EMBARGOS DE EXECUTADO
INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
TÍTULO INEXEQUÍVEL
Sumário


1 – Tanto a inexequibilidade do título como a inexigibilidade da obrigação exequenda constituem fundamentos de oposição à execução baseada em sentença.
2 – Prevendo o título uma prestação que incumbe ao credor exequente, este tem de alegar e provar que efetuou a sua prestação através de prova complementar do título.
3 – Baseando-se a execução em sentença homologatória de transação, na qual se previa que o exequente teria direito à quantia de € 4.300 «após a realização de todos os trabalhos», verificada por duas pessoas, e que o não cumprimento das obrigações assumidas na transação, por qualquer uma das partes, «implica o vencimento de uma cláusula penal/garantia no valor de € 5.000,00», não estando provado que todos os trabalhos foram realizados, que isso foi verificado nos termos clausulados e que os executados incumpriram obrigações assumidas na transação, a prestação executiva, no valor global de € 9.300, não é exequível por falta de exigibilidade, o que conduz à extinção da execução.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa (execução de decisão judicial condenatória) que AA move a BB e CC, vieram os Executados deduzir oposição mediante embargos, pedindo que seja julgada extinta a execução.
Para o efeito, alegaram que na execução paralela e cruzada, com inversão das posições processuais, intentada pelos ora Embargantes contra o aqui Embargado, igualmente com base na sentença que homologou a transação judicial na ação declarativa, foi já decidido que tal sentença não constitui título executivo. Aduzem que, tendo em conta o já decidido no âmbito do processo 2055/23...., os Executados, sob pena de ficarem prejudicados face a decisões totalmente opostas, não podem deixar de invocar a falta de título executivo para a propositura da presente execução, e, por via disso, reclamar a extinção da instância executiva.
Mais alegaram não ter incumprido qualquer das obrigações assumidas na transação homologada pela sentença dada à execução e que quem não cumpriu com as obrigações assumidas na transação homologada por sentença foi o ora Embargado/Exequente, pelos motivos que expõem.

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Contestou o Exequente, concluindo pela improcedência dos embargos, alegando que existe título executivo por na execução estar em causa o incumprimento pelos Executados da cláusula IV, al. c), da transação, correspondente à falta de pagamento do valor de € 4.300,00, devido após a realização de todos os trabalhos.
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1.2. Findos os articulados, proferiu-se decisão a julgar «procedente a excepção de falta de título executivo alegada pelos Embargantes e, consequentemente:

i) Julg[ar] extinta a execução de que os presentes Embargos de Executado são apenso;
ii) Orden[ar] o levantamento das penhoras que tenham sido realizadas».
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1.3. Inconformado, o Embargado interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«A. Vislumbrando o requerimento executivo, denota-se que os Executados não procederam ao pagamento ao Exequente da quantia de €4.300,00 (quatro mil e trezentos euros), incumprindo a Transação/Sentença.
B. Deverá considerar-se que existe título executivo.
C. No dia 10.05.2022, o Exequente e Executados transigiram no âmbito do processo nº 1542/21...., que correu termos no Juiz ..., do Juízo Local Cível de ..., do Tribunal da Comarca de Braga, na qual acordaram pôr termo ao litígio a que se reportava aqueles autos, nos termos da seguinte transação.
D. O credor encontra-se munido de um título com força executiva, mas como, apesar disso, a existência da obrigação depende da prova da verificação da condição, tem ele de fornecer essa prova no momento em que inicia a execução.
E. Vislumbrando o requerimento executivo e a contestação aos embargos de executado, o Recorrente ofereceu toda a prova a ser produzido em sede de julgamento.
F. Como decorre do disposto no art.º 1248º do CC, a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões e que, naturalmente, podem envolver a constituição de obrigações para uma ou ambas as partes.
G. Em causa, apenas, se a obrigação já era exigível, dependendo do decurso da conclusão das obras que as partes haviam estipulado para o cumprimento fixado na transacção.
H. O que almeja o Recorrente provar em sede de audiência de julgamento, é que já era exigível receber a quantia acordada, e com base nesse facto, ser indemnizado pelo valor fixado na cláusula penal.
I. O Recorrente almejava provar em sede de julgamento que realizou todos os trabalhos.
J. A Douta Sentença em apreço violou o art. 10º, nº 5 e 713º do CPC e 781º e 805º do C.C., e outros preceitos legais.
NESTES TERMOS e nos mais e melhores de Direito que V/ Ex. as doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente por provado e, em consequência, deverá ser revogada a Douta Sentença ora recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos, com as demais consequências legais.»
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Os Embargantes apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido.
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1.4. Questão a decidir

Atentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, importa apreciar se existe ou não título executivo relativamente à quantia cujo pagamento o Exequente exigiu na execução.
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II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto

Na decisão recorrida julgaram-se demonstrados os seguintes factos:
«A) O Exequente AA instaurou contra [os Executados] BB e CC a execução para pagamento da quantia de 9 608,83 € (nove mil seiscentos e oito euros e oitenta e três cêntimos).
B) No requerimento executivo expôs o seguinte:
«Factos:
1 – Por Transação/Douta Sentença proferida no âmbito do Processo 1542/21...., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de ... - Juiz ..., transitada em julgado no dia 09/06/2022, ficaram os executados, CC e BB, obrigados a pagar ao exequente AA, da seguinte forma:
"CLÁUSULA IV
Os Autores, por conta de todos os trabalhos já realizados e a realizar no âmbito desta transação comprometem-se a pagar ao Réu a quantia total de €13.600,00, da seguinte forma:
a) €5.000,00 (cinco mil euros) no dia do início dos trabalhos;
b) €4.300,00 (quatro mil e trezentos euros) no dia em que terminar a aplicação do piso;
c) €4.300,00 (quatro mil e trezentos euros) após a realização de todos os trabalhos.
A verificação dos factos referidos nas alíneas b) e c) será efetuado pelo Sr. Arquiteto DD e por pessoa a designar pelo Réu.
2 - Ficando ainda acordado entre exequente e executados, o seguinte:
"CLÁUSULA V
O não cumprimento das obrigações assumidas nesta transação, por qualquer uma das partes, implica o vencimento de uma cláusula penal/garantia no valor de €5.000,00 (cinco mil euros)."
2 - Sendo certo que, os trabalhos de reparação foram todos realizados até ao dia 30 de Setembro de 2022.
3 - Sucede que, os executados não pagaram ao exequente €4.300,00 (quatro mil e trezentos euros) após a realização de todos os trabalhos, bem como, a cláusula penal
de €5.000,00 (cinco mil euros), pelo não cumprimento das obrigações assumidas.
4 - Porém, apesar das inúmeras insistências por parte do exequente para que o seu crédito fosse pago, os executados recusam-se a cumprir tal obrigação, sendo o presente requerimento executivo o único meio de que o exequente dispõe para efetivar o seu direito.
5 - Assim sendo, o crédito do exequente ascende à quantia global de € 9.300,00 (nove mil e trezentos euros), montante esse, a que deverá ser acrescido o valor correspondente aos juros vincendos até ao efectivo e integral pagamento.»
C) Como título executivo foi junta a sentença homologatória de transacção proferida no âmbito do Processo Comum n.º 1542/21...., Juízo Local Cível de ... - Juiz ..., transacção essa o qual foram estipuladas as seguintes cláusulas:
«CLÁUSULA I
O Réu reconhece, por referência ao artigo 12.º da Petição Inicial, todos os pontos de 1) a 3.23, com exceção do ponto 1.7 e 3.7, com os seguintes esclarecimentos:
- No ponto 1.16 deve acrescentar-se, nomeadamente “retificar rodapés e aros de
portas”.
- Deve acrescentar-se aos pontos atrás referidos os seguintes pontos:
3.24: trocar primeira gaveta da cozinha;
3.25: trocar teto do WC exterior.
- No ponto 3.16 deve eliminar-se a expressão “e pintura dos tubos de eletricidade”.
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CLÁUSULA II
Os Autores aceitam que em substituição das patologias referentes aos pontos 1.13 e 1.14 (referentes aos materiais cerâmicos) o Réu substitua todo o soalho existente por pavimento vinílico, com a espessura de 6 a 9 milímetros, em cor que os Autores escolherão no prazo de 10 dias, depois de o Réu lhes enviar o catálogo com as referências.
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CLÁUSULA III
Todos os trabalhos de reparação referidos nas cláusulas anteriores serão realizados no máximo até ao dia 30 de setembro de 2022. O início dos trabalhos deverá ser comunicado pelo Réu aos Autores com 10 dias de antecedência, para o e-mail Mandatário dos Autores.
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CLÁUSULA IV
Os Autores, por conta de todos os trabalhos já realizados e a realizar no âmbito desta transação comprometem-se a pagar ao Réu a quantia total de €13.600,00, da seguinte forma:
a) €5.000,00 (cinco mil euros) no dia do início dos trabalhos;
b) €4.300,00 (quatro mil e trezentos euros) no dia em que terminar a aplicação do piso;
c) €4.300,00 (quatro mil e trezentos euros) após a realização de todos os trabalhos.
A verificação dos factos referidos nas alíneas b) e c) será efetuado pelo Sr. Arquiteto DD e por pessoa a designar pelo Réu.
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CLÁUSULA V
O não cumprimento das obrigações assumidas nesta transação, por qualquer uma das partes, implica o vencimento de uma cláusula penal/garantia no valor de €5.000,00 (cinco mil euros).
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CLÁUSULA VI
As custas em dívida serão suportadas por Autores e Réu em partes iguais.»
D) Os ora Embargantes instauraram contra o ora Embargado/Exequente a execução que correu termos sob o Proc. 2055/23...., deste Juízo de Execução de ..., Juiz ..., apresentando como título executivo a mesma sentença homologatória que consubstancia o título oferecido à execução de que estes Embargos de Executado são apenso.
E) No âmbito da execução referida em D) os ora Embargantes, e aí Exequentes, alegaram que o ora Embargado/Exequente, e aí Executado, não prestou todos trabalhos a que ficou obrigado na sentença e que os que prestou tinham sido fora dos prazos estipulados, peticionando o pagamento coercivo da quantia de €5.000,00 estabelecida como cláusula penal.
F) O aqui o aqui Embargado/Exequente deduziu oposição a essa execução, tendo nesses embargos sido proferida sentença, devidamente transitada em julgado, pela qual foi julgada verificada a exceção dilatória de falta de título executivo para a propositura da execução e, por via disso, declarada extinta a instância executiva.»
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2.2. Do objeto do recurso

