CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À REMUNERAÇÃO
INEXISTÊNCIA DE CONTRATO ESCRITO
NULIDADE
DEVER DE RESTITUIÇÃO
Sumário


I - O contrato de mediação imobiliária é um contrato oneroso, dele devendo constar as condições da remuneração, podendo ainda ser acordado um regime de exclusividade.
II - Num contrato de mediação imobiliária apesar da prestação a que a mediadora se obriga ser uma prestação de meios, a obrigação de retribuição, a cargo do cliente, está condicionada à obtenção de resultados: a remuneração é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
III - A inexistência de contrato reduzido a escrito gera a sua nulidade não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação (artigo 16º n.º 1 e 7 da Lei n.º 15/2013, de 8/02, com as alterações pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23/08).
IV - No caso de nulidade do contrato de mediação imobiliária, se o negócio mediado não se concretizou, não há que ser restituído qualquer valor à mediadora, por força do efeito retroativo da nulidade contratual; mas, se o negócio mediado efetivamente se concretiza por ação da mediadora, então, não obstante a nulidade do contrato, por força do preceituado no artigo 289º do Código Civil, pode existir o dever de o cliente “restituir” o resultado da atividade da mediadora, pagando um valor que será equivalente à retribuição acordada.
V - Para que a mediadora imobiliária tenha direito à remuneração incumbe-lhe a alegação e prova de factos que permitam estabelecer o nexo causal entre a atividade de mediação desenvolvida por aquela e a concretização do negócio levada a cabo pelo comitente.
VI – Se a Autora, mediadora imobiliária, angariou um potencial comprador, que levou a efetuar uma visita ao imóvel e que apresentou uma proposta, mas a Autora lhe transmitiu que a proposta não estava a ter resposta, devido à necessidade de contactar com uma pessoa residente na ..., e não mais respondeu às citações desse potencial comprador quanto à proposta apresentada, e este verificando que o imóvel se encontrava à venda através de outra imobiliária, apresentou proposta através desta, a qual foi aceite pela Ré e pelo seu irmão, tendo sido concretizada a venda do imóvel a tal comprador com intermediação dessa outra empresa imobiliária, não se pode afirmar que a conclusão do contrato de compra e venda foi o resultado da atividade desenvolvida pela Autora e nem que da atividade desenvolvida tenha resultado um benefício para os Réus, não sendo, por isso, o reconhecimento da nulidade do contrato de mediação gerador de qualquer dever de restituição por parte dos Réus.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. RELATÓRIO

EMP01... – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, UNIPESSOAL, LDA., instaurou a presente ação declarativa com processo comum contra AA e BB, casados, residentes ambos em Rua ..., União de Freguesias ... e ..., pedindo a condenação dos Réus no pagamento da quantia de €9.840,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
Alega, para tanto e em síntese, que celebrou com os Réus um contrato de mediação imobiliária para venda de imóvel pertencente aos mesmos; que, pese embora não tenha sido o mesmo reduzido a escrito, procedeu a diversos atos de divulgação do imóvel, acordou uma comissão a pagar pelos Réus, contactou com diversos clientes e chegou a encontrar um potencial comprador, que visitou o imóvel e apresentou uma proposta, que os Réus recusaram.
Mais alega que, posteriormente, os Réus e o referido comprador, conluiados, celebraram o negócio de aquisição do imóvel, sem informar disso a Autora, pelo que contactou com os Réus e os interpelou para pagamento da comissão, sem que os mesmos nada tenham pago até à data.
Regularmente citados os Réus contestaram defendendo-se por exceção e impugnação, alegando em síntese que o imóvel em causa era propriedade da primeira Ré e do seu irmão, e que não foi celebrado qualquer contrato de mediação com a Autora, posto que os Réus sempre se recusaram e afirmaram que apenas celebrariam contrato com a imobiliária que lograsse angariar um comprador; mais alegam que a Autora nunca apresentou uma proposta aceitável, e que o eventual comprador foi angariado não pela Autora, mas sim por outra imobiliária.
Concluem que, para além do contrato ser nulo por falta de forma, a Autora nunca teria de todo o modo direito à remuneração, posto que não concluiu o negócio.
A Autora veio requerer a intervenção principal de CC e DD, residentes na ... ...32, ..., ..., o que foi indeferido por despacho proferido em 18/05/2023.
Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Por todo o exposto, o Tribunal julga a presente ação improcedente, e absolve os réus do pedido.

*
Custas pela autora, nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”

Inconformada apelou a Autora da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“a) Por via do presente recurso pretende a Apelante, em primeiro lugar, demonstrar o desacerto da decisão da Instância Recorrida em sede de apreciação da matéria de facto e de direito.
b) Na verdade, salvo o devido respeito, entende a Apelante que a Instância Recorrida errou, de modo notório e até grosseiro, na apreciação que efetuou relativamente às circunstâncias em que o acordo foi celebrado entre a Autora e os Réus, dando como provada uma versão dos factos que se desvia em grande medida daquilo que foi dito em se de declarações de parte proferidas pela Ré EE.
c) Porquanto, no que especificamente diz respeito à apreciação, decisão e respetiva fundamentação do Tribunal a quo relativamente à factualidade vertida nos n.ºs 14 a 16 dos factos provados e alíneas b) e c) dos factos dados como não provados, não pode a Recorrente deixar de sublinhar que a sentença ora recorrida padece de erros de apreciação e interpretação de toda a prova produzida, os quais, a nosso ver, se revelaram decisivos para a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
d) Conjugando a prova por declarações de parte e testemunhal produzida, a decisão do Tribunal a quo deveria ter sido diametralmente oposta.
e) Primeiramente, a comunicação aos Réus da proposta dos 150.000,00€ apresentada por FF encontra respaldo, nas declarações de parte prestadas pela Ré, em sede de julgamento, onde referiu que a Autora lhe comunicou da existência de uma proposta no valor de 150.000,00€.
f) Facto que apresenta ainda sustentação no depoimento da testemunha FF, onde este confirma ter apresentado à Autora uma proposta por esse valor.
