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BASE INSTRUTÓRIA
CASO JULGADO
CONTRATO-PROMESSA
FORMA
NULIDADE
Sumário
I - Não constituindo a especificação e o questionário caso julgado, pode o juiz na sentença tomar em consideração os factos que constam de documentos juntos na fase dos articulados e não impugnados pela contraparte, mesmo que não inseridos em qualquer dessas peças processuais. II - O artigo 659, n.3, do Código de Processo Civil, contém, não apenas uma directiva, mas uma ordem ao juiz. III - Para que a mora se converta em incumprimento definitivo tem de haver lugar à interpelação admonitória do devedor e só feita esta sem que o mesmo cumpra a prestação, então é que há lugar à possibilidade de resolução do contrato. IV - A consequência da omissão das formalidades previstas no n. 3 do artigo 410 do Código Civil, depende do sentido e fim da norma, destes resultando estar-se em face de uma nulidade (invocável a todo o tempo), mas atípica. V - Tendo o promitente-comprador criado no promitente vendedor a justa convicção/confiança de que a irregularidade formal existente no contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma não seria invocada, deve a promessa considerar-se convalidada e ser juridicamente tratada como se tivesse sido concluída sem defeitos, sem a omissão das referidas formalidades, porquanto não se verifica a necessidade de protecção do promitente comprador (fim ou conteúdo da norma) e não são afectados os interesses de terceiros nem o interesse geral ou interesse Público.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
No .. Juízo Cível (... Sec.) do Tribunal Judicial da Comarca .......... —hoje ..... Vara Cível--
A............., solteiro, maior, estudante, residente em ........, Bloco .... – .... Esqº - ......,
Instaurou contra
B............... e mulher C............., ambos residentes em Rua ........., .... C – .......,
Acção declarativa de condenação sob a forma ordinária.
Pedido:
A título principal : pede o A. que sejam os RR. condenados a pagar-lhe a quantia de esc. 6. 000. 000$00, correspondente ao dobro do sinal por si prestado ;
A título subsidiário: pede o A. que sejam os RR. condenados a restituir-lhe - atenta a nulidade do contrato promessa referido na petição inicial - a quantia de esc. 3. 000. 000$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento .
Objecto do litígio/causa de pedir:
O presente litígio reporta-se, a título principal, ao alegado incumprimento pelos RR. do contrato promessa de compra e venda outorgado com o A. a 7.02.1997 - por não realização de obras acordadas fazer pelo procurador dos RR. na fracção prometida vender no prazo estabelecido, nem posteriormente, assim como pela não entrega dos documentos necessários à outorga do contrato prometido (procuração outorgada pelos proprietários em favor do alegado seu procurador e demais " documentos necessários " à outorga dos registos provisórios e pagamento da sisa); A título subsidiário - i.é, para a hipótese de improcedência daquele alegado incumprimento do contrato promessa -, invoca, ainda, o A. a preterição das formalidades previstas no art. 410º/3 do Cód. Civil, com a consequente nulidade do mesmo contrato promessa .
Contestando, os RR., além de suscitarem a excepção de ilegitimidade do réu D........ - questão que foi dirimida no despacho saneador a fls. 56/59, na sequência de desistência do(s) pedido(s) por parte do A. quanto àquele " réu " - e a excepção de ineptidão da petição inicial - questão igualmente já dirimida pelo douto Acórdão do STJ a fls. 152/156 -, pugnaram pela improcedência do pedido principal, impugnando a factualidade atinente ao pretenso incumprimento do contrato promessa, seja quanto às obras - visto a fracção ter sido prometida vender no estado em que se encontrava (usada e habitada), o que era do perfeito conhecimento do A.- , seja quanto aos documentos em falta, documentos esses que existiam e sempre estiveram na disponibilidade do A. ; Ao invés, sustentam os RR. que foi o A. quem acabou por se desinteressar da aquisição da fracção, incumprindo o contrato promessa ao não comparecer, repetidamente, às marcações da escritura de compra e venda da dita fracção .
Quanto ao pedido subsidiário, sustentaram, por um lado, que tendo o A. prescindido das formalidades prescritas pelo art. 410º,nº 3 do Cód. Civil - como fez -, não pode agora suscitar essa invalidado e, por outro, que sempre essa invalidade corresponderia a uma mera anulabilidade, susceptível de sanação, sendo certo que as ditas formalidades não constituem formalidades " ad substantiam ".
Concluíram, assim, a final, os RR pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.
Teve lugar a produção da prova requerida, tendo-se respondido à matéria de facto da base instrutória, sem que houvesse qualquer reclamação.
Foi, a final, proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, com a absolvição dos réus, quer do pedido principal, quer do subsidiário (fls. 446 verso).
Inconformado com o assim decidido, veio o autor interpor recurso de apelação, apresentando as pertinentes alegações que termina com as seguintes
“CONCLUSÕES:
A – O Autor, aqui apelante, na sua p.i., pediu a resolução do contrato com dois fundamentos: 1º porque o contrato foi incumprido e em 2º lugar, caso aquele não procedesse, por falta de formalidades “ad substantiam”.
B – Diga-se, antes de mais, que a presente acção tinha sido já julgada procedente por provada, no que à nulidade do contrato concerne, no Despacho-Saneador Sentença, condenando-se os R.R. a devolver o que haviam recebido a título de sinal e declarando-se nulo o contrato-promessa, por falta das formalidades “ad substantiam”, nos termos do art.º 410º, n.º 3, do Código Civil, tudo como melhor consta daquele Saneador Sentença, a fls…, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
C – Tendo sido revogado aquele douto despacho, por douto acórdão da Relação, que julgou a p.i. inepta, mas que face ao recurso de agravo do A., veio, por sua vez, a ser revogado, por douto Acórdão do S.T.J., ordenando que os autos baixassem para que o Tribunal “a quo”, se pronunciasse e decidisse o 1º pedido, no que ao incumprimento do contrato se refere e só depois e se este não procedesse, então conhecesse do 2º pedido subsidiário, no que à nulidade concerne.
D – Nos termos da cláusula VI do contrato-promessa celebrado em 07 FEV. 1997, constante da alínea A), da Matéria Assente e junto com a p.i., como doc.1, que aqui se dá por integralmente reproduzido, os promitentes vendedores, apelados, estavam obrigados a celebrar a escritura definitiva de compra e venda, até 07 de Maio de 1997, devendo com antecedência de 15 dias notificar, por escrito, o promitente comprador (cfr. Alínea B), da Matéria Assente).
E – Resulta que os promitentes vendedores nem notificara, nesse prazo, o promitente comprador, com aquela antecedência, e muito menos outorgaram a escritura definitiva de compra e venda, como se obrigaram naquele contrato.
F – O promitente comprador, aqui apelante, entregou, a título de sinal, ao tempo, esc. 3.000.000$00.
G – Desta forma incumpriram, por sua exclusiva culpa o contrato, ficando o promitente comprador, aqui apelante, com a faculdade de o resolver e exigir deles as quantias pagas que, a título de sinal tinham entregue, em dobro, como o veio a pedir na presente acção.
ACRESCE
H – Que tendo-se, os promitentes vendedores obrigado, verbalmente, perante o promitente comprador, face aos defeitos constatados, entretanto, no apartamento em causa, que estava num estado de lamentável degradação, a repará-lo, sendo que sem aquela reparação não seria ultimado o negócio, “até à data acordada para a outorga da escritura, 07 MAIO 97, não realizaram as obras reclamadas e exigidas pelo A. e constantes dos quesitos 4º a 7º” (cfr. resposta ao quesito 12º da Base Instrutória).
I – O Tribunal “a quo” de “motu proprio”, fez constar da Matéria Assente, após a Alínea G), quatro parágrafos, a fls. 439 v (in fine) e 440 (in princípio) que não constam do Despacho Saneador a fls. 203 e 204, sendo que foi com base nesses elementos, só apresentados em sede de julgamento – meras fotocópias sem qualquer reconhecimento – e mesmo assim impugnados, expressamente pelo A., por escrito, quando sobre eles se pronunciou, que o Senhor Juiz assenta, fundamentalmente a sua decisão.
J – Tais elementos não foram incluídos no douto Despacho Saneador e portanto também não podia, o Sr. Juiz, acrescentá-los, depois do julgamento, àquele mesmo Despacho Saneador, inquinando o julgamento e errando na decisão.
Ao assim proceder violou o disposto nas disposições conjugadas dos art.s 660º e 668º, n.º 1, alínea d), do C.P.C., o que confere nulidade de sentença.
L – Por outro lado, os promitentes vendedores, aqui apelados, não facultaram ao A., no prazo acordado, isto é, até 07 de Maio de 1997, todos os documentos necessários à celebração da escritura, como seja, a certidão de teor, certidão matricial, licença de habitabilidade e documento para pagamento da sisa.
