CASO JULGADO
CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE DEFESA
PRECLUSÃO
Sumário


I - O caso julgado material tem uma função negativa e uma função positiva.
II - A função negativa opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada em julgado – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
III - A função positiva, traduzindo essencialmente a autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
IV - Cabe ao réu concentrar todos os meios de defesa na contestação (art. 573º, n.º 1, do CPC), não podendo, por efeito da preclusão, invocar em nova acção exceções (factos impeditivos, modificativos ou extintivos) que deixou de deduzir na ação anterior.
V - Procedendo uma acção em que os autores invocaram, entre o mais, a confinãncia entre dois prédios rústicos, um dos AA. e outro dos RR., delimitados por um muro divisório comum, com a existência de uma abertura no dito muro que dava (diretamente) para o terreno dos autores, a qual foi objeto de alargamento, sem autorização daqueles, o que determinou o reconhecimento do direito de exigir ao R. a reposição da abertura nas dimensões que tinha antes de a alargar, por força do efeito preclusivo do caso julgado não pode o ali réu vir agora a demandar aqueles, em outra acção, invocando que a dita abertura, afinal, deita diretamente para uma parcela de terreno pública, e não para o prédio dos AA. da anterior ação.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

AA e marido, BB, propuseram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e marido, DD, peticionando:

1. A declaração dos autores como donos e legítimos possuidores do prédio urbano identificado sob o art. 2.º da petição inicial, o qual constitui a casa de morada de família, verificando-se em relação a ela o disposto no n.º 2 do art. 1682.º-A do Cód. Civil;
2. A declaração que os muros de vedação nascente, sul e poente do prédio dos autores fazem parte integrante, em regime de exclusividade, do seu prédio identificado sob o art. 2.º da petição inicial, por terem sido construídos pelos anteriores possuidores de tal prédio e/ou por efeito de usucapião;
3. A declaração que a abertura existente no muro de vedação sul do referido prédio, tenha ela 2,00 ou 3,20 metros de largura, deita diretamente apenas e só para aquela rampa traçada sobre terreno de natureza pública, identificada sob os artigos 18.º a 23.º e 28.º da petição inicial, existente no exterior dessa abertura;
4. A declaração que a abertura com 2,00 metros de largura é insuficiente para os autores por ali passarem com veículos, tratores e alfaias agrícolas e para satisfazer os fins a que se destina, designadamente para girarem a empresa que têm instalada no logradouro do seu prédio urbano;
5. A declaração do direito dos autores a alterar a largura de tal abertura de 2,00 para 3,20 metros e de passar por tal abertura, independentemente de quem seja o dono do terreno para onde deita tal abertura, por se verificar o disposto nos arts. 1251.º e seguintes, 1268.º e seguintes e por se verificarem os requisitos dos artigos 1550.º e 1568.º do Cód. Civil;
6. A declaração de que a parcela de terreno com cerca de 100,00 m2 identificada sob os artigos 27.º a 32.º da petição pertence, em propriedade e posse, à União das Freguesias ... e ..., não fazendo parte do prédio dos réus identificado sob o art. 24.º da petição, devendo proceder-se à sua delimitação;
7. A condenação dos réus no reconhecimento do peticionado sob os pontos 1., 2., 3., 4., 5. e 6. do pedido e a absterem-se de praticar quaisquer factos que impeçam, perturbem ou dificultem a passagem dos autores pela referida abertura com 3,20 metros de largura ou com qualquer outra largura;
8. A condenação dos réus no pagamento aos autores de uma indemnização no montante de 2.500,00€ pelos danos causados.
9. A condenação dos réus no pagamento aos autores de uma indemnização a liquidar em execução de sentença relativamente aos danos referidos sob os artigos 44.º e 45.º da petição.
Formularam, ainda, pedido de intervenção principal da União das Freguesias ... e ....

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Citados, os RR. apresentaram contestação, na qual invocaram, entre o mais, a exceção de caso julgado, uma vez que correu termos já o processo n.º 316/08.8TBEPS onde se conheceu do objeto dos pedidos aqui deduzidos em 2) a 8) (ref.ª ...08).
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Na pendência da presente ação, correu termos a execução para prestação de facto da condenação proferida no processo n.º 316/08.8TBEPS, execução essa à qual foi atribuído o n.º ......, sendo que nessa ação a agora autora AA deduziu oposição à execução mediante embargos de terceiro.
Nessa sequência, por despacho de 26/10/2020, a presente ação foi suspensa, tendo-se considerado aquela prejudicial face a esta (ref.ª ...83).
Transitou já em julgado a decisão final proferida nos referidos embargos de terceiro, que foi de improcedência do pedido deduzido.
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As partes foram notificadas para se pronunciarem quanto aos efeitos da decisão proferida sobre os presentes autos (ref.ª ...74).
Havia igualmente já sido concedido o contraditório quanto às exceções deduzidas na contestação.
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Datado de 18/12/2023, foi proferido despacho saneador (ref.ª ...45), nos termos do qual foi decidido:

«a) Declarar a exceção dilatória de caso julgado e, em consequência, absolver os réus da instância quanto aos pedidos formulados em 1) a 7) quanto à autora AA.
b) Declarar a exceção dilatória de caso julgado e, em consequência, absolver os réus da instância quanto aos pedidos deduzidos em 2), 4), 5) e 7) na parte respetiva, quanto ao autor BB;
c) Julgar procedente a exceção de caso julgado e, em consequência, absolver os réus dos pedidos formulados 3), 6) e 7), na parte respetiva, quanto ao autor BB.
d) Considerando o exposto em a) a c) mais de decide julgar improcedentes os pedidos indemnizatórios formulados em 8) e 9) e, em consequência, absolver os réus dos pedidos nesta parte».
Mais foi decidido não admitir o incidente de intervenção principal da União das Freguesias ... e ... como associada dos autores.
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Inconformados, os autores interpuseram recurso desse despacho saneador (ref.ª ...46) e, a terminar as respetivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«(…)
1. Na sentença proferida na ação que seguiu termos com o Proc. n.º 316/08.8TBEPS, o Tribunal decidiu:
a) Declarar que os autores e interveniente são os únicos e universais herdeiros do falecido EE;
b) Declarar que da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE fazem parte os prédios melhor descritos nos pontos 4 e 5 dos factos provados, condenando os réus a reconhecer tal facto.
c) Absolver os réus do restante peticionado.
2. No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 3/4/2014, decidiu-se alterar a decisão da primeira instância, condenando-se, no que ora releva, o réu BB a repor a abertura existente no muro que delimita o seu prédio do prédio da herança referida em 9), em 2 metros, decisão esta confirmada por acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2014, tendo-se ali confirmado o demais decidido naquela sentença.
3. Na referida ação, apesar de pedido pelos autores (cfr. pedido em conjugação com documento ... junto com a p.i. dessa ação) não foi julgado que a parcela de terreno com 100,00 m2, incluindo a rampa pavimentada em cubos de granito, em causa na presente ação, faz parte integrante do prédio urbano, dos ali autores, composto por palheiro em ruínas, sito no lugar ..., Freguesia ..., com 96 m2 de área coberta e 71 m2 de área descoberta, a confrontar a norte com BB, a sul e poente com FF, e a nascente com caminho, assim descrito na supra referida Conservatória sob o n.º ...18.
