pode afirmar com Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, p.85), que «às partes faltaria a serenidade desinteressada (fundamento psicológico [...] que se fazem mister à boa condução do pleito». A opção legislativa decorrente da interpretação normativa em causa, que exige que o arguido, mesmo que advogado, seja defendido por um advogado que não ele, não se vê que seja contraditada pela Constituição. O agir desapaixonado torna-se, desta arte e de modo objectivo, uma garantia mais acrescida no processo criminal o que só poderá redundar numa mais valia para as garantias que devem ser prosseguidas pelo mesmo processo, sendo certo que, como se viu acima, ao se não poder silenciar a corte de outros direitos consagrados ao arguido pela lei adjectiva criminal isso redunda na conclusão de que se não descortina uma diminuição constitucionalmente censurável das garantias que o processo criminal deve assegurar. De outro lado, como resulta da transcrição do acima citado comentador da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o preceituado na alínea c) do n°3 do art.º 6° não impede os Estados aderentes de imporem, por via legislativa, a obrigação da representação dos arguidos por intermédio de advogado. Sequentemente, não se vislumbra que a interpretação normativa em causa seja colidente com qualquer preceito ou princípio constante da lei Fundamental.”
Face a tudo o exposto, afigura-se-nos evidente que o recurso interposto pelo arguido/recorrente, não poderá ser admitido, com fundamento na inadmissibilidade legal, por falta de representação do recorrente. Sendo certo que, nos termos do disposto no art. 414º, nº 3 do CPP, a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior.
Ficando, assim, prejudicada a apreciação das demais questões colocada nesse recurso.
*
III DISPOSITIVO

Pelo que, pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação Criminal de Guimarães em:
- Não admitir o recurso interposto pelo recorrente AA, mantendo-se na integra o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC´s (arts. 515.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa a este último diploma).
*
(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do C. P. P.)
*
Guimarães, 5 de junho de 2024

Relator- Júlio Pinto
1ª Adjunta – Isilda Pinho
2º Adjunta- Anabela Varizo Martins