M – Os R.R., relapsos e que já haviam incumprido o contrato-promessa, só marcaram no Notário, a escritura – “para inglês ver” – para o dia 11/12/1997, por saberem que o A., ia entrar com a competente acção no Tribunal para a resolução do contrato, e que lhe foi referido, acção que entrou em 09 DEZ. 1997, como consta dos autos.
N – Da compulsão da matéria e prova gravada, resulta, sem sombra de dúvidas, ter, o Senhor Juiz, errado na resposta que deu ao quesito 2º a 11º da Base Instrutora, que deu como não provados, quando face à prova produzida se impunha que os desse como PROVADOS, pelo que tais respostas deverão ser alteradas nessa conformidade.
O – Tampouco existem nos autos prova ou fundamentação necessária para que desse por provados os quesitos 14º a 21º, que devem ser dados por não provados.
P – Donde incumpriram o contrato, por sua exclusiva culpa, tal como demonstrado está nas alíneas anteriores, devendo, como tal arcar com as legais consequências, isto é, a resolução do contrato por seu incumprimento e a devolução ao A. do sinal que recebeu do A., em dobro, o que é dizer, esc. 6.000.000$00, considerando ter ficado assente terem recebido 3.000.000$00 (cfr. Alínea E), da Matéria Assente).
MAIS
Q – Os R.R., ora apelados, 6 meses depois de entrar a presente acção no Tribunal, venderam aquele apartamento a outra pessoa, em que antes tivessem dito o que quer que fosse ao A. (cfr. Alínea G), da Base Instrutória).
SEM PRESCINDIR E QUANTO AO PEDIDO SUBSIDIÁRIO (NULIDADE DO CONTRATO POR FALTA DOS REQUISITOS “AD SUBSTANTIAM”:
R – Como se disse em 2, de III, destas alegações, bem andou a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, na análise e decisão deste pedido subsidiário, a fls… dos autos e transcrito na questão prévia e que aqui, de novo, se dá por integralmente reproduzido.
E não fora a Meritíssima Juiz não se ter pronunciado, quanto ao 1º pedido, estamos cientes que, sempre a acção seria dada por provada, condenando-se, os R.R., a devolver pelo menos ao A., o sinal, ainda que o primeiro pedido não procedesse.
S – As formalidades de cumprimento obrigatório a que alude o art.º 410º, n.º 3, do Código Civil, são formalidades “ad substantiam”, imperativas, não dependendo da vontade das partes e cuja falta importa, inquestionavelmente, “de per se” e “ex tunc”, a nulidade do contrato.
T – Prescreve o art.º 294°, do C. C.: “os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo, são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”, sendo que eram os R.R. obrigados a apresentar no Notário, licença de habitabilidade, aquando do contrato-promessa.
U – Esta exigência, como é entendimento do Acórdão do S.T.J. de 24.02.99, proferido no Proc. 692, 2ª Sec. “não se destina tão só a combater a venda de edificações clandestinas construídas sem a licença municipal de construção ou de loteamento, mas a garantir a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado, as condições de licenciamento e uso previsto no alvará de licenciamento.”.
V – Deste modo, impendendo aquela obrigação sobre os apelantes e não o tendo feito têm que arcar com as sanções previstas na lei, que é a invalidação do negócio e a devolução do sinal, o que decorre das disposições conjugadas dos art.s 220°, 286°, 289° e 364° n.° 1, todas do C.C.( cfr. neste sentido, Ac.s RP, de 14.11.85, in BMJ, 351°-458, de RC da 15.10.91, in BMJ, 410°-892, RL, 12.10.89 in C.J., de 1984, 4°--152 e Ac.STJ, de 13.11.90, in BMJ, 411°-553).
X – Também, por isso, a douta sentença recorrida ao julgar improcedente a presente acção, violou o disposto nos art.s 410º, n.º 3 e 220º do Código Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente e condene os R.R. a devolverem ao A., o sinal em dobro e/ou, em última instância, a julgue procedente por provada, declare nulo o contrato e condene os R.R., ora apelados, a devolver o sinal e seu reforço, “in singelo”, assim se fazendo Justiça.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito, que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos expostos, com a consequente revogação da douta sentença recorrida e condenação dos R.R. a devolverem ao A., a quantia de esc. 6.000.000$00 (sinal em dobro), ou como última análise, a devolução do sinal in singelo, com o que
FARÃO V. EX.AS VENERANDOS DESEMBARGADORES
A SÃ JUSTIÇA”
Os apelados contra-alegaram, sustentando a manutenção da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
II—FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
--O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
-- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
-- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
As questões suscitadas pelo apelante são:
Nulidade da sentença, nos termos do artº 668º, nº1, al. d), CPC;
Impugnação da matéria de facto: Se deviam ser dados como “provados” os quesitos 2º a 11º da base instrutória e como “não provados” os quesitos 14º a 21º da mesma base instrutória;
Se houve incumprimento do contrato-promessa de compra e venda por banda dos réus;
Subsidiariamente: da nulidade do contrato-promessa de compra e venda, por falta dos requisitos previstos no artº 410º, nº3, do CC.
II. 2. OS FACTOS PROVADOS:
Foram dados como provados pelo tribunal recorrido, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
- Por documento escrito de fls. 10 a 13, outorgado a 7.02.1997, os RR., através do seu procurador, D.........., prometeram vender ao Autor, que prometeu comprar-lhes, a fracção autónoma designada pela letra " I ", correspondente a uma habitação do tipo T 2, sita no 3º andar direito, do prédio constituído em propriedade horizontal, localizado na Rua do ...... nºs ... a ....., da freguesia de ......, Porto, pelo preço de esc. 15. 000. 000$00 .( alín. A) da matéria assente).
- Na cláusula VI desse documento encontra-se consignado que "ambos os outorgantes acordam em efectuar a escritura definitiva de compra e venda até ao dia 07 de Maio de 1997, que será outorgada em dia, hora e local a designar pelo 1º outorgante, por carta registada a enviar com a antecedência mínima de 15 dias". ( alín. B)..
- E na cláusula M que " ambos os outorgantes declaram prescindir do reconhecimento notarial (alínea C).
- Nesse documento não consta o reconhecimento presenciar pelo notário das assinaturas do aludido D........ e do Autor, nem a certificação pelo mesmo da existência de licença de utilização ou de construção do prédio ( alín. D ).
- No momento da assinatura do contrato referido em A), o Autor entregou aos Réus, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de esc. 2. 000. 000$00 . ( alín. E ).
- E mais tarde entregou-lhes a quantia de esc. 1. 000, 000$00 . ( alín. F).
- A fracção referida em A encontra-se inscrita no registo pela ap, 15/090798, em nome de E........., conforme documento de fls. 172 a 178 . ( alín. G ).
- Com data de 7.02.1997, os RR. B.......... e esposa C........... outorgaram a favor de D............ procuração, conferindo a este último poderes para, além do mais, outorgar na celebração de contrato promessa e/ou contrato de compra e venda da facção referida em A) - Documentos de fls. 35/36 dos autos .
- A fracção referida em A) encontra-se inscrita na matriz predial urbana da freguesia de ..... - Porto, sob o art. 10182 - I - Documento de fls. 41/44 .
- A CM do Porto emitiu, a 12.02.1971, o alvará de licença nº 52 para habitação e ocupação de edifícios relativo ao prédio/fracções sito em Rua do ......, nºs ... a ...., da freguesia de ..... - Porto . Documento de fls. 45 .
- No dia 11.12.1997, esteve marcada no 3º Cartório Notarial do Porto, a celebração de uma escritura pública de compra e venda entre B.......... e mulher, como vendedores, representados pelo seu procurador D..........., e A............., como comprador, tendo por objecto a fracção referida em A) .
De acordo com o ali declarado pela Srª Notária, a "escritura não se outorgou porque não compareceu neste Cartório no dia e hora marcada, o comprador.” - Documento de fls. 46.
- O documento referido em A) dos factos assentes foi assinado pelo procurador dos RR. e pelo A. na empresa imobiliária "F.......", encontrando-se o dito documento já completamente elaborado por esta última . ( art. 1º da Base Instutória )
- Os RR. não realizaram quaisquer obras na fracção referida em A) dos factos assentes até Maio de 1997 . ( artº 12º BI )
- Depois da celebração do contrato promessa, o A. foi várias vezes ao Banco para tratar de documentação necessária ao empréstimo bancário para a aquisição da fracção em apreço, sendo acompanhado, por vezes, por G........, funcionária da "F........" . ( art. 14º BI )
- Regra geral, os bancos só emprestam dinheiro para a aquisição de habitação contra a hipoteca a seu favor da fracção ou prédio a adquirir pelo mutuário . ( art. 15º BI)
- Por isso, o " BCI " solicitou ao Autor a entrega de uma certidão do registo predial da fracção prometida vender, a respectiva caderneta predial e a licença de habitabilidade . ( art. 16º BI )
- A "F.......”, através da sua funcionária G......, entregou os aludidos documentos ao "Banco Comércio & Indústria", tendo em vista a concretização do negócio de compra e venda da fracção. (art. 17º BI)
- O A. acabou por se recusar a outorgar a escritura de compra e venda da fracção em apreço. art. 18º BI )
- Com vista à obtenção do aludido empréstimo bancário era necessário efectuar o registo provisório da hipoteca sobre a fracção autónoma prometida vender . ( art. 19º BI)
- D........... assinou, para tal fim, o documento de fls. 344/347 . ( art. 20º BI).
