CASO JULGADO MATERIAL
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
CONTRATO DE MÚTUO COM FIANÇA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CONDENAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Sumário


I- Face à redação do art.º 607º nº3 do CPC, mantém-se a necessidade de serem inseridos na fundamentação da sentença os factos provados por acordo das partes, por confissão extrajudicial ou judicial reduzida a escrito, ou por prova documental dotada de força plena, devendo o julgador fazer recair sobre os mesmos factos a análise crítica da prova, ainda que seja apenas para enunciar a sua força probatória plena.
II- O caso julgado material consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais, quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal, quer a título prejudicial.
III- A autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objeto se insere no objeto da segunda, obsta a que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionada no artigo 581º do Código de Processo Civil.
IV- Reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
V- Vale isto por dizer que o contrato de mútuo com fiança celebrado pelos AA, e o reconhecimento da sua validade incluem-se nos limites objetivos do caso julgado, sendo irrelevante que na decisão proferida, ou seja, na parte final decisória, se não tenha dito expressamente que aquele contrato é válido, quando, afinal, essa validade está lá bem impressa, de forma implícita, no conjunto de pressupostos fundadores da decisão.
VI- Pode afirmar-se, em termos gerais, que a má fé se traduz na violação dos deveres de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade, e não requerer diligências meramente dilatórias.
VII- Litigam os AA com Má-fé, pois deduzem pretensão contra o Réu cuja falta de fundamento não deviam ignorar, uma vez que intentaram contra o mesmo ação anterior, julgada improcedente, com trânsito em julgado, com os mesmos fundamentos e com o mesmo pedido. Além disso, alteram conscientemente a verdade dos factos, com o fim de obterem a procedência da ação, bem sabendo da falta de razão que lhes assiste.

Texto Integral


Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Margarida Alexandra Gomes
2ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira

*
AA e mulher BB, melhor identificados nos autos, intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra Banco 1... SA, CC e DD, também todos melhor identificados nos autos, pedindo que:

1 - Seja declarado nulo o contrato de mútuo com fiança identificado no artigo 8º da petição inicial, contante do documento nº ..., e apresentado em forma digitalizada ao Processo nº 670/18...., do Juízo de Competência Genérica de ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por ser falso, por falsificação do valor do contrato e das rúbricas apostas na primeira folha do contrato, por não terem sido manuscritas pelos autores e por violação ao Regime Geral das Cláusulas Contratuais, Decreto-Lei nº446/85 de 25 de Outubro, com a redacção dada pelo Decreto-lei nº 220/95 de 31 de Agosto e do Decreto-Lei nº 249/99 de 7 de Julho.
2 - Em consequência da declaração da nulidade, deve ser a Ré condenada a restituir aos Autores as seguintes quantias: a) A quantia de 52.924,53 €, acrescida de juros legais desde a data de liquidação, em 30-05-2012, até integral pagamento; b) A quantia de 46.721,65 €, acrescida de juros legais desde a data de liquidação, em 03-01-2018, até integral pagamento; e
3 – Condenar-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de 50.000,00 € a título de danos não patrimoniais.
*
Alegaram para tanto, que foram fiadores, a pedido do 3º Réu, num contrato de mútuo, celebrado entre a sociedade “EMP01... – Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª” (da qual o 3º réu era sócio gerente), e a 1ª ré, Banco 1..., datado de 29 de Maio de 2009, no valor de 30.000,00 €, conforme documento que lhes foi apresentado pelo 2º Réu, designado “CONTRATO DE MÚTUO COM FIANÇA”, dactilografado em quatro folhas, com a identificação dos outorgantes e respetivas cláusulas, apresentando o mesmo, no que tocava ao montante a emprestar, a importância escrita de 30.000,00 € na primeira folha do contrato.
Os autores, conforme lhes fora indicado pelo 2º réu, fizeram as suas assinaturas na última folha do contrato (quarta), e rubricaram a primeira, segunda e terceira folha, sem que aquele Réu, gerente da 1ª ré, lhes entregasse cópia do contrato.
Sucede que, passados alguns meses após a prestação da fiança, o autor foi interpelado pelo gerente da 1ª ré, Banco 1..., de que tinha um débito para liquidar, no valor de 72.000,00 €, mais juros, por ter sido fiador da firma EMP01..., Ldª, num empréstimo contraído em 29 de Maio de 2009, e que este não estava a ser cumprido.
Vieram então os autores a apurar que o contrato de mútuo, cujo incumprimento a 1ª ré invocava, tinha o valor de 72.000,00 € e não de 30.000,00 €, como estavam convencidos que tinham assinado e rubricado.
Ou seja, vieram os AA a apurar que o referido contrato é falso, pois que não são da sua autoria as rúbricas constantes da 1ª folha do contrato, e que ao contrato original e efetivamente por si assinado e rubricado em ../../2009, foi retirada a primeira folha, onde constava o montante de 30.000,00 € e a rubrica dos autores, e foi colocada uma nova folha onde passou a constar o montante de 72.000,00€, e falsamente apostas rúbricas imputáveis aos autores, mas que não são da sua autoria.
Tal constatação só foi possível apurar em consequência da apresentação do documento – CONTRATO DE MÚTUO COM FIANÇA - por parte da 1ª Ré no Processo Especial de Apresentação de Documento, que correu termos sob o nº 670/18...., no Juiz ..., do Juízo de Competência Genérica de ....
A falsificação do montante do contrato, designadamente com a substituição da primeira folha do documento, foi efetuada pelo 2º réu, gerente da Banco 1..., CC, em conluio com o 3º réu, DD, de forma a se aproveitarem do dinheiro dos autores, sabendo ambos que a devedora principal nunca iria cumprir o contrato.
O contrato referido é nulo, por ser falso.
Acresce que os Autores apenas tiveram conhecimento do contrato e da cláusula da fiança, no próprio dia e hora da celebração do mesmo, sem terem sido informados das implicações que o mesmo acarretaria para eles.
Ora, a falta de cumprimento do dever de comunicação e de informação do alcance ou sentido daquelas expressões inseridas no contrato por parte da 1ª Ré, com prévia antecedência relativamente à data de celebração do contrato, e o facto de no mesmo constarem termos e institutos jurídicos desconhecidos do comum dos cidadãos, levará necessariamente a que a fiança seja excluída do contrato celebrado, por nula tal cláusula.
*
A ré Banco 1... contestou, alegando, em síntese, a verificação da exceção dilatória de caso julgado, porquanto os AA já instauraram anteriormente contra si a ação declarativa com processo comum nº 724/14...., que correu termos pelo Juízo Central Cível de Braga - J..., na qual alegaram sensivelmente os mesmos factos, e peticionaram a nulidade da fiança, cuja sentença, que transitou em julgado, foi de total improcedência, com a sua absolvição do pedido.
Impugna ainda os demais factos alegados.
*
O réu DD também contestou, alegando também em síntese a verificação de caso julgado, formado pela decisão proferida no processo comum nº 724/14.....
Para além do processo mencionado, diz que foi pelos AA intentado contra si um outro processo, uma ação de regresso, na qual os autores pediram a condenação do réu (e outros co-fiadores), no reembolso das quantias que pagaram por conta da fiança, sem questionarem a nulidade da fiança de 72 mil euros.
Por outro lado, os autores, mais tarde, invocando também a fiança pelo valor de 72 mil euros, intentaram contra si uma outra ação - de impugnação pauliana.
Impugnam também os demais factos alegados, e pedem que os autores sejam condenados como litigantes de má fé, em multa condigna a favor do Estado e indemnização a seu favor, em montante nunca inferior a € 10.000,00.
*
O réu EE foi citado editalmente. Citado o Ministério Público, não apresentou contestação.
*
Os autores responderam à exceção invocada, alegando, em síntese, que não se verifica a exceção de caso julgado porquanto a causa de pedir invocada nesta ação é diferente da invocada na outra ação mencionada pelos contestantes.
Notificados para se pronunciarem sobre a sua eventual condenação como litigantes de má fé, vieram desistir do pedido formulado quanto ao réu DD.
*
Foi homologada a desistência do pedido contra o Réu DD.
*
Tramitados regularmente os autos foi então proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido: a) Absolver os réus do pedido; b) Absolver os autores do pedido de condenação como litigantes de má fé; c) Condenar os autores nas custas do processo…”.
*
Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o Réu DD interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“A- Veio o presente recurso interposto pelo facto do recorrente não se conformar com a douta sentença que absolveu os recorridos do pedido de condenação como litigantes de má fé.
B- Para além dos factos provados e não provados constantes da douta sentença recorrida, deveriam ainda constar outros factos provados respeitantes aos processos 372/14.... e 4199/14.... aos quais o recorrente fez referência na sua contestação e cuja existência devidamente comprovou por documento.
C- Assim deve ficar a constar dos factos provados, os factos que em sede de motivação se transcreveu como factos provados A), B), C), D) e E), e que por uma questão de economia de meios aqui se dão por integralmente reproduzidos.
D- O Tribunal a quo entendeu não existir litigância de má fé por parte dos recorridos porque deu relevância ao facto dos recorridos terem desistido dos pedidos formulados contra o recorrente.
E- Ora, o certo que essa desistência foi forçada e não partiu da iniciativa espontânea dos recorridos, na medida em que inicialmente estes só desistiram da instância, dando abertura a uma possível ação futura contra o recorrente com base no contrato aqui em discussão.
F- E foi só porque o recorrente não aceitou a desistência da instância que os recorridos vieram a desistir dos pedidos.
G- Para além disso, o certo é que a desistência da instância foi formulada na sequência do douto despacho de fls. que convidou os recorridos a fazê-lo, sob pena de condenação como litigantes de má fé.
H- Se o Tribunal a quo não tivesse alertado os recorridos para a possível condenação como litigantes de má fé, eles não teriam desistido.
I- Dir-se-á ainda que os recorridos só desistiram contra o recorrente e não contra os demais réus.
J- Para além disso, é jurisprudência pacifica e maioritária dos Tribunais superiores de que a desistência do pedido não prejudica a apreciação da litigância de má fé.
K- E nem se diga que inexiste litigância de má fé por no caso concreto se verificar a exceção da autoridade do caso julgado e não a exceção do caso julgado.
L- Pois que é sabido que as partes devem litigar com a devida correcção, ou seja, no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos artigos 7º e 8º do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do direito e da justiça no caso concreto.
M- No caso concreto, a litigância de má fé não se verifica pelo simples facto dos recorridos terem intentado esta ação (onde se verifica que não há caso julgado mas sim autoridade do caso julgado), mas outrossim no que foi alegado pelos recorridos em contradição com a autoridade do caso julgado.
N- Veja-se que no processo 724/14, os recorridos alegam que o contrato de  mútuo, que assinaram, deveria ter sido celebrado por € 72.000,00, e que passados dois anos sobre a assinatura vieram a descobrir que o mútuo foi celebrado por € 72.000,00.
O- Pelo que alegam que foi o réu CC que os induziu a assinar um contrato por € 72.000,00 na convicção de que estariam a assinar por € 32.000,00.
P- Ora, nestes autos, os recorridos apresentam uma versão totalmente diferente, já que alegam que o mútuo com fiança que assinaram foi por € 30.000,00, e que o réu CC substituiu a primeira folha do contrato onde consta o montante do empréstimo por outra folha com o montante de € 72.000,00, e da qual constam rubricas que não são da autoria dos recorridos.
Q- Nestes autos já não dizem que foram enganados, mas sim que o réu CC falsificou o contrato e as assinaturas.
R- Ora, essa afirmação é igualmente contraditória com o por eles alegado nos autos de processo 372/14...., pois que nesses autos os recorridos afirmam que foram co-fiadores do contrato objeto destes autos, pelo montante de € 72.000,00, não pondo em causa a validade do contrato.
S- Pedem além do mais a condenação do recorrente e esposa a pagar-lhes a quantia de € 65.385,07, “em consequência do incumprimento do contrato de crédito.”
T- Juntam na ação ...4 o contrato aqui em discussão.
U- Nos presentes autos os prejuízos patrimoniais com o contrato ascenderia a € 99.646,18, enquanto que naqueles autos ...4 eles quantificaram os valores pagos em € 65.385,07.
V- Afirmação ainda contraditória com os autos de processo n.º 4199/14...., em que os recorridos peticionam a condenação do recorrente a lhes pagar a quantia de € 50.943,04, por via do direito de regresso, de metade do valor por eles pagos à Banco 1... por incumprimento do contrato de empréstimo identificado objeto destes autos.
W- Ou seja teriam tido um prejuízo de € 101.886,08, e não de € 99.646,18 como peticionam nestes autos.
X- Também nos autos 4199/14.... afirmam a validade do contrato de mútuo por € 72.000,00 e juntam o contrato de mútuo como prova.
Y- O que significa que os recorridos tiveram acesso ao contrato, pelo menos em 2014, e nessa altura conformaram-se, quer com o montante aposto no contrato, quer com o facto de terem sido eles a o assinar, quer com o facto de terem sido os autores das assinaturas e rubricas nele constantes.
Z- Para além disso nos presentes autos alegam que só tiveram acesso ao contrato com a transação efetuada no processo 670/18...., quando na verdade já tinham junto esse contrato nos processos 724/14, 372/14 e 4199/14.
