PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
VALOR PROBATÓRIO
Sumário


I - No que respeita ao valor probatório da prova pericial no âmbito do processo civil, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, pelo que não vincula o julgador, que deverá apreciá-la em conjunto com os demais meios de prova - cf. o artigo 389.º do CC - sendo que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal (artigo 489.º do CPC).
II - Fica prejudicada a reapreciação da questão de direito se o recorrente baseia a decisão que preconiza em matéria de facto que não se encontra provada, pressupondo ainda a prévia modificação da decisão de facto constante da sentença relativamente a determinados factos impugnados da matéria não provada, o que não ocorreu.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Banco 1..., S.A., intentou, em 06 de junho de 2014, Execução Sumária (Ag. Execução) para pagamento da quantia de 5.069,15 € contra AA e BB, apresentando à execução a livrança com data de emissão de 06-03-2014 e de vencimento em 17-03-2014, no valor de 5.022,14 €, cujo original foi junto aos autos de execução.
A executada BB deduziu oposição à execução, mediante embargos, alegando que não assinou qualquer livrança, adiantando que houve outras situações em que a sua assinatura foi falsificada, alegando ainda que o contrato de crédito, a confirmação de ter recebido o material (com apenas o nome do co executado AA no formulário), a "Informação Normalizada Europeia (...)", as rúbricas e as assinaturas alegadamente feitas pela Oponente não foram feitas por si, apresentando algumas diferenças, apesar de poucas atento o facto de estarem escritos apenas dois nomes e a "prática" de quem andou a falsificar a assinatura da oponente.
Sublinha, por fim, que nunca viu nenhum veículo ... nem tão pouco alguma vez soube que alguém iria comprar tal veículo.
A exequente contestou, sustentando, ao que interessa, que a assinatura foi aposta na livrança foi feita em ../../2009 e não na data de emissão que dela consta, e que a livrança foi entregue ao banco exequente para garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas pelos executados no âmbito do contrato de crédito ao consumo n.º ...20 outorgado em ../../2009 em que a executada, na qualidade de mutuária, se confessou devedora ao exequente da quantia de 23.000,00 € que dele recebeu, a título de empréstimo, para aquisição de viatura.
Termina, pugnando pela improcedência dos embargos de executado e pela condenação da embargante como litigante de má fé em multa e indemnização em montante a fixar pelo Tribunal.
Foi dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual, se declarou a regularidade da instância.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a oposição à execução totalmente procedente, ordenando a extinção da execução quanto à embargante/executada, assim como o levantamento das penhoras que incidam sobre bem/bens sua pertença e/ou direito(s) de que seja titular.

Inconformado com a sentença, o embargado/exequente apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1-O aqui designado Réu vem apresentar o presente recurso, interposto da douta decisão invocando a nulidade da sentença, por falta de exame critico das provas e respetiva fundamentação ;
2- Desta forma, a sentença a quo de que agora se recorre “ julgou a presente oposição à execução por embargos deduzida pela Embargante /Executada BB, totalmente procedente , e em consequência , determina-se a extinção da instância executiva de que os presentes autos constituem apenso quanto à mesma , assim como o levantamento da (s) penhora (s) que incida(m ) sobre bem /bens sua pertença e/ou direito (s) de que seja titular”; 
3- Ou seja, é manifesto que o Tribunal a quo, não explicita o processo lógico e racional que seguiu na apreciação das provas que fez (que seja transparente, que se perceba o juízo decisório que fez sobre as provas submetidas à sua apreciação explicando os motivos pelos quais determinadas provas o convenceram e não outra), sob pena de nulidade de sentença;
4- Da referida sentença de que agora se recorre, desconhece-se o motivo / juízo decisório, que o presente Tribunal a quo, que fez sobre o depoimento das testemunhas CC , que trabalha no contecioso do embargado, exercendo as funções de advogado, bem como da testemunha DD , que trabalha na área comercial do Banco 2... crédito, agora Banco 1..., desde 1999 até à presente data;    
5- Ora, da supramencionada sentença, não se vislumbra , qualquer referência a estes depoimentos, nem que as supramencionadas testemunhas, tivessem estado na referida audiência de julgamento, o que muito nos espanta, uma vez que tiveram intervenção no processo e não são parte!  
