EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
INJUNÇÃO
NOTIFICAÇÃO
DOMICÍLIO CONVENCIONADO
Sumário


- A convenção de domicílio, para o efeito processual tido em vista, tem que ser uma cláusula explicitamente inserida no texto escrito do contrato, em que ambas as partes declaram e aceitam, para o caso de litígio dele derivado, que certo lugar de domicílio, certa residência, valem para o efeito de receber a citação ou a notificação no quadro dum concreto processo;
- Não existindo domicílio convencionado, o requerimento de injunção deve ser notificado ao requerido por carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as disposições subsidiárias dos arts. 231.º e 232.º, 236.º, nº 2 a 5, e 237.º do C. de Processo Civil – cfr. art. 12.º, nº 1.
- Não tendo sido observado o referido formalismo dessa notificação e não tendo o requerido deduzido oposição, conclui-se que os títulos dados à execução consubstanciados em requerimento de injunção são despidos de força executiva na medida em que o mesmo pressupõe um correcto exercício do contraditório, isto é que o requerido, em sede de injunção, teve a plena oportunidade para deduzir oposição à injunção apresentada.
- Os fundamentos legais de indeferimento liminar previstos no artigo 726, nº 2, do CPC são do conhecimento oficioso.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

EMP01..., Sa., com sede na Rua ..., ..., move contra AA, residente na Rua ..., ..., ..., a acção executiva para pagamento da quantia de 1 657,00 € (Mil Seiscentos e Cinquenta e Sete Euros), apresentando como títulos executivos:
- um documento particular autenticado datado de 22-05-2019, pelo qual o Executado reconheceu ser devedor da Exequente por facturas vencidas e não pagas, no valor € 1.738,56;
- os requerimentos de injunção n.º 66618/21.... e nº 98214/23.....

Foi proferido despacho liminar, no qual se decidiu nos seguintes ermos:
- “ Em face do exposto, ao abrigo do preceituado nos artigos 726º, nº2, alínea a) nº3 e 734º, ex vi do artigo 551º, nº3, todos do Código de Processo Civil, indefere-se liminar e parcialmente a execução na parte correspondente ao relativamente aos requerimentos de injunção n.º 66618/21.... e nº 98214/23...., prosseguindo os autos para cobrança apenas dos restantes valores referentes ao título consubstanciado em documento particular autenticado de 22-05-2019, pelo qual o Executado reconheceu ser devedor da Exequente no valor € 1.738,56.”

Inconformada com a decisão, dela veio recorrer a Exequente formulando as seguintes conclusões:

I. A Douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito, que é muito, equivoca-se ao conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, nomeadamente ao rejeitar liminarmente o requerimento executivo, por considerar ter sido nula a notificação do Recorrido no âmbito dos procedimentos injuntivos dados à execução.

II. Em sede liminar, ao Tribunal a quo não cabe efectuar diligências em ordem a apurar da validade da formação do título, e assim concluir pela nulidade da notificação do Recorrido nas injunções.

III. A apreciação de qualquer nulidade ou excepção dilatória que afecte o título executivo está limitada a alegação do Executado em sede de embargos à execução, o que não sucedeu in casu,

IV. Já que a eventual nulidade da citação do Recorrido naqueles procedimentos de injunção não é de conhecimento oficioso.

V. Ao conhecer oficiosamente de uma eventual nulidade que teria de ser invocada – mas não foi – em sede de embargos à execução, incorre a Douta Sentença recorrida num excesso de pronúncia que, no entendimento da Recorrente, constitui nulidade da Douta Sentença ora recorrida, e que ora se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 615º, nº 1, alínea d), e nº 4, do CPC.

VI. Assim, pelos fundamentos expostos, deverá a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que admita total, e não apenas parcialmente na parte do reconhecimento de divida, o requerimento executivo e mande prosseguir os autos.
Termos em que dando provimento ao presente recurso, V. Exas., farão, como sempre, inteira justiça!

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Não houve contra-alegações.
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Colhidos os vitos legais, cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito (cfr. arts. 635º e 636º do CPC).

