BUSCA
APREENSÃO
EQUIPAMENTOS INFORMÁTICOS
Sumário

(da responsabilidade da relatora):
I - O direito de um cidadão contra intromissões abusivas na sua esfera pessoal e na sua intimidade, não é um direito absoluto e tem que ceder perante o direito de todos os outros cidadãos à realização da justiça, prevendo a lei processual penal ingerências na correspondência, telecomunicações e demais meios de comunicação dos cidadãos.
II - As buscas não pressupõem a existência de suspeitos ou arguidos de qualquer crime, bastando para tal que haja indícios nos lugares em causa de ocultação de «animais, coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova».
III - O despacho que autoriza a busca e a apreensão não tem que descrever, de forma exaustiva, todos os equipamentos electrónicos e informáticos, todas as caixas de correio e todos os documentos de conteúdo informático a apreender, uma vez que no momento da autorização o juiz de instrução não pode saber o que é que se vai encontrar no decurso da busca.
IV - Numa busca judicialmente autorizada apenas tem que estar no local a pessoa que tiver a disponibilidade do mesmo, não sendo legalmente exigida a presença do legal representante do visado, nem do seu mandatário, os quais também não têm que dar autorização para a realização da busca.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1 – Relatório
Nos autos de inquérito nº 163/21.1TELSB, do Tribunal Central de Instrução Criminal - Juiz 9, com data de 21/12/2023, foi proferido despacho a indeferir as nulidades suscitadas pelo ..., relativamente às buscas e apreensões realizadas no dia 28/11/2023, nas suas instalações.
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Inconformado com esta decisão, veio o ... interpor o presente recurso, pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine a nulidade da apreensão das caixas de correio de AA ...), BB ...), CC ...) e CONSELHO DIRETIVO ...) por as mesmas não constarem do Mandado e a nulidade da apreensão das caixas de correio de DD ...), EE ...), AA ...), BB ...), FF, ...), CC ...) e CONSELHO DIRETIVO ...) na parte em que excedem o Mandado, designadamente todas as mensagens eletrónicas que extravasem o período temporal da investigação.
Para tanto, formulou o recorrente as seguintes conclusões:
“A) No âmbito dos presentes autos, por despacho assinado digitalmente no fim de semana de … e … de 2023, foi ordenada a pesquisa informática e apreensão de dados ou documentos informáticos que se encontrassem nos locais das buscas ou acessíveis remotamente a partir desses mesmos locais, nos termos do disposto no artigo 179.º, n.º 1 e 3, do CPP e do artigo 17.º, da Lei do Cibercrime
B) No dia … de 2023, as Magistradas do Ministério Público, Digníssima Magistrada GG e Digníssima Magistrada HH emitiram um mandado de busca e apreensão à sede do ..., com vista à apreensão de documentos e objetos relacionados com a prática de crimes de participação económica em negócio, abuso de poder e usurpação de funções.
C) No dia … de 2023, foram realizadas buscas no ..., no âmbito das quais foram apreendidos, pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, “cópias integrais, sem qualquer acesso e/ou visualização de conteúdos (cópia cega), as caixas de correio eletrónico pertencentes e em uso por DD ...), EE ...), AA ...), BB ...), FF, ...), CC ...) e CONSELHO DIRETIVO ...)”, conforme Auto de Busca e Apreensão junto aos autos.
D) Sucede que o Despacho que autorizou a realização da busca e apreensão circunstanciou a diligência às buscas necessárias, relacionadas com “os crimes em investigação, desde o dia 1 de janeiro de 2019 até à data das buscas, designadamente, os realizados através das aplicações móveis (…)” (cfr. fls. 1552 dos autos).
E) Além disso, no Despacho de … e … de 2023 lê-se ainda o seguinte: “[a] referida quebra de sigilo pesquisa e apreensão inclui as caixas de correio eletrónico (pessoais e profissionais) que se relacionem com os factos sob investigação e que sejam detetadas no decurso das buscas nomeadamente, as pertencentes a II, JJ, KK, ..., LL (... da ...), MM (... da ...), DD (Presidente do … EE (ex-Vice Presidente do ...) NN (Presidente do Conselho de Administração do ...e OO (ex-Presidente do Conselho de Administração do ...” – cfr. fls. 1552 dos autos (destaques nossos).
F) Apesar do exposto, foi efetuada cópia e respetiva apreensão das caixas de correio eletrónico pertencentes a AA, BB, CC e ao ..., que extravasam o âmbito subjetivo judicialmente autorizado.
G) Acresce que, de entre as caixas de correio eletrónico apreendidas – entre as quais as pertencentes a AA e DD – constam mensagens de correio eletrónico anteriores a 01 de janeiro de 2019 e que em nada se interligam com os crimes em investigação, extravasando o âmbito objetivo judicialmente autorizado.
H) Em face do exposto, o Recorrente arguiu a nulidade da apreensão levada a cabo, contudo, o Meritissimo Juiz de Instrução Criminal declarou a improcedência do pedido, dada a intempestividade do mesmo e a improcedência dos argumentos apresentados.
a. Do erro de interpretação do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP
I) O despacho recorrido – ao entender que a norma do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP não tem aplicação ao caso concreto – incorreu em erro de interpretação do disposto no artigo 120.º, n.º 2, al. d) e de aplicação do mesmo ao caso concreto, conforme se analisará infra.
J) Como refere o mandado de busca e apreensão, os meios de obtenção de prova em causa visavam a apreensão de documentos e objetos relacionados com a atividade criminosa investigada nos autos à margem identificados, ou seja: contendentes com a prática de crimes de participação económica em negócio, abuso de poder e usurpação de funções.
K) Contudo, “foram efetuadas cópias integrais, sem qualquer acesso e/ou visualização de conteúdos (cópia cega), às caixas de correio eletrónico pertencentes e em uso por DD ...), EE ...), AA ...), BB ...), FF, ...) , CC ...) e CONSELHO DIRETIVO ...)”, que extravasam o âmbito subjetivo (no que a AA, BB, CC e ... diz respeito) e objetivo (atento o facto de conterem alguns dados pessoais e anteriores a 01 de janeiro de 2019) da autorização judicial.
L) Ora, – à revelia do que havia sido judicialmente autorizado – foram efetuadas cópias integrais das caixas de correio supra referidas, na sua totalidade, não se cingindo à apreensão da correspondência eletrónica relacionada com o crime em investigação no espaço temporal permitido pelo Despacho judicial.
M) Note-se, a este respeito, que as caixas de correio visadas pela apreensão correspondem a pessoas que trabalham ou trabalharam vários anos no Instituto, e nas organizações que lhes antecederam, pelo que a apreensão em curso tem um âmbito manifestamente superior àquele determinado no Mandado (por abrangerem muitos anos muito anteriores ao período em investigação).
N) Acresce que a realização de cópia das caixas de correio até 2019 é, igualmente, manifestamente abusiva por serem anteriores aos factos em investigação.
O) Finalmente, entre os elementos apreendidos encontram-se numerosos elementos pessoais, sem qualquer relevo para os autos.
P) Ora, a apreensão dos dados informáticos deve cumprir o disposto nos artigos 34.º da CRP, bem como as normas dos artigos 16.º e 17.º, da Lei do Cibercrime.
Q) Nos termos do artigo 16.º da Lei do Cibercrime, a apreensão de dados ou documentos informáticos relevantes para a descoberta da verdade material dos factos depende de autorização judiciária previa ou imediatamente após a apreensão, o que não se verificou nos presentes autos, dado que foram apreendidos dados que não constavam da autorização judicial de 18 e 19 de novembro de 2023.
R) Quanto à apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante, de acordo com o artigo 17.º da Lei do Cibercrime, apenas é permitida a sua apreensão nos termos da autorização judicial concedida e cujo conteúdo seja “de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”.
S) Contudo, não só não há qualquer evidência da relevância do correio eletrónico de AA, BB, CC e do ... para a descoberta da verdade material ou prova dos factos, como também não houve autorização judicial prévia ou posterior para a apreensão dos mesmos, pelo não foi praticado um ato legalmente obrigatório, nos termos dos artigos 34.º, da CRP e dos artigos 16.º e 17.º, da Lei do Cibercrime.
T) Ora, de acordo com o artigo 120.º, n.º 2, al. d) do CPP, “2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” (sublinhado nosso).
U) Também Paulo Pinto de Albuquerque entende que “[o]s casos de insuficiência do inquérito são: (…) e. A falta de validação pela autoridade judiciária dos actos da autoridade de polícia criminal e do órgão de polícia criminal realizados no pré-processo e no processo (ver a anotação aos artigos 249.º e 253.º) e, nomeadamente, a falta de validação pela autoridade judiciária da apreensão efectuada pelo órgão de polícia criminal (artigo 178.º, n .º 5)” (sublinhado nosso) - cfr. Albuquerque, Paulo Pinto – Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 4.ª edição. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, pp 320, anotação 6 ao artigo 120.º.
V) Em face do exposto, ao considerar que a busca e apreensão levada a cabo não é nula por omissão de ato legalmente obrigatório, o despacho recorrido incorreu num erro de interpretação e de aplicação do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, sendo que deveria ter interpretado a mesma no sentido de que, sem autorização judicial para a apreensão da correspondência de AA, BB, CC e do ..., bem como da restante correspondência apreendida anterior a 01 de janeiro de 2019, a diligência carece de ato legalmente obrigatório – autorização judicial legalmente exigida – verificando-se a nulidade constante do artigo 120.º, n.º 2, al. d) e do artigo 126.º, do CPP.
Caso assim não se entenda, o que se admite, sem conceder, por mera questão de patrocínio:
W) Não havendo um mandato que autorizasse a recolha dos dados informáticos e da correspondência eletrónica, esta só poderia ter sido obtida mediante o consentimento do respetivo titular, contudo, o referido consentimento não foi prestado, não só como se pode constatar do Auto da diligência de Busca e Apreensão, mas também pelo facto de os representantes legais do ... não se encontrarem presentes no momento do ato.
X) Também não foi prestado qualquer tipo de consentimento para a apreensão da correspondência de AA, BB e CC, que continha dados pessoais dos próprios, nem por DD e EE quanto à correspondência anterior a 01 de janeiro de 2019, que também continha dados pessoais.
Y) Ora, não existindo autorização legal prévia ou posterior à apreensão da prova ou o consentimento do seu titular, a mesma mostra-se nula, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, pelo que, a prova produzida com base no ato que ora se refere deve ser considerada nula, por utilização de meio legalmente proibido, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP.
b. Do erro de interpretação dos artigos 120.º, n.º 3, al. a) e 123.º, n.º 1, do CPP
Z) A decisão recorrida veio também decidir pela inadmissibilidade do requerido com fundamento na sua intempestividade, nos termos do artigo 120.º, n.º 3, al. a) e 123.º, n.º 1, do CPP, entendendo, “conforme o auto de busca e apreensão constante do apenso concerne à busca ao ..., que o mandado foi entregue a PP, para acompanhar a busca, sendo a mesma Diretora do Departamento Jurídico” e que “[n]ão consta do auto de busca e apreensão a invocação de qualquer vício, seja de nulidade, seja de irregularidade, até ao encerramento do ato em curso, pelo que, uma vez que o legislador não impõe, para realização de busca e pesquisas/apreensões de correio eletrónico, a prévia constituição como arguido ou a nomeação de defensor, nem a presença de mandatários ou defensores durante a sua realização mas, também, não a impede, não há que interpretar o artigo 120.º, n .º 3, nem, mutatis mutandis, o artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, como se a assistência ao ato tivesse de ser feita por um advogado, dado que o legislador é expresso no sentido de que basta a mera presença do «interessado»”.