4. Pelo contrário, conforme decorre da sentença e da fundamentação da decisão de facto de tal ação, o que ali foi efectivamente julgado é que tal parcela de terreno, situada no exterior nascente de tal prédio, é considerado caminho e não faz parte de tal prédio urbano, tudo conforme melhor se deixou explanado no corpo das presentes alegações para onde, por uma questão de economia processual, remetemos.
5. Os réus foram absolvidos relativamente ao pedido dessa ação onde se pedia que o Tribunal julgasse que tal parcela de terreno integrava a configuração do prédio ... (ali diz-se propriedade 1) na planta/documento ... junto com a p.i. dessa ação e que, por isso, era parte integrante desse prédio urbano e onde se pedia que os réus fossem condenados a reconhecer tal factualidade.
6. Daí que, até na sequência do decidido nessa ação que seguiu termos com o Processo n.º 31/08...., assiste aos autores BB e mulher AA e á União das Freguesias ... e ... o direito de demandarem judicialmente os réus da presente ação nos termos dos pedidos formulados em 6. e 7. da presente ação, desde logo por aplicação do art. 31.º do CPC e do art. 52.º da Constituição da República Portuguesa.
7. Ao julgar verificada a exceção de caso julgado e de autoridade de caso julgado quanto a tais pedidos formulados em 6. e 7. da presente ação, ao não admitir a intervenção da União das Freguesias ... e ..., do concelho ... em defesa daquele bem público que é a parcela de terreno com 100,00m2 de área, identificada sob os artigos 27.º a 32.ºda petição inicial e ao absolver os réus de tais pedidos 6. e 7, e dos que por inerência se devem manter, o Tribunal incorreu em erro na interpretação da sentença e em erro na interpretação do acórdão proferido naquela ação com o Proc. n.º 316/08...., tendo ainda incorrido em erro de julgamento e violado, por aplicação indevida, os artigos 580.º e 581.º do CPC, bem como os artigos 52.º da CRP e 31.º do CPC.
E, em conformidade, julgando procedente a apelação, revogando a douta sentença proferida e ordenando o prosseguimento dos autos para conhecimento do objeto da ação,
FARÃO, VOSSAS EXCELÊNCIAS, JUSTIÇA.».
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Contra-alegaram os Réus (ref.ª ...80), concluindo pelo não provimento do recurso interposto e confirmação da decisão recorrida; para o caso de assim não se entender, procederam à ampliação do objeto do recurso, pugnando pelo conhecimento e declaração, nos termos do disposto no art. 636º do CPC, da “excepção da ilegitimidade dos Autores/ Recorrentes para formularem os pedidos constantes em 6) e 7) da PI com a consequente absolvição dos recorridos da instância com as legais consequências (…)”.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...57).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em aferir:
i) Da (in)verificação da excepção de caso julgado e da autoridade de caso julgado quanto aos pedidos formulados nos itens 6. e 7.;
ii) Da admissão do incidente de intervenção de terceiros.
iii) Da (i)legitimidade activa (ampliação do objeto do recurso deduzida pelos RR.).
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

O despacho saneador/sentença deu como provados (“por documento com força probatória bastante”) os seguintes factos:
1) Correu termos neste Tribunal o processo nº 316/08.8TBEPS em que eram autores, de entre o mais, GG e BB, na qualidade de herdeiros de EE, e réus:
1º Junta de Freguesia ...,
2º BB,
3º HH e
4º II,
2) Em que peticionavam:
 - que se declare que os autores são herdeiros do falecido EE, que as áreas e limites dos prédios da herança são os alegados e representados no documento nº ... e que entre os dois prédios inexistia qualquer estrada ou caminho público, demarcando-se os referidos prédios dos prédios confinantes;
- que se declare que os prédios referidos em 3º da p.i. integram a herança de EE;
- que se condene a 1ª ré a restituir à herança a parcela de terreno que ilicitamente ocupou e detém com a construção da referida estrada e a restituir os prédios da herança à configuração em que se encontravam antes de ter procedido às operações de aterro e desaterro e a retirar a calçada que nos mesmo aplicou;
- que se condene o 2º réu a fechar a abertura que edificou no muro divisório que delimitava o seu prédio do prédio da herança, bem como a não mais devassar os prédios da herança, não os utilizando para efectuar acessos ao seu prédio;
- que se condene o 3º réu a restituir à herança a parcela de terreno do prédio referido em 3 a) de que se apropriou, bem como a demolir o muro que edificou, de modo a permitir o acesso exterior pelo sul e poente da construção actualmente em ruínas;
- que se condene o 3º réu a fechar a abertura que edificou no seu prédio e a não mais utilizar os prédios da herança para efectuar acessos à sua propriedade;
- que se declare a nulidade das descrições prediais nº ...59 e ...61º da Freguesia ... e se ordene à Conservatória do Registo Predial ... que proceda ao cancelamento das mesmas.
3) A ação veio a ser julgada parcialmente procedente e, em primeira instância, decidiu-se:
a) Declarar que os autores e interveniente são os únicos e universais herdeiros do falecido EE;
b) Declarar que da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE fazem parte os prédios melhor descritos nos pontos 4 e 5 dos factos provados, condenando os réus a reconhecer tal facto.
4) Aí julgou-se como provado que:
1. Por escritura pública de 14 de Março de 2006, exarada de fls. 17 a fls. 18 no livro de notas para escrituras diversas n.º ...7-A, do Cartório Notarial ... de JJ, com certidão junta como documento n.º ... junto com a petição inicial, cujo conteúdo se dá por reproduzido, KK declarou nomeadamente, em simultâneo com a apresentação das correspondentes certidões, que EE falecera em ../../2005, sucedendo-lhe a declarante, LL, GG, MM, BB, NN, OO, CC, e PP como únicos e universais herdeiros - al. a) da Matéria de Facto Assente.
2. Por escritura pública de 21 de Dezembro de 1959, exarada de fls. 64 a fls. 66 no livro n.º ...57-A, do Cartório Notarial ... de QQ, com certidão junta como documento n.º ... junto com a petição inicial, cujo conteúdo se dá por reproduzido, RR e EE declararam nomeadamente, em divisão de diversos bens imóveis comuns aí melhor identificados, adjudicar a EE, nomeadamente, um cortelho de lavradio, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz no artigo ...00.º, que confronta de norte com SS, do sul com caminho, do nascente com TT, e do poente com UU - al. b) da Matéria de Facto Assente.
3. E um cortelho de mato, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz no artigo ...01.º, que confronta de norte e nascente com SS, do sul com caminho, e do poente com UU - al. c) da Matéria de Facto Assente.
4. EE e a interveniente ao lado do autor KK são titulares da última inscrição de aquisição, por divisão de coisa comum, na Conservatória do Registo Predial ..., respeitante ao prédio urbano, sito no lugar ..., Freguesia ..., composto de palheiro em ruínas, com 96 m2 de área coberta e 71 m2 de área descoberta, a confrontar a norte com BB, a sul e poente com FF, e a nascente com caminho, assim descrito na supra referida Conservatória sob o n.º ...18 - al. d) da Matéria de Facto Assente.
5. EE e a interveniente ao lado do autor KK são titulares da última inscrição de aquisição, por divisão de coisa comum, na Conservatória do Registo Predial ..., respeitante ao prédio rústico, no sítio do ..., Freguesia ..., composto de terreno de eucaliptal, com 200 m2 de área, a confrontar a norte sul e poente com caminho, e a nascente com Ribeiro ..., assim descrito na supra referida Conservatória sob o n.º ...18 - al. e) da Matéria de Facto Assente.