g) Destarte, tendo em conta a prova testemunhal produzida, ainda que de algum modo um pouco imprecisa em termos quantitativos, e na esteira daquilo que a Autora já alegou e defendeu em sede de primeira instância, não se consegue conformar que o Tribunal a quo tenha considerado como facto não provado a alínea c).
h) Cumpre à mediadora Imobiliária informar os seus clientes de todas as propostas oferecidas relativamente aos imóveis por aquela publicitados e trabalhados.
i) Ora, a situação dos presentes autos não foi diferente.
j) Na medida em que, o Gerente da Autora diligenciou por cumprir com a sua obrigação de comunicar aos Réus a proposta apresentada pelo comprador FF.
k) Pelo que não pode restar dúvidas de que efetivamente essa comunicação foi realizada, até pelas declarações prestadas pela Ré, onde ela, ainda que de forma muito ligeira, refere que lhe foi comunicado por um consultor da Autora de que existia uma proposta por aquele valor, ou seja, por 150.000,00€.
l)Por seu turno, relativamente assunto do “alemão”, cumpre quanto a este tópico referir que desde o primeiro contacto encetado com os Réus, nunca foi disponibilizado à Autora qualquer documentação atinente ao imóvel.
m) A Ré, desde o início sempre afirmou de que não disponibilizava documentação alguma do imóvel a nenhuma imobiliária, apenas o faria no futuro, se existissem progressões no negócio, tal e qual como se afere das declarações de parte prestadas pela Ré em sede de audiência de Julgamento.
n) O que fez com que a Autora tivesse somente tomado conhecimento de que o irmão da Ré era comproprietário do referido imóvel, na pendência da presente a ação, aquando do oferecimento da contestação por parte dos Réus, onde, prontamente, solicitou a intervenção principal provocada do irmão, a fim de sanar qualquer ilegitimidade passiva que viesse a ser arguida, a qual o Tribunal a quo indeferiu.
o) A referida intervenção, deveria ter sido deferida, uma vez que mais não era uma forma de sanar a procedência de exceções dilatórias por falta de legitimidade passiva, e dado que tal situação limitou o exercício do seu ónus.
p) Além disso, em sede de audiência de julgamento foram os Réus intercetados a responder como chegaram à conclusão de negócio, mas os Réus, de uma forma astuciosamente premeditada, só falavam do que lhes interessava e do que havia sido junto.
q) Foram os Réus ainda impelidos, em sede de audiência de julgamento, a explicarem todo o procedimento, contemplando princípio, meio e fim, de como todo o negócio se teria processado.
r) Acontece que, mais uma vez, o tribunal a quo não nos deu essa permissão, por se ter vinculado a uma posição precocemente definida.
s) Neste sentido, a factualidade constante do facto não provado na alínea c) deverá passar a constar, isso sim, do elenco de factos provados.
t) Ainda inconformada a Autora com a douta sentença, não pode esta anuir à alínea b) dos factos dados como não provados, porquanto a Ré desde o início sempre soube qual era o valor da comissão imobiliária devido à Autora.
u) Ora, a própria Ré foi perentória em afirmar voluntariamente que o valor que eles queriam era pelo menos 160.000,00€ e que a comissão a ser cobrada seria de 5%.
v) Mais, a Ré nas suas declarações refere isto mesmo, que o valor da comissão seria 5% a quem vendesse a casa, pelo preço já definido (obviamente, existe sempre por concordância entre os clientes vendedores e a mediadora, um valor para negociação).
w) Além do mais, se analisarmos com minucia as datas, constatamos de que a ficha de visita da aqui Autora, com o cliente que acabou por adquirir o imóvel, é datada de 01.08.2022.
x) Acontece que, o único documento que foi possível ter acesso e que foi junto, e que respeita à escritura pública, diz-nos que as transferências a título de sinal e princípio de pagamento foram efetuadas em 10.08.2022, isto é, volvidos nove dias desde a data em que o potencial comprador da aqui Autora realizou a visita ao imóvel, conforme assinatura aposta na ficha de visita, documento que a Autora juntou aos autos e que se encontra integralmente reproduzido.
y) Socorrendo-nos da figura do homem médio, é notório que neste ato de tempo, para que no dia 10 tenham sido realizadas transferências bancárias, era necessário que antes e com alguma antecedência, evidentemente, os Réus tivessem de disponibilizar ao referido conhecido é à imobiliária do “Senhor GG”, toda a documentação do imóvel, assim como a documentação do cliente comprador, estabelecido um prazo para a outorga da escritura, envio dos comprovativo de IBAN´s dos titulares das transferências, entre outros elementos que se encontrassem imprescindíveis para a outorga do referido contrato.
z) Além disso, a escritura só se realizou passados dois meses e neste hiato de tempo, sabemos que o irmão da Ré esteve presente na escritura, mas não sabemos e era importante a Autora ter sabido como chegou à sua posse o contrato de promessa de compra e venda, como é que o assinou e se a imobiliária emitiu duas faturas, para cada um dos comproprietários ou apenas uma única fatura, mas nada disso o Tribunal a quo deu a devida importância, tendo simplesmente entendido de que a comissão imobiliária da Autora não era devida.
aa) Muito bem sabe os Réus e o Tribunal a quo, que a comissão é devida, pelo que não há margem para dúvidas de que a ora Recorrente é credora do valor da comissão imobiliária, considerando o nexo de causalidade estabelecido entre a atividade desenvolvida e a celebração do negócio visado.