AA) Ora, não pode o Recorrente acompanhar a decisão, dado que a mesma incorre em erro de interpretação do disposto nos artigos 120.º, n.º 3, al. a) e 123.º, n.º 1, do CPP, conforme ora de analisará.
BB) De facto, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) e n.º 3, alínea a), todos do CPP, a nulidade da busca e apreensão acima descrita deveria ter sido arguida no decurso da diligência, contudo, não se encontrava presente no ato o representante legal do ..., o que obsta a que se aplique, para a arguição da nulidade da Busca e Apreensão, o prazo disposto no artigo 120.º, n.º 3, alínea a), do CPP.
CC) O despacho recorrido entendeu que o interessado se encontrava presente no ato de busca e apreensão apenas com base no simples facto de se encontrar no local, na qualidade de funcionária e Diretora do ..., a Dra. PP, que não pode ser tida por interessada para efeitos do artigo 120.º, n.º 3, al. a), do CPP.
DD) Ora, de acordo com Paulo Pinto de Albuquerque, “[a] nulidade sanável está sujeita ao seguinte regime: só pode ser conhecida a requerimento do "interessado", isto é, do titular do direito protegido pela norma violada” - cfr. Albuquerque, Paulo Pinto – Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 4.ª edição. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 321, anotação 9 ao artigo 120.º.
EE) No caso concreto, foram apreendidos dados informáticos e correspondência eletrónica pertencentes aos funcionários do ..., que contêm informação sobre o instituto e o seu funcionamento, que são propriedade do ... e que são criados para os funcionários que lá exercem funções, não sendo a sua criação acessível a qualquer cidadão externo ao Instituto.
FF) De facto, a Dra. PP não é proprietária do domínio @....pt e não é legal representante do ..., uma vez que não lhe foram conferidos poderes para tal, sendo apenas uma das suas trabalhadoras.
GG) Assim, o facto de esta se encontrar presente no ato da busca e apreensão, não significa que o ... estava presente no ato, visto que o Instituto apenas se obriga pelo seu presidente ou por advogado mandatado que esteja legalmente habilitado a agir em seu nome.
HH) Atento o exposto, o legal representante do ... – legal interessado no ato – não se encontrava presente aquando da busca e indevida apreensão da correspondência eletrónica.
II) Quanto ao prazo para arguir nulidades, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, o mesmo foi cumprido, visto que o Auto de Busca e Apreensão data de … de 2023 e o requerimento para arguição de nulidades foi apresentado pelo ... a … de 2023, ou seja, no terceiro dia posterior ao Auto de Busca e Apreensão.
JJ) Em face do exposto, o despacho recorrido incorreu num erro de interpretação do artigo 120.º, n.º 3, al. a), do CPP, ao considerar a Dra. PP como “interessada” nos autos e, consequentemente, ao julgar a extemporaneidade da arguição de nulidade do ato, devendo antes interpretar a norma no sentido de considerar o ... como legal interessado no ato de busca e apreensão, cujo representante legal não se encontrava no local, pelo que a arguiu em tempo, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP.
Caso assim não se entenda o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio:
KK) Nos termos do artigo 120.º, n.º 3, al. c), sendo a nulidade arguida a insuficiência do inquérito por falta de prática de ato legalmente obrigatório, o interessado ... ainda se encontra em tempo para arguir a falta de validação pela autoridade judiciária da apreensão ilegalmente encetada, dado que o prazo termina apenas “até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito” e que ainda não foi proferido despacho.
LL) No mesmo sentido vai Paulo Pinto de Albuquerque, que entende que “[o] termo do prazo depende do momento em que a nulidade foi cometida: se a nulidade foi cometida em diligência do inquérito ou da instrução a que o interessado ou o seu advogado não estiverem presentes, a nulidade deve ser arguida até ao encerramento do debate instrutório, salvo se não houver instrução, caso em que a nulidade ocorrida na fase de inquérito deve ser arguida até cinco dias após a notificação do despacho que encerrou o inquérito” (sublinhado nosso) - cfr. Albuquerque, Paulo Pinto – Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 4.ª edição. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, pp 322, anotações 13 e 15 ao artigo 120.º.
MM) Em face do exposto, e dado que ainda não foi proferida qualquer decisão que encerrasse a fase de inquérito, o ... ainda se encontra em tempo para arguir a nulidade do inquérito por insuficiência, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, podendo fazê-lo até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito, nos termos do artigo 120.º, n.º 3.º, al. c), do CPP.
Ainda que assim não se entenda, o que se admite, sem conceder, por mera questão de patrocínio:
c. Da nulidade da prova nos termos do artigo 126.º, n.º 3 do CPP
NN) Conforme já exposto e nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, a recolha de correspondência sem autorização legal e sem o consentimento dos titulares da mesma traduz-se numa violação do direito à inviolabilidade do domicílio informático, que consta do artigo 34.º, da CRP e numa proibição de prova.
OO) A lei processual penal permite esta ingerência nas comunicações apenas mediante autorização judiciária que, como já exposto, não se verificou nem prévia, nem posteriormente no casso concreto.
PP) Assim, verifica-se no ato em análise uma violação do domicílio informático do ..., quanto aos endereços eletrónicos de AA, BB, CC e o ..., bem como quanto aos dados pessoais que destes constavam e quanto à correspondência anterior a 01 de janeiro de 2019 que foi apreendida, na qual se incluem ainda os endereços eletrónicos de DD e EE.
QQ) Ora, tratando-se de prova proibida, a nulidade do ato é arguível a todo o tempo.
RR) De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação do Pronto, proferido a 16 de março de 2022, no âmbito do processo n.º 368/19.5GCVFR.P1, “II - A nulidade resultando de uma proibição de prova, absoluta ou relativa, não se confunde com o sistema de nulidades insanáveis e sanáveis a que aludem os arts. 118.º a 122.º do CPPenal, constituindo, antes, um regime autónomo de sancionamento cujo resultado, uma vez verificada a inerente violação dos direitos e liberdades fundamentais afectados, é a não utilização do meio de prova ou de obtenção de prova trazido ao processo por meio de expedientes ou recursos não permitidos, como se nunca tivesse existido” (sublinhado nosso).
SS) Quanto a este regime autónomo de sancionamento, o Tribunal esclarece no mesmo acórdão que “[a] nulidade processual resultante da proibição de prova, nos termos do art.º 126.º do CPP, é passível de ser conhecida e arguida em qualquer uma das fases processuais – nesse sentido vd. Código de Processo Penal Comentado, 2014, António Gaspar e outros, p. 448 (e até poderá ser fundamento como recurso de revisão – cf. art.º 449.º al. e) do CPP)” (sublinhado nosso).
TT) Assim, o pedido do Recorrente no qual arguida a nulidade do processo por uso de prova proibida não só não se encontra extemporâneo, como poderá ser arguido a qualquer altura do processo, tendo por consequência a não utilização da prova aí recolhida.
UU) Em face do exposto, estando em causa uma busca e apreensão ilegal com violação do direito à inviolabilidade do domicílio informático, poderá o interessado ... arguir a nulidade do ato a qualquer momento, dado que do mesmo foi produzida prova proibida, cuja nulidade é arguível a todo o tempo.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
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O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:
“ C.l. O recorrente não tem razão na motivação do seu recurso, no que respeita à invocação de nulidades.
C.2. No que concerne à arguida nulidade referente à apreensão das caixas de correio electrónico de AA, BB, CC e ... por “não constarem do Mandado”, note-se que, a fls. 1477 a 1498, o Ministério Público promoveu que fosse autorizada a apreensão e junção aos autos do correio electrónico, dos ficheiros electrónicos e comunicações de natureza semelhante, que “sejam eventualmente detectados no decurso das referidas diligências e se mostrem relacionados com os crimes em investigação” e que essa apreensão “inclua, pelo menos mas não só, as caixas de correio electrónico (pessoais e profissionais)”, no que importa de DD e de EE (cfr. fls. 1495 a 1497), o que foi autorizado pela Mma. Juiz de Instrução Criminal.
C.3. Assim, a autorização para a apreensão de caixas de correio electrónico foi concedida não só para as concretamente identificadas, mas também para aquelas que se relacionassem com os factos em investigação e cuja relevância fosse detectada no decurso das buscas à sede do recorrente.
C.4. No decurso das buscas que se realizaram no dia … de 2023, à sede do recorrente, foram disponibilizados vários documentos que atestam a relevância da apreensão das caixas de correio das pessoas supra identificadas por daqueles resultar que estas tiveram intervenção na preparação/efectivação do ajuste directo celebrado entre aquela entidade e o arguido FF para a prestação de serviços de Engenharia no âmbito do ..., bem como de um contrato de avença, em idênticos termos, que não chegou a ser concretizado, documentos que se mostram apreendidos sob os Does. 1 a 7 do APENSO DE BUSCA …
C.5. É mais do que evidente a relevância da apreensão das caixas de correio electrónico identificadas pelo recorrente, por ser claro que todas pertencem/pertenceram a pessoas/órgãos que tiveram intervenção nos procedimentos referentes ao arguido FF, informação que apenas se logrou obter no decurso no cumprimento dos mandados de busca emitidos nos autos, com a análise, no local, dos vários elementos documentais que foram apreendidos.
C.6. Nesta parte, o Ministério Público entende que não se mostra verificada qualquer nulidade, na medida em que actuou no estrito cumprimento do autorizado pela Mma. luiz de Instrução Criminal.
C.7. No que se refere à nulidade da apreensão das caixas de correio electrónico de DD, EE, AA, BB, FF, CC e ..., “na parte em que excedem o Mandado, designadamente todas as mensagens electrónicas que extravasam o período temporal da investigação”, não assiste, da mesma forma, razão ao recorrente.
C.8. Face às limitações técnicas verificadas, que impediram, no momento da sua execução, delimitar temporalmente a informação pretendida, foram efectuadas cópias integrais das caixas de correio electrónicos dos acima visados, sem qualquer acesso e/ou visualização dos correspondentes conteúdos.
C.9. Apenas será utilizada como meio de prova a informação que venha a ser extraída das aludidas caixas de correio que tenha relevância para a factualidade em investigação nos presentes autos e sempre com respeito ao período compreendido entre o dia 01/01/2019 e o dia da sua conclusão.
C.10. Pensa o Ministério Público, portanto, que não se verifica, também neste segmento, qualquer nulidade.
C.ll. O direito fundamental à inviolabilidade da correspondência, concretizado, nos termos do n.Q 4 do artigo 34.2 da Constituição da República Portuguesa, consagra uma proibição de ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
C.12. A apreensão do correio electrónico e registos de natureza semelhante é regulada pelo artigo 179.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal, e pelo artigo 17.s, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro.
C.13. A busca e as apreensões ocorridas na sede do recorrente observaram, in totum, os dispositivos normativos aplicáveis, com respeito pelo princípio da proporcionalidade, nas vertentes da necessidade, da adequação e da racionalidade, no caso concreto.
C.14. Destarte, não tem fundamento legal o recurso interposto pelo recorrente ...., pelo que deverá ser negado provimento ao mesmo, devendo a decisão recorrida, na parte em que julgou por não verificada qualquer nulidade / irregularidade, ser integralmente confirmada.”
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Nesta Relação, o Ministério Público não emitiu parecer.