- O A. não assinou esse documento . ( art. 21º BI )
III. OS FACTOS E O DIREITO:
Vejamos, então, das questões suscitadas nas conclusões das alegações do recurso.
Quanto à primeira questão: nulidade da sentença, nos termos do artº 668º, nº1, al. d), CPC.
Entende o autor/apelante que a sentença é nula, nos termos do disposto no artº 668º, nº1, al. c), CPC, pelo facto de o Mmº Juiz a quo ter relacionado na lista dos “factos assentes” constante da sentença recorrida (cfr. fls. 439 verso a 440), factos que não constam, nem da “Matéria Assente”, nem da “ Base Instrutória”, matéria essa que é a seguinte:
“- Com data de 7.02.1997, os RR. Manuel B............ e esposa C........... outorgaram a favor de D........ procuração, conferindo a este último poderes para, além do mais, outorgar na celebração de contrato promessa e/ou contrato de compra e venda da acção referida em A) - Documentos a fls. 35/36 dos autos .
- A fracção referida em A) encontra-se inscrita na matriz predial urbana da freguesia de ..... - Porto, sob o art. 10182 - I - Documento a fls. 41/44. - A CM do Porto emitiu, a 12.02.1971, o alvará de licença nº 52 para habitação e ocupação de edifícios relativo ao prédio/fracções sito em Rua do ........., nºs .... a ...., da freguesia de ....... - Porto . Documento a fls. 45 .
- No dia 11.12.1997, esteve marcada no 3º Cartório Notarial do Porto, a celebração de uma escritura pública de compra e venda entre B................ e mulher, como vendedores, representados pelo seu procurador D.........., e A.............., como comprador, tendo por objecto a fracção referida em A) .
De acordo com o ali declarado pela Srª Notária, a "escritura não se outorgou porque não compareceu neste Cartório no dia e hora marcada, o comprador. - Documento de fls. 46.”
Quid juris?
Não cremos que assista qualquer razão ao autor/apelante.
Efectivamente, dispõe o artº 659º, nº3, do CPC:
“Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer”.
Daqui, portanto, que os factos admitidos por acordo ou provados por documentos devam ser tomados em consideração ainda que não tenham sido especificados. Cremos ser esta a jurisprudência corrente (cfr., v.g., Acs. STJ de 20.01.61,18.03.1975 e 24.05.88, in, respectivamente, BMJ 103º-552, 245º-477 e 377º-488; Rec. de Évora, Acs. de 10.02.77, 4.10.77, 6.10.78 e 9.10.80, in Col. Jur. 1977, 1º-159 e 4º-905, 1978-4º-1426 e 1980º-4-262, respectivamente; Acs. Rel. de Coimbra de 15.02.1978, 3.4.79, 14.10.92 e 22.03.94, in Bol. MJ 289º-385, Col. 1978, 1º, 288, BMJ 420º-661; STJ, Ac. de 24.05.88, BMJ 377º-488 e BMJ 435º-917).
Ou seja, a especificação e o questionário não constituem caso julgado, motivo porque na sentença pode o juiz tomar em consideração os factos que constam de documentos, mesmo que não inserido em qualquer dessas peças processuais.
Efectivamente, como se escreveu no Ac. STJ de 7.11.1989, AJ, 3º-89, pág. 11, não se forma caso julgado relativamente ao conteúdo da especificação pela sua formulação negativa, ou seja, no sentido de nenhum outro facto poder ser aditado. Havendo factos alegados, assim como documentos juntos, na fase dos articulados que não foram impugnados pela parte contrária nem vieram a constar da especificação, mas cuja relevância vem a ser reconhecida pelo Tribunal em momento posterior, a especificação fixada não obsta a que possam ser considerados.
Aliás, o citado artº 659º, nº3, nem, sequer, condiciona o conhecimento ali referido a tais factos serem alegados por um dos litigantes, pois o que a lei pretende é que o julgador atinja o grau mais aproximado da verdade e da justiça, e que não desvie os olhos da verdade manifesta, por razões de burocrática legalidade ( cfr. Ac. STJ de 28.02.1980, BMJ 294º-378 segs.).
E cremos que o comando do citado nº 3 do artº 659º, CPC, não é apenas uma directiva para o juiz, mas uma verdadeira ordem, sendo certo, aliás, que não se tendo feito uso na 1ª instância daquela faculdade/obrigação, sempre pode ( e deve) a Relação fazê-lo, deliberando com base no conteúdo dos documentos juntos aos autos.
Aliás-- como referimos por várias vezes--, não se deve olvidar que “O procedimento demasiado ritualizado e com efeitos preclusivos não permite atingir a justiça que se procura através do processo” (Aspectos do Novo Processo Civil”, A. Marques dos Santos, Lebre de Freitas e outros, 1997, 34—sublinhado nosso.
Voltando ao caso sub judice, vemos que os factos que o Mmº Juiz a quo aditou, na sentença, à relação dos provados são factos que resultam de documentos que os (então dois) réus juntaram com a contestação (cfr. fls. 35 a 36 e 41 a 46: procuração notarial, caderneta predial, alvará de licença emitido pela Câmara Municipal do Porto e certidão emitida pelo 3º Cartório Notarial do Porto, respectivamente).
A procuração é um documento autenticado (artº 363º, nº2, CC), sendo os demais documentos autênticos ( nº 2 do referido normativo).
Como não foi ilidida a sua falsidade ( artº 372º, nº1, CC), fazem prova plena nos termos do artº 371º, CC.
E em nada altera a situação o facto de se tratar de fotocópias.
É que a exactidão desses documentos não foi impugnada pelo autor, nos termos do disposto nos arts. 368º do CC e 544º do CPC, pelo que fazem prova dos factos a que se referem ( cits. arts. 363º e 371º, CC—quanto ao documento autenticado, cfr. artº 377º CC).
Diga-se, aliás, que não só não foi, oportunamente, arguida a falsidade dos documentos, nem impugnadas a letra e/ou assinatura, como também não foi requerida a exibição do original.
Deste modo, têm o mesmo valor probatório que este ( arts. 386º, nº1, e 387º, nº2, do Cód. Civil).
Repare-se que, não obstante ter sido notificado dos documentos em causa ( cfr. fls. 49), o autor nada disse, quer sobre a sua junção, quer sobre a sua força probatória.
Podia, portanto, o Mmº Juiz a quo aditar—como aditou—à matéria de facto assente os factos provados que emergiam dos ditos documentos.
É obvio, assim, que se não verifica qualquer nulidade da sentença, maxime a referida na al. d) do nº 1 do artº 668º, CPC.
Improcede esta primeira questão suscitada pelo apelante.
Quanto à segunda questão: Impugnação da matéria de facto:
Entende o apelante que deviam ser dados como “provados” os quesitos 2º a 11º da base instrutória e como “não provados” os quesitos 14º a 21º da mesma base.
Será assim?
Vejamos.
Saliente-se que, balizando as conclusões das alegações do recurso o seu objecto, como dito supra, não obstante o apelante nas suas (longas) alegações por em causa as respostas aos quesitos 1º a 21º, o certo é que nas conclusões apenas questiona as respostas aos quesitos 2º a 11º e 14º a 21º-- pelo que só sobre estas nos debruçaremos.
Antes de mais, refira-se que o apelante deu cumprimento ao preceituado nos arts. 690º-A, nºs 1 e 2 e 522º-C, ambos do CPC, na redacção (aqui aplicável) emergente do DL nº 183/2000, de 10.08, sendo que o primeiro dos artigos referidos (artº 690º-A do CPC)-- redacção do DL nº 329-A/90, de 12.12 e DL 183/2000, cit. supra—diz o seguinte:
“1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
Quais os concretos ponto meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunha decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta , ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º-C”
3. Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, [................], proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, também por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º-C”.
Impõe-se, no entanto, desde já, dizer o seguinte:
Certo é que a prova testemunhal foi gravada, como as actas patenteiam e tal gravação consta de cassetes que nos foram fornecidas—e que cuidada e aturadamente ouvimos.