85. No que diz respeito à invocada nulidade do contrato de mediação imobiliária, o Tribunal a quo concluiu que a ação sempre seria de improcedente por inexistir contrato de mediação imobiliária reduzido a escrito, e, consequentemente, padecer de nulidade.
bb) Salvo respeito por opinião diversa, o Tribunal recorrido não fez justiça!
cc) Efetivamente, vieram os Réus, em sede de Contestação, invocar a nulidade do contrato de mediação imobiliária, no entanto, esta questão da nulidade do contrato não pode consubstanciar uma forma de proteger o vendedor, neste caso os Réus, porquanto é do conhecimento destes os ónus e encargos que incidem sobre o imóvel aquando da sua alienação; o conteúdo do negócio fica, por si só, esvaziado.
dd) Quer a Autora com isto dizer que não se entende, ou melhor, não conseguimos entender que o tribunal a quo tenha seguido a mesma pretensão dos aqui Réus ao vir também invocar a nulidade do contrato.
ee) Tal efeito, tem sido o mote para o que tem vindo a acontecer, infelizmente, porquanto, considerando a fragilidade negocial das imobiliárias, as mesmas têm-se deparado “a braços” com a nulidade do contrato de mediação imobiliária por este não conter os elementos essenciais, prejudicando a sua atividade, comprometendo as suas concretizações negociais e deparando-se com invocações ilegítimas por parte do vendedor, neste caso, dos aqui Réus.
ff) Destarte, apreciando toda a prova documental, assim como toda a prova testemunhal, não se concebe, nem concede que se tenha dado tanta ligeireza ao caso em apreço, onde foram descurados factos importantes, posições que oficiosamente deveriam ter sido requeridas para evitar que o homem médio, continue assim a duvidar se ainda vale apena acreditar na justiça!
gg) Efetivamente, se os Réus se queriam mostrar credibilidade, sublinhe-se, surgem aqui algumas interrogações: porque é que não juntaram a fatura? porque é que não juntaram o contrato de promessa de compra e venda? porque é que não juntaram a troca de emails por via dos quais foram enviados documentos para o irmão da Ré que supostamente se encontra na ...?
hh) Ora, toda a atividade desenvolvida pela Autora foi com base num acordo aceite pelos Réus, com a autorização dos Réus, em que os Réus abriram a porta várias vezes à Autora para que esta pudesse mostrar o referido imóvel a todos os clientes que estivessem interessados, onde os Réus assinaram fichas de visita e que a Autora possui e que comprovam de que as visitas foram realizadas.
ii) A Autora, por acordo, através da atividade comercial que desempenha, ficou brigada a angariar pessoas interessadas, o que aconteceu, com o intuito de que o negócio objeto de mediação se concretizasse, tal como a Ré referiu nas suas declarações de parte.
jj) Tendo a Autora provado em sede de audiência de julgamento que encontrou o potencial comprador que veio, posteriormente, a adquirir efetivamente o imóvel, mas nesse momento, repita-se, os Réus ignoraram por completo todo o trabalho desenvolvido pela aqui Autora, tendo aqueles, mesmo assim, prosseguido com o negócio.
kk) Mais uma vez, repita-se, os Réus confundiram um acordo, que foi cumprido pela Autora e que após ter enriquecido à custa da Autora vieram-se socorrer do instituto jurídico da nulidade para se desvincular das suas obrigações legais e tão somente legais.
ll) Em face do tudo o quanto aqui se expôs e provou, seria suficiente para que a Instância Recorrida desse como provado de que a Recorrida mediou o negócio e de que existe nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida e a concretização do negócio visado e de que não existe qualquer vício ou nulidade que inviabilize ou torne inexigível o pagamento da comissão imobiliária à Autora.
Nestes termos, e nos que V. Exas. muito doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, condenando-se os Recorridos na totalidade do pedido, com o que se fará JUSTIÇA!”.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente, são as seguintes:

1 - Determinar se houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 14), 15) e 16) dos factos provados e b) e c) dos factos não provados;
2 - Determinar se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância (transcrição)
1) A autora tem como objeto social a atividade de mediação imobiliária, em território nacional.
2) A autora, no exercício dessa atividade, angariou o imóvel sito na Rua ..., ..., ....
3) Tal imóvel corresponde ao prédio urbano composto por casa de habitação de ..., primeiro e ... andar, lado norte, sito no lugar de ..., União de Freguesias ... e ..., inscrito na matriz predial urbana no artigo ...01 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...2, que adveio à posse da ré e do seu irmão CC por sucessão, na proporção de metade para cada um.
4) A angariação referida em 2) ocorreu na medida em que um colaborador da autora, de nome HH, tendo tido conhecimento de que a ré pretendia vender o imóvel, contactou a mesma, solicitando aos réus a assinatura de um contrato de mediação.
5) A ré recusou a assinatura de qualquer contrato, explicando que nem ela nem o seu irmão pretendiam conferir exclusividade a nenhuma empresa imobiliária e que celebrariam o negócio com a empresa que granjeasse comprador pelo preço de €160.000,00.
6) Para além da autora, a ré tinha já acordado termos semelhantes com outras mediadoras imobiliárias, nomeadamente a “EMP02..., Lda.”.
7) Deste modo, o referido colaborador da autora procedeu à recolha de imagens do exterior e interior do imóvel.
8) A autora e os seus colaboradores e consultores diligenciaram, numa primeira fase, pela promoção da angariação, com deslocações ao imóvel, realização de fotorreportagem, publicitação e divulgação no site da empresa, distribuição de diferentes meios de comunicação como flyers personalizados e emails para o público alvo.
9) A autora apresentou algumas potenciais propostas aos réus, sendo pelo menos uma no valor de €135.000,00, que a primeira ré sempre recusou.
10) A autora angariou FF como potencial comprador, tendo este efetuado uma visita ao imóvel no dia 01 de agosto de 2022.
11) De tal visita, foi elaborada a ficha junta como doc. ... da contestação, assinada pelo segundo réu.
12) No seguimento da visita, a autora recebeu da parte de FF uma proposta para aquisição do imóvel no valor de €150.000,00.
13) A dada altura, não concretamente apurada, os réus deixaram contactar com a autora.
14) A autora transmitiu a FF que a proposta não estava a ter resposta, devido à necessidade de contactar com uma pessoa residente na ....
15) Como a autora não mais respondeu às citações de FF quanto à proposta por si apresentada, este verificou que o imóvel se encontrava à venda através da imobiliária referida em 6).
16) FF apresentou assim proposta através daquela imobiliária para aquisição do imóvel, pelo valor de €155.000,00, proposta esta que foi aceite pela primeira ré e pelo seu irmão.
17) Deste modo, a primeira ré e o seu irmão procederam à venda do imóvel a tal comprador, pelo preço de €155.000,00, com intermediação da empresa imobiliária referida em 6).
18) Posteriormente, a autora apercebeu-se de que estariam a ser efetuadas obras no imóvel objeto do negócio, tendo apurado de que o mesmo já teria sido vendido a FF.
19) A autora remeteu aos réus a missiva junta como doc. ..., cujo teor integralmente se reproduz.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância (transcrição)
a) Os réus originalmente pretendiam vender o imóvel pelo valor de €170.000,00.
b) Por indicação da autora, os réus reduziram o valor pedido para €160.000,00, no qual já se inseria a comissão imobiliária acordada de €9.840,00.
c) A proposta de FF, referida em 12), foi comunicada aos réus, que a declinaram.
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3.2. Da modificabilidade da decisão de facto
Decorre do n.º 1 do artigo 662º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto; in casu, mostram-se cumpridos, de forma minimamente satisfatória, tais ónus.
Sustenta a Recorrente que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 14), 15) e 16) dos factos provados e os pontos b) e c) dos factos não provados, os quais têm a seguinte redação:
“14) A autora transmitiu a FF que a proposta não estava a ter resposta, devido à necessidade de contactar com uma pessoa residente na ....
15) Como a autora não mais respondeu às citações de FF quanto à proposta por si apresentada, este verificou que o imóvel se encontrava à venda através da imobiliária referida em 6).
16) FF apresentou assim proposta através daquela imobiliária para aquisição do imóvel, pelo valor de €155.000,00, proposta esta que foi aceite pela primeira ré e pelo seu irmão.
b) Por indicação da autora, os réus reduziram o valor pedido para €160.000,00, no qual já se inseria a comissão imobiliária acordada de €9.840,00.
c) A proposta de FF, referida em 12), foi comunicada aos réus, que a declinaram”.
Está em causa, no essencial, a matéria de facto relativa à apresentação de proposta pelo comprador, a testemunha FF.
A este propósito consta da motivação da sentença recorrida (que transcrevemos na parte que releva) o seguinte:
“(…) Contudo, já no que concerne aos factos 14) a 16), as declarações de parte do legal representante da autora divergiram das declarações de parte dos réus, mas também do depoimento testemunhal de FF.
Com efeito, ao passo que da banda da autora se quis fazer ver que a oferta da testemunha foi comunicada aos réus, e que estes a recusaram, do lado da testemunha (que se afigurou não ter qualquer interesse na causa e apresentou um depoimento escorreito e claro, sem contradições de maior), foi antes explicado que, após ter apresentado a proposta em causa, passou a receber respostas evasivas da parte da autora, referindo a necessidade de contactar “um alemão” para finalizar o negócio.
Sendo que o irmão da autora, que é um dos proprietários, reside com efeito na ..., afigura-se que seria este o contacto em falta, o que faz sentido perante o remanescente da prova.
Confrontando também os depoimentos de FF e GG, confirma-se assim que o primeiro, face à ausência de resposta da autora, voltou a procurar o imóvel na Internet, e encontrou-o listado por outra imobiliária, tendo então contactado o referido GG, o qual por fim mediou a venda.
Face assim às contradições notórias entre o depoimento testemunhal em causa (que foi confirmando a versão dos réus), e as declarações do legal representante da autora, a dúvida desfavorece aqui a quem aproveita a prova – sendo no caso a autora, e provando-se assim o constante de 13) a 16), e não se provando o constante de c) – conformando o Tribunal a factualidade em moldes algo diversos do alegado pelas partes, de acordo com a matéria instrumental e concretizadora trazida para os autos. (…)
Em relação aos factos não provados a) e b), por assentes unicamente nas declarações de parte do legal representante da autora, e face a algumas dúvidas suscitadas por tais declarações (conforme já explicado, por exemplo, quanto ao confronto com o depoimento de FF), teve-as o Tribunal por não provadas”.
Analisemos então os motivos da discordância da Recorrente, que invoca as declarações prestadas pela Ré e pela testemunha FF.
Ora, ouvidas integralmente as declarações prestadas pela Ré e pela referida testemunha, conjugadas ainda com os documentos juntos aos autos, adiantamos desde já que nada permite concluir que a prova produzida aponte em sentido diverso da decisão que foi proferida em 1ª Instância, de forma a poder colocar-se em causa o princípio da livre apreciação da prova por parte do Tribunal a quo, e a motivação constante da decisão recorrida.
Pelo contrário, a nossa convicção sobre os pontos de facto impugnados coincide com a da 1ª Instância.
Vejamos.
Os factos constantes dos pontos 14), 15) e 16) tem por base o depoimento da testemunha FF que comprou o imóvel pertencente à Ré e a seu irmão; o seu depoimento, tal como refere o tribunal a quo apresentou-se claro e coerente e sem contradições de maior, não demonstrando o mesmo (e nem resultando dos sutos) que tivesse qualquer interesse na causa.
O que resulta do depoimento desta testemunha é que andava à procura de um imóvel num site online (... ou ...), tendo visto vários anúncios e entrado em contacto telefónico com a imobiliária Autora, agendando uma visita; que foi visitar com pessoas da imobiliária Autora, gostou do imóvel e fez uma proposta, tendo assinado uma ficha de visitas (confirmando a assinatura do documento ... junto com a petição inicial)
Esclareceu, contudo, que a Autora nunca lhe conseguiu dar uma resposta dizendo que para formalizar a proposta era preciso confirmar com um senhor alemão (veja-se que o irmão da Ré reside efetivamente na ...), e não conseguiam contacto, pelo que, pensando que iria perder o imóvel no qual tinha interesse (pois a Autora até o levou a visitar outro imóvel em ... que não lhe interessava) voltou a ir procurar o imóvel online e contactou outra imobiliária (EMP02... Lda), com a qual agendou nova visita, que realizou com a testemunha GG, dessa imobiliária, apresentou proposta e chegaram a acordo tendo assinado o contrato promessa de compra e venda e sinalizado através de duas transferências bancárias, tendo outorgado o contrato de compra e venda no dia 20 de outubro de 2022, adquirindo o imóvel pelo valor de €155.000,00 (documento n.º ... junto com a contestação onde consta expressamente a intervenção de mediação imobiliária levada a cabo pela sociedade EMP02... Lda).
Ouvida a testemunha GG, que esclareceu que trabalhava na sociedade EMP02... Lda, constatamos que confirmou que a testemunha FF contactou a imobiliária e foram ver o imóvel, foi feita a proposta de €155.000,00 que transmitiu à Ré e ao irmão (era do seu conhecimento que os proprietários eram a Ré e o irmão, pois era um bem de herança) que a aceitaram, foi assinado o contrato promessa, sinalizado o negócio e preparados os documentos para a outorga do contrato definitivo; esta testemunha esclareceu ainda que o negócio foi feito por ele e cobrada uma comissão, tendo mostrado a casa a várias pessoas, sendo do seu conhecimento que os Réus não queriam qualquer contrato com imobiliárias que fosse com exclusividade.
Não vemos, por isso, que possa afirmar-se a existência de qualquer erro de julgamento ao ser dado como provado que a Autora transmitiu a FF que a proposta não estava a ter resposta, devido à necessidade de contactar com uma pessoa residente na ..., que como a Autora não mais respondeu às citações de FF quanto à proposta por si apresentada, este verificou que o imóvel se encontrava à venda através da imobiliária “EMP02..., Lda.”, tendo apresentado proposta através daquela imobiliária para aquisição do imóvel, pelo valor de €155.000,00, a qual foi aceite pela primeira Ré e pelo seu irmão.
Inexiste, pois, fundamento para julgar não provados os factos constantes dos pontos 14), 15) e 16).
Da mesma forma, inexiste qualquer fundamento para julgar provado que a proposta apresentada pela testemunha FF, referida em 12) dos factos provados, no valor de €150.000,00, apresentada aos Réus, foi por estes declinada; na verdade, se assim tivesse ocorrido, o comprador (a testemunha FF) teria certamente tentado negociar, tanto mais que aceitou comprar pelo preço de €155.000,00, em vez de esclarecer o tribunal que a Autora nunca lhe conseguiu dar uma resposta dizendo que para formalizar a proposta era preciso confirmar com um senhor alemão, de tal forma que teve até receio de vir a perder o negócio.
Relativamente ao ponto b) dos factos não provados invoca a Recorrente as declarações da Ré, num pequeno excerto que transcreve, pretendendo dai concluir que a Ré sabia que o valor que eles queriam era pelo menos €160.000,00 e que a comissão a ser cobrada seria de 5%; nas declarações da Ré em causa, a mesma refere que pretendia mais um bocadinho do que os €150.000,00 porque a Emp01... lhe iria cobrar uma comissão de 5%. Daqui não decorre, contudo, que por indicação da Autora os Réus tenham reduzido o valor pedido para €160.000,00, no qual já se inseria a comissão acordada de €9.840,00; aliás, 5% de €160.000,00 são apenas €8.000,00.
Inexiste, também aqui, fundamento para dar como provada tal matéria de facto.
Assim, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida pelo Tribunal a quo, conforme com a prova constante dos autos, mantêm-se inalterada a matéria de facto fixada em 1ª instância.
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3.3. Reapreciação da decisão de mérito da ação

Tendo-se mantido a matéria de facto tal como decidida pelo tribunal a quo, importa agora decidir se deve ou não manter-se a decisão de mérito que, julgando a ação improcedente, absolveu os Réus do pedido.
O tribunal a quo considerou que o contrato de mediação imobiliária é nulo e de nenhum efeito por falta de forma escrita e que, tendo sido celebrado o negócio definitivo, não por atuação da Autora, mas pela atuação de outra imobiliária, o que era lícito e legítimo da banda dos Réus, não é lícito determinar a restituição de quaisquer valores pelos Réus, na medida em que tal seria permitir que, por via da nulidade, a Autora acabasse a receber mais do que receberia caso o contrato fosse válido, posto que este, em última análise, não foi sequer cumprido, ou seja, não culminou com a venda do imóvel.
A Recorrente insurge-se contra tal entendimento sustentando que mediou o negócio e que existe nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida e a concretização do negócio visado, bem como não existe qualquer vício ou nulidade que inviabilize ou torne inexigível o pagamento da comissão imobiliária à Autora.
Vejamos se lhe assiste razão.
Não vem questionado no presente recurso que está em causa o exercício da atividade de mediação imobiliária, a que se dedica a Autora que tem como objeto social a atividade de mediação imobiliária, em território nacional (ponto 1 dos factos provados).
Segundo a definição contida no artigo 2º n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro (que estabelece o regime jurídico do acesso e exercício da atividade de mediação imobiliária, de ora em diante designada por RJAMI), a atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.
Carlos Lacerda Barata (“Contrato de Mediação”, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, volume I, julho de 2002, p. 192) define o contrato de mediação imobiliária como o contrato “pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição”, considerando os seguintes elementos caracterizadores deste contrato:
- atividade tendente à celebração de negócio;
- ocasionalidade;
- retribuição. 
Mais considera (p. 202/203) que o direito à retribuição depende da celebração do contrato prometido embora seja independente do cumprimento do mesmo e que só com a verificação de um “resultado útil” (a realização do negócio) da atuação do mediador, este ganha o direito à retribuição. Está em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata. “Pode-se, assim, afirmar que o direito à retribuição está sujeito a condição suspensiva: a celebração do negócio. Naturalmente, que só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da atuação do mediador relevará, para este efeito.
 A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro…
Em matéria de direito à retribuição, o momento relevante é o da constituição do contrato promovido, pelo que as ocorrências supervenientes que incidam sobre a execução ou o conteúdo do contrato serão, em regra, indiferentes”.
Higina Castelo (Contrato de mediação ESTUDO DAS PRESTAÇÕES PRINCIPAIS, Dissertação de Doutoramento em Direito Privado, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, setembro de 2013, https://run.unl.pt/bitstream/10362/13121/1/Castelo_2013.pdf) define o contrato de mediação imobiliária (tipificado no diploma) como aquele pelo qual uma empresa de mediação imobiliária procura destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta ou o arrendamento dos mesmos, o trespasse ou a cessão de posição em contratos que tenham por objeto bens imóveis, mediante remuneração devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.

Como se afirma no acórdão da Relação do Porto de 25/01/2022 (Processo n.º 70/20.5T8AND.P1, Relatora Anabela Dias da Silva, disponível para consulta em www.dgsi.pt) relevante é a atividade do mediador que consiste essencialmente na prática de atos materiais, tendentes a favorecer o encontro de eventuais contraentes e a celebração do negócio em causa e essa atividade tem carácter necessariamente pluridireccional, dirigindo-se a um resultado que envolve, pelo menos, duas pessoas.
O artigo 16º n.º 2 do RJAMI estabelece que do contrato constam, obrigatoriamente, os seguintes elementos:
a) A identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam;
b) A identificação do negócio visado pelo exercício de mediação;
c) As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável;
d) A identificação do seguro de responsabilidade civil ou da garantia financeira ou instrumento equivalente previsto no artigo 7.º, com indicação da apólice e entidade seguradora ou, quando aplicável, do capital garantido;
e) A identificação do angariador imobiliário que, eventualmente, tenha colaborado na preparação do contrato;
f) A identificação discriminada de eventuais serviços acessórios a prestar pela empresa;
g) A referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente.
In casu, releva essencialmente o elemento referente à remuneração, pois que, a Autora pretende com a presente ação ser ressarcida da remuneração/comissão no valor de €9.840,00, devida com a celebração do negócio realizado pelos Réus, atenta a atividade por si desenvolvida para a sua concretização.
O contrato de mediação imobiliária é um contrato oneroso, dele devendo constar as condições da remuneração, podendo ainda ser acordado um regime de exclusividade.
Caracterizando-se ainda por ser um “contrato aleatório, só dando azo à retribuição quando tenha êxito”, pois, como refere Higina Orvalho Castelo (Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária, Anotado, Almedina, p. 126) “por força desta circunstância que coloca a remuneração na dependência da celebração do contrato visado o mediador corre um risco específico de não ser remunerado, mesmo tendo cumprido escrupulosamente a sua prestação. Daí a referida frequente classificação do contrato de mediação como aleatório (…)”.
Quanto à remuneração e ao regime de exclusividade que pode ser convencionado, dispõe o artigo 19º do RJAMI (na parte que aqui releva) que:
“1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel (…).”
No caso concreto, não releva analisar a questão da remuneração para os casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, uma vez que dos autos não decorre que tal tenha sido acordado entre as partes; pelo contrário, decorre da matéria de facto provada que a Ré recusou a assinatura de qualquer contrato de mediação imobiliária, explicando que nem ela nem o seu irmão pretendiam conferir exclusividade a nenhuma empresa imobiliária e que celebrariam o negócio com a empresa que granjeasse comprador pelo preço de €160.000,00 (ponto 5) e que, para além da Autora, a Ré tinha já acordado termos semelhantes com outras mediadoras imobiliárias, nomeadamente a “EMP02..., Lda” (ponto 6).
Releva, por isso, para o caso dos autos, atentar que a remuneração é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. Como escreve Higina Castelo (ob. cit., p. 138 e seg.) “[a] conclusão do contrato visado (e perfeito) não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para o mediador o direito à remuneração. Nas palavras de Lacerda Barata “está em causa mais do que a mera exigibilidade; é a própria constituição do direito que se trata”. Repare-se que não sendo celebrado o contrato visado (ou o contrato-promessa quando a remuneração nesse momento esteja prevista no contrato de mediação), o mediador não tem direito a ser remunerado.”
Na verdade, e apesar dos vários atos materiais praticados pelo mediador no cumprimento da sua obrigação, os quais visam a concretização do negócio em relação a um concreto imóvel, só no momento da concretização do negócio (que se exige também que seja perfeito) é que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual, em princípio, ou seja, ressalvado o caso previsto no n.º 2 do referido artigo 19º, apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração (v. o citado acórdão da Relação do Porto de 25/01/2022).
Ora, in casu sabemos que o imóvel dos Réus foi efetivamente vendido; porém essa venda não decorreu da atividade mediadora da Autora, mas de uma outra sociedade a quem o comprador contactou para esse efeito, tendo apresentado, através desta, a proposta que veio a ser aceite pela primeira Ré e pelo seu irmão. Assim, e ainda que a Autora tivesse apresentado algumas potenciais propostas aos Réus, sendo pelo menos uma no valor de €135.000,00, que a primeira Ré sempre recusou, e tivesse angariado a testemunha FF como potencial comprador, que levou a efetuar uma visita ao imóvel, elaborando a respetiva, também assinada pelo Réu, tendo recebido da parte daquele uma proposta para aquisição do imóvel no valor de €150.000,00, a verdade é que a dada altura a Autora transmitiu ao FF que a proposta não estava a ter resposta, devido à necessidade de contactar com uma pessoa residente na ... e, como a Autora não mais respondeu às citações de FF quanto à proposta por si apresentada, este verificou que o imóvel se encontrava à venda através de outra imobiliária, através da qual apresentou proposta para aquisição do imóvel, pelo valor de €155.000,00 que foi aceite pela primeira Ré e pelo seu irmão, e nessa sequência tendo sido concretizada a venda do imóvel a tal comprador, pelo preço de €155.000,00, com intermediação da empresa imobiliária EMP02..., Lda., sendo certo, conforme já referimos que não foi previsto qualquer regime de exclusividade e que, para além da Autora, a Ré tinha já acordado termos semelhantes com outras mediadoras imobiliárias, nomeadamente a “EMP02..., Lda.”
Do exposto decorre não se poder concluir, conforme sustenta a Recorrente, que foi esta quem mediou o negócio e que existe nexo de causalidade entre a atividade por si desenvolvida e a concretização do negócio visado.
Apesar da prática de atos, não resulta da matéria de facto provada que tenha sido a Autora a mediar o negócio de compra e venda celebrado pelos Réus; é aliás o nome da sociedade “EMP02..., Lda.” que consta do contrato como tendo tido intervenção de mediação imobiliária (o que foi confirmado pela testemunha GG, que referiu também ter sido recebida a respetiva comissão, nos termos já abordados aquando da reapreciação da decisão da matéria de facto).
Assim, ainda que não existisse qualquer vício ou nulidade conforme pretende a Autora (o que existe conforme iremos analisar) também não resultaria para a Autora direito à pretendida remuneração.
Veja-se ainda que caberá sempre ao mediador alegar e demonstrar que a celebração do contrato visado resultou da sua atividade, particularmente da verificação desse mesmo nexo causal, enquanto facto constitutivo do seu direito à remuneração (v. neste sentido, entre outros, o acórdão desta Relação de 13/02/2020, Processo n.º 849/18.8T8BGC.G1, Relator Alcides Rodrigues, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Conforme consta da sentença recorrida não se vislumbra sequer “qualquer atuação de má fé ou contrária aos fins sociais e económicos do direito da parte dos Réus (cfr. artigo 334.º do Código Civil) conquanto os mesmos celebraram o mesmo tipo de “acordo” com outras imobiliárias e disso deram devida conta à autora. O conluio que a autora alegou na sua petição inicial, que teria havido entre o comprador e os réus, com vista a obviar à participação da autora, cai por terra na medida em que os réus recorreram na mesma a uma imobiliária, conforme resulta da matéria de facto provada – ou seja, não se prova a negociação direta entre o comprador e os réus.
E mais se demonstrou que tal sucedeu por responsabilidade da própria autora, já que foi esta que deixou de responder às solicitações do comprador, levando este a procurar outras imobiliárias que também pudessem estar a mediar o mesmo negócio.
Tudo isto sendo perfeitamente legítimo, conquanto, não existindo contrato escrito, também não existia exclusividade acordada entre as partes, posto que a exclusividade constitui menção escrita obrigatória (artigo 16.º, n.º 2, al. g) da Lei n.º 15/2013)”.
Ora, a inexistência de contrato reduzido a escrito gera a sua nulidade não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação (artigo 16º n.º 1 e 7 do RJAMI, com as alterações pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23/08).
A sentença recorrida, como já vimos, considerou, e bem, que o contrato de mediação celebrado entre a Autora e os Réus é nulo, por inobservância da forma escrita imposta pelo referido artigo 16º.
Neste caso, a nulidade foi invocada pelos Réus, pelo que o contrato de mediação outorgado entre as partes deve ser efetivamente considerado nulo, por inobservância da forma legalmente prevista ao não ter sido reduzido a escrito; e o incumprimento de tal formalidade (não redução a escrito do contrato), geradora da nulidade, é do conhecimento da Autora desde o inicio e desde que o colaborador da Autora contactou a Ré pois, tendo sido então solicitada a assinatura de um contrato de mediação, a Ré recusou, explicando que nem ela nem o seu irmão pretendiam conferir exclusividade a nenhuma empresa imobiliária e que celebrariam o negócio com a empresa que granjeasse comprador pelo preço de €160.000,00, sendo certo que para além da Autora, a Ré tinha já acordado termos semelhantes com outras mediadoras imobiliárias (pontos 4, 5, e 6 dos factos provados).
Assim, se a Autora praticou atos de mediação e diligenciou pela promoção do imóvel e angariação de potenciais compradores, sabia que o fazia sem ter sido reduzido a escrito o contrato, não podendo desconhecer que tal facto seria gerador da nulidade, não resultando também da matéria de facto apurada que alguma vez os Réus tivessem criado na Autora a expetativa de que não invocariam tal nulidade.
A questão que agora se impõe é de saber se por força da nulidade do contrato a mediadora imobiliária tem ou não direito a receber remuneração, e, concretamente se tal direito assiste à Autora.
Vejamos.
Dispõe o artigo 289º n.º 1 do Código Civil que tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Neste sentido veio o Assento 4/95, de 28 de março de 1995 (publicado no Diário da República n.º 114/95, Série I-A, de 17/05/1995, a consultar em https://www.stj.pt/uniformizacao-de-jurisprudencia/jurisprudencia-fixada-civel-ano-1995/), atualmente com o valor de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, estabelecer que quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na ação tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no artigo 289º do Código Civil.
Esta atenuação da rigidez dos limites da condenação em processo civil estende-se, por maioria de razão, aos casos em que a nulidade do negócio, cujo cumprimento se peticiona, tenha sido invocada pelo demandado pois também nessas situações, como sucede no presente caso, o tribunal deve ponderar a condenação do demandado na restituição do que for devido, como consequência dos efeitos retroativos da nulidade (v. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/04/2021, Processo n.º 5722/18.7T8LSB.L1.S1, Relator João Cura Mariano, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Porém, a restituição do que for devido apenas existe se a atividade prestada corresponder efetivamente a um benefício da contraparte, pois não pode ser restituído aquilo que não se recebeu.
Ora, muitas vezes, nas situações de nulidade dos contratos de mediação imobiliária, ocorre exatamente a circunstância da atividade realizada pela mediadora não corresponder a um qualquer beneficio do cliente/vendedor, por não ter levado à conclusão/perfeição do negócio.
Num contrato de mediação imobiliária apesar da prestação a que a mediadora se obriga ser uma prestação de meios, a obrigação de retribuição, a cargo do cliente, está condicionada à obtenção de resultados: a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
Assim, a atividade desenvolvida pela mediadora, com vista à angariação de interessados para o negócio objeto da mediação, sem que dessa atividade resulte a concretização do negócio, em particular quando não for prevista cláusula de exclusividade, não é considerada uma atividade que, só por si, aporte vantagem ou benefício para o cliente, geradora de direito a receber uma remuneração. Como se afirma no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/04/2021 “esta é uma fatalidade com que as empresas de mediação, que são comerciantes, que exercem uma atividade comercial numa economia de mercado, têm de viver, e é nesse pressuposto que a desempenham, sendo que as percentagens cobradas sobre o valor das vendas que ajudam a concretizar têm já em conta o risco normal, a álea que é inerente a essa atividade , acautelando as situações em que o contrato de mediação não proporciona a correspetiva remuneração e apenas redunda na realização de despesas estéreis e inúteis”.