6- De todo o modo, o dever de fundamentação verifica-se quando é conhecido o processo probatório, , isto , quando é possível conhecer e compreender o itinerário cognitivo do tribunal;  
7- Para além do mais, na sentença que seja proferida pelo Tribunal, a mesma tem de motivar a apreciação realizada do caso submetido a julgamento, expondo fundamentos suficientes (com recurso a regras da ciência, da lógica e da experiência) que expliquem o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas (a razão pela qual a convicção do tribunal se formou em determinado sentido);
8- O referido “ dever de indicação e exame crítico das provas, como elemento da fundamentação da decisão de facto”, exige que o tribunal explicite o processo lógico e racional que seguiu na apreciação da prova que fez (que seja transparente, que se perceba o juízo decisório que fez sobre as provas submetidas à sua apreciação, explicando os motivos pelos quais determinadas provas e não outras - por exemplo de sentido contrário - o convenceram), sob pena de nulidade da sentença”;  
9- Entendemos que, “o erro cometido pelo julgador, quando partiu do pressuposto falso de que a prova produzida, o depoimento da testemunha a não ser valorado, e nem referenciado, constitui uma nulidade da sentença, estando diretamente relacionada com a apontada falta de indicação e exame crítico das provas”;
10- Reportando-nos ao caso concreto, deveria a sentença de que agora se recorre, especificar concretamente o porquê de não atribuir validade a tais depoimentos, nomeadamente especificando, no caso concreto, qual o método que utilizou, uma vez que os depoimentos, são relevantes, por serem efetuados por profissionais especializados;
11º- Face ao descrito, a referida nulidade torna inválida a sentença proferida, o que implica a remessa do processo à 1ª instância para que seja elaborada nova sentença, para suprimento do vício acima apontado;

II- DO RECURSO DA MATÉRIA DE FATO

12- Da presente decisão de que se decorre, deu-se como NÃO PROVADOS , os seguintes fatos : “ que a assinatura mansucrita do nome da Embargante BB constante da livrança oferecida à execução tenha sido aposta pelo seu punho; que a assinatura manuscrira do nome da Embargante BB constante do Contrato de Crédito ao Consumo nº ...20, tenha sido aposta pelo seu punho”, quando efetivamente existe prova pericial junto ao processo que refere precisamente o contrário !   
13- Considerando para o efeito, o Recorrente que ao não ter sido dado como provados os referidos fatos, quando o deveriam ter sido, visto que consta prova capaz e de per si suficiente que permite inferir tal conclusão , estando aqui subjacente um patenteincumprimento dos deveres de cognição plasmado na alínea a) do nº 2 do artigo 5º doC.P.C, que deveria ter sido aplicado e não o foi !

DESTE MODO,

2.2 FATOS NÃO PROVADOS
14- Seguidamente, à realização da audiência de discussão e julgamento, o tribunal recorrido, deu como não provado “ que a assinatura manuscrita do nome da Embargante EE, constante do crédito ao consumo nº ...20 tenha sido aposta pelo seu punho “;   15- Entendendo o Réu/ Recorrente, que o aludido fato ao não ter sido como provado, na sentença de que se recorre, a mesma foi incorretamente julgada, visto que a mema foi impugnada pelo Recorrente e confirmada primeiro em relatório pericial efetuado no Laboratório do Professor FF, onde se conclui ser Muito Provável que a assinatura manuscrita com o nome BB aposta quer na livrança , quer no contrato sejam da autoria da Embargante;   
16- Por seu lado, e na segunda perícia que foi realizada em 28 de Julho de 2023 , no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, reconhece que “ existem semelhanças e diferenças no que respeita às características, quer de aspeto geral quer do pormenor”;   
17- Contudo, e neste último exame realizado no Laboratório da Polícia Científica, a verdade é que existe uma nota que não foi tida em conta para que fosse reconhecido como fato que a Embargante havia aposto a sua assinatura;  
18- Tal nota, neste segundo é muito clara, quando dá conta que “ a análise comparativa entre a escrita suspeita da assinatura ( doc nº 1 deste relatório ) e os autógrafos de BB , foi extremamente limitada pela reduzida extensão e traçado pouco fluente e com escassas ligações significativas da assinatura questionada”.;    
19- Porém, a referida nota, consideramos para o efeito, que a mesma não foi tida em conta para a elaboração da presente sentença de que agora se recorre, nem dos fatos que foram dados como provados;  
20- Realizadas as duas perícias , onde na primeira é muito provável que tenha sido a Recorrida a apor a sua assinatura na referida Livrança, o mesmo acontece exatamente com a segunda perícia realizada pelo Laboratório de Polícia Científica, que embora por outras palavras, traduz-se na mesma conclusão a que chegou a primeira perícia;    
21- Conclusão essa , a que não chegou o Tribunal a quo, na sentença de que agora se recorre, onde irfirma que “ a primeira Perícia realizada nos autos , cuja conclusão não foi acompanhada pela segunda realizada oelo LPC , não é por suficiente para o Tribunal fundar a sua convicção segura quanto à autenticidade da assinatura da Embargante aposta na livrança em execução e bem assim no contrato junto”.  
