HABILITAÇÃO DE SUCESSORES
POSIÇÃO JURÍDICA
CITAÇÃO
Sumário


- A habilitação incidental visa colocar o(s) sucessor(es) no lugar que o/a falecido/a ocupava no processo pendente.
- Com a decisão proferida no incidente de habilitação, transmite-se para os sucessores a posição jurídica litigiosa da parte falecida, prosseguindo estes a ação exatamente na posição desta, aceitando aqueles os termos do processo no estado em que estiverem, sem que lhe sejam conferidos novos direitos, como o de praticar atos cujos os respetivos prazos já tivessem decorrido aquando o falecimento da parte primitiva ou aquando da habilitação.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório

No processo executivo acima identificado, em que é exequente Banco 1..., SA e executada AA, vieram os herdeiros habilitados desta, BB e outros, arguir a falta de citação dessa executada.
Observou-se o contraditório, tendo a exequente pugnado pelo indeferimento do requerido.
           
Foi proferida decisão que julgou regular a citação da entretanto falecida, executada AA, assim julgando improcedente a nulidade da mesma.

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Inconformados vieram os habilitados recorrer, concluindo o seu recurso da seguinte forma:

A. A decisão de que se recorre, prolatada pelo Tribunal a quo, viola os artigos 197º, n.º 2, 198º, n.º 2 e 199º, n.º 1, todos do CPC, na medida em que julgou válida a citação da executada AA.
B. À Executada AA foi diagnosticado síndrome demencial, provável demência de Corpos de Lewy em estadio avançado, fixando-se o início da mesma em 2021, sem possibilidade de evolução positiva.
C. As conclusões do relatório pericial levado a cabo pelo INMLCF - Gab. Médico-legal e Forense de Alto Trás-os-Montes são inequívocas em determinar que a executada não tinha capacidade de exercício e, por inerência, não tinha capacidade por si só, sem curador ad litem, ser parte no processo.
D. A executada foi citada em 23 de novembro de 2021 na pessoa do filho BB.
E. No entanto, a executada AA não tinha capacidade de exercício e, consequentemente, não tinha capacidade judiciária, pelo que deverá ser julgada nula a citação, sem a observância do artigo 17º do CPC.
F. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos, quando afirma que a executada comunicou com o processo, através do requerimento de apoio judiciário, quando, na realidade, quem o fez foi uma filha da executada, CC.
G. Tal não significa, porém, que, com a receção da carta por parte de um filho, o envio do apoio por parte de outra filha e as consultas do processo executivo por parte de um outro filho, hoje habilitados, sanasse a nulidade, por manifesta falta de legitimidade, de cada um dos herdeiros à data.
H. Nenhum deles poderia ter arguido a nulidade nos momentos em que intervieram no processo, por não serem partes processuais.
I. Do mesmo modo, não pode considerar-se sanada a intervenção de Patrono Oficioso, apenas e só por se tratar de técnico jurídico, pois a vontade da executada poderia ter seguido o caminho de nada fazer, ou de proceder a uma negociação extrajudicial.
J. Certo é que, a executada não foi tida nem achada, tal como muitas das vezes acontece em casos de patrocínio do apoio judiciário, onde não raras as vezes não se conhecem os réus/arguidos e o dever de ofício obriga a responder a prazos.
K. A perícia realizada no âmbito do processo de Acompanhamento de Maior que tramitou no Tribunal da Comarca de Braga, Juízo de Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso, Proc. N.º 203/22...., visava a proteção da Beneficiária AA e seria uma questão prejudicial relativamente ao Processo Executivo, atento às conclusões a que chegou o perito médico-legal, de que a executada estaria Incapaz de reger a vida e de entender contratos, testamentos, se governar ou autodeterminar.
L. Por esse motivo, a perícia médico-legal deverá impor-se inelutavelmente aos presentes autos, devendo ser devidamente valorada como prova por Perícia, nos termos do artigo 421º do CPC.
M. Como tal, a arguida nulidade de citação deverá proceder e, em consequência deverá ordenar-se a substituição de decisão de Improcedência de nulidade, por outra que a julgue procedente, citando os Habilitados e seguindo-se os ulteriores termos do processo.