Daqui que seja nosso entendimento que, no caso de nulidade do contrato de mediação imobiliária, se o negócio mediado não se concretizou, não há que ser restituído qualquer valor à mediadora, por força do efeito retroativo da nulidade contratual; mas, se o negócio mediado efetivamente se concretiza por ação da mediadora, então, não obstante a nulidade do contrato, pode existir o dever de o cliente “restituir” o resultado bem sucedido da atividade da mediadora, pagando um valor que será equivalente à retribuição acordada (v. neste sentido Higina Castelo, “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade”, Revista de Direito Comercial on-line, 05/07/2020, p. 1451, https://www.revistadedireitocomercial.com/contratos-de-mediacao-imobiliaria-simples-e-com-exclusividade, considerando que “declarada a sua nulidade, haverá que ter em consideração o disposto no art. 289, n.º 1, do CC: a nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Ora, tendo sido prestada com êxito a atividade de mediação, e tendo o cliente celebrado o contrato visado graças à atuação da mediadora, creio que o melhor critério para aferir o valor do que foi prestado é fazê-lo corresponder à remuneração acordada, pois foi esta que o cliente entendeu que a atividade bem sucedida da mediadora para si valia”).
No caso dos autos, como já vimos, provou-se que a Autora angariou interessados, tendo apresentado algumas potenciais propostas aos Réus, sendo pelo menos uma no valor de €135.000,00, que a Ré sempre recusou, e angariou a testemunha FF como potencial comprador, que levou a efetuar uma visita ao imóvel, tendo recebido da parte daquele uma proposta para aquisição do imóvel no valor de €150.000,00, a verdade é que a venda do imóvel veio a ocorrer não como consequência da atividade mediadora da Autora, mas de uma outra sociedade a quem o comprador, em face da postura da Autora (que a dada altura transmitiu ao FF que a proposta não estava a ter resposta, devido à necessidade de contactar com uma pessoa residente na ... e, não mais respondeu às citações daquele) contactou outra imobiliária para esse efeito, tendo apresentado através desta a proposta que veio a ser aceite pela primeira Ré e pelo seu irmão.
E, foi na sequência da atividade de outra mediadora que foi concretizada a venda, constando a sua intervenção no contrato de compra e venda, inexistindo nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pela Autora e a concretização do negócio.
A prestação realizada pela Autora foi, por isso, apenas a de promoção da venda do imóvel, não tendo resultado da sua atividade a concretização do negócio, pelo que se não pode afirmar que da atividade desenvolvida tenha resultado um benefício para os Réus, não sendo o reconhecimento da nulidade do contrato de mediação gerador de qualquer dever de restituição por parte dos Réus.
E, neste sentido, concordamos com o decidido na sentença recorrida de que “o negócio definitivo foi celebrado, mas não por atuação da autora, e sim pela atuação de outra imobiliária, o que era perfeitamente lícito e legítimo da banda dos réus.
Inexiste matéria de facto que permita sustentar qualquer atuação contrária à boa fé da parte dos réus, antes se extraindo que foi a autora que quis assumir o risco de efetuar ações de angariação sem ter o contrato escrito celebrado.
Assim, não é lícito determinar a restituição de quaisquer valores pelos réus, na medida em que tal seria permitir que, por via da nulidade, a autora acabasse a receber mais do que receberia caso o contrato fosse válido, posto que este, em última análise, não foi sequer cumprido – i.e., não culminou com a venda do imóvel”.
De facto, não faria qualquer sentido que, por força da nulidade do contrato, a Autora obtivesse aquilo a que (como já vimos) não teria direito se o contrato fosse válido.
Importa, por último, fazer apenas uma breve referência ao acórdão desta Relação de 17/09/2017 (Processo n.º 262/16.1T8VCT.G1, Relator António Figueiredo de Almeida) citado pela Recorrente e subscrito pela aqui Relatora como Adjunta, e em cujo sumário se pode ler que “2. O direito da mediadora à retribuição acordada no âmbito de um contrato de mediação imobiliária pressupõe, por regra e sem prejuízo das exceções previstas na lei, que a mediadora tenha desenvolvido uma concreta atividade no sentido de angariar um interessado para a celebração do negócio, que o negócio visado pelo contrato de mediação tenha sido concretizado e que este negócio tenha sido celebrado com um terceiro angariado pela mediadora, de tal modo que se possa afirmar que a conclusão do contrato foi o resultado da atividade desenvolvida pela mediadora em virtude de esta se integrar na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido, ainda que não tenha sido a única causa”, entendimento que aqui também sufragamos.
Contudo, a questão que aqui se coloca é que a Autora não demonstrou que a concretização do contrato foi o resultado da atividade por si desenvolvida; pelo contrário, ficou provado que o negócio se concretizou como resultado da atividade de outra mediadora.
A situação dos autos não é similar à que se encontrava em discussão no referido processo onde foi proferido o citado acórdão; neste (e nem sequer estava em causa um contrato nulo por falta de forma) a mediadora diligenciou pela promoção do imóvel, através da sua publicitação em jornal, através de placas publicitárias no imóvel, bem como a inserção do mesmo no sítio de internet da autora, acompanhando a visita de vários interessados, potenciais compradores, agendando visita com um potencial comprador, a qual teve lugar em 07/02/2015, que manifestou interesse no imóvel, tendo o vendedor por e-mail de 26/02/2015, denunciado o contrato de mediação imobiliária e tendo posteriormente em 25/06/2015, celebrado contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, com aquele comprador.
Ora, no caso dos autos, o que resultou demonstrado é que a Autora angariou FF como potencial comprador, tendo este efetivamente efetuado uma visita, mas tendo a Autora transmitido que a proposta não estava a ter resposta, devido à necessidade de contactar com uma pessoa residente na ..., não mais respondeu às citações de FF quanto à proposta por si apresentada, este verificou que o imóvel se encontrava à venda através de outra imobiliária, apresentando proposta através desta, que foi aceite pela Ré e pelo seu irmão, tendo sido concretizada a venda do imóvel a tal comprador com intermediação dessa outra empresa imobiliária. Assim, e ao contrário do que se refere naquele acórdão, nos presentes autos não é possível afirmar que a conclusão do contrato de compra e venda foi o resultado da atividade desenvolvida pela Autora.
Na verdade, independentemente da atividade desenvolvida pela Autora sempre o comprador FF (que conforme declarou agendou com a outra imobiliária visita ao imóvel, apresentando proposta) teria adquirido o imóvel.
Em face de todo o exposto, improcede, pois, a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida.
As custas são da responsabilidade do Recorrente atento o seu integral decaimento (artigo 527º do CPC).
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 6 de junho de 2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Paulo Reis (1º Adjunto)
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira (2ª Adjunta)