6. EE e a interveniente ao lado do autor KK são titulares da última inscrição de aquisição, por divisão de coisa comum, na Conservatória do Registo Predial ..., respeitante ao prédio rústico, sito no lugar ..., Freguesia ..., composto de terreno de regadio, com 187 m2 de área, a confrontar a norte com Junta de Freguesia ..., do sul e poente com caminho, e a nascente com II, assim descrito na supra referida Conservatória sob o n.º ...18 - al. f) da Matéria de Facto Assente.
7. Para proceder às descrições referidas em 4, 5 e 6, foram apresentados o requerimento e cópia de declaração apresentada na Repartição de Finanças juntos por certidão como documento n.º ...0 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando do requerimento nomeadamente que “no prédio a que se refere a verba n.º 4 foi aberto um caminho pela Junta de Freguesia ..., dando origem a dois prédios distintos”, e na declaração apresentada na Repartição de Finanças que o prédio sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., a que foi atribuído nas novas matrizes o art. ...16.º “é atravessado por um caminho ficando dois prédios completamente distintos” - al. f) da Matéria de Facto Assente.
8. Desde a data da escritura referida em 2 que os autores e intervenientes ao lado dos autores, todos herdeiros de EE, e, em vida, também este, têm usufruído todas as utilidades respeitantes ao prédio descrito no ponto 2 dos factos provados, tudo fazendo à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição de ninguém, e na convicção de não prejudicarem quem quer que seja, e de serem os donos do referido prédio - resposta ao quesito 1º da Base Instrutória.
9. Desde a data da escritura referida em 2 que os autores e intervenientes ao lado dos autores, todos herdeiros de EE, e, em vida, também este, têm usufruído todas as utilidades proporcionadas pelo prédio descrito no ponto 3, o qual confronta actualmente do norte com BB, do sul e poente com FF e do nascente com caminho, tudo fazendo à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição de ninguém, e na convicção não prejudicarem quem quer que seja e de serem os donos do referido prédio - resposta ao quesito 2º da Base Instrutória. (…)
12. O réu BB frui todas as utilidades proporcionadas por um prédio que confina a norte com o referido no ponto 9 e alargou para os 3,20 metros uma abertura que tinha de cerca de 2 metros e que existia no muro sul daquele prédio, abertura que está sinalizada a verde no desenho de fls. 51, que aqui se dá por reproduzido - resposta ao quesito 6º da Base Instrutória. (…)”, conforme sentença de 26/9/2011.
5) Por acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, de 3/4/2014, decidiu-se alterar a decisão da primeira instância, condenando-se, no que ora releva, o réu BB a repor a abertura existente no muro que delimita o seu prédio do prédio da herança referida em 9), em 2 metros, decisão esta confirmada por acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2014.
6) Aí se considerou:
“V. Curando de apreciar o pedido de condenação do réu BB a fechar a abertura que edificou no muro divisório que delimitava o seu prédio do prédio da herança, bem como a não mais devassar os prédios da herança, não os utilizando para efetuar acessos ao seu prédio, com interesse para o efeito provou-se que o réu BB frui de todas as utilidades proporcionadas por um prédio que confina a norte com o prédio referido no ponto 9 e alargou para os 3,20 metros uma abertura que tinha cerca de 2 metros e que existia no muro Sul daquele prédio, abertura que está sinalizada a verde no desenho de folhas 51.
Daqui pode apenas retirar-se que, entre os prédios que o réu BB frui todas as utilidades que proporciona e o da herança mencionado em 9., pelos seus lados norte e sul, respetivamente, existe um muro divisório, no qual existia uma abertura com cerca de 2 metros e que aquele réu alargou para 3,20 metros; não se prova que aquele réu utilizasse ou alguma vez tivesse utilizado essa abertura para aceder ao seu prédio através do da herança ou que, através dela, por qualquer modo tenha devassado prédio da herança, o que desde logo afasta a possibilidade de o condenar a não mais de passar o prédio da herança e a não mais o utilizar para efetuar acessos ao seu prédio.
Porém e outro lado, não nos fornecendo a factualidade provada quaisquer elementos que permitam saber a quem pertence esse muro, ele há-de presumir-se comum, nos termos do disposto no artigo 1371º, nº 2 do Código Civil; ora, neste caso, o artigo 1372º do mesmo diploma proíbe o proprietário quem pertence em comum parede ou muro fazer nele qualquer alteração sem o consentimento do seu consorte, pelo que não poderá deixar de reconhecer à herança o direito de exigir daquele réu que reponha a abertura nas dimensões que tinha antes de alargar, ou seja, com 2 metros.”
7) A ré mulher adquiriu, por partilha da herança de EE, o direito de propriedade sobre o prédio que confronta com o dos autores, conforme documento de fls. 109, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
8) Corre termos no Juízo Central de Execução de ... o processo executivo nº ......, para prestação de facto, concretamente para execução da decisão referida em 4) em que é exequente a ora ré CC.
9) Aí a ora autora AA deduziu oposição mediante embargos de terceiro peticionando, de entre o mais:
1) que se julgue que o prédio identificado sob o art. 2.º da p.i. de embargos  constitui a casa de morada de família da Embargante e do seu marido e que tal prédio pertence em propriedade e posse à Embargante e ao seu marido, o Executado BB;
2) se julgue que os muros de vedação situados nos estremos nascente, poente e sul de tal prédio identificado sob o art. 2.º, em especial no local aonde se encontra a abertura em causa nos autos de execução, fazem parte integrante do mesmo;
3) se julgue que a parcela de terreno identificada sob o art. 14.º da petição de embargos e a rampa referida sob os artigos 11.º, 12.º, 13.º, 18.º e 19.º da petição de embargos, têm natureza pública e pertencem à Freguesia ..., do concelho ...;
4) se julgue que a abertura com 3,20 metros existente no muro sul do prédio identificado no art. 2.º da p.i., pertencente em propriedade e posse à Embargante e ao Executado EE, deita directamente e apenas para essa rampa referida sob os artigos 11.º, 12.º 13.º, 18.º e 19.º e para a parcela de terreno identificada sob o art. 14.º da p.i..;
5) seja julgado que a Embargante e o Executado BB têm direito de passar por tal rampa, com 3,50 metros de largura e de aceder ao seu prédio por tal rampa, desde o caminho do ... e até àquela abertura com 3,20 metros de largura.
10) Por sentença de 7/6/2021, os embargos deduzidos vieram a ser julgados improcedentes, tendo a decisão proferida sido confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/12/2021.
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V. Fundamentação de Direito.

1. Da (in)verificação da excepção de caso julgado e da autoridade de caso julgado quanto aos pedidos formulados nos itens 6. e 7.;
1.1. Os recorrentes insurgem-se contra a sentença apenas na parte em que absolveu os Réus da instância quanto aos pedidos formulados nos itens 6. e 7. da PI, conformando-se quanto à absolvição dos RR. da instância no respeitante aos pedidos formulados sob os itens 1. a 5. e com a improcedência dos pedidos formulados em 8. e 9.
Sustentam para o efeito que o que se pede e está em causa nos presentes autos é, essencialmente, apurar quem é o dono e legítimo possuidor da parcela de terreno e da rampa com cerca de 100,00 m2 identificada sob os arts. 27.º a 32.º da petição inicial.