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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.
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2 – Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
À luz destes considerandos, cumpre decidir se o despacho recorrido deve ser revogado e ordenada a sua substituição por outro que determine a nulidade da apreensão das caixas de correio identificadas pelo recorrente.
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3- Fundamentação:
3.1. – Fundamentação de Facto
É a seguinte a decisão recorrida:
“A fls. 1799 a 1803, por requerimento de … de 2023, a buscada ..., suscita a nulidade das buscas e apreensões levadas a cabo por ocasião das buscas realizadas no dia … de 2023, aduzindo:
i) Que a arguição de nulidades e irregularidades é tempestiva, ao abrigo do artigo 120.º, n.º 1, n.º 2, alínea d), e n.º 3, alínea a), por não estar presente o representante legal do ..., somente a Directora do Departamento Jurídico, Dra. PP;
ii) Que as contas de DD, AA e BB encontram-se bloqueadas, não obstante nenhum dos visados ser suspeito nos presentes autos, o que coloca entraves ao funcionamento do Instituto;
iii) Que foram efetuadas cópias integrais, sem acesso ou visualização de conteúdos, das caixas de correio eletrónico de DD ...), de BB ...); FF ...); de CC ...); e do ... ...), sem respeitar a delimitação temporal do mandado, que referida autorizar a apreensão de correio eletrónico relacionado com os crimes em investigação, desde o dia 01-01-2019 até à data das buscas;
iv) Que a apreensão das caixas de correio eletrónico de AA; BB; CC e do ..., extravasam o alcance do mandado, dado que o despacho apenas se reporta a pesquisas e apreensões de caixas de correio eletrónico (pessoais e profissionais) que se relacionem com os factos sob investigação, e que sejam detetados no decurso das buscas, nomeadamente as pertencentes a II; JJ; KK; ...; LL (... da ...); MM (Admnistrador da ...); DD (Presidente do ...); EE (ex-Vice Presidente do ...); NN (Presidente do Conselho de Administração do ...) e OO (ex-Presidente do Conselho de Administração do ...
v) Que nos elementos apreendidos se encontram dados pessoais irrelevantes para a investigação em curso.
O Ministério Público exerceu o contraditório a fls. 1815 a 1820.
Cumpre apreciar e decidir.
Uma vez que o requerimento em análise contende com a autorização judicial para pesquisa e apreensão de correio eletrónico, nada obsta à sua apreciação por Juiz de Instrução Criminal.
Assim, no que concerne à tempestividade, nota-se, conforme o auto de busca e apreensão constante do apenso concerne à busca ao ..., que o mandado foi entregue a PP, para acompanhar a busca, sendo a mesma Diretora do Departamento Jurídico.
Não há registo de que estivesse presente um advogado com procuração forense junta aos autos durante a diligência, tão pouco o Il. Advogado subscritor do requerimento em análise, cuja procuração apenas foi junta a fls. 1804, i.e., com o próprio requerimento, mas nada impedia que tivesse estado presente, nada tendo sido requerido nesse sentido (e.g., que se aguardasse a chegada de mandatário).
O artigo 120.º, n.º 1, do Código de Processo Penal dita que «qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte», complementando o número 2 que «constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: (…) d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade», e o número 3 que «as nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas: a) Tratando-se de nulidade de ato a que o interessado assista, antes que o ato esteja terminado (…)».
Paralelamente, o artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, consagra que «qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado».
Apesar do requerente invocar o artigo 120.º, n.º 2, alínea d), verifica-se que a mesma alínea - respeitante à insuficiência de inquérito por não terem sido praticados catos legalmente obrigatórios, ou por omissão de diligências que se pudessem reputar essenciais à descoberta da verdade - não tem aplicação ao caso concreto, pois não é invocado, nem se vislumbra que não tenha sido praticado, qualquer preterição de ato obrigatório da fase de inquérito, nem, em qualquer caso, caberia ao Juiz de Instrução Criminal determinar quais os atos que o Ministério Público deve reputar como essenciais para a descoberta da verdade material (não sendo, outrossim, uma situação enquadrável no alegado pelo requerente).
Não consta do auto de busca e apreensão a invocação de qualquer vício, seja de nulidade, seja de irregularidade, até ao encerramento do ato em curso, pelo que, uma vez que o legislador não impõe, para realização de busca e pesquisas/apreensões de correio eletrónico, a prévia constituição como arguido ou a nomeação de defensor, nem a presença de mandatários ou defensores durante a sua realização mas, também, não a impede⸻, não há que interpretar o artigo 120.º, n.º 3, nem, mutatis mutandis, o artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, como se a assistência ao ato tivesse de ser feita por um advogado, dado que o legislador é expresso no sentido de que basta a mera presença do «interessado».
No sentido de ser contrário à boa fé processual o interessado aguardar o momento oportuno para invocar o vício processual, vide Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2019, pp. 1257 e 1258.
No sentido de ser intempestiva a arguição de nulidades da busca após o término da mesma quando o interessado este presente ou representado, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 02-03-2021, processo n.º 7/17.9IFLSB-E.L1-5, relatado pela Desembargadora Anabela Cardoso (disponível in: www.dgsi.pt).
Assim, julga-se que o requerimento de arguição de nulidades, e, por maioria de razão, ainda que fossem qualificadas como irregularidades, apresentado a 01-12-2023, é extemporâneo, uma vez que a busca se realizou a 28-11-2023, e a interessada esteve representada no seu decurso, ao abrigo do previsto no artigo 120.º, n.º 3, alínea a), e 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos a contrario.
Não obstante o sobredito, sempre se nota que o despacho judicial que autorizou as pesquisas e apreensões de correio eletrónico previa que se autorizava: «(…) a quebra de sigilo e a pesquisa informática aos mesmos (computadores, telemóveis ou noutros suportes físicos ou acessíveis remotamente em eventuais drives ou sistemas virtuais como cloud ou similiares) e a apreensão dos dados ou documentos informáticos que se encontrem nos locais das buscas ou acessíveis remotamente a partir desses mesmos locais, ainda que armazenados em eventuais drives/sistemas virtuais de cloud ou similares, e que, no decurso dessa pesquisa, se venham a revelar necessários à produção de prova bem como pelo período de trinta dias a quebra de sigilo e pesquisa e apreensão de correio eletrónico, dos ficheiros eletrónicos e comunicações de natureza semelhante, que sejam eventualmente detetados no decurso das buscas a autorizar pelo Ministério Público ou as buscas a autorizar e/ou presidir por Juiz de Instrução e se mostrem relacionados com os crimes em investigação [grifado nosso], desde o dia 1 de Janeiro de 2019 até à data das buscas, designadamente, os realizados através das aplicações móveis WhatsApp, Skype, Viber, Messenger ou similares, que se encontrem armazenados em computadores, telemóveis ou noutros suportes e estejam relacionadas com a factualidade sob investigação nos presentes autos [grifado nosso].
A referida quebra de sigilo pesquisa e apreensão inclui as caixas de correio eletrónico (pessoais e profissionais) que se relacionem com os factos sob investigação e que sejam detetadas no decurso das buscas nomeadamente [grifado nosso], as pertencentes a II, JJ, KK, ..., LL (... da ...), MM (... da ...), DD (Presidente do ...), EE (ex-Vice Presidente do ...) NN (Presidente do Conselho de Administração do ...e OO (ex-Presidente do Conselho de Administração do ...».
Deste modo, é evidente que não ficou vedada a apreensão das caixas de correio eletrónico que, in loco, se apurasse serem relevantes para a investigação em curso, sendo a referência a algumas contas concretas meramente indicativa.
A menção do período de pesquisa e apreensão de correio eletrónico desde 01-01-2019 e até à data das buscas, em nada contende com a gravação integral da caixa, pois, por limitações técnicas consabidas, não é possível levar a cabo a seleção durante a busca, sendo necessário fazê-lo em laboratório informático.
Não foram, por isso, no momento da busca, pesquisados elementos concretos, sendo necessário levar a cabo uma filtragem temporal, e por termos/palavras-chave, o que sempre expurgará os dados pessoais cuja existência se invoca, e o seu resultado será levado ao conhecimento do Juiz de Instrução Criminal e, se pertinente para a investigação, determinada a sua efetiva apreensão.
No demais, no que concerne ao referido bloqueio de acesso, consta dos autos que a 07-12-2023 terão sido concluídas as diligências de extração (fls. 1806 a 1807), pelo que se vislumbra que a questão terá sido ultrapassada.
Nenhum vício, por tal, se vislumbra, sendo, em qualquer caso, a sua invocação intempestiva, nos termos já determinado.
Notifique e devolva ao Ministério Público.”
*
O mandado de busca e apreensão em causa tem o seguinte teor:
“ As Dignas Procuradoras da República no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Dr.ª HH e Dr.ª M. GG:
MANDAM que, nos termos dos art.ºs 174.º, n.ºs 2 e 3 do Cód. Proc. Penal, seja passada BUSCA aos locais abaixo identificados, PARA EFETIVA APREENSÃO de documentos e objetos relacionados com a atividade criminosa que aqui se investiga ou outra, a cumprir no prazo máximo de 30 DIAS - art.ºs 178.º e 174.º, n.º 4, ambos do citado diploma legal tendo em vista a descoberta de meios de prova existentes relacionados com a prática de crimes de participação económica em negócio, p. e p. pelo artigo 377.º, n.º 1, do Cód. Penal, e pelos artigos 2.º, 3.º, n.º 1, alínea d) e 23.º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07; de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do Cód. Penal, pelos artigos 2.º, 3.º, n.º 1, alínea d) e 26.º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07; e de usurpação de funções, p. e p. pelo artigo 358.º, alínea b), do Cód. Penal.
Autoriza-se, no âmbito da busca a realizar, o acesso a todos os anexos e dependências do imóvel, abrangendo garagens, parqueamentos, arrecadações e logradouros, bem como caixas de correio e viaturas automóveis que se encontrem nos locais a buscar e pertençam, se encontrem a ser utilizadas ou na disponibilidade de cada um dos visados com a busca ou dos seus legais representantes afectos ao imóvel infra descrito, com recurso, se necessário, ao escalamento ou ao arrombamento de fechaduras, bem como à administração de substâncias adequadas à neutralização de animais e à desactivação de sistemas de vigilância electrónicos existentes no local, caso se venham a colocar dificuldades e resistências, por acção deliberada dos visados pelas buscas, ou por quaisquer outros indivíduos, no acesso e introdução nos mesmos.
A BUSCA deverá ainda compreender, porque existem indícios de que, no local abaixo indicado, venham a ser encontrados computadores ou outros equipamentos e dispositivos de armazenamento de dados informáticos, com conteúdos relacionados com a prática dos supra referidos ilícitos ou que possam servir de prova dos mesmos, a pesquisa informática nos sistemas informáticos que forem localizados, ou noutros legitimamente acessíveis a partir desse sistema inicial, e a análise aos mesmos e a apreensão dos dados ou documentos informáticos que se encontrem nos locais das buscas ou acessíveis remotamente a partir desses mesmos locais, ainda que armazenados em eventuais drives/sistemas virtuais de cloud ou similares, e que , no decurso dessa pesquisa , se venham a revelar necessários à produção de prova, nos termos do disposto nos artigos 11.º, n.º 1, alínea c), 15.º, n.º 1, 5 e 6, e 16.º, n.º 1 todos da Lei nº 109/2009 de 15/09.