AA- Os recorridos igualmente agem de má fé quando insinuam nestes autos que foi o réu CC quem falsificou as suas rubricas na primeira página do contrato.
BB- Afirmam tal facto porque o réu CC foi condenado pela prática de um crime de falsificação no âmbito do processo crime 252/14...., do qual os recorridos foram denunciantes.
CC- Ora, os recorridos bem sabem que o referido réu CC foi condenado por factos que nada têm a ver com este contrato, tendo inclusive o pedido de indemnização cível por eles formulado sido julgado improcedente.
DD- Ao fazerem essa insinuação os recorridos fazem do processo um uso anormal.
EE- Pelos motivos expostos deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que condene os recorridos como litigantes de má fé em multa a favor do Estado e indemnização a favor do recorrente em montante nunca inferior a € 10.000,00”.
*
Não se conformando também com a decisão proferida, dela vieram os AA interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes Conclusões:

“1ª Dá-se por reproduzida o teor dos articulados dos recorrentes, designadamente os constantes das referências citius 12773227, 15147797 e 15379847.
2ª A sentença proferida, em crise, julgou a exceção invocada pelos réus, de caso julgado, improcedente e absolveu do pedido os réus, por se verificar autoridade de caso julgado.
3ª De modo que, o presente recurso diz respeito à questão de autoridade de caso julgado, que no entender dos recorrentes não se verifica nos presentes autos.
4ª Entendemos, salvo melhor convencimento, que o tribunal recorrido decidiu erradamente.
5ª É errado o raciocínio inserto na página 26 da sentença, quando diz: “Demonstrada a tese dos autores, o tribunal concluiria que os autores não outorgaram o contrato de mútuo com fiança, quando nas ações anteriores concluiu-se que os autores outorgaram o referido negócio jurídico. Impõe-se assim absolver os réus dos pedidos (…)
6ª Porquanto, do que resulta da matéria de facto e de direito alegada nos articulados pelos recorrentes, é que celebraram o referido negócio jurídico, no entanto, o mesmo é nulo, entres outras causas, por força da falsificação ou viciação das suas rúbricas na primeira página do mesmo contrato, e da falsificação do teor da primeira página, que os mesmos haviam lido e rubricado.
7ª Ora estes factos, não sendo instrumentais, e que não foram alegados nem julgados nas anteriores ações, e porque constituem, isso sim, factos essenciais, deveriam ser levados a julgamento.
8ª A questão colocada pelos recorrentes na presente ação não foi discutida nas ações anteriores, identificadas na fundamentação da sentença, sendo por isso correto considerar que não há exceção nem autoridade de caso julgado, pois o objeto da presente ação é diferente dos das anteriormente julgadas.
9ª Assim sendo, e verificado que inexiste autoridade de caso julgado, deve o recurso merecer procedência e ser revogada a sentença recorrida, devendo por consequência o processo baixar à primeira instância, para prosseguirem os autos com vista a julgamento.
10ª Mostra-se violada a norma que se contém no nº 1 do artigo 619º, nº 1 do CPC.
11ª Mostra-se violada a alª b) do nº 1 do artigo 595º do CPC e, com ele, o princípio estrutural do processo civil, do direito de ação, consagrado no nº 2 do artigo 2º do CPC, configurando uma interpretação inconstitucional da aludida norma, por violação do direito de acesso aos tribunais, conferido no nº 1, do artigo 20º, da CRP.
Termos em que, considerando que inexiste autoridade de caso julgado, deve o recurso merecer procedência, ser revogada a sentença recorrida, devendo por consequência o processo baixar à primeira instância, para prosseguirem os autos com vista a julgamento.”
*
A 1ª e o 3º RR vieram Responder ao recurso dos AA, pugnando ambos pela sua improcedência.
*
Tendo em consideração que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir nos presentes recursos de Apelação (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:
I-  A de saber se a matéria de facto fixada na primeira instância deve ser alterada (no sentido pretendido pelo 3º Réu);
II- Se inexiste a “Autoridade de caso julgado” formada pela ação anteriormente intentada pelos AA, relativamente à presente ação; e
III- Se os AA deveriam ter sido condenados como litigantes de má fé.
*
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na primeira instância:
“…1) Na acção com processo comum 724/14.... que correu termos pelo Juízo Central Cível de Braga J..., os aqui Autores demandaram a Banco 1..., formulando no final os seguintes pedidos:
A) Declarar a anulação da fiança prestada pelos AA no contrato de empréstimo com fiança nº ...91 por erro sobre o objecto do negócio nos termos do artº 251º do CC, e também por conduta dolosa da Ré e da EMP01... e co-fiadores. (artº 253º e 254º CC)
B) Declarar a anulação da fiança prestada pelos AA no contrato de empréstimo com fiança nº ...91 por erro sobre os motivos determinantes da vontade nos termos do nº 2 art.º 252º do CC, e conduta dolosa da Ré e da EMP01... e cofiadores, na criação do erro sobre os motivos determinantes da vontade. (artº 253º e 254º CC)
C) Declarar a nulidade do contrato de fiança por falta de entrega aos AA de cópia do respectivo contrato (nº ... artº 6º e 7º do DL 359/91 de 21/09)
E consequentemente:
D) Condenar a Ré a restituir aos AA a totalidade dos valores que ao abrigo deste contrato por estes lhe foram pagos até à presente data, sendo €70.111,27, conforme descriminado no item desta PI, acrescido dos juros de mora que à taxa legal se vencerem sobre esta quantia e até integral pagamento;
E) Condenar a Ré, no pagamento aos AA. dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos mesmos em consequência da conduta imprópria do gerente da Ré da Agencia de ... DR. CC em €8.000,00 e €25.000,00 respectivamente.
2) Em fundamento dessa pretensão alegaram, na petição inicial, apresentada a 25-9-2014, designadamente o seguinte:
1º- Os AA. intervieram como co-fiadores solidários, juntamente com DD, contribuinte fiscal nº ...90 e mulher FF, contribuinte fiscal nº...03, casados no regime de comunhão geral, residentes na Avenida ..., ...) em um “Contrato de Mútuo com Fiança” celebrado entre a EMP01... – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA LDA, e a Banco 1... S.A., em 01/06/2009, embora com data de eficácia de 29 de Maio de 2009, no montante de €72.000,00 (setenta e dois mil euros), com expressa renuncia dos fiadores ao beneficio de excussão prévia e beneficio do prazo, contrato este com o nº ...91, que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr doc nº 1)
2º- Os referidos DD e FF eram os únicos sócios e gerentes da empresa EMP01... – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA LDA, que se dedica à mediação Imobiliária (docs nº 1 e nº 8).
3º- No ano de 2009, a EMP01... necessitou de efectuar um financiamento para reforço do fundo de maneio junto da Ré, para fazer face a compromisso Finanças
4º - Dada a situação financeira difícil da empresa, para contrair este empréstimo bancário, o empréstimo teve, para ser aprovado pela ora Ré, que ser avalizado pelos seus gerentes, mas mesmo assim isso não era bastante.
5º- Por isso os seus únicos gerentes, pediram, ou melhor, imploraram aos ora AA, que fossem também eles co-fiadores da empresa, perante a ora Ré num empréstimo de €32.000,00 comprometendo-se, pelo que de mais precioso tinham, e mesmo que para tal tivessem que desfazer-se de bens pessoais, que a EMP01... cumpriria com o pagamento pontual das prestações, pelo que os ora AA, não correriam qualquer risco patrimonial.
6º- Os AA resistiram o máximo que puderam, a entrar nesta operação, até porque tinham a frontal oposição da filha GG e genro HH.
7º- Porém, perante a insistência e desespero dos sócios da EMP01..., acabaram por aceder a serem seus co-fiadores da EMP01..., ao fim de mais de três semanas de insistência
8º- Considerando como decisivo e em abono da EMP01..., que tinha corrido bem o aceite de uma letra de favor no montante de €35.000,00, que esta empresa já em Julho de 2008 tinha solicitado às EMP02... E Filhas Lda” de que o A. marido é sócio gerente, letra que foi emitida em ../../2008, com vencimento para 29/01/2009 (…).
9º- Porque a ora Ré Banco 1..., não tinha vindo solicitar à aceitante o pagamento desta letra, sinal inequívoco de que essa letra fora regularizada no vencimento pela própria sacadora (…)- já que se tratava de uma letra de favor, emitida no seu exclusivo interesse.
10º- Diga-se que na altura do aceite desta letra de favor, o gerente da EMP01..., Sr. DD, emitiu e entregou ao gerente da aceitante, ora A., um cheque pessoal de garantia de igual montante (€35.000,00), para a mesma data de vencimento (…).
11º- E assim, pesado este facto essencial, acabaram os AA por aceder ao pedido e foram efectivamente co-fiadores solidários, juntamente com aqueles sócios DD e FF, de um “Contrato de Mútuo com Fiança” celebrado pela EMP01... com a Banco 1... S.A., (cfr doc nº 1);
12º- Este contrato foi outorgado em 01/06/2009, na agencia de ... da Banco 1..., onde a EMP01... tinha conta, perante o respectivo gerente à data, o Dr. CC.
13º- Este empréstimo deveria ser pago em prestações mensais, a iniciar no mês seguinte ao da celebração do contrato de mútuo.
14º- Porém, a verdade é que a empresa EMP01... apenas pagou a primeira prestação, ou seja, a prestação que se venceu a 2 de Julho de 2009.
15º- Para todas as restantes prestações, a EMP01... não provisionou a sua conta junto da Ré com os necessários fundos, nem as pagaram os próprios gerentes, pelo que, o Banco mutuante foi buscar à conta dos AA. o dinheiro dessas prestações, conforme cartas enviadas pela Banco 1... aos Autores, a exigir o pagamento das prestações em falta, e débito na respectiva conta. (Cfr docs 4 e 5)
16º- O A. marido bem insistiu com o DD, lembrando-o do compromisso assumido, mas a verdade é que desde o dia 2 de Setembro de 2009, todas as demais prestações (incluindo a vencida em Agosto de 2009), foram pagas ao Banco Réu pelos autores, por débito na sua conta  ...30 (cfr doc nº 6 e 7).
17º- Reforça-se, que os gerentes da EMP01... sempre falaram ao autor, que este empréstimo era de €32.000,00, e que foi esse o valor que lhes foi falado pelo gerente da Banco 1.../... no momento da assinatura.
18º- Nunca se falou de €72.000,00, nem nos preliminares, nem na assinatura do contrato na Banco 1.../... no dia 01/06/2009.
19º- Só quando, decorridos mais de dois anos, estranhando nunca mais acabar o débito destas prestações, o A. marido foi à agencia em ..., questionar a situação, é que foi confrontado com a informação de que o contrato era de €72.000,00,
20º- E só nessa altura, passados uns dias, lhe foi fornecido cópia do contrato e os AA. comprovaram que tinham sido enganados quanto ao montante do crédito e valor da fiança.
21º- Indignado, o A. marido reclamou junto do Dr. CC, que entretanto, para cumulo do azar, fora nomeado gerente da Banco 1... em ..., pouco depois dos factos em finais de 2009 e, quando se queixava ( sempre junto do próprio) desta vigarice, o mesmo deixava bem claro que não devia “criar ondas”.
22º- Se não criasse ondas ia correr tudo bem .. de outra forma ia ser muito complicado, dizia-lhe o Dr. CC.
23º- E a verdade é que em 2011, com a crise dos negócios da imobiliária e da construção civil o A. e a sua empresa estavam numa posição de grande fragilidade, não lhe restando muita alternativa que “comer e calar”.
24º- O texto do contrato não foi fornecido antecipadamente aos AA. nem as clausulas do contrato foram lidas no acto de assinatura.
25º- Apenas foi transmitido pelo Sr. Dr. CC, que se tratava de um contrato de mutuo com fiança no valor de €32.000,00, a pagar em prestações, e por isso os AA. confiaram inteiramente e assinaram sem ler.
26º- Até porque eram pessoalmente e pela empresa “EMP02... Lda” clientes da Banco 1... há mais de 20 anos, com contas na agencia de ....
27º- Nunca pela cabeça dos AA passou que iriam ser vigarizados pela ora Ré Banco 1..., num esquema fraudulento, em que foram vitimas do conluio entre a EMP01..., o Sr. DD, D. FF e o Dr. CC.
28º- Os quais agiram concertada e dolosamente desta forma, porque todos sabiam perfeitamente que nunca os AA. teriam assinado o contrato se o valor mencionado fosse os €72.000,00.
29º- Assinariam por €32.000,00, que era o combinado, ou por qualquer valor inferior. Nunca por um valor superior.
30º- Por isso foi este valor de €32.000,00 o valor do contrato que o gerente da Banco 1.../... referiu, antes da assinatura do mesmo, na agencia.
31º- Agindo com dolo positivo relevante, pelo que deve o contrato de fiança identificado no item 1º, ser anulado nos termos dos nº 1 do artº 253 e artº 254º do CC, porque este dolo foi causal do erro dos AA. na assinatura do contrato.