22- O que não foi claramente tido em conta na presente sentença, bem como à nota que é efetuada no referido relatório de perícia !     23- Por seu lado, o fato da aqui Embargante / Recorrida, ter-se divorciado do seu ex-marido apenas e só passado 4 ( quatro ) meses, após a celebração do contrato de financiamento para a aquisição do automóvel em questão nos autos, não é condição sine qua non para que se possa inferir que não tenha sido a Embargante / Recorrida a opor a sua assinatura na referida Livrança.; 
24- Reforçando-se que, não se teve em conta o resultado das duas perícias , essencialamente o da segunda perícia realizada ;   
25- Indagando-se assim de que forma é que a Mmª Juiz a quo poderia ter dado como não provado o fato de que “ a assinatura manuscrita do nome da Embargante BB , constante do contrato crédito ao consumo nº ...20 tenha sido aposta pelo seu punho “, quando para o efeito , teria que ser dado como provado que efetivamente e tenho em conta o resultado dos dois exames da perícia efetuada à sua assinatura, eram verosímeis de corresponderem à sua assinatura, sob pena de contradição das respostas à matéria de facto, tal como se verifica”;  
26- Pelo que , os fatos não provados deveriam ter sido o dado como fatos provados, tendo que ser efetuada a seguinte redação, “ que tendo em conta os dois exames periciais efetuados à assinatura, nomeadamente do Laboratório do Prof. FF – Centro Médico- Legal e o segundo exame pericial realizado no Laboratório de Polícia Científica, e os seus resultados é muito verosímel / provável que fosse a Embargante a colocar a sua assinatura manuscrita, quer na Livrança, bem como no respetivo contrato de crédito ao consumo nº ...20”;    
27-Face ao exposto, deverá o Tribunal a quo , atento nos depoimentos e documentos junto aos autos, procedendo à retificação ora apontada, por melhor se adequar à prova produzida em audiência de julgamento;   
Nestes termos e nos melhores do Direito e com douto suprimento, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença, como é de inteira e Sá justiça!».
A embargante/executada apresentou resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC, entendendo não padecer a decisão recorrida de qualquer nulidade.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, tendo o recurso sido admitido nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações dos recorrentes, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º, n.º 1, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) aferir se as referências feitas pelo apelante a propósito das questões decididas na decisão recorrida permitem consubstanciar a arguição de nulidade da sentença recorrida, e se a mesma se verifica;
B) impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
C) reapreciação de direito em função da pretendida modificação da matéria de facto.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª Instância:
1. O exequente Banco 1..., S.A instaurou, em 06 de junho de 2014, a execução de que estes autos são apenso contra BB e AA, para pagamento da quantia de 5.069,15 € (Cinco Mil e Sessenta e Nove Euros e Quinze Cêntimos).
2. Ofereceu à execução a livrança com data de emissão de 06.03.2014 e de vencimento em 17.03.2014, no valor de € 5.221,14, cujo original foi junto aos autos de execução.
3. Livrança essa e em cujo rosto no lugar destinado à assinatura dos subscritores está inscrita a assinatura manuscrita do nome da Embargante BB.
4. No requerimento executivo o Exequente alega que: 
« A LIVRANÇA, acima id, foi entregue ao BANCO EXEQUENTE, para garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas pelos EXECUTADOS, no âmbito do CONTRATO CRÉDITO AO CONSUMO n.º ...20 outorgado entre estes e o BANCO
EXEQUENTE, em 26/11/2009, em que os EXECUTADOS confessaram-se devedores ao EXEQUENTE da quantia de € 23.000,00 que dele receberam, a título de empréstimo, para aquisição de viatura, cfr documento n.º ... que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos efeitos legais.
6-OS EXECUTADOS, autorizaram expressamente o BANCO EXEQUENTE, a proceder ao preenchimento da aludida LIVRANÇA, opondo-lhe, nomeadamente, a data de vencimento, o local de pagamento e a importância do titulo, pelo valor correspondente ao capital em dívida, aos juros compensatórios e moratórios convencionados e demais encargos e penalizações contratualmente estipuladas, cf. se pode aferir do documento junto como n.º 2 .