Mais se determina que o conteúdo acedido seja preservado e gravado autonomamente e sem a sua visualização para ulterior apresentação a validação e demais autorizações que sejam necessárias nos termos previstos nos artigos 16º e 17º da Lei nº109/ 2009 de 15.09.
Antes de se proceder a busca, deverá ser entregue exemplar do presente mandado e cópia do despacho que a determinou a quem tiver a disponibilidade do lugar, fazendo-se menção de que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa de sua confiança, que se apresente sem delonga. Faltando as pessoas referidas, a cópia do despacho pode ser entregue, sempre que possível, a um parente, vizinho ou porteiro ou alguém que o substitua - art.º 176º, n.º 1 e 2, do C. P. Penal.
Nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal, juntamente com a busca ou durante ela pode proceder-se a revista de pessoas que se encontrem no lugar, se quem ordenar ou efetuar a busca tiver razões para presumir que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova.
No que dispõe o art.º 173.º do referido diploma legal, a autoridade competente pode determinar que alguma ou algumas pessoas não se afastem do local do exame e obrigar, com o auxilio da força pública, se necessário, as que pretenderem afastar-se a que nele se conservem, enquanto o exame não terminar e a sua presença for indispensável.
De tudo se lavrará auto, com identificação de todos os intervenientes, indicação da hora de início e termo da diligência e descrição dos objetos e documentos apreendidos.
LOCAL DA DILIGÊNCIA: ..., ... ... (NIPC ...).
Anexa-se: Cópia do despacho que ordenou os presentes Mandados, bem como cópia do despacho judicial nos termos dos artigos 179.º, n.º 1 e 3 do C.P.P. e artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro - Lei do Cibercrime, devendo ser cumpridas as formalidades previstas no artigo 176.º do Cód. Proc. Penal.
A CUMPRIR POR: Polícia Judiciária.
Prazo: 30 (trinta) dias
*
Consta do auto de busca e apreensão datado de … de 2023 que:
“(…) A diligência deu o seguinte resultado:
— Pelas 10h00 chegou a este local como representante da buscada PP
(…)”
*
Consta do auto de diligência datado de … de 2023 que:
“Data:… de 2023 Local: ..., sito na ....
Entidade que determinou a diligência: -
Quem executa: QQ, Inspetor em Chefia, RR, SS e TT, Inspetores da Polícia Judiciária
Descrição e resultado da diligência:
-- Na presente data deslocou-se uma equipa desta Polícia à sede do ... (...), com o intuito de dar cumprimento ao Mandado de Busca emitido para o efeito.
- Neste sentido, chegados ao local, foi a equipa recebida pelos serviços de Secretariado do ..., UU, que informou que o presidente do Conselho, bem como o Vogal se encontrariam no estrangeiro, designadamente em ....
-- Mais informou que a Vogal VV se encontrava ausente num evento em Lisboa.
- Desta forma, foi a presente diligência acompanhada pela Diretora do Departamento Jurídico, PP.
-- No decurso da busca realizada foi possível contactar com os responsáveis pelos diversos departamentos e divisões do ..., que poderão ter conhecimento dos factos em investigação nos presentes autos.
-. Desde logo, foi identificada AA como Chefe da Divisão de Aprovisionamento e Património.
-- Foi, igualmente, identificada BB como Diretora do Departamento de Infraestruturas.
-- Ainda no âmbito do Departamento de Infraestruturas foram identificados WW e XX, Chefe de Divisão de Infraestruturas Desportivas e Chefe de Divisão de infraestruturas Tecnológicas, respetivamente.
--- Foi ainda identificada YY, como Chefe de Divisão de Recursos Financeiros e ZZ, como Chefe da divisão de
-- Foi solicitado acesso à conta de correio eletrónico de AAA, Diretor de Serviços do Departamento de Infraestruturas, porém o mesmo já se encontra aposentado, para futuras diligências foi referido que o mesmo poderia ser contactado através do telemóvel com o número ....
- Foi identificada BBB como tendo sido a responsável pelo Programa de Reabilitação de Instalações Desportivas (... 2O19) pode ser contactada através do telemóvel com o número .../.... -------
-- Foi determinada a selagem da ... pelas 17H00, tendo sido colocados os selos de uso neste Polícia com os números .../... /..., conforme reportagem fotográfica que se junta. (…)"
*
O despacho que autorizou as buscas e apreensões em causa tem data de … de 2023 e o seguinte teor:
“ (…) Resulta dos autos indícios da prática de factos suscetíveis de consubstanciarem crimes de participação económica em negócio, previsto e punido pelo artigo 377º, nº 1, do Código Penal e pelos artigos 2º, 3.º. nº 1, alínea d) e 23.º, n.º1, todos da Lei n.º34/87, de 16/07, de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do Cód. Penal, pelos artigos 2.º, 3.º, n.º1, alínea d) e 26.º, n.º1, todos da Lei n.º34/87, de 16/07 e de usurpação de funções, p. e p. pelo artigo 358.º, alínea b), do Código Penal.
Com efeito indicia-se nos mesmos que:
II foi … nos …, o que sucedeu no período compreendido entre os dias .../.../2015 e .../.../2022.
E no âmbito da aludida função, por delegação do …, foram-lhe atribuídos os poderes sobre o ... (...).
O ... trata-se de um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e de património próprio.
Ainda naquela qualidade, no dia .../.../2020, II foi nomeado ...no combate a pandemia COVID-19, sendo da sua competência essencialmente a coordenação horizontal das entidades, organismos ou serviços de âmbito regional ou distrital da administração directa e indirecta do Estado, necessários no combate à pandemia COVID-19 e a articulação e interlocução com as autarquias locais e as diversas entidades dos sectores social e económico.
Em .../.../2014, II e II, além de outro, constituíram a sociedade ..., com o NIPC ... e sede em ..., da qual foram gerentes, cargo que o primeiro exerceu até ao dia .../.../2015.
II transmitiu a II a quota que detinha da mencionada sociedade.
A referida sociedade tem como objeto social a edição e produção de conteúdos projectos de comunicação social para conteúdos e é proprietária do ….
Para além da sociedade acima referida, II também fundou, em .../.../1999, e foi gerente da ..., com o NIPC ... e sede na ....
Em .../.../2006, a referida sociedade foi transformada em sociedade anónima, passando a designar-se ..., e, no dia .../.../2015, II foi nomeado Presidente do seu Conselho de Administração, cargo que mantém.
A ... incorporou por fusão: em .../.../2013, a ..., com o NIPC ... e sede na ...; em .../.../2015, a ... e sede no ..., em .../.../2018, a ...; e, em .../.../2021, a ..., com o NIPC ... e sede na ...; a ..., com o NIPC ... e sede na ...; a ..., com o NIPC ... e sede na Rua ..., ...; a ..., com o NIPC ... e sede na ...; a ..., com o NIPC ... e sede na ..., ...; a ..., com o NIPC ... e sede na ... e a ..., com o NIPC ... e sede na ....
Na data da respectiva incorporação por fusão, II era gerente das seguintes sociedades: ...
Assim como era gerente da ..., cujo capital era detido, em partes iguais pela ... e pela ..., com o NIPC ... e sede na ....
Era, ainda, gerente da ..., que tinha como única sócia a sociedade sueca ....
A partir de .../.../2021, a ... passou a designar-se por ..., prevendo o seu objeto social, além do mais, o comércio por grosso de produtos farmacêuticos e reagentes de laboratório ou diagnóstico, ensaios, análises e estudos técnicos e científicos, comércio de equipamentos e material de laboratório, fabricação de reagentes compostos de diagnóstico ou de laboratório.
A ... é detida a 100% pela ..., cujo capital, por sua vez, é integralmente detido, desde o ano de ..., pela multinacional ....
II é, também, Presidente do Conselho de Administração da ...
No dia .../.../2020 foi celebrado um protocolo entre o ... (...), com o NIPC ... e sede na ..., ..., e a “...” visando a colaboração na realização de testes de diagnóstico a utentes do ... suspeitos de serem portadores do vírus SARS-CoV-2, no pressuposto daquela segunda “possui[r] recursos humanos, técnicos e o know how para a realização de tais testes”, nele não se mostrando previsto “o pagamento de qualquer quantia, a qualquer título, a qualquer uma das partes”.
Neste protocolo o ... foi representado pelo Presidente do seu Conselho de Administração, OO, e a “...” foi representada pelo Presidente do seu Conselho de Administração, II tendo este nele aposto a sua assinatura e o carimbo da ..., no qual figurava o NIPC ..., imediatamente abaixo da menção “...”.
No dia .../.../2020 II participou com os autarcas respectivos, na reunião extraordinária do ... ..., na acima referida qualidade de Coordenador Regional do Centro no combate à pandemia COVID-19.
No âmbito desta reunião e após ter explicado as suas funções de articulação entre os serviços da administração pública, ao nível horizontal, da resposta ao surto epidêmico COVID-19 referiu que, “relativamente ao ..., nem o ... nem o ... tinham capacidade” para realizar testes de detecção do vírus da COVID-19.
E, nesta sequência, II afirmou que “contudo, a empresa ..., tem condições de fazer esses testes, sendo este um facto importante para o ... e mais concretamente para o território da ..., sendo que essa sua capacidade instalada poderá ser, brevemente, ampliada para mil análises por dia, o que nos deixará a todos numa situação deveras mais confortável”.
Mais referiu que, neste contexto, “já existia um protocolo estabelecido entre o ... e a ..., com preço já acertado com o ...” e que este “tinha um valor de comparticipação, tendo por base o preço do ..., de 45 euros, para protocolos ‘chave na mão’, no sentido de colheita e análise das respectivas zaragatoas”.
Mas, “atendendo a que a ... não realizava a colheita o valor da comparticipação cifrava-se em 35 euros, sendo que o valor que a ... tinha contratualizado era um valor de 60 euros".
Referiu, ainda, que “supletivamente tinha contactado a ... para ver se era possível contra com o seu apoio, uma vez que se tinha apercebido que esta entidade estava a colaborar na região de Lisboa e em ..., na realização de testes”.
E, “uma vez que a ... poderia desempenhar um papel importante neste processo, apenas a análise, ficando aqui a faltar 25 euros que poderiam ser comparticipados pelos municípios, para responder a esta premência que era a realização dos testes, segundo as regras do ... e da ..., começando por trabalhadores, e progressivamente alargando os testes a todos os utentes”.
II concluiu a sua intervenção, referindo, que “a ... tinha disponibilidade para realizar colheitas, pelo que a ... poderia fazer esta articulação, nomeadamente, coordenando as necessidades das instituições que necessitassem desta componente com as instituições que com os seus próprios meios tivessem capacidade de proceder aos testes, para que o território fosse capaz de esgotar a capacidade local instalada, tanto mais que essa iria permitir uma resposta mais imediata, sendo esta a preocupação de todos”.
Não obstante o declarado por II na acima referida reunião extraordinária do ..., o ... (...) nunca celebrou qualquer protocolo com a “...”, o que este não podia deixar de saber atentas as funções que especificamente desempenhava.
Nesse mesmo dia .../.../2020 foi celebrado entre a ... (...), com o NIPC ... e sede no ... e a empresa “...”, com o NIPC ... e sede na ..., um protocolo que tinha como objeto a colaboração entre as partes na realização dos testes de diagnóstico a “cidadãos” para avaliar se eram portadores do vírus SARS-CoV-2.