Só que ouvimos.... mas não vimos!
E ver, por vezes, é bem mais importante do que ouvir...!
Como se sabe, a apreciação da prova na Relação envolve "risco de valoração" de grau mais "elevado" que na 1ª instância, onde são observados os princípios da imediação, da concentração e da oralidade.
Quando o juiz tem diante de si a testemunha (ou o depoente de parte), pode apreciar as suas reacções, apercebe-se da sua convicção e da espontaneidade, ou não, do depoimento, do perfil psicológico de quem depõe: em suma, daqueles factores que são decisivos para a convicção de quem julga, que, afinal, é fundada no juízo que faz acerca da credibilidade dos depoimentos.
Conforme ensina, a propósito da imediação, o Prof. Antunes Varela (in "Manual de Processo Civil, 2ª Ed., págs. 657): ",Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar".
No domínio da prova testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação das provas - art. 396º do CC - segundo a convicção que o julgador tenha formado acerca de cada facto - art. 655º, nº1 - sem embargo do dever de as analisar criticamente e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida - art. 653º, nº 2, do CPC.
A alteração das respostas, atento o principio da aquisição processual consagrado no art. 515º, poderia basear-se, inclusivamente, em material probatório não carreado pela parte discordante.
Segundo o Prof. Manuel de Andrade (in "Noções Elementares de Processo Civil, 1963, págs. 357), "Os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo. São atendíveis mesmo que sejam favoráveis à parte contrária..."
Mas, em nosso entendimento, sempre a Relação só deveria alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, reapreciada a mesma, fosse evidente a grosseira apreciação e valoração que foi feita na instância recorrida, isto pelo facto de o julgador da 1ª instância dispor de um universo de elementos (não apreensíveis na mera gravação áudio dos depoimentos) que são decisivos para o processo íntimo de formação da convicção, que se não satisfaz com a, diríamos, insípida audição ( e eventual transcrição) daquela gravação, não tendo a 2ª instância possibilidade de intuir ou de apreciar para lá daquilo que se mostra gravado, o que é deveras redutor no processo de formação da convicção.
Ora, lendo a decisão da 1ª instância sobre a resposta à matéria de facto ( fls. 434 a 436 verso), verificamos, em primeiro lugar, que no que tange à fundamentação das respostas à matéria de facto, a mesma analisou criticamente as provas, especificou, de forma racional, coerente e lógica e com respeito por toda a prova produzida (inclusive a documental), os fundamentos que foram decisivos para a respectiva convicção; e por outro lado, tal decisão não nos parece-- de forma alguma-- estar em oposição com o teor dos depoimentos prestados em julgamento, designadamente pelas testemunhas arroladas pelo apelante.
Pelo contrário: afigura-se-nos que os depoimentos testemunhais foram atenta e correctamente valorados, não merecendo o mais pequeno reparo ou censura.
Com o elevado respeito que sempre nos merecem as considerações do apelante, o certo é que, ouvidos os depoimentos produzidos, não nos parece que o Mmº Juiz tenha alterado na resposta à matéria de facto a verdade vertida em tais depoimentos. Antes nos parece que as respostas aos quesitos da base instrutória estão em conformidade com os ditos depoimentos, conjugados com os demais elementos probatórios considerados, referidos na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que nos dispensamos de aqui repetir.
É certo que os depoimentos das testemunhas isoladamente considerados nos deixam algumas dúvidas. No entanto, essas dúvidas e eventuais incoerências não são de molde a pôr em causa a validade e verdade do que deles foi extraído pelo tribunal a quo—aqui entrando, precisamente, em campo o que dos apontados princípios da imediação e oralidade advém, e que escapa, de todo, a este Tribunal Superior.
A prova que o autor traz aos autos para obter a alteração da matéria das respostas à base instrutória é assaz frágil.
Por um lado, invoca o seu próprio depoimento, o que nenhuma utilidade tem. É que, visando o depoimento pessoal a obtenção da confissão e não se tendo lograr a sua obtenção, é obvio que em nada interessa o que disse ou deixou de dizer o autor.
Já quanto às testemunhas que o autor arrolou, não se pode esquecer que o H...... é o próprio pai do autor e a I.......... é a sua namorada. É manifesto o interesse do pai do autor no desfecho da demanda, atento, desde logo, o facto de ter sido ele quem deu o dinheiro para a compra da fracção e, portanto, que está sem ele...!—sendo certo que esse interesse se manifesta no seu depoimento, um tanto confuso e contraditório, aliás.
A namorada, I......., prestou um depoimento que se nos afigura de todo inseguro, sem significativo conhecimento dos factos a que depôs, procurando-- sem convencer, porém—mostrar ao tribunal a razão do seu namorado.
Quanto às demais testemunhas arroladas pelo apelante e ouvidas pelo tribunal, não nos pareceu que tivessem conhecimento de factos relevantes para a questão.
Aliás-- como bem referem os apelados nas suas contra-alegações--, nenhuma das testemunhas arroladas pelo autor, além do seu pai, se pronunciou sobre a obrigação que o autor imputa aos réus de que estes tinham de fazer certas obras, designadamente as referidas nos arts. 4º a 7º da base instrutória. Não mostraram saber o que autor e réus acordaram no âmbito do contrato-promessa. Pelo que não vemos como pode o seu depoimento alterar as respostas dadas pelo tribunal à base instrutória.
Não resultando (pelo menos evidente) das palavras das testemunhas indicadas pelo apelante que as mesmas tenham deposto de forma contrária às respostas do Mº Juiz aos quesitos da base instrutória ( pelo menos tal não resulta da audição que fizemos-- seca ou nua), e não tendo este Tribunal de recurso assistido a esse desfilar de depoimentos, resta-nos acreditar na convicção do julgador, que fundamentou de forma abundante e correcta, não nos merecendo qualquer reparo ou censura.
Não podemos olvidar que—embora isso seja “esquecido” na impugnação do apelante a que ora respondemos-- as respostas aos quesitos foram dadas não só com base nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor, mas também tendo em conta o que disseram as testemunhas dos réus. E estas, em grande parte, pelo menos, seguramente que abalaram os depoimentos daquelas.
Sem embargo do supra explanado, no entanto, como se sabe, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode, ainda, ser alterada pela Relação nos casos previstos no artº 712º do Cód. Proc. Civil:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravações dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na 1º instância.
No caso em apreço, pelas razões supra apontadas, é claro que a dita alteração se não verifica com base na al. a).
Não tal alteração ou modificação da decisão de facto igualmente não ocorre ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artº 712º, do CPCivil, pois que não foi apresentado documento novo superveniente.
Assim, falta-nos apreciar se os elementos fornecidos pelo processo nos impõem decisão sobre a matéria de facto diversa da considerada em 1ª Instância, elementos esses que tornam a decisão insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (mencionada al. b) do nº 1 do artº 712º do CPCivil).
Não impõem, seguramente.
Não o impõem porque não existem tais elementos no processo, o que ocorre em especial quando há documentos com força probatória para alterar a resposta ou respostas do tribunal.
De facto, a alínea b) do nº 1 do artº 712º do Código de Processo Civil consente a modificabilidade da decisão de facto "Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas".
Este fundamento está, como se sabe, relacionado com o valor legal da prova, "exigindo-se que o valor dos elementos coligidos no processo não pudesse ser afastado pela prova produzida em julgamento. Ao abrigo desta alínea b ) a alteração das respostas só é admissível quando haja no processo um meio de prova plena, resultante de documento, confissão ou acordo das partes, e esse meio de prova plena diga respeito a determinado facto sobre o qual o Tribunal também se pronunciou em sentido divergente".
De qualquer forma, não ocorre aqui essa situação, na medida em que não foi postergada a força probatória de qualquer documento que não pudesse ser afastada pela prova testemunhal.
Como ensinou o Prof. Alberto dos Reis “, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 472, “se estiver junto aos autos documento que faça prova plena ou cabal de determinado facto e o juiz, na sentença, tiver admitido facto oposto, com base na decisão do tribunal colectivo, incumbe à Relação fazer prevalecer a força probatória do documento”.
Verificados, portanto, os documentos juntos aos autos, temos que os elementos por si fornecidos não impõem decisão diversa sobre a matéria de facto considerada em 1ª Instância, na medida em que, face à motivação exarada aquando da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal “a quo" teve o cuidado de realçar a convicção que determinou a resposta dada, conjugados que foram os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência, o que, confrontado com os elementos vertidos nos autos, não torna a realidade, por estes manifestada, insusceptível de ser destruída ( citada al. b) do nº 1 do artº 712º do CPCivil).