7-COM EFEITO, os Executados nos termos do aludido CONTRATO DE MUTUO, acima id haviam-se obrigado a pagar o empréstimo de capital e juros, em prestações mensais e sucessivas, de acordo com o plano previamente acordado com o BANCO EXEQUENTE, contudo a partir da prestação vencida em 05.05.2013, os EXECUTADOS não mais pagaram ao BANCO EXEQUENTE.» 
5. A Embargante casou com AA, em ../../1985, casamento esse que foi dissolvido por divórcio declarado por decisão de ../../2010, transitada em ../../2010.
1.2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
- que a assinatura manuscrita do nome da Embargante BB constante da livrança oferecida à execução tenha sido aposta pelo seu punho;
- que a assinatura manuscrita do nome da Embargante BB constante do CONTRATO CRÉDITO AO CONSUMO n.º ...20 tenha sido aposta pelo seu punho.
2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. O recorrente começa por invocar a nulidade da sentença recorrida por falta de exame crítico das provas e fundamentação.
Segundo alega, do que consta da referida sentença não se percebe qual o motivo/juízo decisório que o Tribunal a quo fez sobre o depoimento das testemunhas CC, que trabalha no contencioso do embargado, exercendo as funções de advogado, bem como da testemunha DD, que trabalha na área comercial do Banco 2... crédito, agora Banco 1..., desde 1999 até à presente data, não satisfazendo a exigência legal do exame crítico das provas afirmar (como se fez na motivação da sentença sob recurso, no que aqui interessa analisar) generalidades que se tornam (ao contrário do pretendido pela lei) insindicáveis, quer pelos sujeitos processuais, quer pelos tribunais superiores havendo trechos da fundamentação de facto que em parte alguns foram explicados e/ou concretizados para se tornar percetível o raciocínio feito, nomeadamente especificando a valoração que foi dada ao depoimento das testemunhas supramencionadas.
Apreciando a nulidade suscitada, importa considerar que as causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nos termos do qual, é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
A nulidade prevista na citada al. b), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC está diretamente relacionada com a violação do preceituado no artigo 154.º do CPC, que impõe ao juiz o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (n.º 1), sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).
O aludido artigo 154.º do CPC está em consonância com o artigo 205.º, n. º1 da Constituição da República Portuguesa, o qual prevê que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Também o artigo 607.º, n.º 3 do CPC, relativo à sentença, impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que julga provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Conforme dispõe o n.º 4 do citado artigo 607.º do CPC, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
Neste contexto, a generalidade da doutrina e da jurisprudência vem sustentando que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente, incompleta, não convincente[1].
Por outro lado, referem ainda Lebre de Freitas-Isabel Alexandre[2]: «[f]ace ao actual código, que integra na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação desta decisão (art. 607, n.os 3 e 4), deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b) do n.º1 (falta de especificação dos fundamentos que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, n.º s 2-d e 3, alíneas b) e d)».
Deste modo, o regime previsto no artigo 615.º CPC não se aplica, sem mais, à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto, porque, conforme esclarecem Lebre de Freitas-Isabel Alexandre[3], «a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662)».
Revertendo ao caso em apreciação, logo se observa que na sentença recorrida foram claramente discriminados os factos relevantes que o Tribunal a quo considerou provados e não provados, em conformidade com o preceituado no artigo 607.º, n.º 3 do CPC, conforme decorre da própria alegação do recorrente que alude aos factos enunciados pelo Tribunal recorrido.
Mais se verifica que o Tribunal recorrido enunciou os fundamentos que entendeu determinantes para a correspondente decisão sobre a matéria de facto, como decorre do segmento «Motivação» que consta da decisão recorrida, sendo aí mencionados de forma circunstanciada e clara os meios de prova que foram decisivos para a convicção do Tribunal recorrido, bem como os critérios determinativos de tal convicção em face do conjunto da prova produzida em audiência final, tudo conjugado com as regras gerais da experiência aplicáveis à matéria que se discute nos autos.
Como tal, o Tribunal a quo apreciou todas as questões relevantes que lhe foram colocadas, o que não se confunde com a análise de todos os argumentos, motivos ou juízos de valor em que as partes fundam a sua posição na controvérsia mesmo em sede de valoração dos meios de prova.