Este protocolo foi estabelecido com base no facto de a ... estar “a coordenar a nível nacional a testagem do vírus SARS-CoV-2, promovida pelo ...” e no pressuposto de “a empresa ... possuir os recursos humanos, técnicos, experiência e o conhecimento para a realização de tais testes, encontrando-se aprovada pelo ...”, sendo dever da “...” fornecer “todos os reagentes necessários e as condições adequadas, após a colheita das amostras, para a realização dos testes”.
Tal decorrendo do protocolo firmado entre a ... e o ..., no dia .../.../2020, nele se estabelecendo, além do mais, que a ... se comprometia a desenvolver em parceria com o ... o Plano Nacional de Testes COVID-19 “a utentes e trabalhadores do sector social”, ficando a cargo deste a atribuição de apoio financeiro para o efeito.
No protocolo estabelecido entre a ... e a empresa “...”, foi definido o valor dos custos, que se cifrou em € 60,00 (sessenta euros) mais IVA, para cada teste, não incluindo este valor a colheita das amostras, que não era realizada pela “...”, nem o transporte das amostras e das zaragatoas para o laboratório.
Neste protocolo a ... foi representada pelo seu Presidente Nacional, CCC, e a “...” foi representada pelo seu “Diretor-Geral”, II, tendo este nele aposto a sua assinatura e o carimbo da ..., nq qual figurava o NIPC ..., imediatamente abaixo da menção “...”.
Não obstante os protocolos celebrados entre o ... e a ... com os laboratórios ...”, nos dias .../.../2020 e .../.../2020, o terem sido no pressuposto de estes se encontrarem aprovados pelo ... (...) para a realização dos mencionados testes, o pedido feito pelos “laboratórios ...” ao ... para validação da metodologia de diagnóstico molecular do SARS-CoV-2, data de .../.../2020 e o parecer respectivo foi emitido pela dita entidade no dia .../.../2020.
Entre os dias .../.../2020 e .../.../2020 os “laboratórios ...” realizaram cerca de três mil testes no ... (grátis) e mil testes nas ... (cobrados), o que sucedeu ao abrigo dos acima mencionados protocolos, no distrito de ... e, em especial, nos concelhos que integram o território da ....
No dia .../.../2020 foi celebrado entre o ... e a ..., um contrato de aquisição de serviços denominado “..., que foi adjudicado pelo primeiro à segunda, por ajuste directo, pelo valor total de € 472 500,00 (quatrocentos e setenta e dois mil e quinhentos euros), sem IVA, com a duração de três meses.
O referido contrato foi assinado por OO, Presidente do Conselho de Administração do ... e por II, em representação ...
A assinatura deste contrato ocorreu quatro dias antes da aprovação do pedido de início do procedimento de contratação, que data de .../.../2020 e foi objeto de renovação, nos mesmos termos do inicial, a .../.../2020 e a .../.../2021.
E, no dia .../.../2021 esse contrato foi revogado considerando o seu não cumprimento integral pela ..., por não ter executado todas as análises de testes previstas.
Pela celebração do contrato em apreço e respectivas renovações, o ... pagou à ... o montante de €926 485,00 (novecentos e vinte e seis mil, quatrocentos e oitenta e cinco euros).
No período em referência, a ... foi beneficiária de dois projectos cofinanciados no âmbito do ..., relacionados com o combate à pandemia COVID-19:
-POCI-01-02B8-...-048089 (“... SARS-COV-2 detection: Autonomous Laboratory Soiution for Covid-19 testing, aprovado em .../.../2020, com início em .../.../2020 e término em .../.../2020, com um valor de investimento de €1.077.500,00 (um milhão, setenta e sete mil e quinhentos euros) considerado totalmente elegível, com um cofinanciamento de € 1 023 625,00 (um milhão, vinte e três mil, seiscentos e vinte e cinco euros).
Com este projecto a ... propôs-se desenvolver uma unidade produtiva dedicada à produção de kits de detecção para COVID- 19 e reagentes de biotecnologia necessários, nomeadamente primers e sondas fluorescentes, para realização de testes pela tecnologia RTPCR.
- POCI-01-02B7-...-069225 (“Tracking Covid - 19 in wastewaters, aprovado em .../.../2020, com início em .../.../20(20 e término em .../.../2021, com um valor de investimento de €500.445,91 (quinhentos mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros), tendo sido considerado elegível o montante de €447.147,61 (quatrocentos e quarenta e sete mil, cento e quarenta e sete euros e sessenta e um cêntimos), com um co- financiamento de €357.718,09 (trezentos e cinquenta e sete mil, setecentos e dezoito euros e nove cêntimos).
Com este projecto a ... propôs-se desenvolver soluções de detecção do vírus SARS-CoV-2 e quantificação do número de partículas virais em águas residuais ou de esgoto, antes da entrada para as estações de tratamento de águas residuais.
Ao apresentar, como apresentou, os “laboratórios ...” na reunião extraordinária do ..., que se realizou no dia .../.../2020 - prestando informações que sabia não corresponderem à realidade II fê-lo com o objetivo de potenciar os ganhos obtidos pela ... e a ..., cujo Presidente do Conselho de Administração II, se trata de - pessoa com quem, há muito, mantém relações e com quem fundou e foi sócio-gerente da ... -, o que logrou, na medida em que aquelas receberam as respectivas contrapartidas financeiras decorrentes da realização de testes para detecção do vírus SARS-CoV-2.
Com a descrita conduta, II quis ainda – e conseguiu - que os “laboratórios ...” celebrassem ilicitamente negócios respeitantes aos testes de detecção SARS-CoV-2, lesando, desta forma, os interesses patrimoniais que, por força das concretas funções que desempenhava, lhe cumpria defender e realizar.
No período em que foi Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, II tutelou o ....
Nesse período, o ... desenvolveu o Projecto ... - Programa de Reabilitação de Infraestruturas Desportivas, destinado a Clubes e Associações Desportivas de Base Local, com o objetivo de contribuir para a modernização e reabilitação de instalações desportivas ao serviço das populações e cujas candidaturas, no ano de 2019, ocorreram entre ... e ....
No dia .../.../2019, entre o ..., com o NIPC ... e sede na ..., representado pela Vice-Presidente do seu ..., EE e KK foi assinado o contrato nº 28/2019, que lhe foi adjudicado por ajuste directo, para a prestação de “serviços de Engenharia no âmbito do Projecto ... - Programa de Reabilitação de Infraestruturas Desportivas, de acordo com as especificações técnicas, previstas no caderno de encargos e na proposta adjudicada”, no valor global de €20.664,00 (vinte mil, seiscentos e sessenta e quatro euros), correspondendo ao preço o montante de €16.800,00 (dezasseis mil e oitocentos euros), acrescido de IVA no valor de €3.864,00 (três mil, oitocentos e sessenta e quatro euros), que vigorou no período compreendido entre .../.../2019 e .../.../2020.
Para pagamento da acima referida quantia, ficou acordado que o ... devia fazê-lo no prazo de 30 (trinta) dias após a receção das respectivas faturas, as quais encontrando-se devidamente emitidas, seriam pagas através de transferência bancária, para o NIB indicado por KK.
Na execução do contratado, no período compreendido entre os dias .../.../2019 e .../.../2020. o ... efetuou 12 (doze) transferências bancárias para a conta n.º..., titulada por aquele e domiciliada no ..., cada uma com o valor de €1.372,00 (mil trezentos e setenta e dois euros), o que perfaz o montante global de €16.464,00 (dezasseis mil, quatrocentos e sessenta e quatro euros).
Quando assinou o antedito contrato, KK não se encontrava inscrito como membro da ....
Para o exercício da profissão de Engenheiro e consequente prática de actos dela decorrentes é condição obrigatória a inscrição como membro efetivo na ... - o que só sucede após frequência do Curso de Ética e Deontologia Profissional ministrado pela referida ordem profissional e realização de exame com aprovação -, sendo tal que permite a prática de atos de Engenharia reconhecidos para a sua especialidade e de acordo com as habilitações literárias que apresentar.
KK é filho de DDD, militante ..., ex-Presidente ...apoiante da candidatura de II para a Presidência da ..., no ano de ... e ...
Ao celebrar o contrato acabado de descrever, EEE, representando o ..., fê-lo com o objetivo concretizado de obter vantagem económica para KK decorrente dos ganhos que este auferiu pela execução desse contrato, o que bem sabia não lhe ser lícito, uma vez que este não dispunha de habilitação legal para o exercício da profissão de Engenheiro e para a prática dos actos dela decorrentes, o que por força das concretas funções que desempenhava, não podia ignorar, lesando, desta forma, os interesses patrimoniais que lhe cumpria defender e realizar.
Por sua vez, ao assinar o antedito contrato, cujo objeto era a prestação de serviços de Engenharia, KK fê-lo, bem sabendo que não podia exercer a profissão de Engenheiro, nem praticar atos próprios de tal profissão, por não possuir título que o habilitasse a fazê-lo, na medida em que nem sequer se encontrava inscrito na respectiva ordem profissional, o que, no entanto, quis fazer e fez, tendo recebido, pela sua execução, a respectiva contrapartida financeira.
Veio o Ministério Público requerer com base na factualidade supra descrita e os ilícitos que a mesma é idónea em abstrato a integrar que seja autorizada a realização de buscas domiciliárias aos suspeitos bem como a organismos públicos/estabelecimentos de saúde para recolha de documentação que levou à celebração dos protocolos e contratos aí referidos bem como a relativa à sua execução e, ainda, aquela que se relaciona com a validação da metodologia utilizada pelos laboratórios em questão na deteção do vírus SARS.CoV-2.
Visa o Ministério Público a apreensão de elementos de prova essenciais e relacionados com a prática dos factos sob investigação sendo, naturalmente expectável, que atentas as circunstâncias concretas, aos tipos de crimes em investigação tais documentos que podem também assumir formato digital estejam à guarda de tais organismos/estabelecimentos de saúde ou nos domicílios dos suspeitos e, por isso, em lugares reservados e não livremente acessíveis ao público.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da inviolabilidade do domicílio, prevendo que «o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis», e acrescentando o n.º 2 que «a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei».
Por outro lado, o artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, refere que «ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, podendo não ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular».
Uma das exceções legalmente previstas é, precisamente, a legítima realização de buscas nos termos da lei, mormente domiciliárias.
Dispõe o artigo 174.º, n.º 2 do CPP que “quando houver indícios de que os objetos referidos no número anterior [objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova], ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca”.
Por sua vez, nos termos do artigo 177.º do CPP, “a busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efetuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade”.
Ademais exige ainda o mesmo artigo a presidência de tal diligência por juiz quando esteja em causa estabelecimento/organismo de saúde bem como o aviso prévio às pessoas indicadas nos nº5 e nº6.
Ora, do quadro normativo em análise decorre, desde logo, como pressuposto do recurso àquele meio de obtenção de prova, a existência de indícios quanto à prática de crime e, bem assim, quanto à localização/existência de documentos/objetos relacionados com o mesmo.
Considerando que as buscas, enquanto meio de obtenção de prova, têm lugar numa fase embrionária do processo, e atendendo à finalidade de investigação que se prossegue, impõe-se a conclusão de que os indícios a que se reporta o artigo 174.º, n.º 2 do CPP têm subjacente um juízo de probabilidade mínima quanto à verificação dos factos que as motivam.
Compulsados os autos à luz das considerações supra expendidas, entende-se que os mesmos indiciam a prática, pelos suspeitos, dos aludidos ilícitos criminais sendo previsível que os documentos/objetos cuja localização ou apreensão é indispensável se encontrem nos domicílios e organismos/estabelecimentos indicados pelo Ministério Público.