Ficamos, assim, com o gozo por parte do Tribunal de liberdade de julgamento, apreciando livremente as provas e respondendo a cada facto segundo a sua prudente convicção- cfr. artº 655º do CPC e arts. 396º, quanto à prova testemunhal, 389º quanto à prova pericial, e artº 391º, quanto à prova por inspecção ao local- estes últimos preceitos são do Código Civil.
Improcede, como tal, esta questão suscitada pelo apelante.
Quanto à terceira questão-- se houve incumprimento do contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma por banda dos réus.
Sustenta o apelante que foram os réus que incumpriram o contrato-promessa em causa e, como tal, assiste ao autor o direito de resolução do mesmo contrato e restituição do dobro do sinal prestado.
Qui juris?
Parece ser pacífico que ressalta da petição inicial que o autor atribui o incumprimento do contrato-promessa aos réus por duas (e apenas duas) razões: primeira, porque os réus lhe não terão facultado, em tempo, os documentos necessários à feitura do registo provisório da aquisição e ao pagamento da sisa (procuração a outorgar poderes ao procurador D........; caderneta predial da fracção; certidão da conservatória do registo predial referente à fracção; licença de habitabilidade); segunda, porque os réus não fizeram na fracção prometida vender as obras que se obrigaram a fazer até à data acordada para a celebração da escritura pública de compra e venda, que era 1997.05.07 (cfr. arts. 19º a 21º da p.i.).
Podemos, desde já, adiantar que claudica qualquer daqueles argumentos visando a imputação do incumprimento do contrato aos réus, como se passa a demonstrar.
Assente está que autor e réus celebraram um contrato promessa de compra e venda da fracção identificada nos autos.
Trata-se de um contrato com eficácia obrigacional que uns autores classificam como contrato atípico e que só termina com a celebração da escritura de compra e venda ou com a resolução da promessa (S.T.J, Ac. de 25/06/86, B.M.J., 358, pág. 523).
Pelo mesmo contrato promessa, as partes assumiram a obrigação de contratar, ou seja, de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido, o mesmo é dizer, uma obrigação de prestação de facto positivo.
Cumpre, assim, ver a quem é imputável o incumprimento do contrato—em especial, se têm, ou não, consistência, os ditos argumentos invocados pelo autor/apelante para fazer imputar o incumprimento aos réus promitentes vendedores.
Uma questão, porém, desde já se põe, qual seja a respeitante à eventual necessidade de interpelação admonitória dos réus a fundamentar o pedido de resolução do contrato.
O autor limita-se a alegar as causas da não outorga do contrato promessa e pedir a resolução do contrato com a consequente condenação dos réus a pagar-lhe o dobro do sinal que prestaram.
Não alegando como fundamento do não cumprimento do contrato a não realização da escritura pública na data que constava do contrato promessa, antes se limitando a invocar os dois aludidos argumentos ou fundamentos, cremos que o autor, para poder resolver o contrato, deveria interpelar os réus, fazendo-os crer que, não apresentando em tempo razoável (que indicariam) os documentos que invoca, ou não executando as obras em prazo igualmente razoável (que igualmente indicaria), então, sim, consideraria o contrato como definitivamente incumprido por culpa dos réus, o que, então, lhe facultava a resolução válida do contrato.
Mas não fez isso. Limitando-se agora—e só agora—a accionar os réus para ver resolvido o contrato com os ditos fundamentos
Como resulta do artº 442º,nº2 do Código Civil, se o não cumprimento da obrigação for imputável a quem recebeu o sinal, quem o prestou tem “a faculdade de exigir o dobro do que prestou (...)”.
Como é assinalado no Ac. do S.T.J. de 2/5/1985, B.M.J., 347º, pág. 375, as sanções previstas no nº 2 do artº 442º citado são aplicáveis a quem deixar de cumprir a obrigação, o que significa que qualquer das partes está “contratualmente associada a um inadimplemento susceptível de provocar a resolução do contrato”.
Neste sentido, Pires de Lima e A. varela, C.C. Anotado vol. I, 2ª ed., págs. 368 e 216 e segs. e Col. Jur., ano 4, pág. 77.
É o dito incumprimento que permite a resolução do contrato.
Mas o incumprimento definitivo.
E para que a este haja lugar, tem de haver lugar à chamada interpelação admonitória—in casu, dos réus.
Não havendo a interpelação admonitória-- no sentido de que não cumpridas as aludidas obrigações pelos réus se considerava o contrato definitivamente incumprido por eles--, teríamos apenas uma situação de mora e não de incumprimento definitivo. É que é pacífico que para que a mora se converta em incumprimento definitivo tem de haver lugar à interpelação admnitória do devedor e só feita esta sem que o mesmo cumpra a prestação, então é que há lugar à possibilidade de resolução do contrato. Isto é, a simples mora do devedor não confere ao credor o direito a resolver o contrato (A. Varela, das Obrigações em Geral, II, 2ª ed., 115 e Rev. Leg. e Jur., 118, págs. 54 e 271 e ano 120, pág. 73, nota (1) e, entre outros, os Acs. do S.T.J, de 28/06/84, in B.M.J., 338, pág. 526 e da Rel. de Cª, de 13/10/1987).
De facto, para que, tendo a obrigação não cumprida por fonte um contrato bilateral, o credor possa resolver o contrato, desonerando-se da sua contraprestação, torna-se necessário, em princípio, que a prestação da outra parte se tenha tornado impossível, por causa imputável ao devedor (artº 801º, nº1, CC).
Acrescenta o artº 808º, CC, que, tendo o credor, em consequência da mora, perdido o interesse – o que constitui pura questão de facto ( cfr. RLJ 118º-56) que tinha na prestação, ou não sendo a prestação realizada no dentro do que razoavelmente for fixado pelo credor, a obrigação se considera não cumprida para todos os efeitos.
Por esta forma se equipara, para todos os efeitos, a mora à falta culposa de cumprimento definitivo (ou não cumprimento definitivo culposo) imputável ao devedor, isso quer dizer, além do mais, que a mora faculta em tais casos a resolução do contrato, por aplicação conjugada dos arts. 808º,nº1, e 802º, nº2, do Cód. Civil ( RLJ 118º, pág. 54).
No caso presente, vimos que tal interpelação admonitória não foi efectuada pelo autor. E, como vimos, era necessária para que os réus incorressem em incumprimento definitivo do contrato-promessa.
Estabelecendo o mecanismo da interpelação admonitória ( artº 808º), o legislador institui um processo formalizado de verificar a falta de credibilidade do devedor. Não se justifica, no entanto, a fixação de um prazo suplementar, caso o devedor cometa uma violação contratual positiva de certa gravidade, pois esta conduta do devedor, como « fait accompli», põe de per si em evidência a sua «infiabilidade» (J. Baptista Machado, in RLJ, ano 118º, pág. 280, nota 11, citando DUBISCHAR.
Não se tendo alegado (cfr. p.i.) a prática por banda dos réus de qualquer situação que pudesse integrar tal «violação contratual positiva de certa gravidade», cremos que não estava o autor dispensado de usar a interpelação admonitória dos réus a fim de lhe ser possível, de seguida, resolver o contrato.
Pelo que se nos afigura que sem ela não pode obter a resolução do contrato.
Parece manifesto que a carta de 12.06.97 (fls. 409) não configura tal interpelação admonitória, pois nela tão só se chama a atenção para o facto de não terem sido realizadas as obras que alegadamente o proprietário da fracção se terá comprometido a fazer, aí tão só propondo o autor a anulação do contrato, mas não fixando prazo para a realização das ditas obras—muito menos para a entrega de documentos necessários para a realização do contrato prometido, pois, quanto a esses, nem uma palavra sequer--, sob a cominação da perda definitiva do interesse na realização da escritura definitiva de compra da fracção aos réus.
Anote-se que o incumprimento definitivo é equiparado, para o caso que ora interessa, à impossibilidade da prestação (cfr. A. Varela, ob. cit., págs. 62, 89 e 103; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed., págs. 762 e 767 e R.L.J., 117º, págs. 21 e 57; Vaz Serra, B.M.J., 76, págs. 56 e 57 e RLJ 110, 327; Galvão Teles, Direito da Obrigações, 1985, pág. 433).
Saliente-se que além da hipótese já referida, há outras situações em que se dispensa a aludida interpelação admonitória.
Assim, por exemplo, “recusando-se o promitente-vendedor a celebrar o negócio prometido a não ser que houvesse alteração do preço acordado, fica desde logo em falta e em situação de incumprimento definitivo, independentemente de ter sido ou não interpelado para cumprir”--Ac. Rel. de Évora de 18/10/90, Col. Jur., ano 15, T. 4, pág. 295).
No mesmo sentido, Galvão Teles, Direito das Obrigações, 4ª ed., 189; Acs. STJ de 19/03/85 (Bol. B.M.J. 345-400), de 06/03/86 ( Bol. M.J. 355-352) e Ac. Rel. de Coimbra de 20/03/90 ( Col. Jur. ano 15, T. 2, 53).