Entendemos, assim, que o verdadeiro motivo do vício apontado pelo recorrente à sentença recorrida deriva de um alegado erro no julgamento da matéria de facto, impugnável por via do pedido de reapreciação da decisão da matéria de facto, o que o recorrente suscitou sem que, porém, tenha feito qualquer referência ao sentido dos depoimentos das testemunhas a que alude na presente arguição de nulidade, CC e DD, nem especificando eventuais segmentos/passagens da correspondente gravação que impunham decisão diversa da recorrida, assim omitindo, nessa parte, a necessária delimitação do âmbito probatório do recurso, como é seu ónus, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 640.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do CPC.
Pelo exposto, entendemos que a sentença recorrida não enferma de qualquer nulidade que aqui cumpra verificar ou declarar.
Improcede, assim, a suscitada nulidade da decisão recorrida.
2.2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
O apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, sustentando que a sentença recorrida não podia ter dado como não provados os factos  - que a assinatura manuscrita do nome da Embargante BB constante da livrança oferecida à execução tenha sido aposta pelo seu punho; - que a assinatura manuscrita do nome da Embargante BB constante do contrato crédito ao consumo n.º ...20 tenha sido aposta pelo seu punho -, quando existe prova pericial junta ao processo que refere precisamente o contrário, pelo que deveriam ter sido dados como provados, com a seguinte redação: «que tendo em conta os dois exames periciais efetuados à assinatura, nomeadamente do Laboratório do Prof. FF - Centro Médico- Legal e o segundo exame pericial realizado no Laboratório de Polícia Científica, e os seus resultados é muito verosímil/ provável que fosse a Embargante a colocar a sua assinatura manuscrita, quer na Livrança, bem como no respetivo contrato de crédito ao consumo nº ...20».
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.

O artigo 640.º do CPC prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:

«Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; 
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; 
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: 
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º». 
Efetivamente, a impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação[4].

Tal como se sintetiza no acórdão desta Relação de 10-07-2018[5], a propósito do ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, «a delimitação tem de ser concreta e específica e o recorrente têm de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura».
Resulta do exposto que a delimitação do âmbito probatório do recurso impõe, sob pena de rejeição, a indicação das concretas razões da impugnação, reportadas a determinadas circunstâncias específicas da matéria de facto impugnada ou a cada concreto facto impugnado e com referência a concretos meio probatórios.
No que respeita aos pontos da matéria de facto impugnados, observa-se que o apelante indica expressamente os concretos pontos que considera incorretamente julgados, especificando suficientemente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os factos impugnados.
Quanto ao âmbito probatório da impugnação deduzida, sustenta o recorrente que a sentença recorrida desconsiderou por completo o resultado de duas perícias, nomeadamente o da segunda perícia realizada, alegando que, existindo as referidas duas perícias, onde na primeira é muito provável que tenha sido a Recorrida a apor a sua assinatura na referida Livrança, o mesmo acontece exatamente com a segunda perícia realizada pelo Laboratório de Polícia Científica, que embora por outras palavras, traduz-se na mesma conclusão a que chegou a primeira perícia.
Mais sustenta que, no segundo exame existe uma nota muito clara que dá conta de que «a análise comparativa entre a escrita suspeita da assinatura (doc nº 1 deste relatório) e os autógrafos de BB, foi extremamente limitada pela reduzida extensão e traçado pouco fluente e com escassas ligações significativas da assinatura questionada», sendo que a referida nota não foi tida em conta para a elaboração da presente sentença de que agora se recorre, nem dos factos que foram dados como provados.
Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Tal como ressalta do preceito agora citado, a reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado em 1.ª instância, dispondo para tal a Relação de autonomia decisória de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição.
Contudo, importa sublinhar que a necessária ponderação dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova implica que «o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados»[6], sendo certo que o Tribunal recorrido enunciou os fundamentos determinantes da correspondente decisão sobre a matéria de facto, sendo aí mencionados de forma circunstanciada e clara os meios de prova que foram decisivos para a convicção do Tribunal recorrido, bem como os critérios determinativos de tal convicção em face do conjunto da prova produzida em audiência final, em conjugação com as regras gerais da experiência aplicáveis à matéria que se discute nos autos.
No caso, não estão em causa factos sujeitos a prova vinculada, nem o apelante invoca o desrespeito de norma reguladora do valor legal dos meios de prova concretamente invocados no recurso.
Assim sendo, vigora neste domínio o princípio da livre apreciação das provas, quanto aos depoimentos das testemunhas e às respostas dos peritos, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 341.º, 389.º e 396.º do Código Civil (CC).