Ademais e em face das diligências já empreendidas nos autos e perante a impossibilidade de se realizarem outras diligências de prova tendentes à apreensão daqueles documentos/ objetos – que, previsivelmente, se encontram em locais reservados e não livremente acessíveis ao público –, afigura-se materialmente justificada e proporcional uma compressão aos direitos fundamentais visados em prol dos interesses constitucionalmente tutelados da realização da justiça e descoberta da verdade material.
Destarte:
A- Ao abrigo dos arts. 174.º, n.ºs 2 e 3, 176º, 177.º, n.º 1, 178.º nº1 e nº3, 269º nº1 al. c) todos do Código de Processo Penal defere-se ao requerido pelo Ministério Público autorizando a realização de busca domiciliária entre as 07 horas e as 21 horas com recurso se necessário à força (incluindo arrombamento das portas, desativação de sistemas de videovigilância eletrónica instalados e neutralização se necessário através de administração de substâncias adequadas a animais de guarda) para apreensão de documentos em suporte papel ou em suporte digital e outros objetos relacionados com a prática dos factos sob investigação nos seguintes locais:
1 - Residência de II titular do cartão de cidadão nº... sita na ... abrangendo os respetivos anexos e dependências, garagens, parqueamentos, arrecadações e caixas de correio.
Dos respetivos mandados deverá constar a obrigatoriedade do cumprimento do disposto no artº 176º nº1 do Código de Processo Penal, fazendo-se menção expressa que antes de iniciada a busca deverá ser entregue à pessoa que tiver a disponibilidade do lugar em que a busca será realizada cópia do presente despacho que autorizou tal busca e que a mesma pessoa terá de ser informada de que pode assistir à diligência ou fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que aí se apresente sem delonga.
Emita e entregue os competentes mandados, conforme supra determinado, a executar por OPC competente no prazo máximo de 30 (trinta) dias.
Consigna-se que não se irá presidir às mesmas (artigo 174º nº3 do Código de Processo Penal).
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2- Residência de II titular do cartão de cidadão nº...sita na Rua ... abrangendo os respetivos anexos e dependências, garagens, parqueamentos, arrecadações e caixas de correio.
Dos respetivos mandados deverá constar a obrigatoriedade do cumprimento do disposto no artº 176º nº1 do Código de Processo Penal, fazendo-se menção expressa que antes de iniciada a busca deverá ser entregue à pessoa que tiver a disponibilidade do lugar em que a busca será realizada cópia do presente despacho que autorizou tal busca e que a mesma pessoa terá de ser informada de que pode assistir à diligência ou fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que aí se apresente sem delonga.
Emita e entregue os competentes mandados, conforme supra determinado, a executar por OPC competente no prazo máximo de 30 (trinta) dias.
Consigna-se que não se irá presidir às mesmas (artigo 174º nº3 do Código de Processo Penal).
*
3- Residência de FFF, titular do cartão de cidadão nº...sita na ... abrangendo os respetivos anexos e dependências, garagens, parqueamentos, arrecadações e caixas de correio.
Dos respetivos mandados deverá constar a obrigatoriedade do cumprimento do disposto no artº 176º nº1 do Código de Processo Penal, fazendo-se menção expressa que antes de iniciada a busca deverá ser entregue à pessoa que tiver a disponibilidade do lugar em que a busca será realizada cópia do presente despacho que autorizou tal busca e que a mesma pessoa terá de ser informada de que pode assistir à diligência ou fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que aí se apresente sem delonga.
Emita e entregue os competentes mandados, conforme supra determinado, a executar por OPC competente no prazo máximo de 30 (trinta) dias.
Consigna-se que não se irá presidir às mesmas (artigo 174º nº3 do Código de Processo Penal).
*
4- Residência de KK titular do cartão de cidadão nº...sita na ... abrangendo os respetivos anexos e dependências, garagens, parqueamentos, arrecadações e caixas de correio.
Dos respetivos mandados deverá constar a obrigatoriedade do cumprimento do disposto no artº 176º nº1 do Código de Processo Penal, fazendo-se menção expressa que antes de iniciada a busca deverá ser entregue à pessoa que tiver a disponibilidade do lugar em que a busca será realizada cópia do presente despacho que autorizou tal busca e que a mesma pessoa terá de ser informada de que pode assistir à diligência ou fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que aí se apresente sem delonga.
Emita e entregue os competentes mandados, conforme supra determinado, a executar por OPC competente no prazo máximo de 30 (trinta) dias.
Consigna-se que não se irá presidir às mesmas (artigo 174º nº3 do Código de Processo Penal).
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B- Ao abrigo dos arts. 174.º, n.ºs 2 e 3, 176º, 177.º, n.º 1, nº5 e nº6, 178º, 180º, 269º nº1 al. c) todos do Código de Processo Penal defere-se ao requerido pelo Ministério Público autorizando a realização de busca entre as 07 horas e as 21 horas com recurso se necessário à força (incluindo arrombamento das portas, desativação de sistemas de videovigilância eletrónica instalados e neutralização se necessário através de administração de substâncias adequadas a animais de guarda) para apreensão de documentos em suporte de papel ou digital e outros objetos relacionados com a prática dos factos sob investigação nos seguintes locais:
1 - Sede do ...com o NIPC ... sito na Avenida ..., ... abrangendo os respetivos anexos e dependências, garagens, parqueamentos, arrecadações e caixas de correio a ter lugar com observância do preceituado nos artigos 176º e 177º nº1, 5 e 6 do Código de Processo Penal e a deprecar ao Juízo de Instrução Criminal de ..., uma vez que a busca tem de ser presidida por Juiz de Instrução.
Expeça-se carta precatória instruindo a mesma com certidão do requerimento do Ministério Público e do presente despacho e dos mandados respetivos a emitir com validade de 30 dias e a executar por OPC competente sob a presidência do Juiz de Instrução bem como indicação em envelope confidencial da data prevista em que a busca irá ter lugar.
Mais solicite-se em tal carta precatória ao Juízo Deprecado o cumprimento dos avisos previstos no nº5 e nº6 do artigo 177º do Código de Processo Penal.
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2- Sede do ... (NIPC ...) sita na ... abrangendo os respetivos anexos e dependências, garagens, parqueamentos, arrecadações e caixas de correio a ter lugar com observância do preceituado nos artigos 176º e 177º nº1, 5 e 6 do Código de Processo Penal.
Emita mandados com validade de 30 dias a cumprir por OPC competente sob a presidência de Juiz de Instrução e guarde os mesmos no cofre deste ... até à data do seu cumprimento ou da sua caducidade.
Oportunamente cumpra-se o preceituado nos nº5 e 6 do artigo 177º do Código de Processo Penal.
Consigna-se que a busca será presidida por Juiz de Instrução.
*
Mais requer o Ministério Público que considerando que os documentos a apreender podem estar armazenados em sistemas informáticos, localizados nos referidos locais e/ou na sua disponibilidade, e conter elementos determinantes para o apuramento da verdade material autorize a pesquisa informática aos mesmos e a apreensão dos dados ou documentos informáticos que se encontrem nos locais das buscas ou acessíveis remotamente a partir desses mesmos locais, ainda que armazenados em eventuais drives/sistemas virtuais de cloud ou similares, e que, no decurso dessa pesquisa, se venham a revelar necessários à produção de prova bem como a pesquisa e apreensão de comunicações de correio eletrónico ou de natureza semelhante quer no que respeita às buscas autorizadas pelo Ministério Público quer no que respeita às buscas a autorizar e/ou presidir por Juiz de Instrução.
Tendo por base a factualidade indiciada bem como os ilícitos que a mesma é idónea a integrar e a sua prática indiciária pelos suspeitos bem como os elementos probatórios relacionados com os factos em investigação cuja apreensão é indispensável para a descoberta da verdade material sendo que os mesmos podem assumir formato digital e podem estar armazenados em sistemas informáticos, localizados nos locais em que tenham lugar as buscas a autorizar pelo Ministério Público ou as buscas a autorizar e/ou presidir por Juiz de Instrução ou na disponibilidade dos visados pelas buscas, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, 11.º. nº1, alínea c), 15º nº1, 5 e 6, 16º e 17º todos da Lei nº 109/2009, de 15/09, 26.º, nº1, 34.º, nº 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, 179.º, n.º3, 180º, 187.º, 188.º, 189.º e 268.º, nº1, alínea d), 269.º, nº1 al. d), todos do Código de Processo Penal autorizo pelo período de trinta dias a quebra de sigilo e a pesquisa informática aos mesmos (computadores, telemóveis ou noutros suportes físicos ou acessíveis remotamente em eventuais drives ou sistemas virtuais como cloud ou similiares) e a apreensão dos dados ou documentos informáticos que se encontrem nos locais das buscas ou acessíveis remotamente a partir desses mesmos locais, ainda que armazenados em eventuais drives/sistemas virtuais de cloud ou similares, e que, no decurso dessa pesquisa, se venham a revelar necessários à produção de prova bem como pelo período de trinta dias a quebra de sigilo e pesquisa e apreensão de correio electrónico, dos ficheiros electrónicos e comunicações de natureza semelhante, que sejam eventualmente detectados no decurso das buscas a autorizar pelo Ministério Público ou as buscas a autorizar e/ou presidir por Juiz de Instrução e se mostrem relacionados com os crimes em investigação, desde o dia 1 de Janeiro de 2019 até à data das buscas, designadamente, os realizados através das aplicações móveis WhatsApp, Skype, Viber, Messenger ou similares, que se encontrem armazenados em computadores, telemóveis ou noutros suportes e estejam relacionadas com a factualidade sob investigação nos presentes autos.
A referida quebra de sigilo pesquisa e apreensão inclui as caixas de correio eletrónico (pessoais e profissionais) que se relacionem com os factos sob investigação e que sejam detetadas no decurso das buscas nomeadamente, as pertencentes a II, JJ, KK, GGG (... da ...), MM (... da ...), DD (Presidente do …
), EE (ex-Vice Presidente do ...) NN (Presidente do Conselho de Administração do ...) e OO (ex-Presidente do Conselho de Administração do ...).
Mais se determina que o conteúdo acedido seja preservado e gravado autonomamente e sem a sua visualização para ulterior apresentação a validação e demais autorizações que sejam necessárias nos termos previstos nos artigos 16º e 17º da Lei nº109/2009 de 15.09.
As autorizações ora concedidas deverão constar dos respetivos mandados de busca. (…)”
*
3.2.- Mérito do recurso
Nos presentes autos vem o recorrente pedir a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine a nulidade da apreensão das caixas de correio de funcionários seus, que ocorreu durante a busca realizada nas suas instalações a … de 2023.