POR VÁRIOS MOTIVOS, SEMPRE IMPROCEDIA O PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO SINAL EM DOBRO
PRIMEIRO:
Como se viu supra, pede o autor, além da resolução do contrato por incumprimento dos réus, a condenação destes a restituir-lhe o dobro do sinal prestado, ou seja, 6.000.000$00.
Funda o autor, como vimos, a sua pretensão, no incumprimento pelos réus do contrato promessa de compra a venda que com ele outorgaram—junto a fls. 10 a 13--, alegando, como se disse, duas coisas: por um lado, não terem os réus fornecido, atempadamente, os aludidos documentos necessários à elaboração do registos provisórios da aquisição e ao pagamento da sisa; por outro lado, não terem os réus realizado na fracção as obras a que se obrigaram.
Ora, pelo que supra já se disse, independentemente da verificação, ou não, das razões invocadas pelo autor para sustentar o incumprimento do contrato pelos réus, o certo é que a pretensão do autor, tal como alega, sempre tinha que naufragar.
Na verdade, como vimos, para que assistisse ao autor o direito ao dobro do sinal, tinha que préviamente invocar o incumprimento definitivo do contrato pelos réus e resolver o mesmo, servindo esta acção, neste ponto, para a condenação dos réus a verem efectivada essa resolução que o autor tenha feito anteriormente em missiva que previamente lhes tenha endereçado.
Ora, tal resolução não vem, sequer, alegada pelo autor, muito menos sustentada em documento bastante (ver artº 436º, CC).
Como supra se referiu e é assinalado no Ac. do S.T.J. de 2/5/1985, B.M.J., 347º, pág. 375, as sanções previstas no nº 2 do artº 442º citado são aplicáveis a quem deixar de cumprir a obrigação, o que significa que qualquer das partes está “contratualmente associada a um inadimplemento susceptível de provocar a resolução do contrato”.
Neste sentido, Pires de Lima e A. varela, C.C. Anotado vol. I, 2ª ed., págs. 368 e 216 e segs. e Col. Jur., ano 4, pág. 77.
Isto é, para que o autor pudesse exigir o dobro do sinal necessário era que perdesse definitivamente o interesse no contrato promessa—o que deveriam fazer ver à ré enviando-lhe uma carta onde tal constasse (cfr. Ac. STJ de 02.12.1992, Bol. M. J. 422, pág. 335). E isso não fez.
Neste aresto se escreveu: “ ...a sanção prescrita no nº 2 do artº 442º do Cód. Civil,......., pressupõe uma situação de incumprimento definitivo, dado que à mora só pode corresponder a obrigação de indemnizar o dano moratório, de harmonia com o disposto no nº 1 do artº 804º do mesmo Código".
Portanto, só a destruição do contrato pela via da apontada resolução permitiria ao autor exigir o pagamento do dobro do sinal. E tal resolução precedida da necessária interpelação admonitória não a fez o autor—o que, por si só, faria claudicar o direito a exigir o dobro do sinal prestado.
SEGUNDO :
Sem embargo do acabado de expor, salvo melhor opinião, entendemos que a acção sempre naufragava, já que se não encontram preenchidos os factos invocados pelo autor para sustentar o incumprimento do contrato promessa por parte dos réus.
No que tange aos documentos alegadamente em falta, é claro que—como, aliás, bem se salienta na sentença recorrida--, não há, quer nos factos alegados, quer nos provados, qualquer nexo causal entre a sua pretensa falta ou a sua não consulta/análise pelo promitente vendedor e a não outorga da escritura pública de compra e venda da fracção.
É certo que sem os ditos documentos a escritura não se realizava, desde logo porque o autor iria recorrer ao crédito bancário ( cfr. respostas aos quesitos 14º a 17º da base instrutória). Mas não se pode dizer que o autor foi prejudicado na sua vontade de realizar a aquisição da fracção por falta dos ditos documentos. É que não só os referidos documentos existiam, de facto (cfr. documentos de fls. 35 a 36, 41 a 44. 45, 172 a 178), como foi o autor que se recusou a assinar o documento de fls. 344 a 347 para efeitos de registo provisório da fracção, não obstante o mesmo documento ter sido devidamente assinado pelo procurador dos réus ( cfr. respostas aos quesitos 20º e 21º da BI).
Foi, aliás, o próprio autor—sem razão concreta e justificativa (pelo menos provada!) para tal—que se recusou a assinar a escritura pública de compra e venda da fracção (cfr. resposta ao quesito 18º), sendo certo que a mesma se não realizou, na data designada de 121.12.97, pela simples razão de que o autor....não compareceu na hora e cartório designados (cfr. matéria de facto assente na sentença recorrida—fls. 440-- , em conformidade com o doc. de fls. 46)—não obstante, como dissemos, não haver falta de qualquer documento que inviabilizasse a realização da escritura ( a Srª Notária é clara: “a escritura não se outorgou porque não compareceu neste cartório no dia e hora designada, o comprador”, e não, portanto, por qualquer outra razão).
No que tange às pretensas obras a fazer pelos réus, igualmente falta a razão ao autor/apelante.
Efectivamente, não obstante o autor ter alegado que os réus, “verbalmente”, prometeram fazer as obras referidas na pi, e que “a escritura definitiva só seria celebrada após correcta efectivação das obras” (quesitos 4º a 8º), o certo é que tais quesitos mereceram reposta negativa (cfr. fls. 434).
Incumbia ao autor a prova da factualidade alegada que integrava a causa de pedir da acção, in casu, além do mais, o incumprimento do contrato —embora se presuma a culpa do devedor (artº 799º, CC)—por parte dos réus promitentes/vendedores. Só que tal prova não logrou fazê-la.
Daqui se alveja, poranto, que não vingam as razões invocadas pelo autor para imputar aos réus a falta de realização da escritura pública de compra e venda da fracção.
Como tal, o pedido principal necessariamente que terá de improceder.
MAS HAVERÁ INCUMPRIMENTO CONTRATUAL POR BANDA DOS RÉUS PELA NÃO OUTORGA DA ESCRITURA ATÉ 7 DE MAIO DE 1997--DATA CONSTANTE DO CONTRATO (CLª VI)?
É evidente que não.
É certo que na referida clª VI se escreveu que “ambos os contraentes acordam em efectuar a escritura definitiva de compra e venda até ao dia 7 de Maio de 1997,....”.
E não é menos certo que não consta dos autos, sequer, que o réu—a quem, nos termos da mesma clª incumbia a marcação da escritura “por carta registada...”—tenha marcado a escritura em tal data.
Tal, porém, afigura-se-nos sem qualquer relevância, quer em sede de imputação do incumprimento contratual aos réus, quer por outras razões.
Antes de mais, é fácil ver—lendo a petição inicial, onde está expressa a causa petendi--, que em artigo algum dessa peça processual o autor faz a mínima referência à aludida data para a escritura, em especial procurando extrair como causa de incumprimento do contrato a não realização da escritura no dito dia designado no contrato.
Apenas e tão só—como já referido supra—alega como fundamento da acção, isto é, como fundamento do não cumprimento do contrato pelos réus, as ditas faltas de documentação e de realização de obras “verbalmente” acordadas.
Só em sede de recurso é que o autor/apelante se lembra de invocar tal argumentação. Isto é, só em recurso invoca essa nova causa de incumprimento do contrato pelos réus—um facto que pretende sirva de fundamento da acção--, para fundamentar o pedido de condenação dos réus a entregar-lhes o dobro do sinal.
Mas tal não é possível. Desde logo porque, sendo tal facto apenas alegado em sede de recurso, não foi o mesmo objecto de contraditório.
Assim, não é neste recurso que pode suscitar-se a questão (artº 672º, do CPC), que seria nova, sendo que o tribunal da Relação não pode conhecer de questões não invocadas nem decididas no tribunal recorrido ( Acs. do STJ, Bol. M.J., 364º-849, CJ, 1990-13º-14º,31, Col. Jur., 1993, III, 101, Relação de Lisboa, Col. Jur., 1985, II, 109, 1995-5-98 e de Évora, Col. 1986,IV,313).
As questões que não foram suscitada em 1ª instância não têm que ser ali tratadas, como o não têm que ser na instância de recurso, conforme resulta claramente do disposto nos arts. 676º, nº1, 680º, nº1 e 690º, do CPC, sendo jurisprudência, tanto anterior, como posterior à Reforma do Cód. Proc. Civil de 1995/96 (cfr. Rodrigues Bastos, Notas, vol. III, pág. 266 e Dr. Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos no Cód. Proc. Civil Revisto, pág. 52; Ac. STJ, de 29.4.98, n BMJ 476-400, Acs. STJ de 2.7.91, Bol. M.J. 409º-690 e de 18.01.94, Bol. M.J. 433-536).