Acrescentam que o Tribunal recorrido não interpretou corretamente a sentença proferida na primeira ação que correu termos com o Proc. n.º 316/08.8TBEPS, pois não conjugou devidamente a referida sentença com o acórdão de 03-04-2014 proferido nesses autos pelo Tribunal da Relação de Guimarães, não tendo também compreendido o que efectivamente foi ali decidido e, consequentemente, julgou incorrectamente existir caso julgado e autoridade de caso julgado.
Vejamos se lhes assiste razão.
Como é sabido, o efeito mais importante a que a sentença pode conduzir é o caso julgado.
Diz-se que a decisão – despacho, sentença ou acórdão – forma caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável ou imutável por força do seu trânsito em julgado. A imodificabilidade da sentença é, assim, o núcleo essencial do caso julgado.
Neste sentido, refere Miguel Teixeira de Sousa[1] que «o caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão».
E a decisão considera-se transitada em julgado, nos termos do art. 628º do CPC, «logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação». 
A decisão transitada tem força de caso julgado, ou seja, tem força obrigatória, não podendo a questão decidida vir a ser decidida em termos diferentes.
Tanto podem transitar em julgado as sentenças ou despachos recorríveis, relativos a questões de carácter processual, como a decisão referente ao mérito da causa, isto é, respeitante à concreta relação material controvertida.
Interessa-nos essencialmente esta segunda modalidade, em relação à qual se forma o caso julgado material ou substancial (isto é, o efeito imperativo atribuído à decisão que recaiu sobre a relação jurídica substancial).
O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites subjetivos e objetivos fixados nos arts. 580.º e 581.º do CPC e nos precisos termos em que julga, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada[2]. - cfr. arts. 619º, n.º 1 e 621.º, ambos do CPC.
Segundo Manuel de Andrade[3], o caso julgado material:
«Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão».
Enquanto o caso julgado formal tem uma eficácia estritamente intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida, o caso julgado material, além de uma eficácia intraprocessual, é suscetível de valer num processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada (eficácia extraprocessual). A eficácia do caso julgado material é, portanto, mais ampla, dado que, além de vincular no processo em que foi proferida a decisão transitada, pode também ser vinculativo num processo distinto[4] (arts. 619º, n.º 1 e 620º do CPC). O mesmo é dizer que as decisões de mérito adquirem em simultâneo a força de caso julgado material e formal, pressupondo o caso julgado material o caso julgado formal (art. 619º, n.º 1 do CPC)[5].
O fundamento do caso julgado material fundamenta-se em razões de prestígio dos tribunais, que «seria comprometido no mais alto grau se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse ser validamente definida em sentido diferente»[6], mas sobretudo em razões de certeza, estabilidade ou segurança jurídicas, pois que, «desde que uma sentença, transitada em julgado, reconhece a alguém certo benefício, certo direito, certos bens, é absolutamente indispensável, para que haja confiança e segurança nas relações sociais, que esse benefício, esse direito, esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não possam ser tirados por uma sentença posterior»[7]. A significar que o “caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois evita que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir. Ele é, por isso, a expressão dos valores da certeza e da segurança que são imanentes a qualquer ordem jurídica[8].
O caso julgado tem uma função negativa e uma função positiva.
A função negativa encontra-se na finalidade de impedir que a questão que foi objeto da decisão proferida e inimpugnável possa voltar a ser, ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação de qualquer tribunal (mesmo aquele que proferiu a decisão); se tal ocorrer, por força da figura da exceção dilatória de caso julgado, que visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior correspondendo à proibição de repetição de ações aludida no art. 580º, n.º 2, do CPC , deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objeto de uma anterior ação (art. 576º, n.º 2, do CPC).
A função positiva, traduzindo essencialmente a autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais, corresponde à proibição de contradição mencionada no art. 580º, n.º 2, do CPC e na imposição da decisão tomada.
Tem esta «a ver com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objeto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objeto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objeto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção. Ou seja, (…) a vinculatividade própria do instituto do caso julgado impõe que o objeto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal»[9].
A excepção de caso julgado implica uma não decisão sobre a nova acção e pressupõe uma total identidade entre as duas. A autoridade de caso julgado implica uma aceitação de uma decisão proferida numa ação anterior, decisão em que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda acção, enquanto questão prejudicial[10].
O efeito positivo do caso julgado vincula o tribunal da ação posterior a aceitar a questão prejudicial decidida numa ação anterior e opera através da autoridade de caso julgado. Se se repropuser a questão como fundamento (e não como objeto) do pedido, o juiz tem de decidir a questão nos termos do caso julgado estabelecido[11] [12].
A delimitação entre as duas figuras poderá assim estabelecer-se da seguinte forma[13]:
- se no processo subsequente nada há de novo a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente, já tendo sido, na íntegra, valorados) verifica-se a excepção de caso julgado;
- se o objecto do processo precedente não esgota o objecto do processo subsequente, ocorrendo relação de dependência ou de prejudicialidade entre os dois distintos objectos, há lugar à autoridade ou força de caso julgado; assim, o objecto da primeira decisão tem de constituir questão prejudicial na segunda acção, pressuposto necessário da decisão de mérito[14].
Ou seja, para existir excepção de caso julgado, o objecto das duas acções deve ser idêntico; para existir autoridade de caso julgado, o objecto das duas acções deve ser diverso, embora o objecto de uma delas deva ser prejudicial do objecto da outra[15].
Importa também ter presente o efeito preclusivo do caso julgado.
O âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu. Sobre o autor não incide nenhum ónus de concentração de todas as causas de pedir na ação que proponha. Nessa eventualidade, não está vedado que o autor repita o mesmo pedido, mas por diferente fundamento de facto. O mesmo é dizer que, não tendo obtido a procedência da acção com base numa causa de pedir, o autor não está impedido de propor uma nova acção com base numa distinta causa de pedir.  Diversamente, cabe ao réu concentrar todos os meios de defesa na contestação (art. 573º, n.º 1, do CPC), não podendo, por efeito da preclusão, invocar em nova acção exceções que deixou de deduzir na acção anterior[16]. Se a sentença reconheceu, no todo ou em parte, o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu (por ex.: ser ele, Réu, o proprietário do prédio reivindicado). Neste sentido, pelo menos vale a máxima, segundo a qual o caso julgado “cobre o deduzido e o dedutível[17].
Com o trânsito em julgado da decisão, a autoridade de caso julgado proíbe a invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, cuja invocação está precludida numa outra acção.
Trata-se de solução para que igualmente aponta Teixeira de Sousa quando refere que com o trânsito em julgado da sentença “ficam precludidos todos os factos que poderiam ter sido invocados como fundamento de uma contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada”, o que se funda em razões atinentes com a boa administração da justiça, com a funcionalidade dos tribunais e com a salvaguarda da paz social, ficando excluída a possibilidade de confrontar o tribunal com “toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada[18] [19].
Como se decidiu no Ac. do STJ de 11/10/2012 (relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt., “a autoridade de caso julgado inerente a uma decisão que reconheceu ao autor o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno e condenou o réu na sua restituição e na demolição da construção que na mesma foi erigida impede que este, em nova acção, peça o reconhecimento do direito de propriedade sobre a mesma parcela, ainda que com fundamento na acessão industrial imobiliária”.