Ora, em primeiro lugar, não se nos afigura correto afirmar-se que a sentença recorrida desconsiderou por completo o resultado de duas perícias, porquanto se observa que ambas foram valoradas pelo Tribunal a quo, conforme se extrai da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, nos seguintes termos:
«(…)
Quanto à matéria de facto não provada e que se prende com a falta de genuinidade da assinatura da Embargante na livrança oferecida à execução e no contrato onde se insere o respectivo pacto de preenchimento, a análise e comparação de letras e assinaturas exige mais do que uma observação a “olho nu”.
Na verdade, é necessário que se possuam conhecimentos técnicos especializados.
Daí que, via de regra, se determine a realização de uma perícia grafológica, como sucedeu no caso vertente.
Ora, no caso em apreço foram realizadas duas perícias.
A primeira, realizada pelo Prof. FF, Centro Médico - Legal, cujo relatório foi junto aos autos em 29-03-2022 ofício, conclui ser Muito Provável que a assinatura manuscrita com o nome BB aposta quer na livrança quer no contrato sejam da autoria da Embargante.  
A segunda, realizada pelo Laboratório de Polícia Ciêntifica, cujo relatório foi junto aos autos em 08-08-2023, do qual se extrai que a comparação da escrita suspeita com os autógrafos da Embargante se verificam diferenças e semelhanças no que se refere às características, quer de aspecto geral, quer de pormenor, sendo por isso o resultado Inconclusivo.
O que significa, portanto, que a segunda perícia realizada pelo LPC, entendeu, ao contrário do sucedeu com a primeira, que não era possível chegar a um juízo conclusivo relativamente à genuinidade da assinatura da Embargante na livrança e no contrato.
Termos, portanto, duas perícias com resultados muito distintos.   
Ademais, as testemunhas arroladas pela Embargante GG e HH, ambas suas irmãs, relataram ao Tribunal que a Embargante teve um filho que faleceu em ../../2009, em resultado de uma doença oncológia que o acometeu cerca de 4 anos antes. Mais firmaram que o casamento da Embargante se encontrava já totalmente deteriorado e que, cerca de um mês depois do falecimento do filho, a Embargante se separou do marido, separação essa que não foi pacífica.
Mais afirmaram que não é credível que a irmã houvesse assinado qualquer livrança depois da separação do pois estava totalmente incompatibilizada com o ex-marido.  
Por seu turno a testemunha II, sócio do EMP01..., Lda que de acordo com o CONTRATO CRÉDITO AO CONSUMO n.º ...20 junto pela Exequente foi a empresa fornecedora do veículo automóvel para cuja aquisição esse contrato foi celebrado, afirmou ter vendido vários carros ao casal formado pela Embargante e ex-marido.
Revelou, contudo, não se recordar especificamente de lhes ter vendido o veículo de marca ... mencionado no contrato junto aos autos, não tendo sido ele - testemunha - a negociar esse contrato e nem a recolher as assinaturas dos subscritores na livrança e nem no contrato.
Ou seja, a testemunha não foi capaz de atestar que a assinatura aposta na livrança tenha sido feita pelo punho da Embargante.  
Mais a testemunha confirmou ter tomado conhecimento do falecimento do filho do casal, mencionando que pensa que a sua morte ocorreu já após terem comprado o veículo automóvel.
Ora, foi junto aos autos o assento de nascimento do filho da Embargante, no qual está averbado o seu óbito em 28-03-2009 - cfr. doc. junto em ../../2024;
Estando ainda provado que o casamento da Embargante foi dissolvido por divórcio declarado por decisão de ../../2010.
Afigura-se-nos, por isso, credível a versão apresentada pelas testemunhas da Embargante de que esta se separou pouco tempo depois do óbito do filho.
E se assim foi, mostra-se pouco provável que a mesma tivesse acedido em assinar, em ../../2009 (4 meses antes de declarado o divórcio) em celebrar o contrato de financiamento para aquisição do automóvel em questão nos autos.
Neste contexto, afigura-se-nos que a primeira Perícia realizada nos autos, cuja conclusão não foi acompanhada pela segunda realizada pelo LPC, não é por suficiente para o Tribunal fundar a sua convicção segura quanto à autenticidade da assinatura da Embargante aposta na livrança em execução e bem assim no contrato junto».
Como - bem - enunciou o Tribunal recorrido na motivação antes transcrita, os resultados das duas perícias são distintos, pelo que carece de sentido a seguinte conclusão enunciada pela recorrente na presente apelação: «Ora, a verdade é que existindo as referidas duas perícias, onde na primeira é muito provável que tenha sido a Recorrida a apor a sua assinatura na referida Livrança, o mesmo acontece exatamente com a segunda perícia realizada pelo Laboratório de Polícia Científica, que embora por outras palavras, traduz-se na mesma conclusão a que chegou a primeira perícia!».