O título dado à execução é a sentença homologatória da transação realizada pelas partes em 10.05.2022, no âmbito da ação declarativa, sob forma de processo comum, com o nº 1542/21...., cujo teor se reproduziu em 2.1. – C).
A execução foi instaurada para pagamento da quantia de € 9.300,00 (nove mil e trezentos euros), correspondente à soma da quantia € 4.300,00, prevista na alínea c) da cláusula IV da transação, com a quantia de € 5.000,00, relativa à cláusula penal ou de garantia prevista na cláusula V do mesmo contrato de transação.
Na decisão recorrida, a Mma. Juiz considerou que do título oferecido à execução não resulta que a obrigação exequenda se mostre vencida, pois que esse vencimento ficou sujeito a uma condição consistente no termo dos trabalhos e a sua verificação pelas pessoas aí indicadas, o qual, sendo de verificação necessariamente posterior à sentença, não resulta por esta acertado.
No recurso alega-se que está apenas em causa saber «se a obrigação já era exigível, dependendo do decurso da conclusão das obras que as partes haviam estipulado para o cumprimento fixado na transacção», «[o] que almeja o Recorrente provar em sede de audiência de julgamento, é que já era exigível receber a quantia acordada, e com base nesse facto, ser indemnizado pelo valor fixado na cláusula penal.» Reforça, sob a conclusão I das suas alegações, que «[o] Recorrente almejava provar em sede de julgamento que realizou todos os trabalhos.»

De harmonia com o disposto no artigo 729º, alíneas a) e e), do CPC, tanto a inexequibilidade do título como a inexigibilidade da obrigação exequenda constituem fundamentos de oposição à execução baseada em sentença.
A inexequibilidade é um conceito amplo e que conflui com a falta de condições materiais de realização coativa da prestação. O título é inexequível quando não satisfaz os requisitos exigidos pela lei para ter eficácia executiva.
A obrigação exequenda deve ser exigível, sendo esta uma qualidade substantiva do direito à prestação exercido pelo exequente e traduz-se na verificação do facto do qual depende o cumprimento, como sejam a ocorrência da condição, o decurso do prazo de vencimento, a interpelação pelo credor ou a realização de contraprestação.
Assim, a exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após interpelação ao devedor[1].
Não sendo a obrigação exigível, a execução é extinta, por falta de condição material da realização coativa da obrigação que se pretendia executar.
No caso dos autos, o vencimento da obrigação prevista na alínea c) da cláusula IV da transação, relativa ao pagamento da quantia de € 4.300,00, ficou sujeita à condição de o Exequente realizar todos os trabalhos previstos na transação e que tal facto fosse verificado «pelo Sr. Arquiteto DD e por pessoa a designar pelo Réu.»
Compulsado o requerimento executivo e respetivos documentos, constata-se que não foi junto qualquer documento que prove que o Exequente realizou todos os trabalhos e muitos menos que isso foi verificado nos termos clausulados. 
A simples circunstância de o Autor reconhecer que pretende provar em sede de julgamento, no âmbito dos presentes autos, que realizou todos os trabalhos, evidencia que não demonstrou na execução a verificação da condição de que dependia a exigibilidade da quantia de € 4.300,00, a qual apenas era devida após a conclusão de todos os trabalhos. Consequentemente, também não está demonstrado o pressuposto do vencimento da cláusula penal ou de garantia, que assentava no «não cumprimento das obrigações assumidas nesta transação, por qualquer uma das partes».
Do título executivo dos autos, consistente numa sentença homologatória da transação, não decorre a imediata exequibilidade da pretensão do Exequente. Dependia da verificação de um facto, previsto no título, mas necessariamente de ocorrência posterior. Quer dizer, a prestação no valor de € 4.300,00, prevista na alínea c) da cláusula IV da transação, só seria exigível se e quando o ora Exequente cumprisse a sua obrigação de realização de todos os trabalhos, enquanto evento materialmente condicional; aliás, as partes na transação ainda estipularam uma segunda condicionante relativa à forma como se demonstrava o cumprimento da obrigação a cargo do Exequente, traduzida na verificação da realização dos trabalhos por duas pessoas.
Como é óbvio, quando foi proferida a sentença homologatória a obrigação de pagamento da quantia de € 4.300,00 não era ainda exequível por falta de exigibilidade.
Portanto, no quadro da causa de pedir da execução, não bastava a existência da sentença homologatória da transação; era indispensável provar o facto complementar relativo à exigibilidade da prestação cuja realização coativa o Exequente pretendia. O credor, ao instaurar a execução, não fez a demonstração da ocorrência do facto que condicionava a exigibilidade.
Em resumo, estando em causa a execução de transação judicial homologada por sentença, onde se estabelecia uma prestação que incumbia ao credor exequente, este tinha de alegar e provar que efetuou a sua prestação através de prova complementar do título.
Como a exigibilidade é, em face do artigo 713º do CPC, é um elemento integrativo da causa de pedir executiva, a sua falta conduz à extinção da execução.
Não estando demonstrado o incumprimento por parte dos Executados, é igualmente inexequível o título quanto à obrigação prevista na cláusula V da transação.

Pelo exposto, improcede a apelação.
Decaindo totalmente no recurso, o Recorrente é responsável pelas custas (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
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Guimarães, 06.06.2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
José Carlos Dias Cravo
Alexandra Rolim Mendes


[1] Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL Editora, pág. 230.