ACIDENTE DE TRABALHO
MOMENTO A ATENDER PARA EFEITO DA CADUCIDADE
DEPENDÊNCIA ECONÓMICA
SERVIÇO EVENTUAL OU OCASIONAL
Sumário


A data a atender para efeito da caducidade do direito da ação relativa a acidente e trabalho, é a data da participação que inicia a fase conciliatória e não a data da propositura da ação respeitante à fase contenciosa.
Existido um vínculo de natureza laboral, com subordinação jurídica, irreleva para efeitos de aplicação da LAT, o facto de a exploração ter ou não fins lucrativos, bem como a inexistência de dependência económica.
Para efeitos de exclusão da responsabilidade nos termos do artigo 16º da LAT, o trabalho ocasional é o fortuito e de verificação imprevisível; o trabalho eventual é o contingente, indeterminável temporalmente, mas previsível”, conforme Ac. RE de 2-5-2019, processo nº 863/14.2T8TMR.E2.
Não se enquadra na previsão da norma do artigo 16º da LAT, o trabalho sazonal de poda e limpa de oliveiras a que se procede, por regra, de forma anual e no “período de repouso”.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

AA, trabalhadora agrícola, idf. nos autos, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra BB, reformado, idf. nos autos, pedindo que seja o R. condenado a pagar-lhe:

- Uma indemnização por incapacidade temporária no valor de €10,36;
- As despesas medicamentosas, consultas, deslocações ao centro Universitário de ... e despesas de transporte ao GML e tribunal, no valor total de €574,50;
- O capital de remição da pensão anual e vitalícia que vier a ser fixado em Junta médica;
- E juros de mora à taxa legal.
Alegou para tanto e em síntese que sofreu um acidente de trabalho ao serviço do R. que lhe determinou incapacidade temporária e permanente para o trabalho e que aquele nada lhe pagou a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária.
Por discordar do resultado do exame médico singular requereu a realização de junta médica.
A contestação apresentada pela ré foi considerada intempestiva.

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Foi determinado o desdobramento do processo para fixação da incapacidade para o trabalho da A., tendo sido fixada à A. no respetivo apenso a IPP de 1% desde ../../2021.
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Foi proferida sentença nos seguintes termos:

“ Perante o exposto, considerando a matéria de facto apurada e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo procedente a presente ação e, em consequência, condeno o(a)s R.(R.) BB a pagar ao(à) sinistrado(a) AA:
- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de €65,17 (sessenta e cinco euros e dezassete cêntimos) com início em 11/3/2021, a calcular de acordo com as regras constantes da Portaria nº 11/2000 de 13/1;
- a quantia de €482,08 (quatrocentos e oitenta e dois euros e oito cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária; e
- a quantia de €574,50 (quinhentos e setenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) a título de reembolso de despesas medicamentosas, consultas e deslocações;
- juros de mora à taxa legal pelas pensões e indemnizações em atraso, nos termos do art. 135º do Cód. Proc. Trabalho.
(…)”
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Inconformado o reu interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