Considerando a função negativa do caso julgado, o legislador configura-a como exceção dilatória nominada, constante da al. i) do art. 577º do CPC, que pode ser suscitada pelo demandado e conhecida oficiosamente (art. 578º do CPC); já quanto à função positiva do caso julgado (autoridade de caso julgado), a mesma pode ser invocada pelo demandante (enquanto facto constitutivo da sua pretensão), como pelo demandado (a título de exceção perentória). Esta opera positivamente na definição do direito, relevando em matéria de mérito da acção e contribuindo para a procedência ou para a improcedência do pedido.
Atenta a exceção (do caso julgado), o juiz fica impedido de apreciar o mérito da causa, pelo que absolverá o réu da instância (arts. 576º, n.º 2 e 577º, al. i), do CPC). Mercê dessa excepção, o tribunal fica sujeito tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão[20]; considerando, por outro lado, a autoridade (do caso julgado), o juiz deve julgar o mérito da causa impondo às partes a declaração jurisdicional anterior, sendo que, em qualquer caso, ocorre a proibição de nova apreciação das mesmas questões[21].
A não observância de qualquer um desses dois efeitos processuais característicos do caso julgado dá origem à existência de casos julgados contraditórios (quer no mesmo processo, quer em processos distintos). Nessa hipótese, o art. 625º, n.º 1, do CPC, estabelece que, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
Concede-se, assim, prevalência à decisão que transitou em julgado em primeiro lugar, sendo que a segunda decisão será ineficaz.
Prosseguindo, dir-se-á que a excepção do caso julgado (tal como a litispendência), segundo o conceito consagrado no n.º 1 do art. 580º do CPC, pressupõe a repetição de uma causa em dois processos diferentes.
Verifica-se a excepção do caso julgado se a repetição da causa se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida, com trânsito em julgado (sem suscetibilidade de recurso ordinário ou de reclamação - art. 628º do CPC) e operando-se a excepção de litispendência se a causa se repete estando a anterior ainda em curso (pendente). Portanto, o que as distingue é o momento em que se dá a repetição da causa.
Os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos identificativos da acção: as partes, o pedido e a causa de pedir (art. 581º, n.º 1 do CPC).
Com efeito, a causa repete-se, nos termos do n.º 1 do art. 581º do CPC, “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
“Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” – n.º 2 do mesmo preceito normativo , ocorrendo “identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico - n.º 3 do citado preceito legal , sendo que “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico” - n.º 4.
A identidade dos sujeitos processuais supõe que as partes sejam as mesmas no plano da qualidade jurídica ou da identidade do interesse jurídico, não relevando aqui a identidade física ou nominal, mas o interesse jurídico que a parte atuou no processo. Ou seja, as partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível uma correspondência física dos sujeitos nas duas acções e sendo indiferente a posição que adotem em ambos os processos[22]. E tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, ainda aí podemos ter litispendência ou caso julgado [23].
Por sua vez, ocorre identidade de pedido quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor/reconvinte em ambas as ações/reconvenções é substancialmente o mesmo[24].
Por fim, a identidade de causas de pedir é feita em função da concreta factualidade alegada à luz do quadro normativo aplicável, ou seja, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender ao abrigo do art. 5.º, n.º 3, e nos limites do art. 609.º, n.º 1, ambos do CPC, não bastando, pois, a mera identidade naturalística dessa factualidade, havendo sempre que considerar a sua relevância jurídica com a referida latitude[25].
Para efeitos da exceção de caso julgado (e de litispendência) a lei usa no n.º 4 do art. 581.º do CPC um conceito restrito de causa de pedir que apenas compara os factos principais de duas causas[26].
Questão que tem sido debatida na doutrina e jurisprudência – e sem soluções unívocas – é a de saber se o caso julgado respeita apenas à parte decisória ou se também abrange os seus fundamentos.
A esse respeito do alcance do caso julgado o art. 621º do CPC clarifica que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, ou seja, em princípio, o caso julgado só se forma sobre a decisão contida na sentença.
E quanto a esse concreto ponto é doutrina dominante que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim da estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético, que sem tornar extensiva e eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença, reconhece, todavia, essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado[27]. Ou seja, quando a decisão da questão preliminar for tal que seja também de considerar como solicitada pela parte, a autoridade do caso julgado tem de abranger essa decisão.
Nas palavras de Manuel de Andrade[28], o “que adquire força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos. Não a motivação da sentença: as razões que determinaram o juiz, as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar àquela conclusão final (pontos ou questões prejudiciais)”. Asserção que não exclui o recurso à parte motivatória da sentença para interpretar, reconstruir, o verdadeiro conteúdo da decisão, embora a essência do caso julgado se contenha, não na definição de uma questão, mas no reconhecimento ou negação de um bem[29]
*
1.2. Feitos estes considerandos jurídicos importa agora reverter ao caso concreto.

Como bem se explicitou na decisão recorrida, importa destrinçar e ter presente os efeitos das decisões proferidas nos processos n.ºs 5029/15.... e 316/08.8TBEPS sobre os presentes autos.
E, relativamente aos efeitos da decisão proferida no processo n.º 5029/15.... (embargos de terceiro) sobre estes autos – que se restringiram à autora AA – evidencia-se da apelação interposta que tais fundamentos não foram sequer questionados pelos recorrentes.

Sem embargo, e seguindo de perto a explanação aduzida na decisão recorrida, temos como adquirido que:

i) - Corre termos no Juízo Central de Execução de ... o processo executivo n.º ......, para prestação de facto, concretamente para execução da decisão proferida no âmbito do processo n.º 316/08.8TBEPS.
ii) - Aí, a ora autora AA deduziu oposição, mediante embargos de terceiro, peticionando, entre o mais:
1) que se julgue que o prédio identificado sob o art. 2.º da p.i. de embargos constitui a casa de morada de família da Embargante e do seu marido e que tal prédio pertence em propriedade e posse à Embargante e ao seu marido, o Executado BB;
2) se julgue que os muros de vedação situados nos estremos nascente, poente e sul de tal prédio identificado sob o art. 2.º, em especial no local aonde se encontra a abertura em causa nos autos de execução, fazem parte integrante do mesmo;
3) se julgue que a parcela de terreno identificada sob o art. 14.º da petição de embargos e a rampa referida sob os artigos 11.º, 12.º, 13.º, 18.º e 19.º da petição de embargos, têm natureza pública e pertencem à Freguesia ..., do concelho ...;
4) se julgue que a abertura com 3,20 metros existente no muro sul do prédio identificado no art. 2.º da p.i., pertencente em propriedade e posse à Embargante e ao Executado EE, deita directamente e apenas para essa rampa referida sob os artigos 11.º, 12.º 13.º, 18.º e 19.º e para a parcela de terreno identificada sob o art. 14.º da p.i.;
5) seja julgado que a Embargante e o Executado BB têm direito de passar por tal rampa, com 3,50 metros de largura e de aceder ao seu prédio por tal rampa, desde o caminho do ... e até àquela abertura com 3,20 metros de largura.
iii) - Por sentença de 7/06/2021, os embargos de terceiro foram julgados improcedentes, tendo a decisão proferida sido confirmada por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/12/2021.
Impunha-se, por conseguinte, ter presente os efeitos da improcedência desses embargos de terceiro sobre os presentes autos.
Sobre o caso julgado material nos embargos de terceiro, o art. 349º do CPC estatui que:
A sentença de mérito proferida nos embargos constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados, nos termos do n.º 2 do artigo anterior.”