Alega, para tanto, que:
- foi efetuada cópia e apreensão das caixas de correio eletrónico pertencentes a AA, BB, CC e ao ..., que extravasam o âmbito subjetivo judicialmente autorizado;
- entre as caixas de correio eletrónico apreendidas – entre as quais as pertencentes a AA e DD – constam mensagens de correio eletrónico anteriores a 1 de janeiro de 2019 e que em nada se interligam com os crimes em investigação, extravasando o âmbito objetivo judicialmente autorizado;
- entre os elementos apreendidos encontram-se numerosos elementos pessoais, sem qualquer relevo para os autos;
- ao considerar que a busca e apreensão levada a cabo não é nula por omissão de ato legalmente obrigatório, o despacho recorrido incorreu num erro de interpretação e de aplicação do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, sendo que deveria ter interpretado a mesma no sentido de que, sem autorização judicial para a apreensão da correspondência de AA, BB, CC e do ..., bem como da restante correspondência apreendida anterior a 01 de janeiro de 2019, a diligência carece de ato legalmente obrigatório – autorização judicial legalmente exigida – verificando-se a nulidade constante do artigo 120.º, n.º 2, al. d) e do artigo 126.º, do CPP;
- não havendo um mandato que autorizasse a recolha dos dados informáticos e da correspondência eletrónica, esta só poderia ter sido obtida mediante o consentimento do respetivo titular, contudo, o referido consentimento não foi prestado, não só como se pode constatar do Auto da diligência de Busca e Apreensão, mas também pelo facto de os representantes legais do ... não se encontrarem presentes no momento do ato, a mesma mostra-se nula, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, pelo que, a prova produzida com base no ato que ora se refere deve ser considerada nula, por utilização de meio legalmente proibido, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP;
- a nulidade da busca e apreensão acima descrita deveria ter sido arguida no decurso da diligência, contudo, não se encontrava presente no ato o representante legal do ..., o que obsta a que se aplique, para a arguição da nulidade da Busca e Apreensão, o prazo disposto no artigo 120.º, n.º 3, alínea a), do CPP;
- nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, a recolha de correspondência sem autorização legal e sem o consentimento dos titulares da mesma traduz-se numa violação do direito à inviolabilidade do domicílio informático, que consta do artigo 34.º, da CRP e numa proibição de prova, cuja nulidade do ato é arguível a todo o tempo.
A primeira questão prende-se com a validade da apreensão efectuada de caixas de correio e respectivos conteúdos, atendendo ao âmbito da busca e da apreensão delimitadas no mandado emitido para o efeito, quer em termos de conteúdo, quer em termos temporais.
Relativamente às buscas, prevê-se no art.º 174º do Cód. Proc. Penal que:
“1 - Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer animais, coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.
2 - Quando houver indícios de que os animais, as coisas ou os objetos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
3 - As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
4 - O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade.(…)” (sublinhados nossos)
O regime legal das buscas tem assento na Constituição, no art.º 26º, nºs 1 e 2 e no art.º 34º, no que se refere às buscas domiciliárias, onde se garante o direito do cidadão contra intromissões abusivas na sua esfera pessoal e na sua intimidade, sem prejuízo dos casos e formas previstas na lei.
No entanto, na medida em que a lei processual penal prevê ingerências na correspondência, telecomunicações e demais meios de comunicação dos cidadãos, impõe-se concluir que tais direitos não são direitos absolutos e têm que ceder perante o direito de todos os outros cidadãos à realização da justiça.
No que concerne à apreensão de dados informáticos, prevê-se no art.º 16º da Lei nº 109/2009, de 15/09, Lei do Cibercrime que transpôs para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adaptou o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, que:
“1 - Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados dados ou documentos informáticos necessários à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, a autoridade judiciária competente autoriza ou ordena por despacho a apreensão dos mesmos.
2 - O órgão de polícia criminal pode efectuar apreensões, sem prévia autorização da autoridade judiciária, no decurso de pesquisa informática legitimamente ordenada e executada nos termos do artigo anterior, bem como quando haja urgência ou perigo na demora.
3 - Caso sejam apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respectivo titular ou de terceiro, sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao juiz, que ponderará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto.
4 - As apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal são sempre sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas. (…)
7 - A apreensão de dados informáticos, consoante seja mais adequado e proporcional, tendo em conta os interesses do caso concreto, pode, nomeadamente, revestir as formas seguintes:
a) Apreensão do suporte onde está instalado o sistema ou apreensão do suporte onde estão armazenados os dados informáticos, bem como dos dispositivos necessários à respectiva leitura;
b) Realização de uma cópia dos dados, em suporte autónomo, que será junto ao processo;
c) Preservação, por meios tecnológicos, da integridade dos dados, sem realização de cópia nem remoção dos mesmos; ou
d) Eliminação não reversível ou bloqueio do acesso aos dados.
8 - No caso da apreensão efectuada nos termos da alínea b) do número anterior, a cópia é efectuada em duplicado, sendo uma das cópias selada e confiada ao secretário judicial dos serviços onde o processo correr os seus termos e, se tal for tecnicamente possível, os dados apreendidos são certificados por meio de assinatura digital.” (sublinhados nossos)
No que respeita à apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante, dispõe o art.º 17º da mesma Lei que:
“Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.”
Sucede, porém, que, como refere Fernando Gama Lobo, in “Código de Processo Penal Anotado”, 4ª edição, 2022, Almedina, pág. 331, importa ter em conta que as buscas não pressupõem a existência de suspeitos ou arguidos de qualquer crime, bastando para tal que haja indícios nos lugares em causa de ocultação de «animais, coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova».
Ora, analisado o despacho judicial datado de … de 2023 que autorizou as buscas e apreensões em causa, verifica-se que a autorização que consta deste despacho corresponde à que consta do texto do mandado de busca e apreensão supra transcrito, resultando do auto de busca e apreensão que o duplicado do mandado foi entregue à pessoa que se encontrava no local em representação do recorrente, designadamente a PP, Diretora do Departamento Jurídico do recorrente, em cumprimento das formalidades exigidas pelo art.º 176º, nº 1 do Cód. Proc. Penal.
Tendo em conta o tipo de crimes em investigação - participação económica em negócio, abuso de poder e usurpação de funções -, o juiz de instrução a quo previu a possibilidade de os documentos a apreender, para prova da prática desses crimes, se encontrarem em suporte digital, pelo que autorizou a apreensão de:
- equipamentos de suporte informático e electrónico, como sejam computadores, telemóveis ou outros suportes físicos ou acessíveis remotamente em eventuais drives ou sistemas virtuais como cloud ou similiares;
- dados ou documentos informáticos que se encontrassem nos locais das buscas ou acessíveis remotamente a partir desses mesmos locais, ainda que armazenados em eventuais drives/sistemas virtuais de cloud ou similares;
- correio electrónico, ficheiros electrónicos e comunicações de natureza semelhante, que fossem eventualmente detectados no decurso das buscas e se mostrassem relacionados com os crimes em investigação, desde o dia 1 de Janeiro de 2019 até à data das buscas, designadamente, os realizados através das aplicações móveis WhatsApp, Skype, Viber, Messenger ou similares, que se encontrassem armazenados em computadores, telemóveis ou noutros suportes e estivessem relacionadas com a factualidade sob investigação nos presentes autos.
Mais autorizou que a referida quebra de sigilo, pesquisa e apreensão incluísse as caixas de correio eletrónico (pessoais e profissionais) que se relacionassem com os factos sob investigação e que fossem detetadas no decurso das buscas, tendo-se autorizado nomeadamente as pertencentes a II, JJ, KK, GGG (... da ...), MM (... da ...), DD (Presidente do …), EE (ex-Vice Presidente do ...) NN (Presidente do Conselho de Administração do ...) e OO (ex-Presidente do Conselho de Administração do ...).
Da análise deste despacho decorre, assim, que não era possível ao juiz de instrução, no momento da autorização da busca e apreensão em apreço neste recurso, descrever no despacho de autorização, de forma exaustiva, todos os equipamentos electrónicos e informáticos a apreender, bem como todas as caixas de correio e todos os documentos de conteúdo informático a apreender, porquanto essa tarefa pressupunha que o juiz de instrução a quo teria que saber o que é que se iria encontrar no decurso da busca autorizada, o que se afigura manifestamente impossível.
Pela mesma razão, a indicação no mesmo despacho das caixas de correio a apreender é meramente exemplificativa, pois outras poderiam haver, de funcionários ou pessoas relacionadas com o recorrente e com os suspeitos sob investigação, cuja apreensão só seria considerada pertinente e necessária no decurso da busca e até após a mesma, no momento da validação pela autoridade judiciária do material apreendido, nos termos previstos nos arts.º 178º, nº 6 e 179º, nº 3 do Cód. Proc. Penal, por se vir a constatar que tais caixas de correio e respectivas mensagens continham informações relacionadas com os crimes em investigação e relevantes para prova da sua prática.
Constata-se, assim, que as caixas de correio apreendidas nos autos e o conteúdo das mesmas foram objecto de despacho, cuja cópia acompanhou o respectivo mandado, não se mostrando ultrapassados na realização da diligência quer o âmbito objectivo, quer o âmbito subjectivo da autorização judicial dada para o efeito.
Por outro lado, tal apreensão resultou do facto de o órgão de polícia criminal encarregue da realização da busca a ter considerado necessária, tendo a mesma ficado sujeita a posterior validação pela autoridade judiciária e a ser objecto de perícia informática, após a qual as caixas de correio e o respectivo conteúdo relativo ao período temporal e ao objecto da investigação ficariam nos autos, na parte relevante, ou seriam total ou parcialmente devolvidas aos seus donos, em cumprimento do disposto no art.º 186º do Cód. Proc. Penal.
Analisado o disposto no art.º 176º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, verifica-se também que a lei não exige a presença no local da busca do legal representante do Instituto Público recorrente, como pretendido pelo mesmo, nem do seu mandatário, mas apenas da pessoa que tiver a disponibilidade do lugar onde a diligência se realiza.
Não referindo a lei “o visado”, não faz qualquer sentido a argumentação do recorrente no sentido de ser nula a busca efectuada por não se encontrar no local o seu legal representante, porquanto a mesma foi legalmente autorizada ( cf. neste sentido Fernando Gama Lobo, in ob. cit., pág. 340 ).
Também não procede o argumento do recorrente no sentido de que a busca é nula por o seu legal representante, ausente do local, não ter dado consentimento para a realização da diligência, porquanto, tendo a busca sido autorizada pela autoridade judiciária competente, tal consentimento não é exigido pela lei, conforme decorre do disposto no art.º 174º, nºs 3, 5 e 6 do Cód. Proc. Penal.
Em face do exposto, entende-se não haver qualquer nulidade a registar quanto às buscas e apreensões realizadas nos autos, uma vez que se mostraram cumpridas todas as exigências e formalidades legais das mesmas, conforme referido.
Não sendo a busca e a apreensão em causa nulas, fica prejudicado o conhecimento da tempestividade da arguição da sua nulidade pelo recorrente.
Para além disso não sendo a busca em apreço um método proibido de obtenção de prova, mas antes um método permitido de obtenção da mesma, nos termos do art.º 126º, nº 3 do Cód. Proc. Penal, não é igualmente nula a prova obtida através desta busca, como pretende o recorrente.
A argumentação do recorrente neste tocante assenta no pressuposto de que a busca e a apreensão em apreço não foram válida e judicialmente ordenadas, carecendo, por isso, de autorização do dono do local.
Uma vez que se considera que a busca e a subsequente apreensão realizadas nos autos foram válida, legal e judicialmente autorizadas, a invocação de as mesmas constituírem um método proibido de obtenção de prova, por falta de autorização do visado, perde todo o sentido e pertinência.
No sentido do decidido pronunciou-se o Acórdão deste TRL, datado de 8/05/2018, proferido no processo nº 6/16.8TELSB-C.L1-5, em que foi relator Simões de Carvalho, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “A apreensão da caixa de correio electrónico mostrou-se, no momento da busca e face aos elementos recolhidos no local, por parte da Polícia Judiciária, uma diligência inteiramente proporcionada e imperativa à aquisição e recolha da prova e a tal não obsta a circunstância do supra aludido titular da referida caixa electrónica não ser suspeito no âmbito da presente investigação.