Neste domínio, o recorrente vem alegar que no segundo exame existe uma nota muito clara que dá conta de que «a análise comparativa entre a escrita suspeita da assinatura (doc nº 1 deste relatório) e os autógrafos de BB, foi extremamente limitada pela reduzida extensão e traçado pouco fluente e com escassas ligações significativas da assinatura questionada». Porém, o apelante não esclarece de que modo esse elemento, ou os dados extraídos em cada um dos relatórios pelos peritos da análise comparativa efetuada à letra e assinatura em causa, permitem afirmar que a segunda perícia realizada pelo Laboratório de Polícia Científica, embora por outras palavras, traduz a mesma conclusão a que chegou a primeira perícia.
Os peritos do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária (que realizaram o exame à letra que corresponde à segunda perícia efetuada nos presentes autos) enunciam no correspondente relatório o método que seguiram, as observações e os ensaios realizados, bem como os resultados obtidos, tendo concluído de forma unânime entre os dois peritos que realizaram o exame que «[a] qualidade e quantidade das semelhanças e diferenças registas no confronto da escrita suspeita da assinatura (doc 1) com a dos autógrafos de BB, bem como as limitações referidas em Nota, não permitem obter resultados conclusivos».
Ora, como se viu, no que respeita ao valor probatório da prova pericial no âmbito do processo civil, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal,  pelo que não vincula o julgador, que deverá apreciá-la em conjunto com os demais meios de prova - cf. o artigo 389.º do CC - sendo que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal (artigo 489.º do CPC)[7].
Conforme decorre do Anexo Informativo Sobre Perícias de Escrita Manual, junto aos autos com o relatório da perícia realizada pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, os resultados de tais perícias são apresentados sob a forma de conclusão, obedecendo a uma escala qualitativa com sete níveis «(“Muitíssimo Provável”; “Muito Provável”; “Provável”; “Inconclusivo”; “Provável Não”; “Muito Provável Não”; “Muitíssimo Provável Não”), sendo que os níveis que correspondem ao “Muitíssimo Provável” e “Muitíssimo Provável Não” se aproximam do grau de certeza científica, indicando o mais alto grau de semelhança e de dissemelhança, respetivamente, que pode ser estabelecido entre escritas».
Neste enquadramento, resulta manifesto que, em ambas as perícias realizadas nos autos em referência, ainda que com conclusões distintas, os respetivos peritos não lograram alcançar um resultado que, com suficiente certeza técnico-científica, confirme ou negue a aposição pela ora embargante das assinaturas que lhe são imputadas, tendo a perícia efetuada pelo Prof. FF, Centro Médico - Legal - cujo relatório foi junto aos autos em 29-03-2022 -  concluído por meros juízos de probabilidade - “Muito Provável” que a assinatura manuscrita com o nome BB aposta quer na livrança quer no contrato sejam da autoria da Embargante -, enquanto a segunda perícia realizada pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, concluiu que «[a] qualidade e quantidade das semelhanças e diferenças registas no confronto da escrita suspeita da assinatura (doc 1) com a dos autógrafos de BB, bem como as limitações referidas em Nota, não permitem obter resultados conclusivos».
Como decorre da enunciada motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, o Tribunal a quo entendeu que dos elementos factuais extraídos da conjugação da prova pericial com os depoimentos prestados pelas testemunhas, GG, HH, II, e com o teor de documentos entretanto juntos aos autos[8], foi produzida contraprova suficiente e apta a infirmar a hipótese inicial do resultado da primeira perícia, em face do que concluiu que a primeira perícia realizada nos autos, cuja conclusão não foi acompanhada pela segunda realizada pelo LPC, não é por suficiente para o Tribunal fundar a sua convicção segura quanto à autenticidade da assinatura da Embargante.
Deste modo, os referidos meios de prova foram analisados pelo Tribunal recorrido no âmbito da livre apreciação da prova, o que se mostra explicitado de forma fundamentada, clara e coerente na motivação da decisão sobre a matéria de facto, permitindo inferir quais as provas e os critérios em que o Tribunal se baseou para formar a sua convicção, após ponderar de forma conjugada e crítica o conjunto da prova produzida, valorada segundo as regras da experiência, da normalidade da vida e do senso comum, em moldes que não mereceram relevante impugnação por parte do ora apelante em sede de recurso sobre a matéria de facto e, por isso, não vemos razões para alterar em sede recursiva.