Isto posto, requerem os Recorrentes às Vossas Excelências,
Venerandos Desembargadores, que O RECURSO DE APELAÇÃO AUTÓNOMA seja JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, nos termos dos artigos 652º e seguintes do CPC, no sentido de (i) revogar a decisão recorrida e(ii)determinara substituição por outra que julgue nula a citação da Executada AA, repetindo-se a mesma nas pessoas dos herdeiros habilitados,
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Foram apresentadas contra-alegações pelo Banco 1..., SA, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
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Questão a decidir:
- Verificar se a citação da primitiva executada é ou não nula.
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Factos com interesse para a decisão da causa considerados na decisão recorrida:

1 – Banco 1... S.A. intentou, em 7/7/2021, contra AA execução comum, dando à execução uma escritura.
2 – A executada foi citada em 10/11/2021, tendo o expediente de citação sido entregue ao habilitado BB.
3 – Em 23/11/2021 a executada comunicou ao processo ter requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e nomeação e pagamento de patrono, tendo o requerimento apresentado na segurança social sido assinado pela própria.
4 – Em 24/1/2022 a executada ofereceu embargos de executado, os quais foram subscritos pela patrona entretanto nomeada.
5 – Em 10/4/2022 foi proferida sentença julgando improcedentes os embargos tendo sido interposto pela executada recurso o qual não foi admitido por ser extemporâneo.
6 – Em 24/8/2022 foi rececionado ofício dando conta da instauração, em 7/6/2022, pelo habilitado DD de processo de acompanhamento de maior da executada, que correu termos sob o nº 203/22.... do Juízo de Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso.
7 - A Executada AA faleceu no dia ../../2023, tendo sido proferida decisão de extinção do processo referido em 6 em consequência do falecimento.
8 – Em 11/9/2023 foram julgados habilitados DD, CC, BB, EE, FF e GG como herdeiros da executada falecida.
9 – A executada AA, foi submetida a exame pericial a solicitação do processo de Maior Acompanhado, Proc. N.º 203/22...., pelo Gabinete Médico Legal e Forense de Alto Trás os Montes, em 2 de novembro de 2022, tendo o relatório sido elaborado em 6 de março de 2023.
10. Neste relatório pericial, o perito é perentório em afirmar que a Beneficiária AA “[…] a partir do início do ano de 2021, a requerida estaria incapaz de se autodeterminar.” e que “a requerida não tem capacidade de compreensão e livre autodeterminação para compreender o alcance de atos/negócios jurídicos tais como a celebração de contratos, para a outorga de procuração, de testamentos[...] realizar negócios correntes do dia a dia[...]”
11. Em 09.09.2022, o habilitado DD requereu a consulta ao processo, pedido que repetiu em 13.10.2022, 26.01.2023 e 08.03.2023.
12- No processo referido em 6 foi dado conta da pendência dos presentes autos, com referência à data de instauração do mesmo.
13 – O habilitado DD exerce o cargo de cabeça de casal na herança aberta por óbito da executada.

Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir. 

Da nulidade da citação:

Os herdeiros habilitados da primitiva executada vieram arguir a nulidade da citação desta dizendo que a mesma não estava capaz de entender o alcance do ato, na data da sua prática.
                  
De acordo com o preceituado no art. 191º, nº 2, na parte com interesse para o caso em apreço, o vício em causa tem que ser arguido quando da primeira intervenção do citado no processo.

Como se constata dos factos acima descritos, a Executada, na sequência da citação em causa nos autos, deduziu pedido de apoio judiciário junto do Instituto de Segurança Social, dando disso conhecimento nos autos e, posteriormente, apresentou Embargos à Execução. Em nenhum destes atos arguiu que estava incapaz de receber a citação por sofrer de anomalia psíquica que não lhe permitia entender o ato.
           
Vejamos então, se a arguição da nulidade da citação, por parte dos seus herdeiros habilitados, é tempestiva:

O incidente de habilitação de sucessores constitui o meio processual de operar a modificação subjetiva da instância, através da substituição da parte primitiva pelos respetivos sucessores na relação substantiva em litígio (artigo 262.º do Código de Processo Civil), tratando-se de uma exceção ao princípio da estabilidade da instância caracterizada pelo falecimento da parte e transmissão por via sucessória da posição que ela ocupava na relação substantiva.
Os sucessores da parte falecida são chamados a substituir a parte falecida porque lhe sucederam na titularidade da relação substantiva em litígio e por isso têm interesse em ocupar a posição de parte.
A habilitação dos sucessores da parte falecida serve, pois, para “promover a substituição no processo de alguém com a mesma qualidade jurídica” (cfr. Salvador da Costa in Os Incidentes da Instância, 11ª ed. atualizada e ampliada, pág. 190).
A habilitação de herdeiros destina-se “a colocar o sucessor ou sucessores do falecido no lugar que este ocupava no processo (cfr. Alberto dos Reis in Código de Processo Civil anotado, vol. I, 3ªed., pág. 573).
A habilitação incidental visa, pois, colocar o(s) sucessor(es) no lugar que o/a falecido/a ocupava no processo pendente. Com a decisão proferida no incidente de habilitação, transmite-se para os sucessores a posição jurídica litigiosa da parte falecida, prosseguindo estes a ação exatamente na posição desta, aceitando aqueles os termos do processo no estado em que estiverem, sem que lhe sejam conferidos novos direitos, como o de praticar atos cujos os respetivos prazos já tivessem decorrido aquando o falecimento da parte primitiva ou aquando da habilitação.
Deste modo, no momento em que os Habilitados vieram arguir a nulidade em causa, tal arguição já se encontrava sanada (v. arts. 197º, nº 2, 198º. nº 2 e 199º, nº 1, todos do C. P. Civil).
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Ainda que assim não fosse, sempre improcederia a arguição da nulidade da citação da Executada, como veremos de seguida.