Ora, não obstante se encontrem sistematizados enquanto incidente processual de intervenção de terceiros, os embargos de terceiro revestem o caráter e a natureza de uma verdadeira acção declarativa, pelo que a sentença que vier a pronunciar-se sobre o mérito da acção produz de forma plena os seus efeitos de caso julgado material, situação que implica a impossibilidade processual de a mesma questão de fundo poder vir a ser novamente apreciada em sede de acção declarativa[30].
Nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[31], “[n]ão sendo as garantias das partes nem a complexidade da tramitação inferiores nos embargos de terceiro às da tramitação da ação declarativa com processo comum, o caso julgado produz-se. Delimitado de acordo com as regras gerais, pelos sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir (artigo 581-1) (…)”.
E acrescentam os mesmos autores:
“Assim:
- Se os embargos se fundarem em direito de fundo do terceiro, ficará assente a sua existência ou inexistência deste direito; (…)”.
Ora, como bem concluiu a Mm.ª Juíza “a quo”, transpondo tais princípios para o caso concreto, analisando os pedidos formulados pela aí embargante (e aqui autora) no processo n.º 5029/15...., é de reconhecer que se verifica a excepção dilatória de caso julgado quanto à pretensão deduzida pela autora AA quanto aos pedidos aqui formulados de 1. a 7 (embora para efeitos do presente recurso relevem apenas os pedidos formulados sob os itens 6 e 7).
Com efeito, atento o teor dos embargos de terceiro, é manifesta a existência de tríplice identidade entre sujeitos processuais, causa de pedir e pedidos.
Por outro lado – e com especial relevo para a questão aqui em apreço –, verifica-se que a aí embargante (e aqui autora) fundou a sua pretensão (entre o mais) no facto de a parcela de terreno identificada sob o art. 14.º da petição de embargos e a rampa referida sob os arts. 11.º, 12.º, 13.º, 18.º e 19.º dessa petição terem natureza pública e pertencerem à Freguesia ..., do concelho ... (pedido formulado sob o item 3), bem como de a aí embargante e o executado BB terem direito de passar por tal rampa, com 3,50 metros de largura e de acederem ao seu prédio por tal rampa, desde o caminho do ... e até àquela abertura com 3,20 metros de largura (pedido formulado sob o item 5).
Sucede que, tendo decaído integralmente nessas pretensões, ficou definitivamente resolvida a questão, não podendo a mesma voltar a ser discutida, porquanto a autora não invoca um fundamento distinto para alicerçar a dominialidade pública da aludida parcela de terreno e da rampa.
É, por isso, de subscrever e confirmar o juízo aduzido na sentença recorrida que, nessa parte, julgou verificada e declarou a excepção dilatória de caso julgado e, em consequência, absolveu os réus da instância quanto aos pedidos formulados (entre o mais) em 6. e 7. quanto à autora AA.
Divergindo do propugnado pelos recorridos, esse juízo da verificação da excepção dilatória de caso julgado não é extensivo ao co-autor BB, porquanto, apesar deste ter sido parte no processo n.º 5029/15...., o mesmo assumiu aí uma posição processual passiva (de embargado), e não activa (de embargante).
Donde se subscreva a limitação dos efeitos decorrentes do caso julgado decorrente do conhecimento do mérito dos embargos de terceiro relativamente à recorrente AA.
*
1.3. Vejamos, agora, da excepção de autoridade de caso julgado quanto aos pedidos formulados sob os itens 6. e 7. quanto ao autor BB face ao decidido no processo n.º 316/08.8TBEPS.
Com relevo, mostra-se provado que:
- Correu termos o processo n.º 316/08.8TBEPS em que eram autores, entre o mais, GG e BB e réus Junta de Freguesia ..., BB e outros.

Aí peticionavam os autores:
- que se declare que os autores são herdeiros do falecido EE, que as áreas e limites dos prédios da herança são os alegados e representados no documento nº ... e que entre os dois prédios inexistia qualquer estrada ou caminho público, demarcando-se os referidos prédios dos prédios confinantes;
- que se declare que os prédios referidos em 3º da p.i. integram a herança de EE;
- que se condene a 1ª ré a restituir à herança a parcela de terreno que ilicitamente ocupou e detém com a construção da referida estrada e a restituir os prédios da herança à configuração em que se encontravam antes de ter procedido às operações de aterro e desaterro e a retirar a calçada que nos mesmo aplicou;
- que se condene o 2º réu a fechar a abertura que edificou no muro divisório que delimitava o seu prédio do prédio da herança, bem como a não mais devassar os prédios da herança, não os utilizando para efectuar acessos ao seu prédio;
- A ação veio a ser julgada parcialmente procedente e, em primeira instância, decidiu-se:
a) Declarar que os autores e interveniente são os únicos e universais herdeiros do falecido EE;
b) Declarar que da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE fazem parte os prédios melhor descritos nos pontos 4 e 5 dos factos provados, condenando os réus a reconhecer tal facto;
c) Absolver os réus do restante peticionado.
- Por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 3/04/2014 decidiu-se alterar a decisão da primeira instância, condenando-se, no que ora releva, o réu BB a repor a abertura existente no muro que delimita o seu prédio do prédio da herança referida em 9), em 2 (dois) metros, decisão esta confirmada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2014.
- Naquele aresto da Relação de Guimarães considerou-se que:
V. Curando de apreciar o pedido de condenação do réu BB a fechar a abertura que edificou no muro divisório que delimitava o seu prédio do prédio da herança, bem como a não mais devassar os prédios da herança, não os utilizando para efetuar acessos ao seu prédio, com interesse para o efeito provou-se que o réu BB frui de todas as utilidades proporcionadas por um prédio que confina a norte com o prédio referido no ponto 9 e alargou para os 3,20 metros uma abertura que tinha cerca de 2 metros e que existia no muro Sul daquele prédio, abertura que está sinalizada a verde no desenho de folhas 51.
Daqui pode apenas retirar-se que, entre os prédios que o réu BB frui todas as utilidades que proporciona e o da herança mencionado em 9., pelos seus lados norte e sul, respetivamente, existe um muro divisório, no qual existia uma abertura com cerca de 2 metros e que aquele réu alargou para 3,20 metros; não se prova que aquele réu utilizasse ou alguma vez tivesse utilizado essa abertura para aceder ao seu prédio através do da herança ou que, através dela, por qualquer modo tenha devassado prédio da herança, o que desde logo afasta a possibilidade de o condenar a não mais de passar o prédio da herança e a não mais o utilizar para efetuar acessos ao seu prédio.
Porém e outro lado, não nos fornecendo a factualidade provada quaisquer elementos que permitam saber a quem pertence esse muro, ele há-de presumir-se comum, nos termos do disposto no artigo 1371º, nº 2 do Código Civil; ora, neste caso, o artigo 1372º do mesmo diploma proíbe o proprietário quem pertence em comum parede ou muro fazer nele qualquer alteração sem o consentimento do seu consorte, pelo que não poderá deixar de reconhecer à herança o direito de exigir daquele réu que reponha a abertura nas dimensões que tinha antes de alargar, ou seja, com 2 metros.”