Tal como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-01-2022[9], «Uma vez que foi produzida contraprova suficiente desvirtuadora da hipótese inicial (=resultado provável do exame pericial), sendo criado no espírito do julgador um estado de dúvida irremovível quando à ocorrência do facto sob apreciação, deve tal matéria de facto ser decidida segundo a regra do ónus da prova. Assim, incumbindo o ónus da prova da veracidade da assinatura à exequente (Artigo 374º, nº2, do Código Civil), atenta a insuficiência da prova produzida, o juiz decide contra a parte onerada com a prova do facto».
Em consequência, julga-se integralmente improcedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pela apelante, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre os factos vertidos em 1.1. e 1.2. supra.
2.3. Reapreciação do mérito da decisão de direito
Atenta a improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo apelante, os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados em 1.1., supra.
Vem impugnada na presente apelação a decisão que julgou a oposição à execução totalmente procedente, ordenando a extinção da execução e o levantamento das penhoras que aí tenham sido realizadas, com custas pelo embargado/exequente.
Porém, a solução que o recorrente defende para o litígio assenta em matéria de facto não provada, pressupondo a modificação da decisão de facto constante da sentença relativamente à matéria de facto não provada, a qual não ocorreu.
Assim sendo, fica prejudicada a apreciação da solução preconizada pelo apelante, porque dependente, na sua totalidade, da prévia modificação da decisão de facto constante da sentença relativamente aos factos que permanecem assentes e do apuramento dos pontos da matéria de facto não provada que foram impugnados, o que não sucedeu - cf. os artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2 do CPC.
Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar integralmente a sentença recorrida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1 do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo.
Neste domínio, conforme esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso, a apelação foi julgada integralmente improcedente, pelo que as custas da apelação são da responsabilidade do recorrente, atento o seu decaimento.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Guimarães, 06 de junho de 2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Joaquim Boavida (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
Ana Cristina Duarte (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



[1] Neste sentido, cf. Alberto dos Reis, Ob. cit., 1984, p. 140; Antunes Varela, M. Bezerra e S. e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 687; Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 736. Na Jurisprudência cf. por todos, o Ac. STJ de 02-06-2016 (relator: Fernanda Isabel Pereira), proferido na revista n.º 781/11.6TBMTJ.L1. S1 - 7.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre - Obra citada - p. 736.
[3] Obra citada, p. 734.
[4] Cf. o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[5] Relatora: Eugénia Cunha P. 5245/16.9T8GMR-C.G1 disponível em www.dgsi.pt citando, a propósito, diversa doutrina e jurisprudência que julgamos elucidativa.
[6] Neste sentido, cf. por todos, o Ac. TRG de 30-11-2017 (relator: António Barroca Penha) p. 1426/15.0T8BGC-A. G1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Mesmo no que respeita ao valor probatório da prova pericial no âmbito do processo penal, em que, contrariamente ao processo civil, se presume subtraído à livre apreciação do julgador o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial (artigo 163.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), impondo o n.º 2 do artigo 163.º do mesmo diploma, ao julgador, a obrigação de fundamentar a divergência, sempre que a sua convicção divergir do juízo contido no parecer dos peritos, Luís Filipe Pires de Sousa (Prova Testemunhal, Coimbra, Almedina, 2016 - Reimpressão, p. 355-356), salienta: «[q]uando é ordenada a realização de uma perícia e o resultado da mesma é inconclusivo, tal situação não conduz necessariamente a uma dúvida insanável. Como resultado em causa não integra um verdadeiro juízo pericial, mas antes um estado dubitativo, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão sobre a matéria de facto de modo a superar, se possível, aquela dúvida. É o caso, por exemplo, dos exames periciais à letra e assinatura que, por vezes, são inconclusivos. Dito de outra forma, quando os peritos não conseguiram lograr um parecer livre de dúvidas, quando se conclui por um juízo de mera probabilidade ou opinativo, incumbe ao tribunal tomar posição, julgando segundo o princípio da livre apreciação da prova, não estando o Tribunal vinculado a um resultado que não assume natureza científica».
[8] Concretamente, o assento de nascimento do filho da Embargante, no qual está averbado o seu óbito em 28-03-2009 - cf. doc. junto em ../../2024; e certidão do processo de divórcio n.º .../2010, comprovativa de que o casamento da Embargante foi dissolvido por divórcio declarado por decisão de ../../2010 - cf. doc. junto em 16-01-2024.
[9] Relator Luís Filipe Sousa, p. n.º 20975/18.2T8SNT-A. L1-7, disponível em www.dgsi.pt.