c) Contudo, não pode o Recorrente concordar com tal entendimento, porquanto do disposto nos art.ºs 130º e 57º, n.º 1 do CPT resulta que não obstante se considerarem confessados os factos articulados pelo autor por falta de contestação, a causa tem de ser julgada conforme for de direito, o que o Tribunal a quo não fez.
d) Desde logo, devia ter dado como provado e, portanto, acrescer à lista de factos, porque essenciais e importantes para o apuramento da verdade material, que “A A. não depende economicamente do R.”, “o destino do azeite, das 80 oliveiras, é para consumo doméstico do R.”, “o R., à data dos factos, tinha 80 anos de idade” e, “o agregado familiar do R. é composto apenas pelo próprio”.
e) O que resulta quer dos restantes factos provados, nomeadamente do ponto 3, quer do auto da tentativa de conciliação realizada no dia 18-03-202, quer, ainda, da documentação junta aos autos (requerimento de proteção jurídica).
f) De igual modo, não se concorda com a fundamentação jurídica da sentença.
g) Com efeito, a ação especial emergente de acidentes de trabalho foi proposta em 23-06-2022 e consta do ponto 1 dos factos provados que o acidente ocorreu em 11-02-2021.
h) Ou seja, verifica-se a caducidade do direito de ação da A., pelo que, o Tribunal a quo devia ter conhecido oficiosamente da existência desta exceção, devendo, consequentemente, absolver o R. da instância (Art.º 179º, n.º 1 da LAT).
i) Sem prescindir, verifica-se também a incompetência absoluta do Tribunal por força do disposto nos arts.º 96º e 99º do CPC, art.º 126º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, art.º 3º, n.ºs 1 e 2 e 8º da LAT e art.º 1º, n.º 2 do DL n.º 159/99, de 11 de Maio.
j) Pois, não podendo a A. ser considerada trabalhadora autónoma economicamente dependente do R. face à factualidade provada, não se pode concluir que existe nos presentes autos uma relação de trabalho dependente entre A. e R. e, muito menos, que as questões colocadas no presente litígio emergem de um acidente de trabalho.
k) Ainda, sem prescindir de quanto se disse, sempre deveria o Tribunal a quo ter considerado que inexiste entre A. e R. qualquer vínculo de natureza laboral, por aplicação do disposto nos arts. 10º e 11º do CT e art.º 3º, n.º 2 da LAT.
l) Com efeito, como se disse, quer da factualidade dada como provada (ponto 3), quer da ata da tentativa da conciliação, quer, ainda, do documento junto com a p.i. (certidão dos Rendimentos com o correspondente IRS) – que se excetua dos efeitos da revelia por aplicação do disposto nos arts.º 568º, al. d), 574º, n.º 2 do CPC e 354º, al c) do CC – o Tribunal a quo devia ter concluído que existe nos autos factualidade suficiente para ilidir a presunção estabelecida no art.º 3º, n.º 2 da LAT.
m) Finalmente, ainda sem prescindir, sempre se dirá que, a existir vínculo laboral entre A. e R., no que não se concede, sempre estaríamos perante uma situação de exclusão da reparação por aplicação do disposto no art.º 16º, n.ºs 1 e 4 da LAT, devendo-se caracterizar os serviços prestados pela A./Recorrida ao R./Recorrente como incertos, contingentes, não determináveis temporalmente e, logo, eventuais, de curta duração, sendo prestados a uma pessoa singular numa atividade sem fins lucrativos.
n) Ainda sem prescindir, por mera cautela de patrocínio, a não se entender assim, sempre se dirá que as quantias nas quais o Recorrido foi condenado são excessivas e desproporcionais aos factos dados como provados, não se adequando ao caso concreto.
o) Destarte, o Tribunal a quo ao julgar a presente ação procedente violou o disposto nos artigos 10º, 11º, 283º todos do CT, 57º, 130º todos do CPT, 3º, 8º, 16º, 19º, 20º, 21º, 23º, 25º, 39º, 47º, 48º, 50º, 71º, 75º, 79º, 179º, n.º 1 e 181º todos da LAT, 126º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, art.º 1º, n.º 2 do DL n.º 159/99, de 11 de Maio, 96º e 99º, 568º, al. d), 574º, n.º 2 do CPC e 354º, al c) do CC.
p) Porquanto, da interpretação e aplicação das normas supra referenciadas o Tribunal a quo só́ poderia, salvo melhor entendimento, concluir pela improcedência da referida ação, e, nessa sequência, absolver o R./Recorrentes dos pedidos contra si formulados.
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Em contra-alegações rebatem-se os argumentos do réu.
A Ex.ª PGA deu parecer no sentido da improcedência, referindo além do mais que o artigo 16º da LAT se reporta a prestação de serviços.
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Factualidade.

1- A A. sofreu um acidente em ../../2021, pelas 12H00, em Alfandega ....
2- Quando, a A. trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização do réu BB, num terreno rústico e exercia as funções próprias de trabalhadora agrícola.
3- Mediante a remuneração de € 40,00 x 5 dias (por ano).
4- O acidente consistiu em a Autora, quando no final da poda das oliveiras, estava a deitar fogo aos sobrantes, com gasolina, houve uma explosão, que a atingiu na cara e mãos, que lhe provocou queimaduras na face, pescoço e mão direita.
5- Por virtude das lesões causadas pelo acidente descrito a A. esteve com incapacidade temporária absoluta, no total de 27 dias.
6- A esse título não recebeu qualquer quantia do réu.
7- Teve despesas com deslocações obrigatórias ao tribunal, gabinete médico legal de ... e quatro (4) deslocações ao Centro Hospitalar e Universitário ..., assim, como despesas medicamentosas, tudo no valor de €574,50.
8- No apenso para fixação da incapacidade da A. foi fixada à sinistrada AA uma incapacidade parcial permanente (IPP) para o trabalho de 1% desde ../../2021.
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Aditado:
- “A A. não depende economicamente do R.”
- “o destino do azeite, das 80 oliveiras, é para consumo doméstico do R.”
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Apreciando:

Questões colocadas:
Incompetência absoluta do tribunal.
- Caducidade do direito de ação.
- Impugnação dos factos 1 e 2.
- Inexistência de relação laboral.
Inexistência de dependência económica.
Exploração não lucrativa tendo vista consumo doméstico.
- Exclusão de reparação por prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração – artigo 16º da LAT
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Da incompetência absoluta:

Refere a recorrente a incompetência absoluta do tribunal invocando a inexistência de relação laboral.
Nos termos do artigo 96.º do CPC, “a infração das regras de competência em razão da matéria”, determina a incompetência absoluta do tribunal. Esta constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição do réu da instância - artigos 97.º, 99.º, 278.º, n.º 1, alínea a), 577.º, alínea a) -.
Dispõe o artigo 578.º do CPC:
Conhecimento das exceções dilatórias
O tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º.
Quanto ao momento do conhecimento, oficioso ou a requerimento, dispõe o nº 2 do artigo 97º do CPC, que “a violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final”. Vd. STJ de 23-5-2018, processo nº 202/16.8T8MTS.P1.S1 e de 9-5-2023, processo nº 4105/21.6T8VNG.P1.S1.
No caso, apenas no recurso foi levantada a questão da incompetência absoluta, pelo que sempre seria intempestiva a arguição.
Sempre se dirá que não ocorre a invocada incompetência. A competência absoluta do tribunal, como é entendimento unânime, afere-se pela pretensa relação material, pela relação ajuizada tal como apresentada pelo autor.
Como se refere no Ac. STJ de 27-5-2003, processo nº 03B1484, “a competência judiciária em razão da matéria (a par da competência em razão da hierarquia e internacional) é de ordem pública e só pode decorrer da lei. E é indelegável, a não ser que a lei permita a delegação.
Fixa-se em função da natureza da matéria a judicar, sendo relevante, como critério, a sua atribuição ao tribunal que mais vocacionado estiver para conhecer do objeto da causa respetiva.”
A matéria a judicar é aquela que o autor trás a tribunal. Vd. Ainda entre outros, Ac. STJ de 9/5/2023, acima referido; RP de 5-6-2023, processo nº 2182/22.1T8VFR.P1; de 26-1-2023, processo nº 19792/21.7T8PRT-A.P1; RL de 10-3-2022, processo nº 19750/20.9T8LSB.L1-2; RG de 24-9-2020, processo nº 162/20.0T8MNC.G1.
A autora invoca acidente de trabalho, decorrente de prestação em favor do réu, sob autoridade deste. A competência do tribunal resulta do artigo 126º, 1, c) da LOSJ – L. 62/2013, de 26 de agosto.
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Caducidade do direito de ação.
O recorrente sustenta a caducidade referindo o artigo 179º, 1 da LAT.
Refere que o sinistro ocorreu a ../../2021, tendo a ação entrado a 23-6-2022.
A data de 23-6-2022 reporta-se à dedução da petição inicial, após a frustração da tentativa de conciliação.
Ora, como bem se dá nota no parecer do MºPº, o processo inicia-se por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público e tem por base a participação do acidente, conforme artigo 99º do CPT. O que tem sido entendimento, ao que cremos, sem dissonâncias. Vd. RC de 8-5-2008, processo nº 160-B/2000.C1.
Refere o nº 1 deste; “o processo inicia-se por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público e tem por base a participação do acidente”.
Ora a participação a tribunal do sinistro ocorre a 1-3-2021, muito antes do decurso do prazo de caducidade, pelo que improcede a alegação.
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- Quanto aos factos:
Refere o recorrente que devia ter dado como provado e, portanto, acrescer à lista de factos, porque essenciais e importantes para o apuramento da verdade material, que “a A. não depende economicamente do R.”, “o destino do azeite, das 80 oliveiras, é para consumo doméstico do R.”, “o R., à data dos factos, tinha 80 anos de idade” e, “o agregado familiar do R. é composto apenas pelo próprio”.
Refere resultar dos restantes factos provados, nomeadamente do ponto 3, quer do auto da tentativa de conciliação realizada no dia 18-03-202, quer, ainda, da documentação junta aos autos (requerimento de proteção jurídica).
Consta do auto de conciliação:
“ Aberta a diligência, … deu a palavra à sinistrada e á entidade empregadora, que se pronunciaram sobre o acidente, a forma como o mesmo ocorreu, as incapacidades sofridas pela sinistrada, o salário e demais circunstâncias e elementos do sinistro.
Pela Digna Magistrada do Ministério Público foi perguntado à entidade responsável qual o destino do azeite, das 80 oliveiras em causa, ao que o mesmo respondeu que é para seu consumo doméstico.
Mais acrescentou que a sinistrada por ano trabalha para si, á jeira, 4 ou 5 dias, pelo valor diário de € 40,00.
Questionada a sinistrada a mesma confirmou o declarado pela entidade responsável e ainda que não depende economicamente da mesma.
A análise dos elementos constantes destes autos, conjugados com as declarações agora prestadas pelas partes, fazem-nos concluir pela ocorrência de um acidente, com as seguintes características:
(…)
Dada a palavra à sinistrada, por ela foi dito que concorda:
com os dados e elementos do acidente, o salário diário auferido, os períodos de incapacidades temporárias e respetivos graus, o montante da indemnização a que tem direito pelos períodos de incapacidades temporárias, o montante de pensão que tem direito pela incapacidade permanente, o montante das despesas reclamadas e a data da alta.
Não aceita o grau de incapacidade permanente de 3% atribuída pelo perito médico do GML.
Foi chamada para trabalhar á jeira, pelo Srº BB. Já mais vezes isso tinha acontecido, uma vez que o mesmo explora terrenos agrícolas na localidade de Alfandega ....
No dia do acidente estava a declarante e o seu filho CC, a trabalharem á jeira, pelo que recebiam a quantia diária de € 40,00, cada um.
Já no dia anterior ao do acidente tinham trabalhado e os dois dias de trabalho foram pagos pelo Srº BB.
Por isso não aceita o acordo nos termos propostos pela Sra Procuradora da República
Dada a palavra à entidade empregadora, por ela foi dito que:
Estava no terreno onde ocorreu o acidente, mas não viu como o mesmo ocorreu A sinistrada no dia do acidente estava a queimar sobrantes da limpeza das oliveiras, num terreno que ele cultiva.
Não aceita o acidente como de trabalho, uma vez que não havia dependência económica.
Para proceder á queima dos sobrantes colocou gasolina num pulverizador para melhor efetuar a queima.
Não aceita o resultado do exame do GML.
Não aceita pagar qualquer quantia, quer seja a titulo de pensão, indemnização, despesas ou outras.
Por isso não aceita o acordo nos termos propostos pela Srª Procuradora da República…”
A factualidade resultou da aplicação do artigo 130º e 57º, 1 do CPT – considerados confessados os factos articulados pelo autor -.
Devem considerar-se assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação – artigo 131º, c) do CPT; 111 e 112 do CPT; e 607º, 4, segunda parte do CPC -.

Assim é de aditar a seguinte factualidade:

- “A A. não depende economicamente do R.”
- “o destino do azeite, das 80 oliveiras, é para consumo doméstico do R.”
Quanto à restante matéria que se pretende seja aditada, não resulta dos elementos indicados, não constituindo o requerimento de apoio judiciário elemento probatório com força probatória plena. É de manter o decidido.
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- Inexistência de relação laboral.
Inexistência de dependência económica.
Exploração não lucrativa tendo vista consumo doméstico.
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O requerente refere, citando Ac. RG de 19-3-2020, proc. n.º 2953/17.0T8BCL.G1, que “ a LAT está para as situações em que a lei impõe a realização de um seguro de acidentes de trabalho, conforme artigo 79º da LAT, artigo 4º, 2 do decreto que aprova o CT, artigo 283 do CT, artº 1º do D.L. 159/99, salvos os casos legais de dispensa de transferência da responsabilidade”, sendo que nos termos do disposto no art.º 1º, n.º 2 do DL n.º 159/99, de 11 de maio, “são dispensados de efetuar este seguro os trabalhadores independentes cuja produção se destine exclusivamente ao consumo ou utilização por si próprio e pelo seu agregado familiar”.
O diploma referido reporta-se ao seguro a efetuar pelo próprio trabalhador independente, e ao desempenho de tarefas cuja produção se destine exclusivamente ao consumo ou utilização do próprio trabalhador e do seu agregado familiar. Trata-se da situação prevista no artigo 4º, 2 da Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro, que aprova o do Código do Trabalho.
Não é o caso dos autos, em que não resulta demonstrado que a sinistrada fosse trabalhadora por conta própria, já que a responsabilidade é exigida não à seguradora de trabalhador independente, mas sim a “empregador”. Por outro, a “produção” do respetivo trabalho destina-se não ao consumo do trabalhador e seu agregado, ma sim ao consumo doméstico de outrem, o empregador.
Refere ainda não se concluir, de modo algum, que existe nos presentes autos uma relação de trabalho dependente entre A. e R., aludindo à falta de dependência económica, referindo a norma do artigo 3º da LAT

Refere o artigo 3º da LAT:
Trabalhador abrangido
1 - O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.
2 - Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços.
3 - Para além da situação do praticante, aprendiz e estagiário, considera-se situação de formação profissional a que tem por finalidade a preparação, promoção e atualização profissional do trabalhador, necessária ao desempenho de funções inerentes à atividade do empregador.
Alude ainda à natureza não lucrativa da exploração, referindo o artigo 4º da LAT. A circunstância de a exploração ser ou não lucrativa, tratando-se de trabalhador por conta de outrem, irreleva, conforme resulta do nº 1 do artigo 3º da LAT.
Quanto à abrangência da LAT, dos artigos 1º e 2º da LAT, resulta que o regime remete para a situação de “trabalhador”, com o recorte que resulta quer do artº 11º do CT, quer da al. c) do artigo 4º do D.L. 7/2009, quer do nº 2 do mesmo artigo.
Relativamente ao conceito do artigo 11º do CT, o mesmo vem concretizado no artigo 3º da LAT, que prescreve nos seguintes termos:
“O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.”
A previsão do nº 2 do normativo, no sentido de que “quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços”, dá acolhimento à previsão do artigo 4º, 1, c) da lei que aprova o CT.

É do seguinte teor este normativo:
Artigo 4.º
Acidentes de trabalho e doenças profissionais
1 - O regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, previsto nos artigos 283.º e 284.º do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, aplica-se igualmente:
a) A praticante, aprendiz, estagiário e demais situações que devam considerar-se de formação profissional;
b) A administrador, diretor, gerente ou equiparado, sem contrato de trabalho, que seja remunerado por essa atividade;
c) A prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolve a sua atividade na dependência económica, nos termos do artigo 10.º do Código do Trabalho.
2 - O trabalhador que exerça atividade por conta própria deve efetuar um seguro que garanta o pagamento das prestações previstas nos artigos indicados no número anterior e respetiva legislação regulamentar.
A lei refere-se a “trabalhador” e pressupõe uma situação laboral, ou equiparada, para efeitos da LAT, (ex: prestadores de serviços na dependência económica do tomador, ao abrigo da al. c) do artigo 4º da lei que aprova o CT), no quadro de um desempenho profissional.
Ora, sendo assim, a situação de dependência económica visa o preenchimento de uma situação de prestação de trabalho, fora do quadro de uma relação de subordinação.
Existindo uma relação de subordinação a situação enquadra-se diretamente no nº 1 do artigo 3º da LAT, sendo indiferente a situação de subordinação económica ou não. Compreende-se no quadro de circunstâncias do caso, que o trabalhador agrícola à jorna, não dependa economicamente de um “empregador”, mas sim do seu trabalho, i é, dos vários empregadores.
Da factualidade resulta que a autora trabalhava num terreno rústico do réu, exercendo as funções próprias de trabalhadora agrícola, poda de oliveiras e limpeza dos restos. Conforme aceite na tentativa de conciliação a autora exercia essa atividade para o réu, à jeira, quatro ou cinco dias por ano. Prestava tal atividade sob a autoridade do réu – “sob as ordens direção e fiscalização deste”. Assim, o sinistro enquadra-se não regime da LAT, sendo indemnizável nos termos desta.
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- Exclusão de reparação por prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração – artigo 16º da LAT
Sustenta-se a aplicabilidade da norma do artigo 16º da LAT ao caso dos autos.
A prova da causa de exclusão da responsabilidade compete à empregadora ré – artigo 342, 2 do CC.