Por seu turno, na presente ação, os autores peticionam:
2) Que se julgue que os muros de vedação nascente, sul e poente do prédio dos autores fazem parte integrante, em regime de exclusividade, do seu prédio identificado sob o art. 2.º da petição inicial, por terem sido construídos pelos anteriores possuidores de tal prédio e/ou por efeito de usucapião;
3) Que se julgue que a abertura existente no muro de vedação sul do referido prédio, tenha ela 2,00 ou 3,20 metros de largura, deita diretamente apenas e só para aquela rampa traçada sobre terreno de natureza pública, identificada sob os artigos 18.º a 23.º e 28.º da petição inicial, existente no exterior dessa abertura; 
4) Que se julgue que a abertura com 2,00 metros de largura é insuficiente para os autores por ali passarem com veículos, tratores e alfaias agrícolas e para satisfazer os fins a que se destina, designadamente para girarem a empresa que têm instalada no logradouro do seu prédio urbano;
5) Que se julgue que os autores têm o direito de alterar a largura de tal abertura de 2,00 para 3,20 metros e de passar por tal abertura, independentemente de quem seja o dono do terreno para onde deita tal abertura, por se verificar o disposto no 1251.º e seguintes, 1268.º e seguintes e por se verificarem os requisitos dos artigos 1550.º e 1568.º do Cód. Civil;
6) Que se julgue que a parcela de terreno com cerca de 100,00 m2 identificada sob os artigos 27.º a 32.º desta petição pertence, em propriedade e posse, à União das Freguesias ... e ..., não fazendo parte do prédio dos réus identificado sob o art. 24.º desta petição, devendo proceder-se à sua delimitação;
7) Condenar-se os réus no reconhecimento do peticionado sob os pontos 1., 2., 3., 4., 5. e 6. do Pedido e a absterem-se de praticar quaisquer factos que impeçam, perturbem ou dificultem a passagem dos autores pela referida abertura com 3,20 metros de largura ou com qualquer outra largura.
Antes de mais, concorda-se com o explicitado pela Mm.ª Juíza “a quo” quando refere que dos pedidos formulados sob os itens 3 e 6 extrai-se que o autor marido pretende, no essencial, a declaração de que o espaço de terreno para onde deita a abertura existente no muro é pública e pertence à União das Freguesias ... e ....
Seguidamente – e com vista a alicerçar a exceção da autoridade do caso julgado – a Mm.ª Julgadora desenvolveu a seguinte fundamentação:
«Todavia, há que atender a que no processo nº 316/08.8TBEPS, condenou-se o réu BB a repor a abertura existente no muro que delimita o seu prédio do prédio da herança -  no caso, do prédio dos réus - em 2 metros.
Subjacente a essa condenação, estiveram as seguintes considerações:
“… Daqui pode apenas retirar-se que, entre os prédios que o réu BB frui todas as utilidades que proporciona e o da herança mencionado em 9., pelos seus lados norte e sul, respetivamente, existe um muro divisório, no qual existia uma abertura com cerca de 2 metros e que aquele réu alargou para 3,20 metros; …”
Ou seja, quer da condenação, quer dos fundamentos que lhe estiveram subjacentes, conclui-se que o prédio do agora autor marido confronta pelos lados norte e sul com o dos agora réus.
Mais, concluiu-se aí que nas confrontações norte e sul existe um muro divisório entre as propriedades, tendo-se condenado o agora autor a repor a abertura que existia em 2 metros.
Assim sendo, salvo o devido respeito, mostra-se assente que o muro divide as duas propriedades – do autor e réus.
Não pode, por isso, agora o autor pretender ver reconhecido que o muro deita para a propriedade da União das Freguesias ... e ... e a condenação dos réus nesse reconhecimento.
A decisão e os fundamentos que lhe estiveram subjacentes impõem-se, como prejudicial, a este Tribunal, não podendo a questão voltar a ser discutida e reapreciada.
Haverá, por isso, que declarar a existência de uma exceção de autoridade de caso julgado e, em consequência, absolver os réus do pedido nesta parte».
Salvaguardando sempre o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a decisão recorrida será de manter.
Justificando.
Como referem os recorrentes, no tocante ao pedido formulado sob o item 6 o que está, essencialmente, em causa é apurar quem é o dono e legítimo possuidor da parcela de terreno (alegadamente) com 100,00 m2 identificada sob os artigos 27.º a 32.º da petição inicial da presente ação, referenciada a tracejado amarelo, especificamente se esta é pertença da União das Freguesias ... e ..., não fazendo parte do prédio dos réus identificado sob o art. 24.º da petição.
Ora, importa desde logo dar nota da exactidão da reprodução, na sentença recorrida, das considerações explicitadas no Acórdão desta Relação de 3/04/2014, proferido no âmbito do processo n.º 316/08.8TBEPS, no qual foi decidido alterar a decisão da primeira instância, condenando-se o réu BB a repor a abertura existente no muro que delimita o seu prédio do prédio da herança referida em 9), em 2 metros, decisão esta que veio a ser confirmada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2014.
Naquele aresto refere-se expressamente:
“(…)
Daqui pode apenas retirar-se que, entre os prédios que o réu BB frui todas as utilidades que proporciona e o da herança mencionado em 9., pelos seus lados norte e sul, respetivamente, existe um muro divisório, no qual existia uma abertura com cerca de 2 metros e que aquele réu alargou para 3,20 metros (…)”.
Ora, como bem assinalou a Exm.ª Juíza “a quo”, “quer da condenação, quer dos fundamentos que lhe estiveram subjacentes, conclui-se que o prédio do agora autor marido confronta pelos lados norte e sul com o dos agora réus”.
Mais se concluiu naquele aresto que “nas confrontações norte e sul existe um muro divisório entre as propriedades, tendo-se condenado o agora autor a repor a abertura que existia em 2 metros”.
Tais considerações foram corroboradas pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2014, no âmbito da revista interposta no aludido processo n.º 316/08.8TBEPS, aí se explicitando a seguinte fundamentação:
«(…).
No caso, o muro, uma vez que separa dois prédios rústicos confinantes, presume-se comum. Trata-se de um muro meeiro.
(…)
Tendo o réu alargado a abertura que dava para o terreno dos autores e existente no dito muro, sem autorização destes, não poderá deixar-se de se reconhecer à herança o direito de exigir daquele réu que reponha a abertura nas dimensões que tina antes de a alargar, ou seja, com dois metros.
(…)» (sublinhado nosso).
Ou seja, também nesta sede recursiva se entendeu estarmos perante dois prédios rúticos confinantes entre si, cuja separação se fazia por um muro divisório meeiro, dado se presumir comum (art. 1371º, n.º 2, do Cód. Civil).
Mas mais. Considerou-se igualmente que o aí réu, ora autor, alargou a abertura existente no muro comum e que dava (diretamente) para o terreno dos autores, sem autorização destes, o que determinou o reconhecimento à herança do direito de exigir daquele réu a reposição da abertura nas dimensões que tinha antes de a alargar, ou seja, com dois metros.
Foi precisamente por se ter como provado e presente esse concreto circunstancialismo – a confinância desses dois prédios, delimitados por um muro divisório comum, com a existência de uma abertura no dito muro que dava para o terreno dos autores, a qual foi objeto de alargamento, sem autorização destes – que teve lugar a condenação do réu BB a repor a abertura existente no muro que delimita o seu prédio do prédio da herança referida em 9), em 2 metros, decisão esta confirmada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2014.