Vejamos:
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (v. art.º 219º, n.º 1, do C.P.C.).
O ato de citação pode ficar inquinado por duas espécies de vícios distintos e de consequências bem diversas: falta de citação e nulidade da citação (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 312).
Dá-se a falta de citação quando o ato se omitiu; dá-se a nulidade da citação quando o ato se praticou, mas não se observaram, na realização dele, as formalidades prescritas na lei (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 312).

O art.º 191.º, n.º 1, do C. P. C., refere que, sem prejuízo do disposto no art. 188º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
             
As modalidades de citação estão previstas nos artigos 225.º a 245.º, todos do C. P . Civil., sendo a citação pessoal, por carta registada com aviso de receção - citação postal -, ou por contacto pessoal do funcionário judicial com o citando, quando aquela se frustre, o procedimento regra (cfr. artigos 228.º, e ss. do C.P.C.).
A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, dirigida ao citando e endereçado para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o art. 227º do C P. Civil e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má-fé (art. 228º, nº 1 do C. P. Civil).
A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando. (art. 228º, nº 2 do C.P. Civil).

No caso dos autos, a citação foi efetuada por via postal, tendo a respetiva carta sido entregue ao filho da Executada, o ora habilitado BB.

As formalidades referidas no art. 228º, nºs 1 e 2, acima mencionado, foram cumpridas no caso em apreço.
           
No art. 234º, nº 1, do C. P. Civil, diz-se que, se a citação não puder realizar-se por estar o citando impossibilitado de a receber, em consequência de notória anomalia psíquica ou de outra incapacidade de facto, o agente de execução ou o funcionário judicial dá conta da ocorrência, dela se notificando o autor.
Esta disposição tem aplicação quando a citação é feita por contacto pessoal com agente de execução ou funcionário judicial, o que não ocorreu no caso em apreço. Por outro lado, “A verificação da anomalia psíquica ou de outra qualquer incapacidade de facto apenas deve conduzir ao mecanismo alternativo à citação direta do demandado quando se apresente com gravidade suficiente de molde a comprometer o exercício dos seus direitos processuais (v. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 271).

A arguição da nulidade só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citando (v. art. 191º, nº 4 do C. P. Civil).

Ora, no caso, a Executada, na sequência da sua citação para a Execução, pediu apoio judiciário e deduziu embargos de executada, exercendo os seus direitos de defesa, pelo que, mesmo existindo a alegada incapacidade, a omissão da formalidade prescrita na lei – nomeação de curador provisório para a representar no processo -  não prejudicou a sua defesa, não gerando, pois, a arguida nulidade.

Acresce que, a incapacidade da Executada não foi formalmente reconhecida, através de decisão transitada em julgado, no processo de acompanhamento de maior.           

Por outro lado, este processo apenas foi interposto após a citação da Executada para os termos da presente execução e, além disso, tal como se realça na decisão recorrida, o exame pericial realizado no âmbito dessa ação não vincula este Tribunal.
Com efeito, em regra, os efeitos dos meios de prova e, designadamente das perícias, restringem-se ao processo em que foram produzidas, no entanto, tal como dispõe o art. 421º do C. P. Civil, podem estender-se a outros processos quando existe identidade da parte contra a qual seja invocada a prova, o que não ocorre no caso em apreço.
Acresce que, como também se diz na decisão recorrida, o exame pericial não pode determinar, por si só, em face de toda a restante factualidade apurada, a conclusão que a Executada não alcançou o sentido da citação.
               
Deste modo, mais não resta que confirmar a decisão recorrida.
                
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Decisão:

Nos termos que se deixaram expostos, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
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Guimarães, 6 de junho de 2024

Alexandra Rolim Mendes
António Figueiredo de Almeida
Afonso Cabral de Andrade