Refere a norma:
Situações especiais
1 - Não há igualmente obrigação de reparar o acidente ocorrido na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, a pessoas singulares em atividades que não tenham por objeto exploração lucrativa.
2 - As exclusões previstas no número anterior não abrangem o acidente que resulte da utilização de máquinas e de outros equipamentos de especial perigosidade.
Segundo o recorrente, considerando que a A. trabalha para o R. 5 dias ao ano, o que sucede de forma intermitente e indefinida, ou seja, não está previamente determinada no tempo, deveria considerar-se o trabalho como incertos, contingentes, não determinável temporalmente e, logo, eventual.
O conceito relevante para a norma em apreço, aponta no sentido de que deve tratar-se de trabalhos fortuitos, de verificação imprevisível  -
Ac. RC citado pelo  recorrente, de 31-1-2008, proc. nº 14/05.4TTGRD.C1; ou ainda que previsíveis, temporalmente contingentes. A prestação do trabalho deve ser acidental.
“Para os fins do art. 16.º n.º 1 da LAT, o trabalho ocasional é o fortuito e de verificação imprevisível; o trabalho eventual é o contingente, indeterminável temporalmente, mas previsível” – Ac. RE de 2-5-2019, processo nº 863/14.2T8TMR.E2.
Ora a poda de oliveiras não é contingente, ocorrendo por norma e preferencialmente todos os anos e em tempo previsível – durante o repouso, fevereiro a abril -. Os trabalhos agrícolas sazonais não preenchem aqueles requisitos, já que previsíveis, e regulares. Indemonstrada está a causa de exclusão.
O recorrente refere ainda que as quantias em que condenado são excessivas e desproporcionais aos factos dados como provados, não se adequando ao caso concreto. Não refere o recorrente os fundamentos para tal conclusão.
Na decisão consideram-se os termos da LAT, referindo-se quanto ao salário a atender:
“ Quanto aos critérios de determinação da retribuição de base para efeitos de cálculo das prestações legais e à definição do que deve entender-se por retribuição mensal e anual há que ter presente o estabelecido no artigo 71º da NLAT. Assim, …
(nº 4); “Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos”
(nº 5); “O disposto nos nºs 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador” (nº 8); por fim “Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho” (nº 11).
Ora, os factos provados subsumem-se à situação prevista no nº 8 do art. 71º da NLAT, ou seja, à prestação de trabalho não regular. Não se provou quanto tempo duraria, em média, a tarefa contratada e nada se apurou, concretamente, sobre a média dos dias de trabalho prestados no ano anterior ao acidente. Provou-se apenas que a A. auferia a retribuição diária de €40,00. Assim, a determinação da retribuição terá de fazer-se segundo o prudente arbítrio do juiz. Na falta de outros elementos, considera-se adequado ter por critério a retribuição mínima mensal garantia em vigor à data do acidente, que era de € 665,00 (Decreto-Lei n.º 109-A/2020 de 31 de dezembro). Perfaz, assim, a retribuição anual de € 9.310,00, que servirá de cálculo às prestações a que a sinistrada tem direito.”
Note-se que, independentemente do maior ou menor número de dias de trabalho prestado para o concreto “empregador”, a reparação visa compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade para o trabalho e correspondendo àquela capacidade aquisitiva, de 40 euros dia. Consequentemente, considerando os rendimentos considerados, tendo em conta o potencial aquisitivo num “putativo “emprego a tempo inteiro (que sempre pode abraçar no futuro), o valor encontrado não merece reparo.
Improcede a apelação na totalidade, sem prejuízo da alteração da matéria de facto.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas pelo recorrente.
12.6.2024

Antero Veiga
Francisco Pereira
Vera Sottomayor