Ora, pretendendo o ora autor marido – e aí co-Réu – ver reconhecido que a dita abertura existente no muro comum que separa as duas propriedades não deitava diretamente para o prédio dos aí AA., mas sim para uma parcela de terreno pública, com cerca de 100,00 m2 identificada sob os artigos 27.º a 32.º da petição, pertencente, em propriedade e posse, à União das Freguesias ... e ..., deveria ter alegado esses factos no âmbito da contestação apresentada no processo n.º 316/08.8TBEPS, pois que os mesmos, consubstanciando factos impeditivos do direito de que os AA. se arrogavam na referida acção, a provarem-se, teriam determinado a improcedência daquela acção (ou, pelo menos, da pretensão de reposição da abertura anterior). Isto porque, nessa hipótese – de a abertura deitar diretamente para uma parcela de terreno pública, e não para o prédio dos aí demandantes –, os aí AA. deixariam de ter legitimidade substantiva para lhes ser reconhecido o direito de exigir do aí co-réu a reposição da abertura existente no muro nas dimensões que tinha antes de a alargar, ou seja, com dois metros. 
Não o tendo feito, por força do efeito preclusivo associado ao caso julgado, ficou precludido o direito de o ora autor marido – ali co-Réu – vir peticionar nesta acção o reconhecimento desse efeito jurídico.
Revemo-nos, por isso, na conclusão firmada na decisão recorrida no sentido de que:
«Assim sendo, salvo o devido respeito, mostra-se assente que o muro divide as duas propriedades – do autor e réus.
Não pode, por isso, agora o autor pretender ver reconhecido que o muro deita para a propriedade da União das Freguesias ... e ... e a condenação dos réus nesse reconhecimento.
A decisão e os fundamentos que lhe estiveram subjacentes impõem-se, como prejudicial, a este Tribunal, não podendo a questão voltar a ser discutida e reapreciada.
Haverá, por isso, que declarar a existência de uma exceção de autoridade de caso julgado e, em consequência, absolver os réus do pedido nesta parte».
Como vimos, em caso de caso julgado positivo, para o réu vencido a condenação no pedido determina a preclusão de alegabilidade futura tanto dos fundamentos de defesa deduzidos, como dos fundamentos de defesa que poderia ter deduzido.
Efetivamente, o princípio da concentração da defesa na contestação (art. 573.º, n.º 1, do CPC) determina a preclusão de toda a defesa que não haja oportunamente feito valer contra a concreta causa de pedir invocada pelo autor.
Mas, tão pouco o pode fazer em acção autónoma ou em reconvenção, porque lhe vai ser oposta a autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no art. 619.º do CPC, em sede de objetos em relação de prejudicialidade[32].
Acresce que, no caso, não estamos perante um fundamento que seja superveniente, pelo que está vedada a sua dedução tanto a título de acção (como seria o caso), como a título de exceção (art. 729.º, al. g), do CPC), pelo que operam na plenitude os efeitos da preclusão do caso julgado.
Termos em que, julgando verificada a excepção da autoridade de caso julgado, por força do efeito preclusivo, se confirma a decisão recorrida, com a consequente improcedência deste fundamento da apelação.
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2. – Consequentemente, ao abrigo do disposto no art. 608º, n.º 2, do CPC “ex vi” do art. 663º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma, considero necessariamente prejudicada a apreciação das demais questões em discussão no presente recurso invocadas pelos apelantes [admissão do incidente de intervenção de terceiros].
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3. Da ampliação do objecto do recurso deduzida nas contra-alegações pelos RR. (arts. 636º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Mercê da improcedência da apelação, considero prejudicada a apreciação da ampliação do âmbito do recurso subsidariamente deduzida pelo RR./recorridos[33] (atinente à ilegitimidade activa).
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo dos apelantes/autores (art. 527.º do CPC).
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Guimarães, 6 de junho de 2024

Alcides Rodrigues (relator)
Alexandra Rolim Mendes (1ª adjunta)
José Cravo (2º adjunto)


[1] Cfr. Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, p. 567.
[2] Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 703-704, pp. 703-704.
[3] Cfr. Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 305.
[4] Cfr. Decisão sumária do TRC de 17/04/2012 (relator Henrique Antunes), disponível in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, Elementos de Direito Processual Civil - Teoria Geral – Princípios - Pressupostos, 2ª ed., 2018, UCEP, p. 237.
[6] Cfr. Manuel de Andrade, obra citada, pp. 304, 306.
[7] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4ª ed., 1985, Coimbra Editora, p. 94.
[8] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 568.
[9] Cfr. Acs. do STJ de 24/04/2013 (relator Lopes do Rego) e de 29/05/2014 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Mariana França Gouveia, Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina, 2004, p. 394.
[11] Cfr. Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, 2022, AAFDL Editora, p. 641.
[12] Por ex., A pede contra B a declaração de ser proprietário de x; ganha; se A intentar nova ação a pedir a condenação de B a pagar-lhe uma indemnização por danos feitos em x, nesta ação não se pode discutir o pressuposto de que A é proprietário de x.
[13] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, n.º 325, 1983, pp. 159 a 179.
[14] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., 2017, Almedina, pp. 599/600.
[15] Cfr. Ac. do STJ de 14/10/2021 (relator Vieira e Cunha), in www.dgsi.pt.
[16] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, Almedina, pp. 663 e 744; Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, 2022, AAFDL Editora, p. 648/649.
[17]Por ex.: Julgada procedente uma acção de reivindicação, não pode o Réu vir depois com uma nova acção dessas contra o Autor, fundado em que tinha adquirido por usucapião a propriedade do respectivo prédio. Se a nova ação pudesse triunfar e valesse a correspondente decisão, seria contrariada a força do caso julgado que cabe à sentença anterior. Tirava-se ao Autor um bem que a mesma sentença lhe havia dado” (cfr. Manuel de Andrade, obra citada, pp. 318, 324).
[18] Cfr. Estudos sobre o Processo Civil, 2ª ed., pp. 586, 568 e 579.
[19] Ideia igualmente acentuada por Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, p. 394, e por Mariana França Gouveia, Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina, 2004, pp. 394, 402 e 495.
[20] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 574.
[21] Cfr. António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 369.
[22] Cfr. Acs. do STJ de 24/02/2015 (relatora Maria Clara Sottomayor) e de 14/01/2021 (relator Oliveira Abreu), in www.dgsi.pt.
[23] Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 126.
[24] Cfr. Acs. do STJ de 06/06/2000 (relator Garcia Marques), de 24/04/2013 (relator Lopes do Rego) e de 2/11/2006 (relator Pereira da Silva), disponíveis in www.dgsi.pt..
[25] Cfr. Ac. do STJ de 27/09/2018 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt.
[26] Cfr., Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar online, file:///C:/Users/MJ01572/Downloads/20181126-ARTIGO-JULGAR-Exce%C3%A7%C3%A3o-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto%20(1).pdf., p. 8, e Autoridade de Caso Julgado. Breves notas sobre a sua distinção em razão do sentido decisório, Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p.  125.
[27] Cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 3ª ed. p. 201.
[28] Cfr., obra citada, p. 318.
[29] Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, p. 715.
[30] Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Embargos de Terceiro na Acção Executiva, Coimbra Editora, 2010, p. 368.
[31] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 4ª ed., 2018, Almedina, p. 689.
[32] Cfr. Rui Pinto Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar online, file:///C:/Users/MJ01572/Downloads/20181126-ARTIGO-JULGAR-Exce%C3%A7%C3%A3o-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto%20(1).pdf., p. 42.
[33] «24.º
Assim, acautelando a possibilidade de vir a proceder o recurso do recorrente - o que se suscita de forma académica e por dever de patrocínio – requer-se, subsidiariamente,, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 636º do CPC, que se amplie o recurso ao conhecimento do referido fundamento da defesa: ilegitimidade dos AA. para formulação do pedido constante do item 6) e 7) da PI. (…)» (sublinhado nosso).