- São susceptíveis de serem apreendidos quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova., ou seja, a faculdade de apreensão de coisas e de objectos necessários à "instrução" do processo abrange tanto os objectos em poder de/pertencentes ao suspeito ou indiciado, como os objectos em poder de, ou mesmo pertencentes a terceiros.
- Constatando-se terem sido, as mensagens de correio electrónico do contabilista da sociedade investigada, licitamente apreendidas durante a busca efectuada e não existindo qualquer obstáculo constitucional ou legal ao conhecimento do seu conteúdo, não podendo as mesmas ser eliminadas, sob pena de existir uma possível irremediável perda da prova que as mesmas eventualmente transportem.”
Também no sentido do ora decidido se pronunciou o Acórdão deste Tribunal e secção, datado de 4/06/24, proferido no processo nº 697/17.2TELSB, em que foi relatora Sara Reis Marques e adjunta a ora relatora, nos seguintes termos, que subscrevemos: “ (…) A busca é um meio de obtenção de prova tipificado no CPP, que visa a detenção do arguido ou de outra pessoa, ou a descoberta de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova no processo.
A busca domiciliária em causa, a que os arguidos assistiram, foi ordenada pelo Juíz de Instrução criminal por ter entendido, em suma, que nos autos de inquérito foram reunidos indícios da prática de um do crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelo artigo 36.º, n.º 1, 2 e 5 do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro e ser relevante, para a investigação e para a prova dos factos, apreender os elementos contabilísticos das sociedades envolvidas, os designados dossiers dos projectos cofinanciados e a documentação na esfera dos gerentes/administradores das sociedades acima referidas, designadamente, comercial (contratos, facturas e recibos), documentação contabilística e fiscal, agendas, documentos bancários, bem como telemóveis, computadores e outros dispositivos de armazenamento de dados informáticos (pen drive, HD Externo, notebook, HD CPU), contendo designadamente correio electrónico, e outros elementos de prova das atividades desenvolvidas.
Entendeu-se ainda que estava indiciado que na residência dos aqui recorrentes estariam guardados tais documentos e equipamentos, como efetivamente sucedeu.
Ordenada a busca domiciliária, foram emitidos mandados de busca.
O mandado consiste, nos termos do disposto no art.º 111º n.º 3 al. a) do CPP, no modo de comunicação entre serviços de justiça e entre as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal “quando se determinar a prática de acto processual a entidade com um âmbito de funções situado dentro dos limites da competência territorial da entidade que proferir a ordem”.
Ora, lidos os mandados de buscas emitidos à residência dos recorrentes, vemos que estes foram lavrados em conformidade com o despacho judicial que as autorizou.
De facto, aqui se manda que “se proceda à busca no local abaixo indicado, com vista à apreensão de documentos em suporte de papel ou informático e outros objectos ou valores conexos com a indiciada actividade ilícita aqui sob investigação, susceptível de integrar a prática de crimes de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelo artigo 36.º, n.º 1, 2 e 5 do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro.”
Os arguidos assistiram à busca, tomaram conhecimento do mandado de busca e também do despacho que ordenou a busca e assinaram o respectivo auto de busca e apreensão.
A formalidade imposta no art.º 176 do CPP, que é da entrega de cópia do despacho que ordenou a busca, foi cumprida.
E nessa busca foram efetivamente apreendidos documentos e equipamentos informatico pertença dos recorrentes, em estrito cumprimento do despacho judicial que ordenou a busca.
Era necessário que o mandado elencasse todos os objetos cuja apreensão era permitida aos OPC?
Parece-nos claro que não só a lei o não exige, como nem seria na prática possível cumprir uma exigência de tal jaez, pois o juiz de instrução criminal não tem dons adivinhatórios e não pode antecipadamente saber quais os objetos e documentos que se encontrariam no domicílio buscado e que são relevantes para a investigação. O JIC autorizou a busca para poderem ser apreendidos os objetos e documentos e valores que se encontrassem no interior do domicílio dos buscados e que fossem relevantes para a investigação e para a prova dos factos.
As provas são um dos elementos do processo, indispensáveis à realização do próprio processo. Devem, por regra, buscar-se onde quer que se encontrem, desde que essa procura se processe de forma legalmente conformada, como foi o caso.
O art. 178º, nº1 legitima a apreensão de quaisquer “instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os animais, as coisas e os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova.”
A apreensão, como toda a restrição de direitos e liberdades resultantes da aplicação de medidas cautelares em sede criminal, está sujeita aos princípios da proporcionalidade e da necessidade, que se traduzem, no que a esta figura respeita, na respetiva redução (seja em extensão, seja temporal) ao mínimo indispensável à satisfação dos propósitos processuais que a lei visa satisfazer através de tal medida provisoriamente restritiva do ius utendi, fruendi et abutendi inerente, no caso, ao direito de propriedade.
Os autos encontram-se em fase de inquérito.
E o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (art. 262º, nº1 do CPP).
A sua direcção cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal (art. 263º, nº1 do CPP), competindo-lhes a selecção e recolha da prova, e não ao juiz de instrução criminal.
Ora, as apreensões efetuadas na sequência da bsuca domiciliária ordenada pelo juiz de instrução criminal e que agora são postas em crise, respeitam rigorosamente a ordem dada no despacho judicial e no mandado de busca emitido e têm respaldo no disposto no art.º 178 do CPP, tendo sido validadas pelo M.º P.º
Acrescente-se tão só que, invocando os recorrentes o disposto nos artigos 32º e 34º da CRP para fundamentar o peticionado, não indicam um qualquer outro normativo que tenha sido desrespeitado ou que comine com a nulidade as apreensões efetuadas.
E não explicam a razão pela qual entendem que as apreensões não respeitam os supra referidos normativos constitucionais, não explicam o raciocínio em que assentam esta alegação, não delimitam a questão, limitando-se à sua afirmação.
Ora, não tem este Tribunal da Relação de adivinhar os meandros do raciocínio dos recorrentes, substituir-se aos recorrentes na procura e enunciação de eventuais razões para sustentar entendimento diferente do seguido pelo tribunal a quo, em matéria que não seja de conhecimento oficioso.
Não se vislumbra que tenham sido cerceados os direitos de defesa dos arguidos, nem tampouco foi violado o direito ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, tendo a intromissão no domicílio dos arguidos respaldo legal e constitucional e não sendo excessivas as apreensões efetuadas, mas antes necessárias, adequadas e proporcionais, em estrito cumprimento do despacho judicial que ordenou as buscas e validadas por despacho do M.º P.º .
Por último, há que notar que os recorrentes confundem a apreensão dos equipamentos com a apreensão dos dados informáticos, incluindo mensagens eletrónicas e outros registos de comunicação, neles contidos.
Relativamente a estes, não tinha sido ainda, à data do recurso, proferido qualquer despacho a ordenar a sua apreensão.
O exame pericial e cópia forense do conteúdo dos equipamentos apreendidos foi solicitado à U.P.T.I. da Polícia Judiciária (cfr. fls.1820-1821), com a expressa menção de ser extraída uma cópia de todas as comunicações realizadas através de SMS, Chats e e-mails, para um suporte autónomo, selado.
Foi entretanto concluído o exame pericial da UPTI referente aos telemóveis apreendidos, o qual deu origem ao Relatório Pericial n.º EP.3754014.2023, junto aos autos após a interposição do recurso dos Recorrentes, sendo certo que apenas se procedeu a gravação em suporte autónomo e selado, sem prévio acesso ou visualização, dos ficheiros de correio electrónico e comunicações de natureza semelhante e à cópia/clonagem do restante conteúdo, também sem acesso e visualização.
O mandado não faz referência ao art.º 16 da Lei do Cibercrime, nem tinha de fazer, nem os recorrentes, de resto, argumentam, explicam a razão pela qual deveria fazer.
A este respeito, socorremo-nos das palavras do recente Ac da RL, desta secção, datado de 13/7/2023, Processo: 54/22.9TELSB-F.L1-5 Relator: MARIA JOSÉ MACHADO, onde se lê:
I- Não se pode reconduzir a apreensão de telemóveis e de equipamentos semelhantes à apreensão dos dados nele contidos, incluídos neles as mensagens de correio electrónico e registos de comunicações semelhantes pois a apreensão de objectos, nos termos do artigo 178.º e ss. do Código de Processo Penal, não tem apenas por fim a recolha de prova, mas também abarca a apreensão de objectos que possam vir a ser declarados perdidos a favor do Estado por constituírem instrumentos da prática do crime. II. Mesmo quando a apreensão de um telemóvel se justifica apenas pelas mensagens de correio electrónico que nele eventualmente se encontram, a apreensão do aparelho, que deve ser feita em conformidade com o artigo 178.º do Código de Processo Penal, distingue-se claramente da apreensão das mensagens que nele se contêm, regulada no artigo 17.º da Lei do Cibercrime, porque a primeira ocorre antes da verificação da existência das mensagens de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, enquanto a segunda pressupõe a comprovação dessa mesma existência. Não é pelo facto de a conservação dessas mensagens ser feita no próprio aparelho que poderá confundir-se as duas situações.
III. A apreensão de telemóveis, podendo ser efectuada por um órgão de polícia criminal, como a GNR, está sujeita a validação por uma autoridade judiciária no prazo de 72 horas (artigo 178.º, n.º1, 3 e 6 do Código de Processo Penal), autoridade esta que não é apenas o juiz de instrução criminal, mas, também, o Ministério Público (artigo 1.º, alínea b) do Código de Processo Penal).
IV. Essa apreensão dos aparelhos em si mesmos não se confunde com a pesquisa ou apreensão dos dados contidos nos mesmos ou acessíveis através deles.
V. Uma vez validada a apreensão dos telemóveis pela autoridade judiciária, independentemente do destino que enquanto eventual instrumentos dos crimes lhes possa vir a ser dado, pode o Ministério Público proceder à pesquisa e eventual, apreensão de dados que neles se contenham, nos termos dos artigos 15.º e 16.º da Lei do Cibercrime e requerer ao Juiz de instrução nos termos do artigo 17.º da mesma lei, a apreensão de dados de correio eletrónico e de registos de comunicações de natureza semelhante, que venham a ser detectados no decurso de tais pesquisas e se mostrem relacionados com a prática dos crimes em investigação ou que possam servir a prova, com cumprimento do regime da apreensão de correspondência previsto no artigo 179.º Código de Processo Penal.
No caso em apreço, e no que concerne às pesquisas informáticas, estas foram autorizadas no despacho judicial que ordenou as buscas (…).
O sequestro/castração dessas caixas de correio e o impedimento do seu acesso até que se consiga proceder à sua cópia, nos termos judicialmente autorizados, é apenas um procedimento técnico, para se lograr proceder, remotamente, à extracção e cópia dessas caixas de correio electrónico.
Deste modo, entendemos que não foi violado qualquer preceito legal, designadamente os invocados artigos 32.º e 34.º da C.R.P. e 16.º da Lei n.º 109/2009, de 15/09. (…)”
Por tudo o exposto, impõe-se julgar totalmente improcedente o presente recurso, não se considerando violadas nenhuma das normas invocadas pelo recorrente.
*
4. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso apresentado pelo ..., e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s.

Lisboa, 18 de Junho de 2024
(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)
Carla Francisco
Paulo Barreto
Sara Reis Marques