Aliás, diga-se, até, que na própria alegação do autor, aquando da propositura da acção, a marcação da escritura não tinha data fixa, uma vez que estava dependente da realização das alegadas (embora não provadas) obras (cfr. artº 13º da pi).
É, portanto, o próprio autor a não tomar em consideração o facto da marcação da escritura pública em data fixa como integrando a causa de pedir da acção—quer do pedido principal, quer do subsidiário (entrega do sinal prestado com base na nulidade do contrato por ausência das formalidades previstas no nº 3 do artº 410º do CC).
Diga-se, por último, que das respostas à base instrutória resulta que foi o próprio autor a criar as condições para a não outorga da escritura--, fosse na data designada no contrato-promessa, fosse em outra qualquer. É que, sendo a compra da fracção realizada com recurso ao crédito bancário, foi o próprio autor quem não assinou os documentos para tal necessários (cfr. respostas aos quesitos 19º a 21º da base instrutória). E é claro que sem dinheiro não havia escritura—não se alveja nos réus qualquer espírito altruísta!--, pelo que parece ousado vir invocar-se a sua não realização da dita data (7.5.97)—ou noutra, vale o mesmo--, quando o autor não fez a diligências necessárias a que fossem criada as condições para que o empréstimo bancário tivesse lugar, condição, assim, sine qua non da feitura da escritura de compra e venda.
DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ POR BANDA DO AUTOR:
Como bem referem os réus/apelados nas suas contra-alegações, se estes marcaram a escritura para 11 de Dezembro de 1997 (doc. de fls. 46) é porque queriam efectivamente realizar a venda da fracção, sendo eles, como tal, os prejudicados já que iam receber o (mesmo) preço da fracção com mais de meio ano de atraso!
Tudo, obviamente, para facilitar a vida ao autor!
O que denota alguma má fé do autor ao vir invocar-- só agora!--, como fundamento do pedido, a não realização da escritura no dia.....7.5.97 (!), realização essa que, como resulta apodicticamente dos autos, só não teve lugar porque tal interessava....ao próprio autor (designadamente porque não tinha dinheiro para pagar a fracção aos réus).
Parece, portanto, que o autor não agiu com a boa fé que as circunstâncias do caso requeriam.
E exigiam!
É que a boa fé está presente tanto na preparação como na formação do contrato (artº 227º do C. Civil), como , também, no cumprimento das obrigações e no exercício do direito correspondente (artº 762º, do mesmo Código).
É um princípio que constitui uma trave mestra, certa e segura da nossa ordem jurídica, vivificando-a por forma a dar solução a toda a gama de problemas de cooperação social que ela visa resolver no campo obrigacional--princípio, é certo, que deve ser observado com as restrições apontadas por Salvatore Romano, em “Enciclopédia del Diritto”, Milão, 1959, - “Buona Fede”, págs. 667 e segs. Ver, ainda, a Boa Fé nos Contratos, de Armando Torres Paulo, pág. 124 e “A Boa Fé no Direito Comercial”, in “temas de Direito Comercial”, conferência no Conselho Distrital do Porto da ordem dos Advogados, págs. 177 e segs. e Baptista Machado, in Obras Dispersas, vol. I.
Como se viu, os réus não marcaram a escritura para o dia indicado no contrato promessa, não porque faltasse algum dos documentos que lhes competia apresentar ou assinar, mas, simplesmente, porque ao autor assim interessava, em especial porque não tinha dinheiro para pagar o preço acordado da fracção e tinha que aguardar pelo necessário empréstimo bancário. Por isso, esperaram os réus, assinando o documento necessário ao registo provisório da hipoteca sobre a fracção autónoma prometida vender. Mas o mesmo não fez o autor: não assinou o dito documento (resposta ao quesito 21º), assim inviabilizando o empréstimo e, por essa via—não dispondo os réus de dinheiro para pagar a fracção--, inviabilizando o negócio prometido, ou seja, a realização da escritura pública de compra e venda da fracção.
Tudo simples, portanto.
Pelo explanado se conclui, também, que tornou o autor inexistente o pretenso inadimplemento do contrato por parte dos réus, ficando, assim, o autor sem direito de resolver o contrato (artº 801º, nº2 do C.C.) e de exigir a devolução do dobro do sinal que prestou, pretendido nesta acção (artº 442º, nº2, CC).
Quod erat demonstrandum !
Não se reconhecendo ao autor os direito de resolução do contrato e de indemnização que aquele invocara em via principal, e não havendo motivo de nulidade do contrato de conhecimento oficioso (cfr. Ac. STJ junto a fls. 155), há que passar à análise do pedido subsidiário, qual seja o respeitante à invocada nulidade do contrato-promessa por falta do reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes, ao abrigo do nº 3 do artº 410º, CC.
É a 4ª questão suscitada e que, de imediato, passaremos a analisar.
QUARTA QUESTÃO-- DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO: DA “NULIDADE” DO CONTRATO-PROMESSA, POR PRETERIÇÃO DA FORMALIDADES PREVISTAS NO ARTº 410º, Nº3, DO CÓDIGO CIVIL:
Como se escreveu no Ac. do STJ de 01.06.2000, junto a fls. 152 a 156 (em especial fls. 155/156), improcedendo o pedido principal ( de declaração de resolução do contrato-promessa e de indemnização), há, então, que apreciar a “concreta nulidade” invocada pelo autor, a título subsidiário, e ver se o contrato-promessa celebrado entre as partes é nulo por violação do disposto naquele nº 3 do artº 410º, do Cód. Civil.
De novo não assiste razão ao autor-- o que lhe retira o direito a exigir a restituição do sinal prestado (pedido subsidiário).
Dispõe o artº 410º, nº3, do CC:
“No caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou construir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte” (redacção do Dec.-lei nº 379/86, de 11.11).
Quanto a este pedido subsidiário, entendemos que a sentença recorrida fez uma análise cuidada, abundante e correcta da questão, com a qual, portanto, não podemos deixar de estar em total acordo.
Diz o autor que as aludidas exigências do nº 3 do artº 410º do CC são “formalidades ad substanciam, imperativas, não dependendo da vontade das partes e cuja falta importa, inquestionavelmente, “de per se”, e “ex tunc”, a nulidade do negócio” (fls. 489), acrescentando que se trata de nulidade de “conhecimento oficioso”, que, portanto, “até o tribunal a poderia decretar “ex oficio” ( fls. 490).
E conclui que, não tendo o promitente-comprador-- o autor—em nada concorrido para a omissão das referidas formalidades (fls. 490), a nulidade do contrato-promessa sub judice impõe-se por força do disposto nos arts. 220º e 294º, do CC.
Será assim?
É o que veremos de seguida.
É certo que, nada havendo que afaste a obrigação de cumprimento das referidas formalidades no contrato-promessa, o seu incumprimento implica a aplicação da sanção emergente da lei, qual seja, a invalidação do negócio e, havendo sinal prestado, a sua devolução—o que decorre das disposições conjugadas dos artºs 220°, 286°, 289° e 364° n.° 1, todas do C.C.( cfr. neste sentido, Ac.s RP, de 14.11.85, in BMJ, 351°-458, de RC da 15.10.91, in BMJ, 410°-892, RL, 12.10.89 in C.J., de 1984, 4°--152 e Ac. STJ, de 13.11.90, in BMJ, 411°-553).
Tal não ocorre, porém, no caso sub judice.
No contrato-promessa em questão, verifica-se (cfr. fls. 13) que dele não consta, de facto, o reconhecimento das assinaturas – do autor e do procurador dos réus --nem a certificação da existência de licença de utilização/habitação— é que se trata de edifício e fracção já construídos.
Qual a consequência da falta de tais formalidades?
Di-lo muito bem a sentença recorrida—citando Calvão da Silva, in RLJ , ano 132º ( em anotação ao Ac. STJ de 12.11.98), a págs. 264/265—que a resposta passa pelo sentido e fim da norma: por estes se verá qual a invalidade em presença : nulidade, nulidade atípica ou anulabilidade?
Ora, parece evidente que a razão de ser e o fim da norma são a protecção do promitente-comprador contra os inconvenientes que resultam da promessa de alienação e aquisição de edifícios clandestinos, em face de uma sentida proliferação de construções sem licença camarária. Isto tendo em conta que o promitente-comprador é a parte mais vulnerável “perante uma conjuntura económica caracterizada por forte inflação e proliferação de construções clandestinas” (cfr. Calvão a Silva, RLJ cit., pág. 264, Assentos do STJ de 28.06.94 e e 01.02.95, respectivamente, in DR, Série A, de 12.10.94 e 22.04.95).