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela Recorrente, cumpre apreciar se se verifica nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC e se, por conseguinte, deve ser revogada a decisão recorrida.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Para além da factualidade constante do relatório supra, há a considerar ainda a seguinte factualidade:

- Dos requerimentos de injunção constata-se que em ambos foi assinalada “Sim” no item “Domicilio Convencionado”.

- Dos procedimentos injuntivos disponíveis no citius extrai-se que o Requerido, ora Executado, foi citado para os termos do processo de injunção na morada indicada no requerimento de injunção por correio registado com prova de depósito.

- A exequente, notificada para juntar o contrato que celebrou com o executado e que serve de causa de pedir no procedimento de injunção, veio esclarecer que não logrou encontra-lo.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Na sentença recorrida decidiu-se, ao abrigo do preceituado nos artigos 726º, nº 2, alínea a) nº 3 e 734º, ex vi do artigo 551º, nº 3, todos do Código de Processo Civil, indeferir liminar e parcialmente a execução na parte correspondente aos requerimentos de injunção n.º 66618/21.... e nº 98214/23...., prosseguindo os autos para cobrança apenas dos restantes valores referentes ao título consubstanciado em documento particular autenticado de 22-05-2019, pelo qual o Executado reconheceu ser devedor da Exequente no valor € 1.738,56.
Funda-se o assim decidido, em síntese, na existência de nulidade da citação do ora Executado em sede de procedimentos injuntivos de onde emerge a presente a execução.
Insurge-se a Recorrente contra o assim decidido, alegando, em síntese, que em sede liminar, ao Tribunal a quo não cabe efectuar diligências em ordem a apurar da validade da formação do título, e assim concluir pela nulidade da notificação do Recorrido nas injunções; que a apreciação de qualquer nulidade ou excepção dilatória que afecte o título executivo está limitada a alegação do Executado em sede de embargos à execução, o que não sucedeu in casu, já que a eventual nulidade da citação do Recorrido naqueles procedimentos de injunção não é de conhecimento oficioso; e que ao conhecer oficiosamente de uma eventual nulidade que teria de ser invocada – mas não foi – em sede de embargos à execução, incorre a Sentença recorrida num excesso de pronúncia que, no entendimento da Recorrente, constitui nulidade da Sentença ora recorrida, e que ora se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 615º, nº 1, alínea d), e nº 4, do CPC.
Vejamos o que diz a decisão recorrida, quanto à sua fundamentação:
- “Nos termos do artigo 726º, nº1, do Código de Processo Civil, na execução para pagamento de quantia certa, que siga a forma ordinária (cfr. artigo 550º, nº1, do mesmo diploma legal), o processo é concluso ao juiz para despacho liminar.
O nº 2, subsequente, na sua alínea a), estabelece que o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título.
Por sua vez, o nº 3, do referido normativo, estatui que é admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.
O artigo 734º, nº1, do Código de Processo Civil, preceitua que o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
Por fim, à execução sumária aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo ordinário (cfr. artigo 551º, nº3, do mesmo diploma legal).
Nos presentes autos para pagamento da quantia de 1 657,00 € (Mil Seiscentos e Cinquenta e Sete Euros) que EMP02..., Sa instaurou contra AA foram apresentados como títulos executivos:
- um documento particular autenticado datado de 22-05-2019, pelo qual o Executado reconheceu ser devedor da Exequente por facturas vencidas e não pagas, no valor € 1.738,56;
- os requerimentos de injunção n.º 66618/21.... e nº 98214/23.....
Compulsados os requerimentos de injunção constata-se que em ambos foi assinalada “Sim” no item “Domicilio Convencionado”.
Compulsados os procedimentos injuntivos disponíveis no citius extrai-se que o Requerido, ora Executado, foi citado para os termos do processo de injunção na morada indicada no requerimento de injunção por correio registado com prova de depósito.
Nos termos do art.º 12º-A, do, DL nº 269/98, de 1 de Setembro, nos casos de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do diploma preambular, a notificação do requerimento de injunção é efectuada mediante o envio de carta simples, dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio ou sede convencionado.
A existência de domicílio convencionado exige que o respectivo contrato seja reduzido a escrito.
A exequente, notificada para juntar o contrato que celebrou com o executado e que serve de causa de pedir no procedimento de injunção, veio esclarecer que não logrou encontra-lo.
Esclarece SALVADOR DA COSTA que entende-se por domicílio convencionado o que é fixado pelas partes em contratos escritos para efeito de o eventual devedor ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes. Dir-se-á que o domicílio convencionado é o que visa o accionamento para a demanda que seja motivada pelo incumprimento do contrato em causa por algum dos respectivos outorgantes (vide A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª edição, Almedina, p.56).
Acresce que, não se acompanha a posição manifestada pela Exequente de que é aplicável a regra do domicílio convencionado por força do disposto nos artigos 73º, nº 1, e 115º, nº 1, ambos do Regulamento nº 594/2018, de 4 de Setembro.
Desde logo porque, manifestamente, o que está previsto em regulamento não constitui cláusula convencionada pelas partes.
Ademais, tal regulamento prevê no art.º 73º uma convenção de domicílio apenas e tão só para efeitos de recepção da correspondência relativa à facturação e não para efeitos de ser demandado para a sua cobrança.
Fora da hipótese de domicílio convencionado, o requerimento de injunção deve ser notificado ao requerido por carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as disposições subsidiárias dos arts. 231.º e 232.º, 236.º, nº 2 a 5, e 237.º do C. de Processo Civil – cfr. art. 12.º, nº 1.
Prescreve, por seu turno o n.º 3 do mesmo preceito que «No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação.»;
E decorre do n.º 4, que «Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.os 2 a 4 do artigo seguinte.»
Como se vê este preceito incorpora um conjunto de procedimentos que funcionam numa lógica sequencial.
Assim, em primeiro lugar a notificação é feita por carta registada com aviso de receção, aplicando-se-lhe, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.os 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil, a que correspondem, na versão atualmente em vigor, os artigos 223.º, 224.º e 228.º (cf. n.os 1 e 2 do artigo 12.º do Regime Anexo).
Frustrando-se esta via, há que atender ao disposto nos n.os 3 e 5 do artigo 12.º do Regime Anexo, cabendo, em primeiro lugar, à secretaria judicial obter, oficiosamente, informação sobre a residência ou local de trabalho (ou da sede ou local onde funciona a administração, no caso de pessoa coletiva), nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direção-Geral dos Impostos e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. (IMT); e uma vez obtida tal informação, a notificação será enviada para esse local, por via postal simples, caso coincida com o local para o qual se endereçou a notificação por via postal registada, ou para cada um dos locais apurados nas bases, se a informação obtida não coincidir com aquele primeiro local.
A notificação considera-se, nos termos daquela disposição, feita com o simples depósito da carta, atestado pelo distribuidor do serviço postal, que certificará também a data e o local exato em que efetuou o depósito, na caixa do correio do local (ou locais) obtido pela informação colhida nas bases de dados. A partir deste depósito começa a correr o prazo para oposição.
Ora, como já se mencionou não foi junto contrato escrito do qual pudesse resultar que as partes quiseram fixar o domicílio do Executado para efeito de a mesma vir a ser accionada para a demanda decorrente do incumprimento do contrato.
Na verdade, como afirmado no douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo: 927/09.4TBCNT-A.C1, de 29-05-2012, disponível em www.dgsi.pt, e com aplicação ao caso concreto:
«A convenção de domicílio, para o efeito processual tido em vista, tem que ser uma cláusula explicitamente inserida no texto escrito do contrato, tem que ser uma cláusula em que ambas as partes declaram e aceitam, para o caso de litígio dele derivado, que certo lugar de domicílio, certa residência, valem para o efeito de receber a citação ou a notificação no quadro dum concreto processo.»
O que quer significar, portanto, que contrariamente ao indicado pela Requerente, ora Exequente, no requerimento injuntivo, não houve qualquer convenção de domicílio.
Assim sendo, fácil é constatar que a citação realizada no âmbito da injunção, mediante o envio de correio registado simples, não obedeceu ao formalismo legal, pois que se impunha a citação por carta registada com aviso de recepção como decorre do regime previsto no art.º 12º, n.º 1 do DL n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Daqui resulta, como é evidente, que não se pode aceitar que a aqui Executada tenha sido efectivamente notificada para deduzir oposição nos procedimentos de injunção n.º 66618/21.... e nº 98214/23.....
No que concerne à consequência da declaração de nulidade da notificação, tem sido entendido que fundando-se a execução em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, a oposição como fundamento na nulidade da notificação do oponente na conduz, directa e imediatamente, à procedência da oposição e, em consequência, ao levantamento das penhoras sobre os bens do oponente - Tribunal da relação de Coimbra de 29 de Maio de 2012.
No mesmo sentido, vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Março de 2008, que decidiu que o mesmo efeito jurídico, mutatis mutandis, deve ter a execução baseada no requerimento de injunção, com a aposição da fórmula executória, mas em cujo procedimento a notificação padece de nulidade. O título executivo, não tendo sido regularmente constituído, é inválido e, como tal, é inexequível. Assim sendo, existe justo fundamento para a oposição à execução (art. 816.º do CPC) – in dgsi.pt.
Finalmente, veja-se ainda Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, Coimbra Editora, 1997, p. 145, (…) a falta de citação é de conhecimento oficioso (art. 202), enquanto a nulidade tem de ser arguida pelo Réu (art. 203-1), de onde resulta que a primeira pode fundar o indeferimento liminar, enquanto a segunda só pode ser arguida em embargos de executado. A primeira acarreta a inexistência do próprio título executivo, visto que não há sentença sem audição do Réu (art. 3-1); a segunda apenas funda a possibilidade de destruição retroactiva do título executivo.
Nesta conformidade, os títulos dados à execução consubstanciados em requerimento de injunção são despidos de força executiva na medida em que o mesmo pressupõe um correcto exercício do contraditório, isto é que o requerido, em sede de injunção, a plena oportunidade para deduzir oposição à injunção apresentada.
Não tendo sucedido tal situação no procedimento de injunção em apreço, o título dado à execução mostra-se inquinado e despido de força executiva.
Veja-se ainda neste sentido o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães no Processo: 6097/22...., deste Juízo, que confirmou a decisão de indeferimento liminar da execução em situação idêntica à dos presentes autos, assim sumariada:
«I- Nos casos em que o requerido não deduza oposição à injunção nem seja demonstrado que tenha recebido a notificação nos termos legalmente aplicáveis, deve presumir-se que a falta cometida prejudicou a sua defesa, declarando-se nula a notificação.
II- O erro na notificação, provocado pela exequente, era potencialmente prejudicial ao exercício dos direitos de defesa da opoente, viciando assim o procedimento injuntivo e a constituição do próprio título executivo, ou seja, em face da nulidade da notificação da opoente na injunção, não pode a opoente ser aqui executada e, por consequência, não lhe podem ser penhorados quaisquer bens.
III- Nestes termos, concluindo-se pela nulidade da notificação realizada no procedimento de injunção, anulo a “força executiva” que foi aposta no requerimento de injunção.» “
Concordamos inteiramente com esta fundamentação jurídica, a qual espelha uma correcta interpretação e aplicação das normas legais atinentes à citação e seu formalismo, que por isso nos dispensamos de reproduzir, bem com a conclusão a que nela se chegou.
Com efeito, é verdade que no caso vertente, como é notado na decisão recorrida, a sede/domicílio de citação/notificação da ora executado no âmbito do procedimento de injunção não foi convencionado entre as partes, ao invés do que consta dos requerimentos de injunção.
Neste conspecto, a exequente, notificada nos autos para juntar o contrato que celebrou com o executado e que serve de causa de pedir no procedimento de injunção, veio esclarecer que não logrou encontrá-lo.
 Invoca, no entanto, a Recorrente que à relação contratual em apreço aplica-se o Regulamento nº 594/2018, de 4 de Setembro (Regulamento de Relações Comerciais dos Serviços de Águas e Resíduos), que, no seu artigo 73º, nº 1, sob a epígrafe “Domicílio convencionado”, dispõe que “O utilizador considera-se domiciliado na morada por si fornecida no contrato para efeito de receção de toda a correspondência e faturação relativa à prestação do serviço.”, para concluir pela existência, no presente caso, de domicílio convencionado.
Porém, esta alegação no pode ser acolhida.
Sobre a nulidade da citação no âmbito do procedimento de injunção, afirma-se doutamente no Ac. do T.R.G., datado de 11-02-2016, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/19CC8CF19CB02F6880257F9A00472EE6, o seguinte: “(…) A convenção de domicílio, para o efeito processual tido em vista, tem que ser uma cláusula explicitamente inserida no texto escrito do contrato, tem que ser uma cláusula em que ambas as partes declaram e aceitam, para o caso de litígio dele derivado, que certo lugar de domicílio, certa residência, valem para o efeito de receber a citação ou a notificação no quadro dum concreto processo. Para este “conceito” e efeito, não revela a alegação na contestação que a morada indicada correspondia à que a oponente indicara para efeitos de faturação, porquanto, tal alegação é vaga; não é o texto escrito do contrato, não é uma cláusula inserida no texto do contrato, o seu conteúdo nada tem a ver com o que se disse sobre o “conceito” em causa, não é da autoria de ambas as partes.”
Neste sentido, tal como se sustenta na sentença recorrida, não se aceita o entendimento da Exequente de que é aplicável aqui a regra do domicílio convencionado prevista nos artigos 73º, nº 1, e 115º, nº 1, ambos do Regulamento nº 594/2018, de 4 de Setembro, que dispõe que o utilizador considera-se domiciliado na morada por si fornecida no contrato para efeito de recepção de toda a correspondência e facturação relativa à prestação do serviço. Pois, desde logo, o que está previsto em regulamento não constitui cláusula convencionada pelas partes.
De resto, tal regulamento prevê no art.º 73º uma convenção de domicílio apenas e tão só para efeitos de recepção da correspondência relativa à facturação e não para efeitos de ser demandado para a sua cobrança.
Portanto, não restam dúvidas que, contrariamente ao indicado pela Requerente, ora Exequente, no requerimento injuntivo, não houve qualquer convenção de domicílio.
Deste modo, claramente se verifica que a citação realizada no âmbito da injunção, mediante o envio de correio registado simples, não obedeceu ao formalismo legal, pois que se impunha a citação por carta registada com aviso de recepção como decorre do regime previsto no art.º 12º, n.º 1 do DL n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Conclui-se, assim, que o aqui Executado não foi efectivamente notificado para deduzir oposição nos procedimentos de injunção n.º 66618/21.... e nº 98214/23.....
Conforme se afirma no douto Ac T.R.C., datado de 10-05-2016, proferido no processo n.º 580/14.3T8GRD, nos termos do qual, “no caso de não existir convenção pela qual as partes tenham estipulado determinado local para, em caso de litígio, serem notificadas ou citadas, a secretaria do BNI deve observar a modalidade de carta registada com aviso de receção, em lugar de realizar a notificação por via postal simples (art. 12.º, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98). Nesta hipótese, o depósito da carta não é elemento decisivo para que o requerido/notificando tenha conhecimento efetivo da notificação, já que esta modalidade de notificação pressupõe, como se disse, a existência de convenção de domicílio (cfr. art. 12.º-A do mesmo regime jurídico). Se, por hipótese, não for observado o modo de notificação previsto no art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (carta registada com aviso de receção), existe nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei (art. 191.º, n.º 1, do C.P.C.). Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (arts. 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do C.P.C.). Poder-se-á argumentar que, por aplicação das regras da citação (em concreto, do n.º 4 do art. 191.º do C.P.C.), esta nulidade só pode ser atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do notificando. Esta norma parece fazer recair sobre o citando o ónus de provar que a formalidade não observada prejudicou realmente o seu direito de defesa. Repare-se que, no âmbito da ação declarativa comum, o regime da citação, quando haja convenção de domicílio, não dispensa o envio de nova carta registada com aviso de receção ao citando, sempre que o expediente relativo à primeira carta de citação tenha sido devolvido por o destinatário não ter procedido, no prazo legal, ao seu levantamento no estabelecimento postal (cfr. art. 229.º, n.º 4, do C.P.C.). A aplicação do n.º 4 do art. 191.º do C.P.C., à notificação do requerido, a que alude o artigo 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 só poderia basear-se num argumento de identidade de razões. No entanto, esta identidade não existe na situação em apreço, pois que, no caso de, no procedimento de injunção, se frustrar a notificação por via postal registada, realiza-se a notificação por via postal simples com prova de depósito (art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98). Dito de outro modo: a aplicação do disposto no n.º 4 do art. 191.º do C.P.C. só seria pensável se a notificação do requerido seguisse o regime da citação do réu. Não é isso, todavia, que sucede: no caso de se frustrar a notificação por carta registada com aviso de receção, há que observar o disposto no art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98. Assim, há que concluir que a falta do cumprimento do estabelecido em qualquer destes preceitos gera, automaticamente, a nulidade da notificação do requerido. Por consequência, o juiz, face à preterição de alguma das formalidades legais previstas no art. 12.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, deve julgar procedente a nulidade da notificação, mesmo que o requerido, em embargos deduzidos à execução, não tenha cumprido o ónus da prova do prejuízo resultante dessa preterição para a sua defesa”.
Pelo exposto, somos a concluir, como na sentença recorrida, que os títulos dados à execução consubstanciados em requerimento de injunção são despidos de força executiva na medida em que o mesmo pressupõe um correcto exercício do contraditório, isto é que o requerido, em sede de injunção, a plena oportunidade para deduzir oposição à injunção apresentada.
Não tendo sucedido tal situação no procedimento de injunção em apreço, o título dado à execução mostra-se inquinado e despido de força executiva.
Ora, a manifesta a falta ou insuficiência do título, enquanto fundamento de indeferimento liminar previsto no artigo 726º, nº 1, al. a) do CPC, bem como todos os demais fundamentos aí elencados nesse artigo, são, como é bem de ver, matérias do conhecimento oficioso.
Isso também resulta do disposto no artigo 734º, nº1, do Código de Processo Civil, que diz que o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
Tais disposições legais são aplicáveis à execução sumária, por força do disposto no artigo 551º, nº3, do mesmo diploma legal do CPC.
Donde se conclui que, in casu, o Tribunal a quo podia e devia conhecer, como conheceu, da matéria relativa à falta de citação do requerido nos procedimentos injuntivos em causa, não ocorrendo aqui, portanto, a alegada nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Assim sendo, impõe-se a improcedência das conclusões do recurso e a confirmação da sentença recorrida.
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Sumário:

- A convenção de domicílio, para o efeito processual tido em vista, tem que ser uma cláusula explicitamente inserida no texto escrito do contrato, em que ambas as partes declaram e aceitam, para o caso de litígio dele derivado, que certo lugar de domicílio, certa residência, valem para o efeito de receber a citação ou a notificação no quadro dum concreto processo;

- Não existindo domicílio convencionado, o requerimento de injunção deve ser notificado ao requerido por carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as disposições subsidiárias dos arts. 231.º e 232.º, 236.º, nº 2 a 5, e 237.º do C. de Processo Civil – cfr. art. 12.º, nº 1.

- Não tendo sido observado o referido formalismo dessa notificação e não tendo o requerido deduzido oposição, conclui-se que os títulos dados à execução consubstanciados em requerimento de injunção são despidos de força executiva na medida em que o mesmo pressupõe um correcto exercício do contraditório, isto é que o requerido, em sede de injunção, teve a plena oportunidade para deduzir oposição à injunção apresentada.

- Os fundamentos legais de indeferimento liminar previstos no artigo 726, nº 2, do CPC são do conhecimento oficioso.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação e julgar totalmente improcedente o recurso apresentado e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 12.06.2024

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Margarida Gomes
Anizabel Sousa Pereira