32º- Foi este dolo do gerente da Ré/agencia de ..., e dos gerentes da EMP01... que induziu os AA a assinar um contrato por €72.000,00, na convicção de que estavam a assinar €32.000,00; tal como lhes foi dito por todos.
33º- Dolo este causal do erro sobre o objecto do negócio (artº 251º do CC.) por parte dos AA. , que como os conluiados bem sabiam, nunca teriam aceite ser fiadores se o valor da fiança fosse superior aos €32.000,00.
34º- O que determina desde logo a anulação do negócio (fiança) o que expressamente se invoca, com as consequências legais da devolução de tudo o que foi pago pelos AA. (artº 289º CC) (….)
68º- A Ré não entregou aos AA., como supra se alegou, nenhum exemplar do contrato identificado no item 1º desta PI.
69º- Só o fez volvidos mais de dois anos, na sequencia de reclamação do A. Marido conforme item nºs 19º, 20º e 24º.
70º- O que constitui causa de nulidade do contrato nos termos dos nº 1 do art.º 6º e nº 1 do art.º 7º do Decreto Lei nº 359/91 de 21/09; nulidade que expressamente se Invoca.
71º- Bem como omitiu consciente e dolosamente os deveres de comunicação e informação a que aludem os artºs 5º e 6º do DL nº 446/85 de 25/10, o que também constituiu causa de nulidade do mesmo contrato (vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22/03/2011, Proc. N.º 136/09.2TBSTS.P1)
72º- Consequentemente deve a Ré devolver aos AA. por força de tal nulidade, tudo o que deles receberam (nº 1 artº 289º CC) TOTAL 52.924,53 € 13.736,86 € 66.661,39 €
76º- Valores que por força da anulação, resolução ou nulidade do contrato de fiança identificado no item 1º, a Ré deve restituir na integra aos AA., bem como aos juros moratórios que sobre estes pagamentos, à taxa legal de 7,25%, se venceram sobre cada uma das prestações pagas e que já ascendem nesta data a €13.736,86.
77º- Bem como dos juros que entretanto se vencerem sobre a quantia de €52.924,53 até integral pagamento.
78º - Acresce que, entretanto o pagamento das prestações deste contrato de fiança, se revelou um esforço incomportável para os AA., que se viram incapazes de o cumprir, a partir de ../../2012,
79º- Motivo pelo qual, em 22/04/2013, foram citados para uma execução instaurada no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... com o nº 1116/13...., movida pela ora Ré, a mutuante Banco 1..., contra EMP01..., os ora AA. e os co-fiadores DD e FF, por incumprimento do contrato identificado no item 1º , pelo valor de €33.975,08 (cfrdoc.15).
80º- Para por termo a esta execução, tiveram os ora AA , aí executados, que contrair em Julho de 2013, um empréstimo junto da Banco 1..., para o que tiveram que dar garantia hipotecária pelo montante de €36.500,00, para fazer face ao pagamento deste débito executivo, com juros e acrescidos, o que lhes acarretaria durante 22 anos, uma prestação mensal de €246,42 ( cfr doc nº 16 e 19).
81º- Tendo pago até ao presente momento por força deste contrato de mútuo com hipoteca, a quantia de € 3.449,88 (14 x €246,42).
82º- Ora, a anulação ou nulidade do contrato de fiança identificado no item 1º acarreta também a anulabilidade do contrato de mutuo com hipoteca nº...85 que os AA. contraíram junto da Ré, para regularizar as prestações em falta naquele primeiro contrato e o cancelamento da hipoteca que contraíram a favor da Ré, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo predial ... sob o nº ... (cfr doc nº 19).
83º- Consequentemente, também deve a Ré restituir aos AA. estes €3.449,88 que deles recebeu, acrescido de juros de mora à taxa de 7,25% até integral pagamento.
84º- Por força de tudo o acima exposto, deve a Ré ser condenada a pagar aos AA o montante de €70.111,27, (€ 52.924,53 + €13.736,86+ €3.449,88) acrescido dos juros que à taxa legal de 7,25% se vencerem até integral pagamento.
85º- Ao ficar a saber, em Janeiro do corrente ano, de como se tinham passado as coisas e da forma que tinha sido enganado, o A. marido ficou completamente revoltado e já não pode conter mais a indignação.
86º- Entregando uma carta na agencia de ... dirigida à sede da Ré, com cópia para o departamento de auditoria interna da Ré, denunciando a situação de que fora e estava a ser vitima. (Cfr doc nº 17) que se junta.
87º- Pela sua relevância transcrevemos alguns trechos: “o que me foi solicitado e aquilo a que dei o meu acordo e a fiança minha e da minha esposa, foi para um empréstimo no valor de €32.000,00. Nunca dei o meu acordo para fiança de um empréstimo de €72.000,00 por isso manifesto a minha total indignação e a acusação contra o Sr. Dr. CC, uma vez que nele confiei enquanto gerente da Banco 1... /... dado que trabalho com a V/ instituição há mais de 20 anos e a tinha como pessoa de bem. É verdade que não conhecia o Dr. CC de outra parte e me devia ter rodeado de maiores cautelas, mas confiava na Instituição Banco 1.... As clausulas não me foram lidas, foi-me transmitido pelo Sr. Dr. CC, e confiei inteiramente que se tratava de um contrato de €32.000,00, nunca de €72.000,00 e por isso o assinei sem ler. Nunca pela minha cabeça passou que iria ser vigarizado pela Banco 1..., num esquema fraudulento, em que fui vitima do conluio entre a EMP01..., o Sr. DD e o Dr. CC.”
88º- Pedindo uma reunião para análise deste dossier, reclamando desde já, a suspensão imediata dos débitos do contrato de empréstimo nº ...85 (…)
99º- Ora, os AA. por força da conduta da Ré tiveram que intentar acções contra os co-fiadores gerentes da ... com o que já despenderam em custas judiciais e honorários a advogado, mais de €4.000,00; (cfr docs 20, 21 e 22)
100º- Sendo que estas acções ainda não terminaram e podem estas despesas aumentar para outro tanto, ascendendo assim os danos patrimoniais causados pela Ré a mais de €8.000,00
101º- Por outro lado, o facto de se ter visto envolvido nesta trama, fruto do comportamento doloso do funcionário da Ré, gerente da agencia de ... Dr. CC, em conluio com os gerentes da EMP01...,
102º- Causou aos AA grande angustia, vergonha e perturbação, por terem sido vitimas de tamanha trapaça,
103º- Vendo afectado a sua tranquilidade, pelo que passaram muitas noites sem dormir, preocupados com a situação, e como iam fazer face a este encargo.
104º- Tiveram que fazer grandes sacrifícios, alterar os seus hábitos e foram obrigados a desfazer-se de bens, designadamente do veiculo, para fazer face às prestações do contrato identificado no item 1º.
105º- Expondo-se perante o meio em que vivem, que é pequeno e onde toda a gente se conhece, a passar por dificuldades financeiras, o que prejudicou o seu bem estar.
106º- Viram o seu nome e o seu património ser objecto de execução judicial, conforme item nº , o que nunca lhes tinha acontecido,
107º- Tudo por culpa da actuação dolosa do gerente de ... da Ré.
108º- Danos não patrimoniais para cuja compensação são necessários €25.000,00.
3) Neste processo foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente.
4) Para o efeito o Tribunal considerou provados os seguintes factos:
1º- Os autores intervieram como co-fiadores solidários, juntamente com DD e mulher FF, no contrato de mútuo com fiança com o nº ...91, celebrado entre a EMP01... – Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª, e a Banco 1... S.A., em 01/06/2009, embora com data de eficácia de 29 de maio de 2009, no montante de €72.000,00 (setenta e dois mil euros), com expressa renúncia dos fiadores ao benefício de excussão prévia e benefício do prazo.
2º- DD e FF eram os únicos sócios e gerentes da empresa EMP01..., Ldª, que se dedica à mediação imobiliária.
3º- Em julho de 2008 as EMP02... Lda”, de que o autor marido é sócio gerente, aceitou uma letra à EMP01..., no montante de €35.000,00, letra que foi emitida em ../../2008 com vencimento para 29/01/2009.
4º- A Banco 1..., não reclamou da aceitante o pagamento desta letra, na data do seu vencimento.
5º- Na altura do aceite desta letra de favor, o gerente da EMP01..., DD, emitiu e entregou ao gerente da aceitante, ora autor, um cheque pessoal de garantia de igual montante (€35.000,00), para a mesma data de vencimento.
6º- O contrato de mútuo com fiança foi outorgado em 01/06/2009, na agência de ... da Banco 1..., onde a EMP01... tinha conta, perante o respetivo gerente à data, o Dr. CC.
7º- Este empréstimo deveria ser pago em prestações mensais, a iniciar no mês seguinte ao da celebração do contrato de mútuo.
8º- A EMP01... apenas pagou a primeira prestação, que se venceu a 2 de julho de 2009.
9º- As restantes prestações, até ../../2012, foram pagas ao Banco réu pelos autores, por débito na sua conta  ...30.
10º- Os autores e a empresa “EMP02..., Lda” eram clientes da Banco 1... há mais de 20 anos, com contas na agência de ....
11º- Foi instaurado contra a empresa “EMP02... Lda” pedido de Insolvência, requerido pela EMP01..., e que correu termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial de ... sob o nº 1292/13...., fundando-se o crédito numa letra de €35.806,00, que afinal correspondia à letra de 35.000,00 com vencimento em 29/01/2009.
12º- Essa letra de €35.000,00, tinha sido falsificada no seu valor (quer no numeral quer no extenso) passando a ter um valor de €35.806,00.
18º- O valor dos pagamentos já efectuados pelos autores à ré, ao abrigo do contrato e na qualidade de co-fiadores da EMP01..., ascenderam, até ../../2012, a € 52.924,53.
13º - O pagamento das prestações do contrato de fiança começou a revelar-se um esforço incomportável para os autores, que se viram incapazes de o cumprir, a partir de ../../2012.
14º- Em 22 de abril de 2013, os autores foram citados para uma execução instaurada no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... com o nº 1116/13...., movida pela ré, a mutuante Banco 1..., contra EMP01..., os ora autores e os co-fiadores DD e FF, por incumprimento do contrato de mútuo com fiança, pelo valor de €33.975,08.
15º- Para por termo a esta execução, os autores, aí executados, contraíram em julho de 2013, um empréstimo junto da Banco 1..., para o que deram garantia hipotecária pelo montante de €36.500,00, para fazer face ao pagamento deste débito executivo.
16º- Tendo pago até ao presente momento a quantia de € 3.449,88 (14 x €246,42).
17º- O autor enviou à ré, que recebeu, a carta junta a fls 23, datada de 27 de dezembro de 2013, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5) E considerou não provados os seguintes factos:
1º- No ano de 2009, a EMP01... necessitou de efetuar um financiamento para reforço do fundo de maneio junto da ré, para fazer face a compromissos com as Finanças.
2ª Os autores só aceitaram ser fiadores da EMP01... porque estavam convencidos que tinha corrido bem o aceite da letra de favor no montante de €35.000,00, que esta empresa em julho de 2008 tinha solicitado à “EMP02... e Filhas Lda”.
3º- Porque a Banco 1... não tinha vindo solicitar à aceitante o pagamento desta letra, tal era sinal inequívoco de que essa letra fora regularizada no vencimento pela própria sacadora.
4º- Os gerentes da EMP01... sempre falaram ao autor, que este empréstimo era de €32.000,00, e foi esse o valor que lhes foi falado pelo gerente da Banco 1.../... no momento da assinatura do contrato.
5º- Só quando, decorridos mais de dois anos, estranhando nunca mais acabar o débito destas prestações, o autor marido foi à agência em ..., questionar a situação, é que foi confrontado com a informação de que o contrato era de €72.000,00.
6º- O autor reclamou junto do Dr. CC, gerente da Banco 1..., que deixou bem claro que não devia “criar ondas” de outra forma a situação da sua empresa ficaria muito complicada.
7º- Na data da assinatura do contrato foi fornecida uma cópia aos autores.
8º- No ato de assinatura do contrato, apenas foi transmitido pelo Sr. Dr. CC, que se tratava de um contrato de mútuo com fiança no valor de €32.000,00, a pagar em prestações e por isso os autores confiaram inteiramente e assinaram sem ler.
9º- O gerente da ré/agência de ..., e os gerentes da EMP01..., concertadamente, induziu os autores a assinar um contrato por €72.000,00 na convicção de que estavam a assinar €32.000,00.
10º- O gerente da ré/agência de ... e os gerentes da EMP01..., bem sabiam que os autores nunca teriam aceite ser fiadores, se o valor da fiança fosse superior aos €32.000,00.
11º- No início do ano de 2014, e a propósito de um pedido de insolvência da empresa “EMP02... Lda”, requerido pela EMP01... e que correu termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial de ... sob o nº 1292/13...., os autores ficaram a saber que a letra de favor de 35.000,00 com vencimento em 29/01/2009, afinal não havia sido paga, na data do seu vencimento.
12º- Os elementos alterados da letra falsificada de €35.806,00, eram tão evidentes que não podia ter sido descontada pela ré Banco 1..., sem uma forte conivência do seu gerente da Agência, ou responsável superior.
13º- Os autores, por força da conduta da ré, tiveram que intentar ações contra os cofiadores gerentes da ... com o que já despenderam em custas judiciais e honorários a advogado, mais de €4.000,00.
14º- A atuação do gerente da ré causou aos autores angústia, vergonha e perturbação.
6) Essa decisão, na sequência de recuso interposto pelo Autor veio a ser confirmada, na íntegra, pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
7) No processo crime n.º 252/14...., que correu contra o arguido CC, aqui réu, AA e mulher, BB, aqui autores, deduziram pedido de indemnização civil (invocando os vícios supra mencionados no processo n.º 724/14....) contra o arguido, aqui réu CC, e contra a Banco 1... (a qual foi absolvida da instância por força da litispendência do processo supra mencionado), tendo pedido a condenação de ambos na reparação de todos os prejuízos causados pela conduta delituosa do arguido, designadamente no pagamento da quantia de 67.995,65€, correspondente à totalidade dos valores que despenderam até à presente data ao abrigo do contrato alegado na petição inicial, acrescida de juros, à taxa legal, a contar (…) até integral pagamento, das despesas com custas e honorários a advogado, a fixar em execução de sentença, e da quantia de 25.000,00€ a título de compensação dos danos não patrimoniais por si sofridos.
8) Da sentença proferida no processo crime n.º 252/14.... consta o seguinte: Provado que, em 29/5/2009, o cliente n.º ...54 da denunciante, AA, constituiu-se fiador da empresa “EMP01...”, num empréstimo que tal empresa obteve junto da denunciante, na agência de ... (cc)) com a seguinte motivação: A celebração do contrato constante de CC) resultou atestada em face do teor de fls. 477 e ss., não se extraindo da análise de tal documento a existência de qualquer alteração dos seus dizeres após a respectiva assinatura, que também foi negada pelo arguido e acabou por não ser atestada por qualquer outra prova, tendo-se o ofendido AA limitado a declarar que teria sido enganado pelo arguido, que o teria feito crer que estaria a assinar uma fiança de 32.000,00€, engano este que não logrou resultar demonstrado; Não provado que o financiamento referido em CC) era no valor de €32.000,00; Mesmo após liquidar o valor do empréstimo, as respectivas prestações continuaram a ser debitadas na conta do demandante AA; O arguido, sem conhecimento e autorização do cliente AA, fez constar do contrato referido em CC) o valor de €72.000,00; No momento da assinatura do contrato referido em CC), o arguido referiu ao demandante AA que o empréstimo era de 32.000,00€; E fez crer ao demandante AA que a letra de favor aceite pela sua empresa emitida em ../../2008, pelo valor de 35.000,00€, havia sido paga; Assim actuando para levar o denunciante a assinar o contrato referido em CC.
9) No dispositivo desta sentença consta o seguinte: Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes AA e mulher, BB, e, em consequência, absolvo o arguido do mesmo.
B - Dos factos não provados: Não resultaram factos não provados”.
*
I- Da alteração da matéria de facto:

Pretende o recorrente DD que seja alterada a decisão da matéria de facto, no sentido de da mesma passarem a constar factos por si alegados na contestação, e provados por documentos juntos com aquela peça processual, que se afiguram relevantes para aferir da litigância de má-fé dos AA – objeto do recurso por si interposto.
Diz que para além dos factos provados e não provados constantes da sentença recorrida, deveriam ainda constar da mesma outros factos provados respeitantes aos processos nº 372/14.... e nº 4199/14...., aos quais o recorrente fez referência na sua contestação, e cuja existência devidamente comprovou por documento.
*
E consideramos, de facto, que essa matéria de facto, alegada pelo recorrente na sua contestação – e provada documentalmente -, pode ser relevante em termos de apreciação do comportamento dos AA em sede de litigância de má fé.
A questão que se coloca – em termos processuais -, é apenas a de saber se essa matéria de facto carece de ser levada à matéria de facto - ser ali descrita ou enunciada -, ou se ela deve tão somente ser levada em consideração pelo tribunal, sem necessidade da sua discriminação.
A redação da lei não é clara e pode levar a ambas as interpretações.
Nos termos do art.º 607º do CPC, intitulado “Sentença”, “A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais, e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
 Como se vê, o n.º 4 do transcrito art.º 607º dispõe que: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara os factos que julga provados e não provados (…) e toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito …”.
Como se disse, a redação do artigo permite induzir em erro a leitura que se faça da expressão ali utilizada: Como se decidiu no Ac. desta RG de 29.6.2017 (disponível em www.dgsi.pt), “… tomar em consideração significa que o juiz deve ter em atenção, ter em conta, os factos que estão admitidos por acordo, não necessitando, como acontece com os factos que resultam da análise critica das provas, de os declarar provados ou não provados. Tal como antes, do atual código de processo civil, os factos admitidos por acordo, constavam da matéria assente e, por isso, não tinham e não têm agora, os mesmos de constar dos factos que são declarados provados ou não provados na sequência da produção das provas, (vejam-se art.ºs 653 n.º 2 e 659, n.º 3, do anterior CPC)…”.
Ou seja, à luz da leitura feita pelo acórdão citado, bastará o tribunal levar esses factos em consideração na elaboração da sentença, sem necessidade de os discriminar positivamente na matéria de facto provada.
Pois bem:
Embora a questão não seja pacífica, tendemos a considerar que esses factos (admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito), cuja força probatória é plena, e sobre a qual não pode recair a livre convicção do julgador, devem ser inseridos na matéria de facto, como resulta da fórmula mais genérica prevista no nº 3 do art.º 607º em análise:  nos fundamentos da sentença, o juiz deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
São também a favor dessa arrumação sistemática da sentença, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (no “Código de Processo Civil anotado”, Vol. I, Almedina, pag. 720), ao estatuírem que “Mantém-se a necessidade de serem inseridos na fundamentação da sentença os factos provados por acordo das partes, por confissão extrajudicial ou judicial reduzida a escrito, ou por prova documental dotada de força plena. Não existindo um peça processual que concentre e antecipe (ainda que com efeitos não definitivos) a matéria assente, nos termos que se previam no art.º 511º nº2 do CPC de 1961, (especificação ou factos assentes) é fundamental que, aquando da preparação da audiência final seja feita a análise detalhada dos articulados e do restante processado, recolhendo os elementos de facto que se mostrem relevantes para a integração dos pressupostos normativos de que depende o resultado da ação. O juiz deve, pois, expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados.”
Nos termos ainda do artigo 662.º do CPC, intitulado “Modificabilidade da decisão de facto “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta…”
Como salienta Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Coimbra, Almedina, 2022, pgs. 354 e ss.), “A decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento. Umas poderão e deverão ser solucionadas de imediato pela Relação; outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento (…). Outras decisões podem revelar-se “total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso. Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da relação, esta poderá supri-los, a partir dos elementos que constem do processo ou da gravação…”.
Continuando a seguir de perto os ensinamentos do mesmo Autor, “…pode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto por terem sido omitidos dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo. Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a relação se confronte com uma objetiva omissão de factos relevantes (…) Tal como sucede com as anteriores situações, a anulação da decisão da primeira instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua reapreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas…” (Ob. cit., pgs. 357 e 358 e Ac. desta RG, de 29.10.2020, disponível em www.dgsi.pt).
Ou seja, apreciando a questão sob o ponto de vista da impugnação da matéria de facto, e no que respeita aos poderes de cognição do tribunal de recurso, importa aferir se é patente algum vício na decisão sobre a matéria de facto que caiba a este tribunal apreciar (mesmo oficiosamente) ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, nos termos do qual a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.
*
No caso dos autos, detetamos de facto na decisão proferida – quer na matéria de facto, quer na decisão jurídica da causa -, a omissão dos factos apontados pelo recorrente, por si alegados (e provados) na contestação, tendentes a acentuar a conduta dos AA em sede de litigância de má-fé, que o recorrente pretendia que o tribunal recorrido valorizasse naquela sede.
Trata-se, a nosso ver, de factos relevantes em sede de matéria de facto, necessários para sustentar uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso em apreciação, de tal modo que nos permite considerar que a decisão da matéria de facto se mostra “deficiente”, a carecer de ser ampliada com os factos apontados pelo recorrente.
Tal vício pode no entanto ser suprido por este tribunal, a partir dos elementos que constam do processo, concretamente dos documentos juntos aos autos pelo recorrente, juntamente com a contestação, e que constituem prova plena dos factos alegados (trata-se de documentos autênticos, constituídos por certidões extraídas dos processos onde tais documentos se encontravam inseridos – artºs 369º e ss. do CC – e que não foram sequer impugnados pela parte a quem os mesmos se opunham).
Temos assim de conceder razão ao recorrente nesta parte, pelo que devem tais factos ser aditados à matéria de facto provada, o que se faz no seguinte sentido:
“A) No âmbito do processo n.º 372/14.... – Juiz ... – Juízo Central Cível, do Tribunal Judicial de Braga, os autores alegaram, entre outros, os seguintes factos:
“…6º- E foram efectivamente co-fiadores solidários, juntamente com aqueles sócios DD e FF, (clausula 21) de um “Contrato de Mútuo com Fiança” celebrado pela EMP01... com a Banco 1... S.A., em 29 de Maio de 2009, no montante de €72.000,00 (setenta e dois mil euros), com expressa renuncia dos fiadores ao beneficio de excussão prévia, e beneficio do prazo, contrato este com o nº ...91, que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
B) Nessa ação 372/14...., os autores peticionam o seguinte:
“Reconhecendo-se os AA como credores dos primeiros réus pelo montante de €165.385,07, sendo €65.385,07, em consequência do incumprimento do contrato de crédito identificado no item 6º (…) desta PI”.
C) Consta dos factos provados da sentença do processo 372/14...., entre outros, os seguintes factos provados:
“2. No dia 29 de Maio de 2009, esta sociedade EMP01... celebrou com a “Banco 1..., S.A.” um contrato de mútuo com fiança, mediante o qual esta última declarou emprestar àquela a quantia de € 72.000,00.
3. Os 1ºs Réus e os Autores constituíram-se fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à mutuante no âmbito desse contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos, renunciando ainda ao benefício do prazo estipulado no art.º 782º do Código Civil e ao exercício das excepções previstas no art. 842º do mesmo código.”
D) No âmbito do processo n.º 4199/14....- Juiz ...- Juízo Central Cível de Braga, os autores alegaram, entre outros factos, o seguinte:
4º- Os AA (…) foram efectivamente co-fiadores solidários, juntamente com aqueles sócios DD e FF, (clausula 21) de um “Contrato de Mútuo com Fiança” celebrado pela EMP01... com a Banco 1... S.A., em 29 de Maio de 2009, com expressa renuncia de todos os fiadores ao beneficio de excussão prévia, e beneficio do prazo, contrato este com o nº ...91, que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr doc nº 1)
E) Nos autos 4199/14...., os autores peticionaram o seguinte:
“Deve ser declarado que os autores AA e BB, são credores dos primeiros RR no montante de € 50.943,04, por via do direito de regresso de metade do valor por eles pagos à Banco 1... por incumprimento culposo da EMP01... do contrato de empréstimo identificado no item 4º da PI; e os primeiros RR condenados no seu pagamento”.
*
II- Da verificação da exceção material da “Autoridade de caso julgado”:

Após ter analisado a exceção dilatória de caso julgado, invocada por ambos os RR, concluiu a decisão recorrida que não estamos perante uma verdadeira exceção dilatória de caso julgado, mas de uma exceção material de Autoridade de caso julgado, nos seguintes termos, que subscrevemos e reproduzimos:
“…Face à petição inicial do presente processo tem que se concluir que, embora exista identidade quanto ao efeito prático dos pedidos, não há identidade quanto à causa de pedir, uma vez que são invocáveis vícios negociais diferentes. E vícios que consubstanciam factos essenciais e não instrumentais das anteriores acções. Deste modo, está excluída a possibilidade de lançar mão do carácter preclusivo do caso julgado (…).
Como bem refere a ré Banco 1..., nesta acção os autores vêm alegar que foi retirada a primeira página do contrato onde constava 30.000 euros, e substituída por outra onde constava 72.000 euros. E que a causa de pedir nesta segunda ação tem uma nuance que não ocorria na primeira: afinal a pág. 1 do contrato de mútuo com fiança fora substituída, e a que os AA assinaram conteria a indicação do valor de 30.000 euros, e a que ficou a integrar o contrato evidencia o valor de 72.000 euros e contém rúbricas que não são dos AA, ou seja, o contrato em causa seria falso (…) Mais alegam que os autores descobrem o novo logro (a substituição da 1ª página do contrato onde afinal constariam 30.000 euros e não 32.000 como referiram na anterior ação) com a entrega da cópia digitalizada em Fevereiro de 2019 (…). No entanto, nas anteriores acções ficou demonstrado que os autores se constituíram como fiadores, já que os próprios assumiram ter assinado e rubricado os documentos em causa. Deste modo, estamos também perante a figura da autoridade de caso julgado (…).
Escrevia RODRIGUES BASTOS (Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3.ª edição, Lisboa, 2001, p. 45), que, enquanto que a autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material já definida por uma decisão com trânsito possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção de caso julgado destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual (…).
De forma mais impressiva, decidiu-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1360/20.2T8PNF.P1, de 11-5-2021, que a força do “caso julgado” manifesta-se em duas vertentes: i) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada [exceção dilatória (ou efeito negativo) do caso julgado]; ii) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adotada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie [autoridade (ou efeito positivo) do caso julgado]. Na autoridade do caso julgado, a identidade do objeto da relação jurídica pode ser meramente parcial: uma determinada questão decidida na primeira ação configura-se como questão prejudicial na segunda, não podendo aí ser decidida em termos diversos, obviando-se assim a que a relação jurídica material definida por uma decisão com trânsito em julgado possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica.
Ora, como bem refere a ré, constituiu um pressuposto absolutamente essencial e determinante da anterior decisão transitada em julgado, que os AA outorgaram o contrato de mútuo com fiança pelo valor de 72.000 euros.
E o que os AA pretendem agora é que o tribunal contradiga a anterior decisão e reconheça que afinal, perante a dita falsidade, os AA não outorgaram esse contrato de mútuo com fiança pelo valor de 72.000 euros. Assim, este facto encontra-se assente por força da autoridade de caso julgado. Facto este que não mais pode ser contraditado.
Ora, em casos de conexão, concurso, subsidiariedade, dependência, condição, prejudicialidade (como é o caso) e de sinalagmaticidade entre causas de pedir de diversas acções com os mesmos sujeitos, é possível invocar esta figura quanto aos fundamentos de facto doutra decisão desde que estejamos perante as mesmas partes (cfr. para maiores desenvolvimentos FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, vol. II, Almedina, 2015, p. 639-641, JOÃO DE CASTRO MENDES, e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de processo civil, vol. I, AAFDL, 2022, p. 661 e ss.).
Nos presentes autos ocorre exactamente aquilo que foi apontado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 687/17.5T8PNF.S1, de 13-09-2018: a autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obsta a que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionada no artigo 581º do Código de Processo Civil. E no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 23201/17.8T8PRT.P1, de 11-10-2018 (…).
Por força da autoridade de caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida no primeiro processo, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são exactamente as mesmas que (…) aqui pretendem ver apreciadas e discutidas. Há, pois a necessária relação de prejudicialidade. De outro modo, a decisão proferida no primeiro processo – abrangendo os fundamentos de facto e de direito – que lhe dão sustento, seria posta em causa, de novo apreciada e decidida de modo diverso neste processo.
Demonstrada a tese dos autores, o tribunal concluiria que os autores não outorgaram o contrato de mútuo com fiança, quando nas acções anteriores concluiu-se que os autores outorgaram o referido negócio jurídico. Impõe-se assim absolver os réus dos pedidos…”
*
Discordam os AA/Recorrentes da decisão proferida, alegando o seguinte:
No caso dos presentes autos, e atenta a ação de processo comum nº 724/14...., que correu termos no Juízo Central Cível de Braga, J..., não se verifica a tríplice identidade prevista e ordenante no nº 1 do artigo 581º do CPC. Desde logo, pela diferença dos pedidos deduzidos nas ações, e principalmente quanto à identidade da causa de pedir.
Como preceitua o nº 4 do artigo 581º do CPC, nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido. Nos presentes autos, o facto concreto que se invoca é a falsificação das rúbricas dos Autores no contrato de fiança, o que determina a sua nulidade, bem como a invocação das nulidades invocadas por violação do Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, previstas no Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 220/95 de 31 de Agosto e do Decreto-Lei nº 249/99 de 7 de Julho.
E os pedidos também não são idênticos, como resulta da simples leitura dos mesmos. Os Autores com a presente ação vieram suscitar a tutela jurisdicional, por enormes prejuízos sofridos, e com fundamento de que não foram os subscritores da primeira folha e primeira página do contrato de fiança celebrado em ../../2009, com a Ré Banco 1..., S. A. Em processo algum, incluindo o Pedido de Indemnização Civil deduzido no Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 252/14...., alegaram os Autores, como causa de pedir, a falsificação das suas assinaturas e/ou rúbricas apostas na primeira folha e primeira página do referido contrato.
Na página 26 da sentença, vem escrito o seguinte: “… Demonstrada a tese dos autores, o tribunal concluiria que os autores não outorgaram o contrato de mútuo com fiança, quando nas ações anteriores concluiu-se que os autores outorgaram o referido negócio jurídico (…). Ora, o raciocínio supra citado é errado, porquanto o que resulta da matéria de facto e de direito alegada nos articulados pelos recorrentes, é que celebraram o referido negócio jurídico; no entanto, o mesmo é nulo, entres outras, por força da falsificação ou viciação das suas rúbricas na primeira página do mesmo contrato, e da falsificação do teor da primeira página, que os mesmos haviam lido e rubricado.
Ora estes factos, não sendo instrumentais, não foram alegados nem julgados nas anteriores ações, e constituem, isso sim, factos essenciais de que resultaria na procedência da ação, se provados, e dos pedidos deduzidos.
A questão colocada pelos recorrentes na presente ação não foi discutida nas ações anteriores. É por isso correto considerar que não há exceção nem autoridade de caso julgado, pois o objeto da presente ação é diferente dos das anteriormente julgadas.
*
Mas não podemos concordar com os recorrentes.
A alegação por eles feita nestes autos – de que não assinaram a primeira página do contrato de mútuo com fiança, onde se faz alusão ao valor mutuado de 72.000 euros, e a prova que pretendiam fazer dessa realidade, com o prosseguimento dos autos, demonstrando, a final, que aquele contrato é nulo -, iria contrariar em absoluto a decisão proferida na ação anterior (ação de processo comum nº 724/14...., que correu termos no Juízo Central Cível de Braga, J...), já transitada em julgado, de que Os autores intervieram como co-fiadores solidários, juntamente com DD e mulher FF, no contrato de mútuo com fiança com o nº ...91, celebrado entre a EMP01... – Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª, e a Banco 1... S.A., em 01/06/2009, embora com data de eficácia de 29 de maio de 2009, no montante de €72.000,00 (setenta e dois mil euros), com expressa renúncia dos fiadores ao benefício de excussão prévia e benefício do prazo”.
Vejamos:
Como se sumariou no Ac. do STJ de 22-02-2018 (disponível em www.dgsi.pt) – e ficou bem vincado na decisão recorrida -, “A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, tem-se entendido que “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.”
Ora, no caso em apreço, o que verificamos na ação comum nº 724/14...., os AA peticionavam ali que fosse declarada a anulação da fiança por si prestada no contrato de empréstimo com fiança nº ...91, por erro sobre o objeto do negócio nos termos do art.º 251º do CC; por conduta dolosa da Ré e da EMP01... e co-fiadores (artº 253º e 254º CC); por erro sobre os motivos determinantes da vontade, nos termos do nº 2 do art.º 252º do CC, e conduta dolosa da Ré e da EMP01... e cofiadores na criação do erro sobre os motivos determinantes da vontade (artº 253º e 254º CC); e por falta de entrega de cópia do respetivo contrato (nº ... art.º 6º e 7º do DL 359/91 de 21/09).
Alegavam ali, no essencial, que intervieram como co-fiadores solidários no contrato de mútuo com fiança com o nº ...91, no montante de €72.000,00, mas que os gerentes da EMP01... sempre falaram ao autor que este empréstimo era de €32.000,00, sendo também esse o valor que lhes foi falado pelo gerente da Banco 1.../... no momento da assinatura. Que nunca se falou de €72.000,00, nem nos preliminares, nem na assinatura do contrato na Banco 1.../... no dia 01/06/2009. Só decorridos mais de dois anos é que o A. marido foi confrontado com a informação de que o contrato era de €72.000,00, sendo apenas nessa altura que lhe foi fornecida cópia do contrato, e que os AA. comprovaram que tinham sido enganados quanto ao montante do crédito e valor da fiança.
Mais alegavam que nem o texto do contrato foi fornecido antecipadamente aos AA, nem as clausulas do contrato lhes foram lidas no ato da sua assinatura; apenas foi transmitido aos AA pelo Dr. CC, gerente da agência da Banco 1..., que se tratava de um contrato de mutuo com fiança no valor de €32.000,00, a pagar em prestações, e por isso os AA. confiaram inteiramente nele e assinaram o contrato sem o ler.
Nesse processo foi proferida sentença, julgando a ação totalmente improcedente, dando-se nela como provado que “Os autores intervieram como co-fiadores solidários, juntamente com DD e mulher FF, no contrato de mútuo com fiança com o nº ...91, celebrado entre a EMP01... – Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª, e a Banco 1... S.A., em 01/06/2009, embora com data de eficácia de 29 de maio de 2009, no montante de €72.000,00 (setenta e dois mil euros), com expressa renúncia dos fiadores ao benefício de excussão prévia e benefício do prazo” e como não provado que “Os gerentes da EMP01... sempre falaram ao autor, que este empréstimo era de €32.000,00, e foi esse o valor que lhes foi falado pelo gerente da Banco 1.../... no momento da assinatura do contrato”; que “Só quando, decorridos mais de dois anos, estranhando nunca mais acabar o débito destas prestações, o autor marido foi à agência em ... questionar a situação, é que foi confrontado com a informação de que o contrato era de €72.000,00”; que “No ato de assinatura do contrato, apenas foi transmitido pelo Sr. Dr. CC, que se tratava de um contrato de mútuo com fiança no valor de €32.000,00, a pagar em prestações e por isso os autores confiaram inteiramente e assinaram sem ler”; que “O gerente da ré/agência de ..., e os gerentes da EMP01..., concertadamente, induziu os autores a assinar um contrato por €72.000,00 na convicção de que estavam a assinar €32.000,00”; e que “O gerente da ré/agência de ... e os gerentes da EMP01..., bem sabiam que os autores nunca teriam aceite ser fiadores, se o valor da fiança fosse superior aos €32.000,00”.
Ora, como decorre da análise da sentença proferida naquela ação, foram eleitas como questões a decidir: a verificação dos requisitos da anulação do negócio por erro sobre o objecto e por conduta dolosa da contraparte; a verificação dos requisitos da anulação do negócio por erro sobre os motivos determinantes da vontade e por conduta dolosa da contraparte na criação desse erro sobre os motivos; a nulidade do contrato por falta de entrega aos autores de cópia do respectivo contrato; e os danos sofridos pelos autores.
E foram ali apreciadas as referidas questões, concluindo-se pela inexistência, quer de erro vício, quer pela inexistência de dolo por parte da ré, constando da decisão proferida que “A matéria de facto apurada não sustenta esta alegação, o que implica o inêxito da pretensão anulatória do contrato (artº 342º, n.º 1, do Código Civil) e a consequente restituição do que foi pago. A demonstração dos factos integradores do erro enquanto fundamento da anulabilidade do negócio constitui ónus de quem invoca o erro (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil). Ora, não lograram os autores fazer tal demonstração. A versão trazida pelos autores não alcançou sustentação factual, resultando indemonstrada (…). Neste contexto, não se verificando, por um lado, que os autores celebraram o contrato de mútuo com fiança no convencimento de que o seu valor era de € 32.00,00 e não de € 72.000,00, sendo este erro sobre o valor do negócio um elemento constitutivo do direito invocado, e, por outro, que a ré tenha usado de sugestão ou artifício com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro os autores, o sentido da decisão do tribunal não poderá deixar de ser pela improcedência do seu pedido”.
E o mesmo se passou relativamente ao outro fundamento invocado, da nulidade do contrato por falta de entrega de cópia do mesmo, considerando-se na sentença proferida que “…a invocação revela-se inconsequente, na medida em que o alegado erro não resultou demonstrado, não podendo os autores invocar a falta de entrega de exemplar do contrato ou de comunicação de cláusulas do contrato de mútuo que afiançaram, cujo conteúdo conhecem, para efeitos de se eximir ao cumprimento das suas obrigações como fiadores…”
E concluiu-se, a final, o seguinte: “Nestes termos, não se verificando o erro sobre o objeto do negócio ou sobre os motivos determinantes da vontade, nem uma conduta dolosa da ré, fundamentadores da anulação do negócio, do mesmo modo que a falta de entrega de um exemplar do contrato não gera a sua nulidade, improcedem os pedidos dos autores (…). Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a presente acção, absolvendo-se a ré do pedido”.
Ora, como é bom de ver, foi apreciada na ação anterior (ação de processo comum nº 724/14....), a validade do contrato de mútuo com fiança no qual intervieram os AA, nomeadamente foram ali apreciados os alegados vícios que os AA imputavam àquele contrato, tendo-se concluído pela inexistência dos mesmos: erro sobre o objeto do negócio ou sobre os motivos determinantes da vontade, e conduta dolosa da ré, fundamentadores da anulação do negócio, assim como da falta de entrega aos AA de um exemplar do aludido contrato.
Assim sendo, tal decisão – nos precisos termos em que foi proferida -, impõe a sua autoridade de caso julgado à ação ora instaurada pelos AA, mesmo que eles venham invocar outra causa de nulidade – a falsidade do documento –, em contrário, aliás, das suas alegações anteriores, de que o contrato se encontrava bem redigido, dele constando o valor do mútuo de €72,00,00, apenas o tendo assinado sem o ler, induzidos em erro pelos co-fiadores e pelo gerente da 1ª ré.
Verifica-se aqui à evidência, como bem se decidiu na decisão recorrida, o efeito de autoridade de caso julgado material formado por tal decisão absolutória, o qual é substantivamente impeditivo da apreciação e reconhecimento dos direitos peticionados pelos AA na presente ação.
Segundo Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, 304), o caso julgado material «Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.» Para o mesmo Autor (Ob. cit. pp 305-306), o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos: a) – o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”;    b) – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”.
Nas lúcidas palavras daquele Autor «O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável. Vê-se portanto que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social (Schönke)»
No respeitante à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes: a) uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura; e b) uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais (vide, entre outros, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 38-39; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 572; e Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 354).
Quanto à função negativa ou exceção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, tem de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.
Já quanto à autoridade de caso julgado, segundo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado (acórdãos do STJ, de 13/12/2007, de 06/3/2008, e de 23/11/2011, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Também Lebre de Freitas e outros (In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, p. 354) consideram que “…a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.
Muito significativo é o ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa (In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579), de que “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
Em suma, a autoridade do caso julgado, nos termos acima definidos, implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
É de referir ademais, que embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, tem-se entendido que “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.” (acs. do STJ, de 20/06/2012, e de 02-12-2020, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Donde, apesar de nas ações em confronto o pedido e a causa de pedir poderem ser distintos, importa analisar (todo) o conteúdo da sentença transitada em julgado, a fim de verificar se, do que nela foi definido quanto ao direito ali discutido, resulta o estabelecimento de determinada realidade incompatível com a fixada na nova ação interposta.
Aceita-se assim como regra, de acordo com a doutrina e a jurisprudência citada, que o instituto do caso julgado abrange não só o respetivo segmento decisório, como também a decisão das questões preliminares que tenham constituído antecedentes lógicos indispensáveis da emissão da decisão final.
Fazendo novamente apelo aos ensinamentos de Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 578), «O caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (…), que pode ser, por exemplo, a condenação ou absolvição do réu ou o deferimento ou indeferimento da providência solicitada. Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».
Daí que, como se afirmou no Acórdão do STJ de 26-04-2012 (também disponível em www.dgsi.pt), “A determinação do âmbito de caso julgado, formal ou material, de uma sentença, pressupõe a respectiva interpretação. Para o efeito, não basta considerar a parte decisória, cumprindo tomar em conta a fundamentação, o contexto, os antecedentes da sentença e os demais elementos que se revelem pertinentes, sempre garantindo que o sentido apurado tem a devida tradução no texto”.
Ou seja, interpretar o conteúdo de uma sentença de mérito é pressuposto indispensável da determinação do âmbito do caso julgado material, sabendo-se, para o efeito, que não basta considerar a parte decisória da mesma, cabendo tomar na devida conta a fundamentação.
Como bem referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 715) “…é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado” (Ac. do STJ de 29.4.2010 e de 8.6.2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Também no Ac. do STJ de 27-04-2004 se sumariou que “O que nos termos dos art.ºs 671º, nº 1, e 673º do CPC adquire valor de caso julgado material é a parte dispositiva da sentença entendida como um todo, englobando a decisão propriamente dita e os respectivos fundamentos enquanto seus pressupostos. Assim, a interpretação duma sentença em ordem a estabelecer os seus limites executivos deve circunscrever-se à verificação do comando, da prestação que dela ficou a constar, podendo o intérprete, para tanto, reconstituir os diversos elementos do silogismo judiciário reflectidos na decisão”.
*
Ora, tomando por base os ensinamentos descritos, e analisada a sentença proferida no processo comum nº 724/14...., constatamos que ficou ali definitivamente decidido que o contrato de mútuo com fiança no qual foram intervenientes os AA (descrito no ponto 1 da fundamentação de facto daquela sentença) não padece dos vícios que os AA lhe imputavam, e não está ferido, por isso, de nulidade.
Vale isto por dizer que esse contrato e o reconhecimento da sua validade incluem-se nos limites objetivos do caso julgado, sendo irrelevante que na decisão proferida, ou seja, na parte final decisória, se não tenha dito expressamente que aquele contrato é válido, quando, afinal, essa validade está lá bem impressa, de forma implícita, no conjunto de pressupostos fundadores da decisão – como tivemos oportunidade de referir.
Como impressivamente se estatuiu no Ac. do STJ de 20.5.2004 (disponível em www.dgsi.pt) “…Nos limites objectivos do caso julgado incluem-se as questões preliminares, ainda que implícitas, que funcionam como pressupostos necessários e fundadores da decisão final (…) Qando se aceita que as decisões implícitas podem integrar os limites objetivos do caso julgado está-se a aceitar e confirmar isso mesmo: isto é, que não é necessário constar de decisão expressa o que, implicitamente, a decisão pressupõe. O mundo judiciário dá-nos diariamente exemplos desses. Dos mais frequentes, temo-los nas ações de divórcio litigioso julgadas improcedentes e onde na parte decisória - como é óbvio - não há uma palavra sequer a referir que, subjacente, há um casamento válido. A existência do casamento está pressuposta e, sem mais, não é preciso sublinhar aquilo que está implícito. Exemplos destes, poderiam multiplicar-se indefinidamente…”
Ora, na esteira do afirmado, verificamos que no nosso caso a decisão proferida no processo nº 724/14.... decidiu plenamente a questão colocada, ainda que implicitamente, pelo que a mesma se impõe inelutavelmente (entre as mesmas partes) a todos os tribunais, que têm o dever de a acatar, mesmo que venham a ser invocadas, noutras ações, outras causas de nulidade, pondo dessa forma em causa uma realidade que foi já firmada por decisão anterior, transitada em julgado.
Dito de outro modo: Assente que o contrato de mútuo com fiança celebrado pelas partes é válido, não pode a sua validade ser novamente questionada, seja por causa da invalidade já apreciada, seja por outra, entretanto invocada pelo demandante.
Objetivamente, é esse o efeito prático do caso julgado, na sua vertente positiva ou de Autoridade do caso julgado, ou seja, sem a preocupação de fazer coincidir a conclusão expressa na sentença com aquela que, na nossa perspetiva traduziria a solução legal e justa do caso, correspondente à boa aplicação da lei; para o efeito aqui em causa, tal é irrelevante, desde que seja preservada a certeza e a segurança jurídicas, que garantem, em última instância, a estabilidade e a paz social.
*
Serve tudo quanto se afirmou para concluir que bem andou a decisão recorrida em defender a existência da autoridade de caso julgado formada pela decisão proferida na ação anterior, que impede que se volte a discutir a questão nesta ação.
*
Alegam ainda os AA que com a decisão proferida se mostra violada a alª b) do nº 1, do artigo 595º do CPC e, com ele, o princípio estrutural do processo civil, do direito de ação, consagrado no nº 2, do artigo 2º do CPC, configurando uma interpretação inconstitucional da aludida norma, por violação do direito de acesso aos tribunais, conferido no nº 1 do artigo 20º, da CRP.
Mas não cremos que se denega justiça aos AA, com a absolvição dos RR do pedido, com fundamento na autoridade do caso julgado.
Efetivamente, o direito dos recorrentes à tutela jurisdicional efetiva – consagrada no citado art.º 20º nº 1 da CRP -, de modo algum foi violado, pois que foi-lhes permitido intentar livremente ambas as ações (além das demais acima mencionadas), e sempre estiveram eles em condições de aceder aos tribunais para fazer valer os seus direitos, embora com o correlativo dever de antever as implicações nesta ação, da decisão proferida na anterior, na qual foram também intervenientes, tendo tido nela todas as possibilidades de pleitear e fazer valer ali os seus direitos, dentro dos comandos da lei.
Por outro lado, a solução adotada pelo tribunal recorrido – de fazer valer a autoridade de caso julgado formado pela decisão anterior –, mostra-se inteiramente conforme à razão de ser da norma do art.º 581º do CPC, uma vez que, implicando tal decisão a absolvição dos RR do pedido, a mesma elimina em definitivo o risco de neste processo ser ditada uma decisão total ou parcialmente contrária à proferida na ação anteriormente julgada (Ac. STJ de 13.12.2007).
Improcedem assim todas as conclusões de recurso dos apelantes Autores.
*
III- Da litigância de má-fé dos AA

Logo na contestação apresentada, veio o 3º R, DD, defender que é por demais evidente que os autores agem em nítida má fé, alegando factos que conscientemente sabem serem falsos, pois afirmam factos num processo, e após perder esse processo, intentam outros processos, alegando o contrário do que tinham alegado no primeiro processo.
Que intentam processos contra si uns atrás dos outros, fazendo-lhe uma perseguição atroz, sendo certo que o querer “chatear” o 3º réu é patente, pelo simples facto de nenhum pedido condenatório ser diretamente formulado contra si. Que somente pedem a declaração de nulidade do contrato de mútuo, mas no que diz respeito ao reembolso das quantias mutuadas e à indemnização por danos morais, somente formulam os pedidos de condenação contra a 1ª ré, pessoa sem dúvida com imensa capacidade económica.
Os autores deduzem assim uma pretensão que bem sabem não ter qualquer correspondência com a verdade dos factos; fazem do processo um uso manifestamente reprovável; e visam com o mesmo, obter objetivos contra a lei.
Por esse motivo, dizem que devem os autores ser condenados em exemplar multa e indemnização a seu favor, deixando ao prudente critério do Tribunal a quantificação da multa, mas no que diz respeito à indemnização a seu favor, a mesma nunca poderá ser inferior a € 10.000,00, atenta a gravidade e manifesta má fé dos autores.
*
Quanto à litigância de má fé dos AA consta da sentença recorrida o seguinte:
“…Tal como qualquer outro direito, o direito de acção, o direito de defesa, o exercício do contraditório e demais faculdades jurídico processuais não configuram situações absolutas. As mesmas possuem limites e o seu exercício não é arbitrário.
Uma das sanções para a ultrapassagem desses limites é, como é sabido, a litigância de má fé. Nas palavras de PEDRO DE ALBUQUERQUE (Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo, Almedina, 2006, p. 55 e 56), a litigância de má fé visa acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela própria justiça; é um instituto destinado a assegurar a moralidade e eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça. Para PAULA COSTA E SILVA (op. cit., p. 379 e ss.), existe a ocorrência de litigância de má fé quando se verifica: a. Uma conduta processual; b. Típica (que se subsuma, em perspectiva objectiva e subjectiva, numa das alíneas supra mencionadas); c. Ilícita (neste âmbito a ilicitude, o juízo de desvalor objectivo, obtém-se por via da violação de uma norma [conceito formal] e da violação do bem jurídico protegido por esta [conceito material] inexistindo qualquer causa de justificação); d. E culposa (a culpa, o juízo de censurabilidade ao agente concreto, relevará na determinação do conteúdo concreto da obrigação de indemnizar e da multa).
Todavia, a ilicitude é tipificada num sistema de cláusulas taxativas, excluindo os comportamentos processuais meramente negligentes. Deste modo, atribui-se mais liberdade a quem actua no processo em comparação com as actuações não processuais. E tal concepção é, desde logo, imposta constitucionalmente. Nas palavras de TILMANN as garantias constitucionais que rodeiam o direito de acção exigem que se conceda uma larga margem de actuação ao demandante (apud PAULA COSTA E SILVA, op. cit., p. 435) (…).
Na Alemanha a jurisprudência atribui uma presunção de conformidade ou de licitude no âmbito da actuação processual (…) já que uma visão contrária implicaria uma muito duvidosa restrição do direito de acesso aos tribunais e do direito de acção, aos quais também estão subjacentes interesses de ordem pública relevantes. Contudo, o direito de acção, como qualquer outro direito subjectivo, não é uma liberdade absoluta. BLOMEYER escreve que é função do processo pôr termo a litígios que eclodem em torno de situações tendencialmente duvidosas. O autor que recorre a tribunal não tem de ter a certeza de que lhe assiste razão; do mesmo modo não pode impor-se ao réu que se limite a contestar a pretensão se tiver a certeza absoluta daquilo que afirma. A dúvida é co-natural ao processo, há sempre um certo grau de risco em todas as acções, instrumentos de contraponto à proibição de justiça privada. E a dúvida pode ser absolutamente legítima, conforme se demonstra através dos esquemas de recurso e de revogação de decisões de tribunais inferiores por tribunais superiores, bem como das inflexões jurisprudenciais (PAULA COSTA E SILVA, op. cit., p. 21-24). Como se escreve no aresto do STJ, de 15-10-2002 (in www.dgsi.pt), esta matéria é uma matéria melindrosa: a lide processual arrasta um afrontamento/conflito de interesses pouco propício a uma ponderação serena e objectiva das intervenções processuais, obnubilando o todo processual e deixando ver apenas a verdade do seu caso.
Posto isto, tudo sopesado, o tribunal conclui de forma negativa (…).
Quanto ao réu DD, a nosso ver, afigura-se bastante relevante que os autores tenham desistido do pedido.
Já quanto aos demais réus, como se viu, a presente acção é decidida, não com base no caso julgado, mas na autoridade do caso julgado.
Deste modo, afigura-se difícil concluir que os autores tenham deduzido pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar. Admite-se que conheciam os enormes riscos desta acção, e das probabilidades baixas da sua procedência, mas dentro ainda daquela margem admissível que se concede ao demandante. Por isso, deverão ser absolvidos deste pedido…”.
*
Insurge-se o Recorrente DD contra este segmento da decisão recorrida, dizendo que quanto a si o tribunal deu relevância ao facto dos recorridos terem desistido dos pedidos, mas não vê como essa desistência poderá retirar a má fé aos recorridos.
Diz que é certo que os recorridos desistiram dos pedidos formulados contra si, mas que tal desistência foi forçada, e não partiu da iniciativa espontânea dos recorrentes, facto que é elucidativo de que a intenção dos recorridos seria a de poder voltar a incomodar judicialmente o recorrente com assunto relacionado com o objeto destes autos.
Entende assim que a desistência dos pedidos formulados contra si não releva para “apagar” a má fé dos recorridos, nem tem o efeito de “apagar” o facto do recorrente, mais uma vez, ter de se defender contra mais uma ação infundada intentada por aqueles. Que teve incómodos, perda de tempo, e que teve de despender energia e dinheiro com a apresentação da defesa nestes autos. Ou seja, com a instauração dos presentes autos os recorridos causaram-lhe danos patrimoniais e psicológicos, danos esses que não desaparecem simplesmente porque os recorridos desistiram do pedido.
*
Apreciando:
Começamos por dizer que não está em causa nos autos a questão de saber se é ou não possível conhecer da litigância de má fé das partes após a extinção da instância, por desistência (da instância ou do pedido), por transação, ou por impossibilidade superveniente da lide, uma vez que o próprio tribunal recorrido conheceu da pretensão do recorrente, mesmo após ter homologado a desistência do pedido formulado pelos AA contra o recorrente.
A questão não foi, no entanto, pacífica (embora em termos de passado).
Rodrigues Bastos (Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. II, 2.ª Ed., Lisboa – 1971 pág. 358 em anotação ao art.º 456º), a propósito desta questão, sustenta que «a condenação como litigante de má fé é uma obrigação do juiz, face ao que se dispõe no art.º 456º, n.º 1 do CPC, e constitui objecto de uma pretensão, que não pode deixar de conhecer, quando a parte contrária tenha formulado o pedido de indemnização». Neste último caso, prossegue o autor, «a acção poderá prosseguir, após o julgamento da desistência ou da confissão, quando a parte contrária ao desistente ou confitente, que tenha pedido a indemnização (…), assim o requerer e o processo não contiver os elementos necessários à formação de juízo nessa matéria».
Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Ld.ª - 1979, pág. 359.) ensina, por sua vez o seguinte: «Acentue-se, finalmente, que pode haver má fé, tanto substancial como instrumental, por parte do litigante que desiste ou que confessa o pedido. Em qualquer dos casos não há obstáculo a que o juiz possa e deva aplicar as respectivas sanções. Se assim não fosse, no 1.º caso (desistência) qualquer pessoa podia, sem perigo, importunar ou prejudicar outrem com litígios sabidamente infundados (e até, para mais, com a possibilidade de vir a beneficiar da conhecida alea judiciorum); e de modo análogo (mutatis mutandis) quanto ao 2.º caso (confissão). Bastava-lhe desistir ou confessar in extremis (assim, por ex., logo depois das respostas desfavoráveis do colectivo)» (E abre uma nota para citar  J. A. Reis, em Jurisprudência crítica sobre processo civil, I, pág. 168, onde o Prof. comenta o Ac. do STJ de 09-11-1949, citado no texto a propósito da segunda tese).
Efetivamente, no citado Ac. do STJ de 09-11-1949, argumenta-se que só se pode condenar por litigância de má fé, quando a litigância dolosa for com dolo instrumental, porque a desistência do pedido impede que se conheça deste, e portanto impede que se averigue se ele era conscientemente injusto (ilegal) para o efeito de se reconhecer a existência do dolo substancial.
Para os defensores desta corrente, isto será assim quando se verifique a desistência do pedido ou outra forma de extinção da instância, antes de estar fixada a matéria de facto dada como provada; se esta já se encontra fixada, o juiz tem de apreciar a existência ou inexistência da má fé, nos termos do art.º 456º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
O peso dos argumentos da primeira corrente, leva-nos a aderir a ela.
Vai também nesse sentido a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que são exemplo o ac. desta RG de 10.5.2018; o Ac. da RC de 16/03/2021; o Ac. RL de 09/01/2020; e o Ac. STJ de 20/03/2014 (todos disponíveis em www.dgsi.pt, citados pelo recorrente).
Afigura-se-nos assim seguro que a desistência do pedido não prejudica a apreciação da litigância de má fé do desistente, tese que foi também sufragada pelo tribunal recorrido, que apesar de ter homologado a desistência do pedido formulada pelos AA, apreciou a questão suscitada pelo recorrente, da litigância de má fé dos desistentes.
Isto posto,
Pode afirmar-se, em termos gerais, que a má fé se traduz na violação dos deveres de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade, e não requerer diligências meramente dilatórias.
Nos termos do artigo 452º do CPC, ocorre litigância de má fé quando alguém, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; e d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça, ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A má fé tanto pode ser substancial (dizer respeito ao fundo da causa – als. a) e b)) como instrumental (dizer respeito à relação jurídica processual – als. c) e d)).
No primeiro caso, "o litigante espera obter uma decisão de mérito que não corresponde à realidade"; no segundo, "procura sobretudo cansar e moer o seu adversário, ou somente pelo espírito de fazer mal, ou na expectativa condenável de o desmoralizar, de o enfraquecer, de o levar a uma transação injusta" (José Alberto dos Reis, CPC anotado, anot. ao art.º 465.º)
No intuito de moralizar a atividade judiciária, o art.º 542º, n.º 2 (do CPC de 1961), oriundo da revisão de 1995, alargou o conceito de má fé à negligência grave, ou seja, enquanto que, anteriormente, a condenação como litigante de má fé pressupunha uma atuação dolosa, isto é, com consciência de se não ter razão, a conduta processual da parte está hoje sancionada, civilmente, desde que se evidencie, por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes). (Aliás, apontava já para tal “equiparação”, no domínio do anterior quadro normativo, o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 358, nota (2).
Como se refere no ac. do STJ referido supra, de 20/03/2014, “hoje a condenação como litigante de má fé deve ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, sendo esta última aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição "cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionado, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de lhe ser exigível essa consciencialização.”
A negligência grave tem sido entendida como “imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido (ao litigante) facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um.” (Menezes Cordeiro, Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa in agendo, pág. 26, e Ac. do STJ 6.12.2001, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, é sabido que as partes deverão litigar com a devida correção, ou seja, no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação, expressamente previstos nos artigos 7º e 8º do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do direito e da justiça no caso concreto.
A condenação como litigante de má-fé há-de por isso afirmar a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa – em qualquer das suas modalidades, de dolo direto, necessário, ou eventual -, ou pelo menos gravemente negligente, pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
No fundo, a figura do litigante de má fé ocorre nos casos em que o litigante sabe que não tem razão e, apesar disso, litiga, pretendendo exigir o que não é devido. Em tais casos, a má fé representa uma modalidade do dolo processual que consiste na utilização maliciosa e abusiva do processo.
O autor faz um pedido a que conscientemente sabe não ter direito - usa de dolo ou má fé para obter decisão de mérito que não corresponde à verdade e à justiça (J. A. dos Reis, CPC Anotado, Vol. II, 3ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1981, págs. 262 e 263 e Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 356).
No fundo, como bem se frisou na sentença recorrida, citando Pedro de Albuquerque (Responsabilidade Processual Por Litigância de Má fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Atos Praticados no Processo, Almedina, pág. 55 e ss.), o instituto da má fé, mormente na indicada vertente substantiva/material,  acautela um interesse público de “respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça”, destinando-se a assegurar “a moralidade e eficácia processual”, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.
*
Vejamos agora o caso dos autos, à luz das considerações expostas:
Baseia o tribunal recorrido a não condenação dos AA como litigantes de má-fé no facto de terem desistido do pedido quanto ao 3º Réu, ora recorrente, e de, relativamente aos demais RR, os presentes autos se enquadrarem num caso de autoridade de caso julgado e não de exceção de caso julgado, pretendendo com isso concluir, cremos, que a decisão da causa se baseou numa questão jurídica e não factual.
Ora, como bem afirma o recorrente, a litigância de má fé dos AA verifica-se, não apenas no facto de instaurarem a presente ação, mas também no que foi por eles alegado nesta e nas ações anteriores, que se revela absolutamente contraditório.
Consta efetivamente dos factos dados como provados na ação com processo comum 724/14...., intentada em 25/09/2014, que os recorridos alegaram ali que o recorrente lhes pediu para serem fiadores num contrato de mútuo com fiança pelo montante de € 32.000,00, que assinaram, em ../../2009, e que só passados dois anos vieram a descobrir que o mútuo com fiança teria sido celebrado por € 72.000,00.
Que só quando lhes foi fornecido cópia do contrato  (à qual só tiveram acesso através da transação efetuada no processo 670/18....), é que os recorridos comprovaram que tinham sido enganados quanto ao montante de crédito e valor da fiança.
Nos presentes autos dizem os autores que assinaram o mútuo com fiança por € 30.000,00, e que o réu CC (com a conivência do recorrente) terá substituído a primeira folha do contrato, com o montante do empréstimo por eles assinado, de € 30.000,00, por outra folha com o montante de € 72.000,00, e da qual constam rubricas que não são da sua autoria.
Ou seja, nos autos 724/14.... alegaram os recorridos que assinaram o contrato por € 72.000,00, na convicção de que o mútuo seria por € 32.000,00, tendo sido enganados quanto a esse facto; nestes autos afirmam que assinaram o contrato do qual constava o valor de € 30.000,00, mas que o mesmo foi alterado abusivamente pelos RR.
Para além disso, nos autos de processo comum nº 372/14.... afirmam que foram co-fiadores do contrato objeto desses autos, pelo montante de € 72.000,00, pedindo a condenação do recorrente e esposa a pagar-lhes a quantia de € 65.385,07, “em consequência do incumprimento do contrato de crédito.” Ou seja, naquele processo nº 372/14.... reconhecem os recorridos que assinaram o contrato de mútuo por € 72.000,000, e reconhecem a validade, desse contrato, sem vícios (cuja cópia juntam àquele processo).
Aliás, a ação nº 372/14.... foi intentada em 2014 e os recorridos juntaram nessa ação o contrato aqui em discussão por € 72.000,00.
Já nos autos de processo comum n.º 4199/14...., os recorridos peticionam a condenação do recorrente a pagar-lhes a quantia de € 50.943,04, por via do direito de regresso de metade do valor por eles pago à Banco 1..., por incumprimento do contrato de empréstimo identificado objeto destes autos.
Também nos autos 4199/14.... afirmam a validade do contrato de mútuo por € 72.000,00. E também nesses autos 4199/14...., intentados em 2014, juntam o contrato de mútuo como prova.
Resulta assim do exposto, que os recorridos, contrariamente ao afirmado nestes autos, afirmaram nos processos anteriores, que tiveram acesso ao contrato cuja validade questionam, pelo menos em 2014, e nessa altura aceitaram, quer o montante aposto no contrato, quer o facto de o terem assinado, e de o mesmo se apresentar válido, sem que houvesse substituição de qualquer página com falsificação das suas rubricas.
Para além disso, nos referidos autos 724/14...., intentados no ano de 2014, os autores alegam que tiveram conhecimento que foram enganados quando tiveram acesso à cópia do contrato passados dois anos sobre a sua assinatura. Já nestes autos alegam que só tiveram conhecimento da alegada falsificação quando tiveram acesso ao contrato, o que só aconteceu com a transação efetuada no processo 670/18.... (em 2018).
Ademais, os recorridos afirmam nestes autos que foi o réu CC quem falsificou as suas rubricas na primeira página do contrato. No entanto, no processo crime 252/14...., do qual os recorridos foram denunciantes, o referido réu CC não foi condenado por factos relacionados com este contrato, tendo o pedido de indemnização cível formulado pelos recorridos sido julgado improcedente. Resulta aliás, de forma clara, da sentença proferida naqueles autos, que não ficou provada a falsificação do documento relativo ao contrato dos denunciantes.
Ora, das alegações dos AA, e das incongruências expostas, só se pode retirar uma conclusão: a de que os AA deduzem pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar; Alteram conscientemente a verdade dos factos, para sustentarem a versão dos mesmos que melhor serve a sua pretensão; e fazem do processo  um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguirem um objetivo ilegal.
A sua conduta é a de litigantes de má-fé.
Como se colhe do Ac. do STJ de 26.01.2017 “Litiga de má fé a parte que alega factos que sabe serem contrários a verdade, ou que omite factos relevantes para a decisão da causa com intenção de obter uma decisão do litígio que lhe seja favorável”.
E o mesmo se passa com o Ac. do STJ de 22.02.2017, onde se decidiu que “Litiga de má-fé, na medida em que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, o A. que intenta ação com os mesmos fundamentos e com o mesmo pedido que deduzira em reconvenção, na ação anteriormente intentada contra si pela R. na presente ação, e cujos fundamentos de facto e de direito invocados haviam sido conhecidos e julgados improcedentes, com trânsito em julgado”.
É assim para nós evidente que os AA/recorridos litigam nesta ação com má-fé, pois alteram a verdade dos factos, e deduzem pretensão contra o R/recorrente cuja falta de fundamento não podiam ignorar. E fazem-no de forma, senão dolosa, pelo menos gravemente negligente, pois não podiam ignorar a existência das ações anteriores, onde o direito que pretendem ver reconhecido nesta ação, lhes foi ali negado (por várias vezes), persistindo, no entanto, em usar os meios judiciais para fazer valer uma pretensão a que sabem não ter direito – ou que pelo menos lhes foi negada –, revelando uma postura desconforme ao direito, não acatando, como cidadãos civilizados, as decisões dos tribunais.
Verificamos assim que estão preenchidas as als. a), b) e c) do nº 2 do art. 542º, do CPC, justificando-se a condenação dos AA como litigante de má fé.
*
Nos termos do art.º 542º nº 1 do CPC “Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa, e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”.
Nos casos de condenação por litigância de má fé, a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC (art.º 27º n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais/RCP, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26.02, na redação conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13/02).
O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente, e a repercussão da condenação no património deste (n.º 4).
Face ao disposto no art.º 27º, n.º 4 do RCP, deverá o juiz tomar em consideração os efeitos da conduta de má fé no desenrolar do processo e na correta decisão da causa, bem como a situação económica do agente, e a repercussão que a multa terá no seu património.
Na verdade, a multa por litigância de má fé, como qualquer outra sanção, procurará desempenhar uma função repressiva (punindo aquele que não cumpre com os deveres de lealdade e correção) e, simultaneamente, preventiva (evitando que esse, ou qualquer outro litigante, volte a desrespeitar a lealdade processual).
Mas estas funções apenas lograrão ser alcançadas se se tomar em consideração a situação económica do litigante, adaptando o montante da multa à sua condição financeira, assim garantindo que esta tenha verdadeiro efeito sancionatório e punitivo (Marta Frias Borges, Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, Dissertação apresentada à FDUC no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas, 2014, Coimbra, pág. 69, acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt.).
Ora, no que respeita à situação económica e financeira dos AA - litigantes de má fé -, os elementos existentes nos autos são escassos, sabendo-se apenas que os mesmos foram ambos declarados insolventes, sendo certo que era sobre si que impendia o ónus de carrear para os autos esses elementos, no âmbito do incidente de Litigância de Má-fé, que contra eles foi deduzido pelo Réu DD, ora recorrente, logo na contestação.
Quanto à factualidade apurada relacionada com a sua atuação processual, ficou demonstrado nos autos que os mesmos intentaram contra o R vários processos, sempre com base no mesmo contrato de mútuo com fiança, todos eles julgados improcedentes (ou que terminaram  antes do seu desfecho final), o que se revela altamente censurável.
Não pode deixar, no entanto, de ser relevante para fixação do montante da multa, o facto de os AA terem desistido do pedido contra o R/recorrente, assim fazendo extinguir o direito que contra o mesmo pretendiam fazer valer. Ou seja, tal desistência teve seguramente reflexos na regular tramitação do processo – dispensando pelo menos o tribunal de apreciar as questões suscitadas nos autos, quer da parte dos demandantes, quer da parte do demandado.
Isso ponderado, e sabendo-se ainda que a multa a aplicar só terá verdadeiro efeito sancionatório e punitivo se adequada à gravidade da atuação do litigante prevaricador, consideramos que a multa a aplicar aos AA litigantes se deverá fixar em 5 UCs.
*
No que respeita à indemnização pedida pelo Recorrente, que ele pretende que seja fixada em montante não inferior a €10.000,00, baseia-se o mesmo no facto de ter de se defender contra mais uma ação “infundada” contra si intentada pelos recorridos, e que sofreu incómodos e perda de tempo, e que teve de despender energia e dinheiro com a apresentação da defesa nestes autos. Conclui assim o mesmo que com a instauração dos presentes autos os recorridos lhe causaram danos patrimoniais e psicológicos, danos esses que não desaparecem simplesmente com a desistência do pedido.
Esta questão não nos parece, no entanto, assim tão linear.
Nos termos do art.º 543.º do CPC, intitulado “Conteúdo da indemnização”, a indemnização pode consistir:
a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;
b) No reembolso dessas despesas, e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé.
2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.
3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.
4 - Os honorários são pagos diretamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado.
Como se vê, o art.º 543.º do CPC prevê duas modalidades de indemnização relativamente à litigância de má fé: uma simples ou limitada, contemplando os danos diretamente emergentes do procedimento doloso; outra plena ou agravada, abrangendo tanto os danos diretos como os indiretos. Por regra, a indemnização ao abrigo daquele preceito não pode exceder o âmbito processual em que a má fé operou.
No que respeita à fixação da indemnização à parte, nos termos do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo citado, o juiz «com prudente arbítrio», «opta pela indemnização que julgue mais adequada», segundo «o que parecer razoável», depois de «ouvidas as partes», o que implica que não se exija produção formal de provas como ocorre na audiência de julgamento.
O prudente arbítrio e a razoabilidade arrancam de uma correspondência entre o que se tem por razoável e a realidade histórica, a qual, na falta de produção de provas, se obtém apelando aos dados que constam do processo, às alegações das partes, ao que é comum acontecer na vida quotidiana, e às regras da experiência.
Como se decidiu no Ac. da RP de 13.02.2017 (disponível em www.dgsi.pt) “A responsabilidade por litigância de má fé, está sempre associada à verificação de um puro ilícito processual, razão pela qual os danos referidos pelo artigo 543.º só podem ser os resultados desse ilícito processual, não os resultantes da ofensa de posições jurídicas substantivas a que o litigante possa igualmente dar lugar com o seu comportamento, daí que a finalidade visada pela indemnização existente em sede de litigância de má fé não é, destarte, ressarcitória, como sucede com a responsabilidade civil mas sim meramente sancionatória e compensatória…”.
Isto posto,  
No caso em apreço, a indemnização pedida pelo recorrente é apenas a relacionada com os incómodos e perdas de tempo, dispêndio de energia e dinheiro com a apresentação da sua defesa, danos patrimoniais e psicológicos que não desaparecem simplesmente com a desistência do pedido.
Não pretende o recorrente ser indemnizado de quaisquer despesas – que não identifica -, nem sequer das despesas de honorários do seu mandatário (que lhe seriam, em princípio, pagas diretamente, nos termos do nº 4 do art.º 543º), ficando assim arredada a situação descrita na alínea a) do nº1 do art.º 543º.
A situação prevista na alínea b) constitui uma modalidade de indemnização plena, agravada ou de segundo grau, que se reporta ao «reembolso das despesas e satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária». Agora «a responsabilidade traduz-se na fórmula “lucros cessantes e danos emergentes”, quer os danos sejam consequência directa da má fé processual, quer sejam consequência indirecta» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, p. 276-277).
Mesmo ponderando a indemnização mais abrangente consagrada na alínea b) do preceito em análise, ter-se-á que ter presente que não estão em causa todos os danos que a parte a quem será atribuída a indemnização possa ter sofrido em consequência do processo, mas apenas os que se produziram posteriormente à litigância de má fé e que a ela são imputáveis (Lebre de Freitas, CPC anotado, Vol 2, pág. 200 (a propósito do CPC anterior à revisão mas com atualidade).
Também no Ac. RL de 31-5-2007 (disponível em www.dgsi.pt) se decidiu que «A indemnização devida na sequência da condenação por litigância de má fé tem de ligar-se por um nexo de causalidade adequada aos danos que não existiriam se não tivesse existido a litigância dolosa».
Como se referiu também no acórdão do S.T.J. de 10-07-2007 (também disponível em www.dgsi.pt), «Na fixação do valor da indemnização por litigância de má fé, deve ter-se em consideração, essencialmente o grau de culpabilidade do litigante de má fé, as despesas efectuadas pelos ofendidos, mas apenas as consequentes dos factos que caracterizam a má fé, e não a quaisquer outros danos invocados no processo, ocorridos antes dos actos que caracterizam a litigância de má fé”.
Como refere José Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, p. 276-277), «o litigante de má fé só tem que pagar a importância equivalente às despesas que o seu adversário teve de fazer como consequência directa da má fé. Quer dizer, a responsabilidade limita-se aos danos directamente emergentes do procedimento doloso».
Salienta-se ainda que embora uma litigância de má fé seja sempre causadora de incómodos à contraparte, a tutela indemnizatória por danos morais, nos termos do artigo 496º do Código Civil, apenas poderá ser conferida relativamente a danos dessa natureza de grau significativo (Capelo dos Santos, O direito Geral de Personalidade, Coimbra 1995, pág. 555 e 556).
Por outras palavras, a indemnização integra prejuízos correspondentes a danos emergentes e a lucros cessantes que tenham, directa ou indirectamente, por fonte o comportamento doloso ou gravemente negligente, sem exclusão dos danos de natureza não patrimonial desde que com a litigância tenham o nexo exigido por lei, de causalidade adequada (Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, Vol. I, 1998, p. 336).
*
Ora, o que verificamos no caso dos autos, é que o recorrente, embora requerendo a condenação dos recorridos como litigantes de má fé, não invocam danos concretos por si sofridos – para além dos danos morais relativos a incómodos e perdas de tempo -, que justifiquem a atribuição da indemnização pedida.
E quanto aos alegados danos patrimoniais, também não os descrevem, nomeadamente as despesas tidas com o processo (para além das custas de parte a que eventualmente terão direito). 
Verificamos ademais pela leitura da contestação, que o recorrente pretende ser indemnizado pelos AA, dizendo que a indemnização nunca poderá ser inferior a € 10.000,00, atenta a gravidade e manifesta má fé dos autores.
Mas há que distinguir as punições em causa (multa e indemnização), cujos pressupostos e contornos são distintos.
Efetivamente, a punição por litigância de má fé prevê duas sanções, uma de natureza criminal - a multa -, e outra de natureza civil, a indemnização.
Ambas visam punir o litigante, mas não se podem confundir, nem aferir em função uma da outra, como pretende o recorrente. Só a primeira visa castigar os litigantes em termos criminais. A segunda tem em vista ressarcir o ofendido dos danos por ele sofridos com os factos que caracterizam a litigância de má fé, sendo ónus da parte que pede a indemnização, a alegação dos danos causados, o que deverá fazer com a discriminação das despesas tidas e dos prejuízos sofridos.
Ora, como se disse, se o recorrente alega factos suficientes para justificar a condenação dos recorridos em multa, já o não faz relativamente à indemnização peticionada, cuja alegação lhe competia, à luz do que se dispõe no art.º 5º nº1 do CPC.
Assim sendo, com base nos fundamentos expostos, o pedido indemnizatório formulado pelo recorrente terá de ser julgado improcedente.
*
Procede assim, embora parcialmente, a Apelação do recorrente DD.
*
V- DECISÃO:

Por todo o exposto, Julga-se Improcedente a Apelação dos AA; e
Julga-se parcialmente procedente a Apelação do Réu DD e  em consequência condenam-se os AA, como litigantes de má-fé, em multa de 5 Ucs.
Mantém-se, no mais, a sentença recorrida.
*
Custas pelos recorrentes AA (pela sua Apelação) (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).
Custas pelo recorrente DD e pelos AA recorridos (pela Apelação do recorrente), na proporção do respetivo decaimento.
*
Notifique e DN
*
Sumário do Acórdão:
I- Face à redação do art.º 607º nº3 do CPC, mantém-se a necessidade de serem inseridos na fundamentação da sentença os factos provados por acordo das partes, por confissão extrajudicial ou judicial reduzida a escrito, ou por prova documental dotada de força plena, devendo o julgador fazer recair sobre os mesmos factos a análise crítica da prova, ainda que seja apenas para enunciar a sua força probatória plena.
II- O caso julgado material consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais, quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal, quer a título prejudicial.
III- A autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objeto se insere no objeto da segunda, obsta a que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionada no artigo 581º do Código de Processo Civil.
IV- Reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
V- Vale isto por dizer que o contrato de mútuo com fiança celebrado pelos AA, e o reconhecimento da sua validade incluem-se nos limites objetivos do caso julgado, sendo irrelevante que na decisão proferida, ou seja, na parte final decisória, se não tenha dito expressamente que aquele contrato é válido, quando, afinal, essa validade está lá bem impressa, de forma implícita, no conjunto de pressupostos fundadores da decisão.
VI- Pode afirmar-se, em termos gerais, que a má fé se traduz na violação dos deveres de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade, e não requerer diligências meramente dilatórias.
VII- Litigam os AA com Má-fé, pois deduzem pretensão contra o Réu cuja falta de fundamento não deviam ignorar, uma vez que intentaram contra o mesmo ação anterior, julgada improcedente, com trânsito em julgado, com os mesmos fundamentos e com o mesmo pedido. Além disso, alteram conscientemente a verdade dos factos, com o fim de obterem a procedência da ação, bem sabendo da falta de razão que lhes assiste.

Guimarães, 12.6.2024