Ora, desde logo, há que dizer que – ao contrário do que sustenta o apelante--, como resulta de tais assentos do STJ, a falta das aludidas formalidades não é de conhecimento oficioso pelo tribunal—e não é susceptível se der invocada por terceiros.
Por outro lado, a falta de tais formalidades só pelo promitente-comprador podem ser invocadas, excepto no caso de tal omissão ter sido provocada pelo promitente comprador, caso em que também o promitente vendedor podia invocar tal preterição (Calvão da Silva, RLJ, cit., pág. 264).
Assim sendo, razão tem a sentença recorrida quando conclui que a omissão das ditas formalidades no contrato promessa traduz uma nulidade (invocável a todo o tempo), mas atípica (cfr., ainda, Antunes Varela, “Sobre o contrato promessa” 2ª ed., págs. 50 a 52; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6º ed., págs. 104-107” e inúmera jurisprudência citada por Abílio Neto, Cód. Civil Anotado,13ª ed., em anotação ao dito artº 410º).
Por noutro lado—como igualmente ali se referiu--, a nulidade em questão é atípica, não só pelo que já se referiu, mas também porque “susceptível de sanação ou de convalidação, seja pela ulterior legalização da construção, pela ulterior apresentação da licença de construção ou de habitação ou até no posterior reconhecimento das assinaturas dos promitentes-Vide, nesse sentido, C. da Silva, RLJ 132º, pág. 265, ª Varela/P. Lima, Cód. Civil anotado, I vol., pág. 384 e Ac. STJ de 18.11.97, in www.dgsi.jstj.pt”.
Posto isto, pergunta-se: será que o contrato-promessa em questão padece da aludida nulidade atípica? E pode o autor (promitente vendedor) invocá-la?
A resposta correcta vem na sentença recorrida.
De facto, quanto à falta de certificação pelo notário da existência de licença de habitação/utilização, tendo em vista o objectivo do legislador ao impor esta formalidade, não se verifica o risco para o promitente comprador, uma vez que a licença de habitação existe desde 12 de Fevereiro de 1971 (cfr. documento de fls. 45). Assim sendo, carece de sentido vir o autor invocar a dita norma legal, por falta daquela formalidade, pois que, existindo a dita licença, não há lugar ao risco ou dano para o autor (promitente comprador) que a norma visa acautelar com a exigência da mesma formalidade (A Varela, ob. cit., pág. 384).
Já no que tange à falta de reconhecimento das assinaturas, é certo que tal vício ocorre no contrato promessa em questão (fls. 13).
No entanto, como resulta da al. C) da matéria de facto assente (fls. 204), encontra-se consignado “...na cláusula XI que «ambos os outorgantes declararam prescindir do reconhecimento notarial”.
E não se deve olvidar que quando o autor e o procurador dos réus assinaram o dito contrato, o mesmo encontrava-se “já completamente elaborado” (pela empresa imobiliária Réplica)- resposta ao quesito 1º. E não foram impugnadas as ditas assinaturas, e daí a força probatória do documento (arts. 373º, 374º e 376º, CC).
Ora, sendo assim, não pode o autor—tal como o réu—invocar a omissão dessa formalidade para daí assacar em seu benefício a nulidade (atípica) do contrato promessa—sob pena, aliás, de incorrer mesmo em abuso de direito (artº 334º, CC).
Sobre esta matéria, remete-se para a sentença recorrida, que mostra à saciedade a falta de razão do autor, de forma que o contrato-promessa deve ser visto juridicamente como tendo sido celebrado sem a omissão das formalidades referidas no dito nº 3 do artº 410º do CC.
Por se nos afigura mui arguta e significativa, permitimo-nos transcrever a seguinte passagem da sentença recorrida:
“Em suma, à luz destes factos, cremos ser patente, em primeiro lugar que a omissão do reconhecimento presencial é (também) imputável ao A., em segundo lugar nunca este suscitou tal questão junto dos promitentes vendedores ou do seu procurador ( salvo através da propositura da presente causa ), em terceiro lugar o promitente comprador e ora A. pagou, com a celebração do contrato promessa, um determinado sinal e mais tarde reforçou-o, em quarto lugar diligenciou junto de entidade bancária pela obtenção de empréstimo para esse efeito, ali se deslocando várias vezes, tudo criando no promitente vendedor a justa convicção/confiança de que a irregularidade formal ocorrida na promessa não seria invocada.
Ora, nestas circunstâncias - ou em outras análogas -, conforme lição do Prof. J. Calvão da Silva, RLJ 132, pág. 267/269, cremos que "deve a promessa considerar-se convalidada e ser juridicamente tratada como se tivesse sido concluída sem defeitos, sem a omissão das formalidades referenciadas, porquanto não são afectados os interesses de terceiros nem o interesse geral ou interesse Público.
De facto, na esteira deste Il. Professor, cremos que a necessidade de protecção do promitente comprador, fim ou conteúdo da norma do nº 3 do art. 410º, não se verifica quando o próprio promitente comprador deu causa (ainda que em conjunto com o promitente vendedor) à omissão das formalidades, nem o mesmo sofreu qualquer lesão situada no âmbito dos interesses tutelados pela norma, qual seja o interesse de evitar que possa o promitente comprador ser ludibriado com a celebração de promessas atinentes a prédios ilegais ou clandestinos.
Consequentemente, sem necessidade sequer de nos socorrermos da figura do abuso de direito, entendemos que, nas circunstâncias de facto do caso concreto em apreciação, não pode o promitente comprador e A. invocar a preterição da formalidade do reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes, sendo certo que, conforme já antes vimos, quanto à falta de licença de habitabilidade essa omissão é susceptível de ser sanada pela prova sua existência, como ora sucede quanto à fracção prometida vender.
E, nesta sequência, sem mais delongas, considera-se que o contrato promessa em apreço deverá ser entendido juridicamente como se tivesse sido outorgado sem a omissão das formalidades a que alude o art. 410º, nº3 do Cód. Civil, sendo, nestes termos, plenamente válido, com a inerente improcedência do pedido subsidiário formulado pelo A. —o sublinhado é da nossa autoria.
Dissemos—no que tange à omissão do reconhecimento presencial das assinaturas-- que a conduta do autor foi de molde a criar no promitente vendedor a justa convicção/confiança de que a irregularidade formal ocorrida na promessa não seria invocada.
E era, de facto, o que igualmente já resultava da chamada Toria da Impressão do Destinatário.
Efectivamente, na tarefa interpretativa da lei impõe-se que nos socorremos do disposto no nº 1 do art. 236º do Código Civil, no qual se consagra a chamada "Teoria da Impressão do Declaratário", segundo a qual a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário rnedianamente sagaz, diligente e prudente a interpretaria quando colocado na posição concreta do declaratário.
Embora o Código não se pronuncie sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação, ensina Mota Pinto que «se deverá operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta» ("Teoria Geral do Direito Civil", pág, 421), referindo Manuel Andrade, a título exemplificativo «os termos do negócio », «os usos da prática em matéria terminológica ou de outra natureza que possa interessar», «a finalidade prosseguida pelo declarante», «os interesses em jogo no negócio», etc. (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. 11, pág. 313, nota 1).
Nenhum reparo ou censura a fazer, portanto, à decisão recorrida, claudicando todas as questões suscitadas na apelação, improcedendo, como tal, as conclusões das alegações do apelante.
CONCLUINDO:
- Não constituindo a especificação e o questionário caso julgado, pode o juiz na sentença tomar em consideração os factos que constam de documentos juntos na fase dos articulados e não impugnados pela contraparte, mesmo que não inseridos em qualquer dessas peças processuais.
- O artº 659º, nº3, CPC, contém, não apenas uma directiva, mas uma ordem ao juiz.
- Para que a mora se converta em incumprimento definitivo tem de haver lugar à interpelação admonitória do devedor e só feita esta sem que o mesmo cumpra a prestação, então é que há lugar à possibilidade de resolução do contrato.
- A consequência da omissão das formalidades previstas no nº 3 do artº 410º do Cód. Civil, depende do sentido e fim da norma, destes resultando estar-se em face de uma nulidade (invocável a todo o tempo), mas atípica.
- Tendo o promitente-comprador criado no promitente vendedor a justa convicção/confiança de que a irregularidade formal existente no contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma não seria invocada, deve a promessa considerar-se convalidada e ser juridicamente tratada como se tivesse sido concluída sem defeitos, sem a omissão das referidas formalidades, porquanto não se verifica a necessidade de protecção do promitente comprador (fim ou conteúdo da norma) e não são afectados os interesses de terceiros nem o interesse geral ou interesse Público.
IV. DECISÃO:
Termos em que acordam os Juizes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas a cargo do Autor/apelante.
Porto, 22 de Abril de 2004
Fernando Baptista Oliveira
Manuel Dias Ramos Pereira Ramalho
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha