PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO
INTERNAMENTO
CÚMULO JURÍDICO
Sumário

I - “O modelo da Lei Tutelar Educativa, superando o antigo modelo paternalista da antiga OTM, incorpora um modelo de justiça (de responsabilização), voltado para uma educação para o direito, prevendo uma lista de opções de medidas que só no caso concreto, mediado pelas idiossincrasias da criança ou jovem, serão alvo de uma escolha. Medidas essas de responsabilização educativa, que trazem impregnadas, a título secundário embora, finalidades de prevenção geral positiva”.
II - A medida tutelar deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito, manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão.
III - A medida de internamento visa proporcionar ao menor, por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável, não podendo a sua duração exceder, em caso algum, o limite máximo da pena de prisão prevista para o crime correspondente ao facto.
IV - Quando for aplicada mais do que uma medida de internamento ao mesmo menor, sem que se encontre integralmente cumprida uma delas, é efectuado o competente cúmulo jurídico de medidas, nos termos previstos na lei penal, o que nos remete para o disposto nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

        A – Relatório

1. Pela Comarca de Leiria (Caldas da Rainha – Juízo de Família e Menores – Juiz 1), sob requerimento do Ministério Público de abertura da fase jurisdicional, imputando, em concurso efectivo, a prática de cinco factos qualificados como incêndio florestal, previsto no artigo 274º, nº 1, do Código Penal, e um facto qualificado como incêndio florestal agravado, previsto no artigo 274º, nºs 1 e 2, alínea a), do mesmo diploma legal, foi submetido a julgamento, perante tribunal colectivo misto, o jovem

AA, filho de BB e de CC, nascido em ../../2008, residente na Rua ..., ..., ..., atualmente sujeito à medida cautelar de guarda no Centro Educativo ..., em ....

2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida decisão, a 15.2.2024, decidindo-se nos seguintes termos:

“Nos termos e fundamentos expostos, este Tribunal Coletivo Misto,

-    Julga integralmente procedentes, por provados, os factos que determinaram a apresentação do requerimento de abertura de fase jurisdicional para aplicação de medida tutelar educativa ao jovem AA e, consequentemente,

-    Decide aplicar ao jovem AA, as seguintes medidas tutelares educativas:

-    Pela prática dos factos ocorridos na ..., no dia 18.07.2023, pelas 21:52H, a medida de internamento em centro educativo, em regime fechado, pelo período de 15 (quinze) meses;

-    Pela prática dos factos ocorridos no ..., no dia 19.07.2023, pelas 1:30H, a medida de internamento em centro educativo, em regime fechado, pelo período de 15 (quinze) meses;

-    Pela prática dos factos ocorridos na ..., no dia 19.07.2023, pelas 1:38H, a medida de internamento em centro educativo, em regime fechado, pelo período de 15 (quinze) meses;

-    Pela prática dos factos ocorridos na ..., no dia 19.07.2023, pelas 17:20H, a medida de internamento em centro educativo, em regime fechado, pelo período de 15 (quinze) meses;

-    Pela prática dos factos ocorridos na Quinta ..., ..., no dia 19.07.2023, pelas 23:00H, a medida de internamento em centro educativo, em regime fechado, pelo período de 15 (quinze) meses;

-    Pela prática dos factos ocorridos no ..., no dia 4.08.2023, pelas 15:00H, a medida de internamento em centro educativo, em regime fechado, pelo período de 18 (dezoito) meses;

-    Em cúmulo jurídico, decide aplicar a medida tutelar educativa única de internamento em centro educativo, em regime fechado, pelo período de 3 (três) anos”.

3. Inconformado com a douta decisão, veio o jovem AA interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“1ª O recurso da matéria de facto, funda-se na existência de um erro de julgamento e implica que o tribunal ad quem reaprecie a prova produzida e examinada na audiência de julgamento na 1ª instância e se dê como não provada a matéria referente a pratica dos crimes de incendio.

2ª Considera-se não haver qualquer prova direta sobre a prática pelo menor pelos crimes de que foi condenado, sendo a prova produzida no sentido de haver dúvida razoável, o que necessariamente levaria a sua absolvição.

3º E, caso assim se não entenda, considera-se a medida exagerada, sendo a medida exagerada e desproporcionada, devendo a mesma ser fixada pelo período máximo de 1 ano .

A aplicação da medida de 3 anos viola o - princípio da necessidade - artigo 3.º.

4ª a medida tutelar, pelo período de 3 anos viola o direito a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade, violando-se o artigo 2.º n.º 1, da LTE, acentuando-se, neste segmento, a vertente socializadora da intervenção tutelar em conformidade com as exigências de defesa da sociedade.

5º A determinação da duração da medida deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão - artigo 7.º, n.º 1, da LTE -, princípio regulativo esse que assume um papel limitador do poder-dever educativo do Estado. E tal medida no limite máximo legal viola tal desiderato.

Pelo exposto,

Deve a sentença ser anulada e o arguido absolvido ou, caso assim se não entenda, deve a medida ser reduzida para um ano, devendo ainda ser revogado o douto despacho que declarou o transito em julgado da sentença”.

4. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo jovem, pugnando pela sua improcedência e manutenção da decisão recorrida, concluindo que:

“I. Não carece de qualquer reparo a matéria de facto dada como provada em sede de sentença, uma vez que da analise de toda a prova carreada para os autos (documental e testemunhal) conjugada com a prova produzida em sede de audiência, permitiu imputar ao jovem os factos constantes do requerimento para abertura da fase jurisdicional.

II. Não assiste razão ao recorrente quanto ao alegado erro de julgamento, desde logo porque a convicção do Tribunal a quo se formou, conforme supra se disse, a partir da conjugação dos diversos elementos de prova, entre si, analisados à luz das regras da experiência e da livre apreciação de prova;

III. Consequentemente, não merece qualquer reparo a medida tutelar educativa aplicada ao jovem a qual é justa, adequada e proporcional face aos comportamentos adoptados pelo jovem e a sua necessidade de educação para o direito.

IV. Deve, pois, de improceder o recurso, pois os factos provados resultam da correcta apreciação da prova produzida.

V. Daí que a mesma não viole quaisquer princípios ou normas legais, designadamente, os alegados pelo recorrente”.

5. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da sua improcedência e manutenção da decisão recorrida.

Afirma que decorre da lógica recursiva que se pretende fazer uma impugnação ampla da matéria de facto, decorrente da existência de um putativo erro de julgamento, conforme foi alegado expressamente.

Ora, o recorrente, nem na motivação/fundamentação nem nas conclusões do seu recurso, cumpriu o designado ónus de impugnação especificada, pois não especificou quais os concretos factos que pretendeu impugnar, nem a prova ou provas que, para cada um deles, imponha decisão diversa.

Tal é manifestamente insuficiente para que o Tribunal ad quem tenha como procedente esta forma de impugnação da matéria de facto.

Cremos mesmo que, nesta parte, o recurso deverá ser liminarmente rejeitado/julgado improcedente, não havendo, sequer, convite à respetiva correção.

6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o jovem respondido ao douto parecer.

7. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência – artigo 126º da LTE.

8. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

               *

       

        B – Fundamentação

1. Nos termos do artigo 128º da LTE, aplica-se subsidiariamente às disposições do Processo Tutelar o Código de Processo Penal.

Assim, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que dispõe que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

São, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº 2, e 410º, nº 3, do mesmo diploma legal).

O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28.12.1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11.7.2019, in www.dgsi.pt; de 25.06.1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28.04.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193).

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

- impugnação ampla da matéria de facto;

- caso assim não se entenda, se o período de internamento aplicado é excessivo, desnecessário e desproporcionado, devendo ser reduzido para 1 ano.

3. Para decidir das questões supra enunciadas, vejamos a factualidade e motivação da decisão recorrida.

“A.  FACTOS PROVADOS

Resultam demonstrados nos autos os seguintes factos:

- requerimento de abertura de fase jurisdicional

1. No dia 18/7/2023, pelas 21h52m, o AA, na ... (...), freguesia ... Sra. do ..., ..., ateou fogo a mato, gesta, carrasco e silvas secas existentes junto a um aglomerado de eucaliptos. As chamas consumiram aquelas espécies de vegetação e eucaliptos numa extensão de 1,64 ha, pelo período aproximado de 2hs20m. Não assumiram maiores proporções em virtude de terem sido combatidas por cinquenta e três bombeiros das corporações de ..., ... e ..., com utilização de onze viaturas de combate a incêndios.

2. No dia 19/7/2023, sensivelmente entre as 1hs e as 1h30ms, o AA ateou, em três locais distintos mas próximos uns dos outros, fogo a mato e ervas secas existentes em ... (...), ..., junto a um aglomerado de árvores. Para tal, o AA utilizou designadamente três acendalhas, nas quais provocou ignição, de modo a mais facilmente conseguir a propagação das chamas.

3. Em consequência da conduta do jovem, ardeu mato numa extensão de 0,05346 ha.

4. De seguida, o AA dirigiu-se para a ..., ..., onde, junto à EN ..., ao Km 95 desta, na extrema de outro aglomerado de árvores, designadamente eucaliptos, o AA de novo ateou fogo a tojo seco existente no solo, em três locais diversos e próximos uns dos outros.

5. Em consequência da conduta do jovem, arderam tojo e árvores, designadamente eucaliptos, numa extensão de 0, 24446 ha.

6. Nas duas circunstâncias acima identificadas as chamas não alcançaram maior dimensão, nem consumiram outros bens, devido ao facto de os bombeiros terem sido alertados e terem intervindo. No combate às chamas estiveram envolvidos cinquenta e quatro bombeiros, de diversas corporações, apoiados por doze viaturas de combate a incêndios. A intervenção dos bombeiros teve lugar pelo período de aproximadamente três horas.

7. Uma vez mais em 19/7/2023, mas sensivelmente entre as 17hs e as 17h20m, o AA, no local da ..., em ..., ..., ateou fogo a mato, ervas e silvas secas existentes junto a aglomerado de árvores, designadamente pinheiros e eucaliptos. As chamas consumiram mato, silvas e erva numa extensão de 0,55 há durante sensivelmente uma hora. Não assumiram maiores proporções em virtude de terem sido combatidas por quarenta e dois bombeiros das corporações de ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., com utilização de doze viaturas de combate a incêndios.

8. Ainda em 19/7/2023, mas sensivelmente às 23 hs, o AA, na Quinta ..., ..., ..., junto ao campo de tiro ali existente, ateou fogo a mato, silvas e ervas secas, numa extensão de 0,5 ha. As chamas não tiveram maior propagação devido a pronta intervenção de bombeiros das corporações de ..., ..., ..., ..., ... e ....

9. No dia 4/8/2023, por volta das 15 hs, o AA ateou fogo a mato, silvas e arbustos secos em ..., .... As chamas vieram a consumir tais bens e ainda eucaliptos, numa extensão de sensivelmente 2 ha. As chamas chegaram a atingir e queimar relva existente no jardim de uma casa de habitação próxima, com valor bastante superior a 5.100€.

10. As chamas foram combatidas, até às 20h30 do dia 4/8/2023, por sessenta e cinco bombeiros das corporações de ..., ..., ..., ..., ... e .... Só por isso não assumiram maiores proporções nem consumiram a casa de habitação acima referida.

11. Nas deslocações acima descritas o AA deslocava-se numa motorizada elétrica predominantemente de cor branca, de sua pertença.

12. O AA quis levar a cabo cada uma das condutas acima descritas, o que fez de modo consciente e voluntário.

13. Tinha conhecimento do caráter reprovável de cada uma delas e das consequências de tais condutas.

14. Agiu no conhecimento de que delas poderia resultar nomeadamente a destruição, pelo fogo, de casas de habitação, entre elas a acima referida, tendo-se conformado com tal possibilidade, só não ocorrida devido à intervenção dos bombeiros.

15. O agregado familiar do AA é integrado por ele e pelo pai.

16. Os progenitores do jovem mantiveram uma relação afetiva ao longo de dez anos e viveram maritalmente durante dois, tendo a separação ocorrido há cerca de seis anos. Desde então, a relação entre os progenitores do AA tem-se mantido altamente conflituosa.

17. O AA permaneceu a cargo do pai e dos avós paternos durante cerca de um ano e meio. Entretanto esteve sujeito a acolhimento residencial durante nove meses.

18. De seguida, ficou sujeito a apoio junto da mãe. Posteriormente foi sujeito à medida de apoio junto do pai, tudo no âmbito do processo de promoção e proteção nº 67/09...., do juízo de família e menores .... Tal processo foi arquivado em 21/11/2202, na sequência de acordo, judicialmente homologado, de 20/12/2022, obtido no âmbito do processo 67/09...., nos termos do qual o jovem passou ficar, de “direito”, a residir com o pai, como atualmente sucede.

19. Quer o progenitor quer a progenitora do AA sempre tiveram dificuldade em estabelecer regras e limites ao filho.

20. Não falam um com o outro e depreciam o outro progenitor perante o filho.

21. O AA padece de “… Perturbação Desafiante de Oposição, que se carateriza por um padrão de humor zangado/irritável e um comportamento conflituoso/desafiante. Sendo que frequentemente perde o controlo, com frequência é suscetível ou facilmente incomodado pelos outros, sente frequentemente raiva e ressentimento e não se considera opositor ou desafiador, pelo contrário, nega ou justifica o seu comportamento como resposta a exigências, circunstâncias ou comportamentos dos outros, revelando uma completa falta de insight relativamente ao seu funcionamento”.

22. No âmbito do processo tutelar educativo nº 67/09...., que correu no juízo de família e menores ..., foi aplicada ao AA a medida de acompanhamento educativo pelo período de 12 meses, com as obrigações de frequência escolar com pontualidade, assiduidade e bom comportamento, quer com os professores, quer com os empregados da escola, quer com os colegas e acompanhamento pedopsiquiátrico e psicológico.

23. Tal medida foi aplicada ao AA em virtude de o mesmo ter sido considerado autor de factos qualifica como injúria, ameaça e ofensa à integridade física, todos agravados, na pessoa de um professor, na escola.

24. Tal medida não foi cumprida, designadamente porque o AA no ano letivo 2022/2023 faltou inúmeras vezes às aulas.

25. Veio a ficar retido no 9º ano de escolaridade, que frequentou.

26. No dia 28/2/2023, pelas 8h30m, o progenitor do jovem pediu a intervenção da PSP, já que o filho se “barricara” no quarto, recusando-se a abrir-lhe a porta.

27. Então, o progenitor referiu à PSP que o AA lhe dizia querer ir-se embora de casa, tendo, até, a “mala feita” há uns dias, para tal efeito.

28. Para irritar o pai, o AA chegou a pegar em farinha e cheirou-a, para fazer crer que consumia cocaína.

29. Na data citada, o AA disse à PSP que queria ir embora para o Algarve ou para o estrangeiro, para junto de outros familiares.

30. No mesmo dia o AA de novo se fechou no quarto, não abrindo a porta ao pai, tendo a PSP sido chamada outra vez por este, pelas 20hs, a fim de o jovem ser conduzido ao hospital, por estar descompensado e não ter comido todo o dia.

31. Em consequência das citadas condutas e do seu absentismo escolar, o AA foi sujeito, em 10/4/2023, à medida de apoio junto do pai, no âmbito de processo de promoção e proteção que correu na CPCJ ..., entretanto remetido ao M. Público, face à gravidade dos factos indiciados nos presentes autos.

32. O progenitor do AA apresenta os seguintes fatores de risco para o exercício da parentalidade, pericialmente aferidos: “(i) modelos parentais recebidos pelos seus pais marcados por distanciamento afetivo, estilo parental marcado por fraca supervisão e não aceitação das suas características pessoais por parte do pai; “(ii) desinvestimento afetivo no filho percetível como deixa o menino aos cuidados da avó paterna e ainda pela forma como descreve a criança ao longo do seu desenvolvimento, com tónus marcadamente depreciativos e salientando as suas dificuldades desenvolvimentais, relativamente às quais responsabiliza a figura materna, demarcando-se por completo; o Sr. BB revela ainda uma atitude de desresponsabilização e demissão face ao comportamento que o AA tem evidenciado com a mãe, culpando esta ultima e parecendo, por vezes, reforçar as suas atitudes inaceitáveis da criança para com esta (por exemplo faltas de respeito); “(iii) relações afetivas com mulheres marcadas por uma conotação machista do papel da mulher no casal (i.e. limpar a casa, cuidar dos filhos) e por desconfiança face ao comportamento das mesmas, não revelando preocupação na transmissão desta imagem ao filho, descrevendo discussões graves na presença da criança em que ofende a progenitora na sua dignidade pessoal; “(iv) ausência de autocritica, face ao seu próprio comportamento; “(v) rede de suporte pouco clara; “(vi) incapacidade em descrever os professores do filho, a medicação que este realiza e ainda inibição na transmissão dos comportamentos inapropriados que o AA apresenta na escola, normalizando o seu comportamento e afirmando que desde que o filho está consigo deixou de ter problemas na escola, o que não corresponde à verdade; o pai inclusivamente demarcou-se de prestar ajuda nos trabalhos de casa de AA, salientando que se o filho precisa procurar ajuda de uma amiga; “(vii) ausência de descrições de tempos de interação de qualidade entre pai e filho; “(viii) evidência de gestão da imagem pessoal transmitida por si durante a avaliação psicológica (dissimulação), o que coloca sérias reservas à interpretação dos seus resultados; “(ix) reconhecimento de uma comunicação com o filho que não é responsiva às necessidades deste último, e perceção de reserva na criança relativamente à partilha de assuntos íntimos com o pai”.

33. A progenitora do AA não mantém relação com o filho, ou este com ela.

34. O AA é um jovem “…impulsivo, com dificuldades na tolerância à frustração, com interesse obsessivo na companhia do pai, características que, conjuntamente com a sua imaturidade emocionai podem conduzir a condutas pouco refletidas, apelativas e sem avaliar as consequências das suas ações”.

35. “A ligação preferencial ao pai poderia constituir um elemento de proteção relacional, mas ao longo do desenvolvimento deste jovem este pai parece ter-se constituído verbalmente como elemento protetor, mas pragmaticamente como um elemento abandónico ou pouco disponível, induzindo uma ligação afetiva de caráter apelativo com este e agudizando a rejeição que sente pela mãe.”

36. “Esta situação é potenciadora de significativo conflito intrapsíquico, agido sobretudo no espaço do interpessoal nas condutas agressivas para adultos e pares, e no desvalor/rejeição pelas intervenções terapêuticas e tutelares que teve a possibilidade de integrar, mas que rejeitou.”

37. “Neste sentido, AA carece de apoio proximal de adultos securizantes em contexto controlado, que lhe permita o afastamento necessário para se permitir reconstituir as relações familiares no âmbito da sua função protetiva e disciplinadora, e de acordo com os padrões sociais vigentes.”

38. “Necessita de uma intervenção clínica na esfera da saúde mental (psicoterapêutica e psiquiátrica) por forma a elaborar os processos e percursos pessoais e familiares, com vista a evitar a cristalização dos modos patológicos de funcionamento, os quais, carecem da devida intervenção clínica e para as quais é necessária a fundamental colaboração do jovem e dos pais.

39. “De acordo com estas características de funcionamento psicológico e familiar, são evidentes fragilidades pessoais e contextuais na vida deste jovem, que podem contribuir para a continuidade dos comportamentos de risco para si e para os outros”.

40. Ainda antes de ter idade para ser sujeito a responsabilidade tutelar educativa, o AA já ateara, em 4/6/2019, fogo a um contentor de lixo plástico que estava colocado na Rua ..., em ....

- Antecedentes averbados

41. À data de 5.02.2024, o jovem tinha averbado ao Boletim de Medidas Tutelares Educativas, a MTE de acompanhamento educativo, pelo período de 12 meses e com imposição e obrigações, aplicada no âmbito do PTE n.º 67/09...., pela prática de factos qualificados pela lei penal como ofensa à integridade física qualificada, ameaça e injúria.

- Avaliação psicológica / condições pessoais

42. AA teve pendente o processo tutelar educativo n.º 67/09...., onde foi sujeito à medida de acompanhamento educativo pelo período de 12 meses com obrigação de frequência escolar com pontualidade, assiduidade, bom comportamento e acompanhamento pedopsiquiátrico e psicológico, pela prática de factos qualificados pela lei penal como injúria, ameaça e ofensa à integridade física agravados, na pessoa de um professor.

43. Foi ainda sujeito ao inquérito tutelar educativo número 284/22...., aplicado por agressão a um colega na escola o qual foi arquivado por se ter entendido que a medida tutelar de acompanhamento educativo aplicada no processo 67/09.... acautelaria as necessidades educativas para o direito identificadas neste último processo.

44. Beneficia, ainda, de processo de promoção e proteção, no âmbito do qual esteve institucionalizado em Lar de Infância e Juventude.

45. Já no ensino pré-escolar e no 1.º ciclo, segundo a mãe, existiam algumas queixas de dificuldade na regulação no comportamento do AA.

46. Após a separação definitiva dos seus progenitores, AA ficou ao cuidado do pai, altura em que, segundo o jovem, começaram a emergir problemas de comportamento no contexto escolar, com um agravamento progressivo, que terá contribuído para o pedido paterno de intervenção da Segurança Social.

47. Este pedido culminou com a institucionalização do jovem na Obra da Criança em ..., onde permaneceu cerca de 9 meses, e da qual, segundo o jovem, terá encetado vários episódios de fuga para ir ter com o pai.

48. No final desta institucionalização, o AA integrou o agregado da mãe e dos avós maternos, onde ao final de cerca de um ano saiu em rotura relacional com a mãe (que, à data da avaliação psicológica mantinha) e integrou o agregado paterno.

49. A mãe do jovem refere ter sido vítima de violência filio-parental por parte do AA, sobre tudo quando o contrariava ou tentava regular o seu comportamento.

50. Os progenitores mantêm uma postura de conflito com acusações e desqualificações mútuas até ao presente, manifestado o jovem uma clara preferência pela figura paterna, e com corte relacional com a mãe, idealizando a relação com o progenitor e desqualificando a mãe.

51. Aos 12 anos de idade, o DD vivia no agregado paterno e durante a frequência do 7.º ano de escolaridade foi expulso de dos estabelecimentos de ensino (... e ..., nas ...), respectivamente, por comportamentos agressivos com um professor e um colega, existindo referências de comportamento de desafio e oposição o espaço escolar intra e extra sala de aulas.

52. Nesse ano letivo acabou por concluir o 7.º ano na E.B. ..., em ....

53. Durante as sessões de avaliação o AA demonstrou um nível de colaboração defensivo, com abertura pessoal restrita. Apresenta uma postura desconfiada, pensamento coerente, um pensamento perseverante inicial com temática de terminar a medida cautelar e voltar para junto do pai, demonstrando saudades deste, em discurso frequentemente imaturo, quer pela superficialidade, quer pelo conteúdo mágico de que o pai o virá retirar do centro educativo.

54. Expressa de forma lógica os sentimentos e significações, compreende as ordens simples e estabelece com facilidade um diálogo com os adultos.

55. Revela dificuldades na relação com os pares, sobretudo devido ao facto de se ter vangloriado de ter poder económico e de que o pai o iria “tirar dali”.

56. Integra a unidade de regime fechado com progressivo esforço de adaptação ao contexto estruturado e sendo colaborante com os agentes educativos.

57. Cumpre com sucesso as atividades e tarefas estruturadas do quotidiano que lhe são atribuídas, embora com necessidade de supervisão.

58. Integra o curso EFA B3 de empregado de restaurante e Bar e mão teve até ao momento, qualquer avaliação comportamental negativa.

59. AA demonstra um padrão de funcionamento psicológico submisso e pessimista, com dificuldades na organização da sua identidade sendo de salientar o afeto depressivo, a ansiedade e a tendência para respostas impulsivas.

60. Os conflitos interparentais carregados de desqualificação mútua e os episódios vividos com ambos os progenitores, alguns dos quais com significativa componente emocional, ajudam o jovem a construir uma imagem do pai como defensor, herói e modelo idealizado e a mãe como problemática e rejeitada, sobretudo pelas suas reações emocionais

61. O AA revela sentimentos de mal-estar inespecíficos, desconfiança e sensibilidade ao contexto emocional nas relações interpessoais que estabelece. Desenvolve desta forma um quadro de carência emocional procurando ativamente a atenção e apoio do pai, o qual não consegue corresponder às necessidades afetivas deste jovem, facto pelo qual apresenta sinais evidentes de uma problemática de ansiedade de separação da figura paterna.

62. Esta problemática é de difícil análise uma vez que tanto o jovem como o pai descrevem, a sua relação de forma idealizada, decorrência que torna o processo de desenvolvimento deste jovem clinicamente complexo, uma vez que o objeto de idealização do AA foi aquele que solicitou a sua institucionalização em sede de promoção e proteção.

63. A mãe emerge como figura relacional afetivamente desinvestida e culpabilizada pelo jovem, verbalizando este de forma muito superficial os acontecimentos e motivos que estão subjacentes a esta concetualização materna.

64. No contacto interpessoal com os adultos o AA mostra uma interação infantil na comunicação analógica, com evidente inibição e submissão, resguardando-se na abordagem da especificidade da sua história pessoal e da relação com os progenitores.

65. O jovem reconhece-se como impulsivo, com dificuldades na tolerância à frustração, com interesse obsessivo na companhia do pai, características que conjuntamente com a sua maturidade emocional podem conduzir a condutas pouco refletidas, apelativas e sem avaliar as consequências das suas ações.

66. As condutas externalizadas e agidas pelo AA mais não são do que a expressão deste sofrimento pessoal, que emerge nos instrumentos como sintomas depressivos, sensibilidade interpessoal aumentada, ansiedade e desconfiança, impondo-se o acompanhamento pelas estruturas de saúde mental para a infância e juventude.

67. O AA tem uma clivagem efetiva e relacional entre os progenitores, o pai idealizado e a mãe demonizada.

68. O pai parece ter-se constituído verbalmente como elemento protetor, mas pragmaticamente como um elemento abandónico ou pouco disponível, induzindo uma ligação afetiva de caráter apelativo com este e agudizando a rejeição que sente pela mãe.

69. Esta situação é potenciadora de significativo conflito intrapsíquico, com consequências em condutas agressivas para adultos e pares e ainda desvalor ou rejeição pelas intervenções terapêuticas e tutelares que teve a possibilidade de integrar, mas que rejeitou.

70. O AA carece de apoio proximal de adultos securizantes em contexto controlado, que lhe permita o afastamento necessário para se permitir reconstituir as relações familiares o âmbito da sua função protetiva e disciplinadora e de acordo com os padrões socias vigentes.

71. O AA necessita de uma intervenção clínica na esfera da saúde mental (psicoterapêutica e psiquiátrica) por forma a elaborar os processos e percursos pessoais e familiares, com vista a evitar a cristalização dos modos patológicos de funcionamento, para o que é necessária a colaboração do jovem, mas também dos pais.

72. São evidentes as fragilidades pessoais e contextuais na vida do jovem que podem contribuir para a continuidade dos comportamentos de risco para si e para os outros.

Provou-se adicionalmente que:

73. Por factos ocorridos a 18.01.2024, o AA foi alvo de sanção disciplinar aplicada pelo Centro Educativo.

- contestação

74. Na data de 19-07-2023, o AA foi abordado pela G.N.R. à beira da estrada em ....

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B. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que:

a. Na data de 19-07-2023, quando o AA foi abordado pela G.N.R. à beira da estrada em ..., não se tentou ocultar dos agentes da G.N.R.

b. Naquele dia, à hora em que começou o incêndio, o AA encontrava-se no café em ....

c. O AA apenas apresentou absentismo escolar por ter sido vítima de bulling por parte dos colegas.

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C. MOTIVAÇÃO

O tribunal fundou a sua convicção com base na análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida nos autos e em audiência de julgamento.

Atenta a complexidade da causa, decorrente do conjunto de prova que cumpre analisar e conjugar entre si, efetuar-se-á uma análise temática das várias questões que cumpre conhecer, avaliando individualmente os factos, os danos decorrentes de cada um dos episódios em apreciação e, por fim, as características de personalidade do visado nos presentes autos.

- dos factos:

Começando pela avaliação dos factos relatados nos presentes autos, importa analisar a prova que se produziu em relação a cada uma das circunstâncias em causa (as quais serão analisadas por ordem cronológica da sua decorrência), conjugando-a com as declarações prestadas pelo jovem e os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa.

Assim, no que se refere aos factos ocorridos no dia 18.07.2023, encontra-se demonstrado nos autos que, nesta mesma data, pelas 21:52H, ocorreu um incêndio na localidade da ..., ..., em ..., tal como resulta do auto de notícia que originou a abertura do NUIPC 255/23...., o qual se encontra a fls. 646-647 dos presentes autos.

A ocorrência do incêndio nos termos relatados foi confirmada pela testemunha EE, Militar da GNR a exercer funções no PT de ..., o qual confirmou o teor do auto de notícia que elaborou e, acerca do mesmo referiu, ainda, que à data da ocorrência destes factos não havia ainda qualquer referência a suspeitos, por se ter tratado da primeira ocorrência sendo que, todavia, posteriormente se relacionava a ignição dos fogos com um indivíduo que se fazia transportar no veículo elétrico de duas rodas, de cor vermelha e branca. Ainda assim, a testemunha FF que igualmente prestou depoimento acerca destes factos, fez desde logo referência a tal motorizada, tendo referido ter achado suspeitas as movimentações do veículo elétrico de duas rodas com aquelas características (que descreveu em termos de alimentação – elétrico, por não fazer barulho de motor de combustão – e físicos, referindo tratar-se de um veículo de cor branca), conduzido por uma pessoa que envergava umas calças de cor clara, possivelmente cinzenta, o qual circulava “para trás e para a frente” naquela estrada tendo passado por si, pelo menos, por duas vezes, sendo aquela uma estrada com pouco movimento, o que a fez suspeitar de tal passagem, tanto mais que esta coincidiu com o início da deflagração do incêndio em questão.

Confrontada esta testemunha com os fotogramas do veículo de propriedade do jovem (fls. 585-592), a testemunha referiu que o veículo que visualizou aquando dos factos detinha diversas semelhanças com o que agora observava tendo dado especial enfoque às características do capacete, as quais não lhe deixavam, segundo referiu, margem para dúvidas acerca de se tratar do mesmo, sendo ainda de assinalar que o próprio jovem AA, na sua inquirição em julgamento, mencionou que o veículo que detém tem características relativamente comuns a outros veículos da mesma categoria tendo, contudo, mencionado que, já o capacete, tem características únicas, não conhecendo qualquer outro que se lhe assemelhe.

Ainda acerca deste incêndio, consta do relatório de inspeção judiciária, efetuado pelo Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente do Comando Territorial de Leiria da GNR de ... (fls. 650 e ss.) que o mesmo se terá iniciado pelas 21:52H do dia 18.07.2023 e apenas terá sido declarado extinto pelas 1:32H do dia 19.07.2023, sendo que da conjugação da avaliação efetuada por este mesmo relatório com o teor do auto de notícia acima referenciado, está documentada a circunstância de ter ardido uma área de 1,64ha de eucalipto, que integrava um total de 1210 árvores com 6 anos de crescimento, em propriedade privada, ao que foi atribuído um prejuízo de 2.846,74€, numa área total de queima de 8000m2 de vegetação de mato rasteiro, não tendo sido colocada em risco qualquer habitação.

Este incêndio, segundo esse mesmo relatório e o auto de notícia lavrado a propósito do mesmo, terá sido combatido por Bombeiros das Corporações de ..., ... e ..., que se fizeram deslocar em 11 viaturas, num total de 53 operacionais e terá sido a sua intervenção, em termos de rapidez, número de operacionais e meios que o delimitou e conseguiu controlar.

Sobre estes factos, o AA nada disse, limitando-se a refutar qualquer tipo de envolvimento nos mesmos: em sede de primeiro interrogatório, reproduzido no final da produção de prova a que houve lugar em Audiência de Julgamento atenta a contradição entre a versão ali apresentada e a apresentada em julgamento (ambos prestados perante Juiz), o AA nem sequer mencionou esta data, tendo-se limitado a referir não se lembrar o que tinha feito na mesma e, em julgamento, referiu que nessa data se encontrava em casa, juntamente com o seu pai e a companheira deste.

Porém, esta versão não foi confirmada por nenhuma testemunha inquirida em julgamento, sendo que o pai do DD não foi sequer indicado como testemunha e a companheira deste, GG, nada disse relativamente a esta data pelo que, nesta conformidade, não poderá proceder a versão apresentada pelo jovem.

No dia 19.07.2023 ocorreram quatro situações distintas: a primeira, entre as 1:00H e as 1:30H (na localidade do ...), a segunda, neste mesmo intervalo horário e em local próximo (...), a terceira, entre as 17:00H e as 17:20H (...) e a quarta, por volta das 23:00H (Quinta ..., no ...).

Analisemos, pois, a prova produzida relativamente a estas ocorrências.

Antes de mais, importa referenciar que, na época em que ocorreram estes factos, o IPMA tinha emitido alertas para a região em causa, por risco elevado de incêndio florestal, tendo em conta as características do clima, em termos de temperatura, intensidade e direção do vento, humidade relativa e precipitação (cfr. fls. 8).

A primeira ocorrência encontra-se documentada pelo auto de notícia lavrado no processo n.º 265/23.... (fls. 165 e ss.) e, de acordo com este, a comunicação do incêndio foi recebida pelos elementos da GNR via rádio sendo que, enquanto a patrulha se encontrava no local, deflagraram outros 4 focos de incêndio nas imediações, o que indicou a intervenção humana na sua verificação.

Este incêndio terá sido combatido por 54 bombeiros, apoiados por 12 viaturas, tendo sido visualizado o mesmo veículo elétrico de duas rodas, com as características semelhantes ao de propriedade do AA, conduzido por um indivíduo de sexo masculino que abandonou o local próximo ao da deflagração do incêndio. Estes mesmos factos foram confirmados, em julgamento, pelas testemunhas HH, Militar da GNR a exercer funções no PT de ..., o qual confirmou integralmente o teor do auto de notícia referenciado, o qual redigiu e reproduziu em julgamento e ainda II, residente no ... o qual, de forma coerente e precisa relatou ter visualizado o veículo elétrico de duas rodas a cerca de 70-80m de distância, próximo do local onde ocorreu o foco de ignição deste incêndio, conduzido por uma pessoa que se lhe afigurou ter estatura baixa, tendo efetuado referência específica às características do capacete do condutor do veículo tendo ainda reconhecido, sem qualquer margem de dúvidas, o capacete por referência à exibição do registo fotográfico do mesmo que lhe foi exibido em julgamento, após efetuar a respetiva descrição, coincidente com as respetivas características.

     Este incêndio, de acordo com o relatório de inspeção judiciária elaborado pelo Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR (fls. 180 e ss.), terá determinado a queima de mato, num total de área ardida de 0,05346ha, sem indicação do prejuízo causado com tal conduta.

Ainda na mesma data, escassos minutos após (agora, pelas 1:38H), junto ao Km 95 da EN ..., ocorreu um outro incêndio, o qual determinou a queima de 0,24446ha de espécies herbáceas, igualmente sem valor de prejuízo apurado, importando uma atuação dos bombeiros que perdurou até às 3:57H.   

Ambos estes locais se encontram muito próximos entre si, em termos geográficos e ambos os focos de incêndio foram provocados a partir de “chama direta”, a qual, em contacto com os combustíveis finos e mortos originou o incêndio, conforme resulta dos relatórios de inspeção judiciária acima referenciados.

Sobre esta segunda ocorrência não foi prestado qualquer depoimento em julgamento.

Todavia, atentas as regras de experiência da vida comum e da normalidade e a decorrência normal dos factos, atenta a circunstância de ambos os incêndios terem tido origem em atuação humana, através de chama direta, atenta a proximidade geográfica entre ambos e a visualização que foi efetuada relativamente ao veículo, capacete e seu condutor nas imediações do primeiro foco, impõe-se a conclusão que a pessoa que teve intervenção na ignição do primeiro foco de incêndio, necessariamente, será a mesma que provocou este segundo foco.

Ainda neste dia 19.07, entre as 17:00H e as 17:20H, ocorreu nova deflagração de incêndio na localidade da ..., ....

A ocorrência deste incêndio encontra-se comprovada pelo exame do auto de notícia que originou o processo n.º 257/23.... (fls. 231 e ss.), em conjugação com o relatório de inspeção judiciária elaborado pelo Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR (fls. 253 e ss.), resultando da respetiva conjugação que se encontrava a deflagrar, aquando da chegada dos elementos da GNR ao local, um incêndio que consumiu mato rasteiro e carrasco, sendo que este incêndio apenas não alastrou e teve maiores consequências devido à intervenção de 42 bombeiros, coadjuvados por 12 veículos de combate aos fogos, pertencentes às corporações de ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., tendo ardido, aproximadamente, 0,55ha de área florestal, não tendo sido apurado o valor do respetivo prejuízo o qual, uma vez mais, terá sido originado através da utilização de chama direta que, em contacto com o mato rasteiro seco e morto, terá determinado o início da combustão.

Estes factos foram confirmados pelos depoimentos prestados pelas testemunhas JJ e KK, ambos residentes nas proximidades (sendo que a primeira testemunha exerce ainda funções de gerência na empresa A..., sediada na ..., nas imediações do local do incêndio), os quais confirmaram a hora e local do incêndio, bem como as suas consequências.

A testemunha KK referiu ter-se apercebido da passagem de um veículo elétrico de duas rodas junto à sua residência, após ter sido alertado por um canídeo de sua pertença que ladrava insistentemente a tal passagem, tendo visto o veículo passar “para cima” e, cerca de 5 minutos após, passar novamente, desta feita, “para baixo” (tendo-se apurado que a primeira passagem, “para cima”, era na direção do local onde ocorreu a ignição do incêndio que depois deflagrou e, “para baixo”, vindo daquele mesmo local.

Descreveu que o condutor envergava uma capacete, uma vez mais com as características correspondentes ao do AA, embora com dúvidas relativamente à viseira, mais tendo descrito o veículo, que considerou em tudo semelhante à constante dos fotogramas de fls. 587 e ss.. descreveu, ainda, que o condutor daquele veículo envergava um blusão escuro, indumentária que vinha já sendo descrita pelas demais testemunhas e que o AA admitiu envergar àquela data.

Também a testemunha JJ fez referência a este mesmo veículo, tendo visualizado o mesmo através dos registos efetuados pelas câmaras de segurança da propriedade de seus pais e da empresa A..., de acordo com os registos constantes dos fotogramas de fls. 264-267 e 42.

Ora, do confronto dos registos fotográficos acabados de identificar, não restam quaisquer dúvidas de que se trata do mesmo veículo.

Por fim, nesta mesma data de 19.07, mas agora por volta das 23:00H, ocorreu uma nova situação de incêndio, desta feita na Quinta ..., na localidade do ....

A ocorrência deste incêndio encontra-se demonstrada pela conjugação dos elementos constantes do auto de notícia que deu origem ao processo n.º 260/23.... (fls. 140 e ss.), com o Relatório de inspeção judiciária elaborado pelo Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR (fls. 17 e ss.) de cujo exame conjunto resulta que em tal local, data e horário deflagrou um incêndio, que determinou a queima de mato e eucalipto, numa área total de cerca de 0,5ha, sem valor de prejuízo apurado.

Este incêndio foi combatido por diversos elementos das corporações de Bombeiros de ..., ..., ..., ..., ...; ..., ..., ..., ... e ..., coadjuvados por 22 veículos.

Tais factos foram inda confirmados pelo depoimento prestado pela testemunha LL, em Audiência de Julgamento, o qual relatou que, próximo do local do foco inicial de deflagração do incêndio e na direção deste, escassos minutos antes deste, se apercebeu da passagem de um veículo elétrico de duas rodas (que identificou em confronto com o fotograma de fls. 587 e ss.) o qual viu, novamente, passar em sentido oposto e após tal deflagração, tendo visualizado o respetivo condutor que trazia um capacete colocado, com as mesmas características descritivas do que o AA possui (e que identificou em confronto com o fotograma de fls. 592), envergando um blusão escuro.

Mais referiu ter-lhe chamado a atenção a postura de condução do condutor daquele veículo, que descreveu como “acorcundada”, que identificou pela postura de condução do condutor que se encontra registado no fotograma de fls. 42.

Referiu, por fim, que o local em causa é ermo, de pouca passagem, tendo por isso estranhado a passagem de um veículo naquele local e naquele horário, o que o fez suspeitar do motivo de tal ocorrência.

Ainda acerca destes últimos factos impõe-se assinalar que, escassos momentos após a deflagração deste último incêndio – pelas 23:12H –, na localidade de ..., na EN8l muito próximo deste último), o AA foi intercetado por elementos da Patrulha da GNR de ... que haviam sido chamados para aquela ocorrência.

Tais elementos, de acordo com o que resulta da conjugação das declarações prestadas pelas testemunhas MM e NN, ambos Militares da GNR que integravam a patrulha referida, com o teor do auto de notícia de fls. 11 e ss., deslocavam-se para o local dos incêndios, em marcha de urgência quando visualizaram um indivíduo na berma da EN8, na zona de ..., circulando num veículo, envergando um capacete e com indumentária, todos com as características das referenciadas nos diversos incêndios que vinham ocorrendo.

Ao verificar tal circunstância e porque havia referenciação relativamente à presença deste mesmo indivíduo, com o veículo em causa e capacete nas imediações dos locais de ignição dos fogos em momento coincidente com estes, tal patrulha decidiu inverter a sua marcha de circulação, a fim de efetuar a abordagem.

Todavia, ao inverter tal marcha, vieram a abordar o indivíduo (que apuraram e identificaram como sendo o AA, através dos respetivos documentos de identificação que lhes foram por este entregues voluntariamente) alguns metros mais adiante, para onde este se deslocara, ali imobilizando o veículo elétrico em que se fazia transportar, junto a uns arbustos que estão recolhidos relativamente à berma da estrada e que permitiam a sua dissimulação relativamente àqueles que ali passassem.

Aqui chegados, importa conjugar todos os elementos de prova acabados de descrever com a versão dos factos apresentada pelo jovem AA e que pretendia serem sustentados nos depoimentos prestados pelas testemunhas que arrolou.

No que se refere ao AA, uma vez mais constata-se a clara contradição entre a versão que apresentou aquando do seu interrogatório em fase de inquérito (prestado perante Juiz) e que foi reproduzido em julgamento, com a versão que veio a apresentar neste. Assim, naquele primeiro momento, o AA começou por referir que, naquela data, não se encontrava em ..., mas sim de férias no Algarve, na companhia do seu pai e da companheira deste. Todavia, quando ali confrontado com a abordagem de que foi alvo por parte da GNR (que admitiu e confirmou) veio a admitir “confusão nas datas”. Alterou então a sua versão referindo que, naquela data, foi a um café na localidade de ..., entre as 21:00H e as 21:30H, juntamente com o seu pai, a namorada deste e duas amigas de nome “OO” sendo que, de regresso pelas 23:00H – 23:15H, decidiu parar na berma da EN8 (vulgo, Estrada ...), para ver as mensagens do telemóvel, momento em que foi abordado pelos elementos da GNR, que viram o seu telemóvel, tendo ainda negado o seu envolvimento em qualquer dos factos.

Porém, em julgamento, o AA veio novamente a alterar a sua versão sendo de assinalar que, ao longo das suas declarações alterou, sucessivamente, o que vinha dizendo: referiu que, nessa data, tinha estado durante a tarde no “Programa do Goucha”, na TVI, o que ocorria com muita frequência, neste mesmo programa, juntamente com o seu pai e a banda deste, tendo ali chegado pelas 13:00H e de lá saído pelas 18:00H – 18:30H, mais tendo referido que, durante o programa, ficou na zona dos Bastidores.

Ora este facto não veio a ser confirmado por qualquer testemunha em julgamento: o pai do AA, tal como já acima referido, não foi indicado como testemunha e, nem o depoimento da testemunha PP, que integra igualmente a banda do pai do AA, foi capaz de o confirmar. Esta testemunha referiu que, efetivamente, durante o verão de 2023, a banda foi convidada a atuar uma única vez no programa do Goucha e uma outra vez no programa “2 às 10”, não tendo sido capaz de localizar as datas em que tal ocorreu. Porém, adicionalmente, referiu que o AA, na ocasião do referido programa (não tendo, igualmente, confirmado se o AA ali terá estado, uma vez que se mostrou hesitante quanto ao programa em questão) terá ficado na plateia a assistir ao mesmo e não nos bastidores conforme este havia referido. Acresce que não existe coincidência em termos dos horários de chegada e partida àquele local, dado que a testemunha não foi capaz de os especificar.

Por fim, também a testemunha OO pretendeu, sem qualquer credibilidade atestar a presença do AA naquele programa do Goucha naquela data de 19.07 referindo que, nesse dia, jantou com este e que a ida ao programa tinha sido tema de conversa ao jantar. O problema foi que, segundo mais tarde no seu depoimento o AA referiu e esta testemunha também sublinhou, em tal jantar tinham estado, para além deles, o pai do AA (que não depôs em julgamento) e a namorada do pai do AA que, não só se “esqueceu” de que este jantar tinha ocorrido como, igualmente, se “esqueceu” de que a ida ao programa do Goucha tinha sido nele tema de conversa.

Ora, quanto a esta ida ao programa do Goucha, conjugados os depoimentos das testemunhas, o Tribunal ficou com a convicção de que, ou o AA não acompanhou a banda do pai ao programa do Goucha no dia 19.07 ou esta banda terá ido ao programa em dia distinto. Uma coisa é certa: no dia 19.07, o AA não estava na companhia do pai.

Ainda nesta mesma data, o AA referiu, primeiro, que após a chegada do mencionado programa, foi tomar um café a .... Depois, referiu que, primeiro, foi jantar a ... e depois ao café onde ficaram até por volta das 23:30H por estar a haver música e, por fim, referiu que, após a chegada, foi a sua casa, de onde se dirigiu para o restaurante em ....

A testemunha GG, namorada do pai do AA relatou que, quando chegou a casa do seu trabalho, ali encontrou o AA e o seu namorado, desconhecendo o que os mesmos tinham feito durante o dia. Jantaram, em casa e depois foram tomar um café a ..., de onde regressaram cedo, tendo o AA vindo no seu veículo elétrico e chegado a casa sem percalços. A testemunha OO, por sua vez, referiu que jantou com a GG, o AA e o pai deste em ... e depois terão ido a um café em ..., referindo que, por ser dia de semana, não havia ali música.

Ora, as versões apresentadas, manifestamente, não se suportam entre si. Para além da manifesta contradição entre as versões das testemunhas OO e GG, o que motivou a extração de certidão para procedimento criminal relativamente a ambas, as mesmas não conseguem dar qualquer suporte à versão do AA que é, de si, pouco consistente e estruturada, o que mantém mesmo quanto à abordagem que lhe foi efetuada pela GNR: em sede de interrogatório, referiu que estava parado na berma da estrada a ver mensagens no telemóvel.

Em julgamento, referiu que estava parado na berma da estrada porque tinha ficado sem bateria no veículo e tentava ligar ao pai para que este o fosse buscar. Os elementos da GNR referiram que nada lhes foi referenciado pelo AA neste sentido aquando da abordagem. E esta versão não tem qualquer credibilidade, porquanto, considerando que o AA tinha o veículo há escassos dias (de acordo com o documento de fls. 510, tê-lo-á adquirido em 11.07), o espectável seria que o seu pai estivesse atento à respetiva circulação, sobretudo, de noite. E, se o AA estava com pouca bateria e precisava que o pai o viesse socorrer, não faria qualquer sentido colocar-se num local onde não seria visto pelo mesmo à passagem na EN8.

Não pode, assim, colher a versão do AA, dada a sua incoerência e inconsistência.

Não descortinamos se o mesmo esteve, efetivamente, no café em ..., todavia, esta questão é irrelevante porquanto, é certo que, pelas 23:00H, estava na localidade de ..., onde foi visto pela testemunha LL e, quando regressava a casa na EN8 e viu o veículo patrulha da GNR, por receio de ser por este intercetado, optou por se “esconder” numa berma, atrás de uns arbustos por bem saber que, caso continuasse a circular, dada a velocidade que o seu veículo atinge (conforme decorre das regras de experiência, um veículo elétrico a duas rodas não atinge velocidades elevadas em estrada plana), certamente seria intercetado mais adiante por aquele veículo de patrulha.

Assim, considerando que os factos ocorridos no dia 19.07, ter-se-ão verificado, o primeiro, entre a 1:00H e as 1:30H; o segundo, escassos minutos após este, no mesmo intervalo horário, sensivelmente, o terceiro, entre as 17:00H e as 17:20H e o último, pelas 23:00H, não restam dúvidas, atenta a demais prova, que o AA teve intervenção em todos eles.

Por fim, no que se refere aos factos ocorridos no dia 4.08.2023, por volta das 15:00H, os mesmos encontram-se demonstrados pelos elementos documentais constantes do auto de notícia que deu origem ao processo n.º 906/23.... (fls. 289 e ss.), tendo ardido mato, silvas, arbustos secos e eucaliptos, numa área de aproximadamente 2ha, na localidade de ..., em ..., local muito próximo de uma casa de habitação sendo que, por força da localização, o incêndio efetuou diversas projeções em redor de tal casa de habitação, tendo as chamas chegado a atingir e queimar relva ali existente, conforme resulta das diligências efetuadas pela Polícia Judiciária (fls. 300 e ss.) e que foram confirmadas pelos depoimentos prestados pelas testemunhas QQ e RR, ambos Inspetores da Polícia Judiciária que, em julgamento, descreveram as diligências de investigação a que levaram a cabo e o modo como identificaram o suspeito dos factos, relacionando-o com o jovem dos presentes autos, por recurso aos mesmos elementos de referência: características do veículo elétrico em que se fazia transportar, capacete e indumentária. O combate ao incêndio foi desenvolvido por 16 veículos terrestres, apoiados por 1 veículo aéreo, obrigando à intervenção de 65 operacionais dos Bombeiros Voluntários de ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....

Estes factos vieram ainda a ser confirmados pelo teor do depoimento prestado pela testemunha SS, a qual declarou que reside nas proximidades, tendo passado por si um rapaz num veículo elétrico de duas rodas, que a abordou questionando-a sobre direções e que, seguidamente, se dirigiu para o local onde ocorreu o foco de ignição do incêndio ocorrido, o qual se encontra junto a uma serventia que dá acesso a uma habitação. Mais esclareceu esta testemunha que, por o indivíduo que a abordou aquando dos factos se encontrar sem capacete, não teve dificuldade em identificá-lo em diligência posterior, constatando-se a sua identificação que deu origem ao ato de reconhecimento que se encontra a fls. 600 dos autos, onde foi o jovem AA identificado como tal indivíduo.

Deste incêndio não existe relatório de avaliação de dano.

Todavia, importa considerar que o mesmo deflagrou nas imediações de uma casa de habitação que se encontra documentadas nos autos (fls. 329-330) e que as suas chamas tiveram diversas projeções em redor de tal casa de habitação, chegando a atingir e queimar relva ali existente pelo que não existe dúvida perigo causado com estes factos teve, necessariamente, um valor superior a 5.100,00€.

No que se refere à versão apresentada pelo AA importa referir que, aquando do seu interrogatório prestado perante Juiz e reproduzido em Audiência de Julgamento, o jovem foi omisso quanto a esta data, tendo-se limitado a mencionar não se recordar o que teria feito na mesma.

Porém, em julgamento referiu que, na mesma, se encontrava na “Feira das ...”, em ..., para onde se deslocou após o almoço, pelas 14:00H e onde terá ficado até cerca das 15:00H com um amigo do pai, de nome TT, tendo depois ido com o seu pai a uma roulotte perto da Areco, na localidade do ..., comer um hambúrguer.

Sobre estes factos, importa conjugar as declarações do AA com os depoimentos prestados pelas testemunhas TT e UU. O primeiro referiu que, no dia 4.08 (tendo, contudo, demonstrado hesitação acerca da data – se se trataria de 4.08 ou de 5.08, optando, depois, pela primeira) esteve com o AA e o pai deste na Feira das ..., entre as 12:00H-13:00H e as 15:00H-16:00H, tendo almoçado juntos no local, tendo estado a efetuar testes às aparelhagens de som. A testemunha UU confirmou estes factos, mas situou-os no dia 5.08, excluindo o dia 4, por se tratar de dia de semana. Confirmou que, nesse dia 5.08, esteve juntamente com o AA, o pai deste e o TT na Feira das ..., a partir das 12:00H, a efetuar a montagem dos aparelhos de som e a fazer os respetivos testes, uma vez que a Banda onde atua o pai do AA iria atuar nessa mesma noite.

Consultada a programação do evento constata-se que, efetivamente, a Banda “...” (que foi identificada pela testemunha PP como aquela em que atua o pai do AA) efetivamente atuou naquele evento no dia 5.08.

Ora, considerando que a banda atuava no dia 5.08, é mais provável que os testes de som das respetivas aparelhagens fosse efetuada pelos elementos da banda naquela data e não na véspera. Por outro lado, se o AA tinha almoçado na Feira das ... com o pai, não faria sentido ir comer um hambúrguer a uma roulotte pouco tempo após. Por fim, a testemunha UU não teve qualquer dúvida em situar o seu depoimento no dia 5.08.

Aqui chegados, consideramos que, efetivamente, a testemunha TT terá confundido as datas dos factos e aqueles que relatou ocorreram, não no dia 4.08, mas sim no dia 5.08 como, aliás, inicialmente revelou ter dúvida.

Assim, constata-se que a versão que o AA apresentou para o facto de não se encontrar naquele local no dia 4.08, não tem qualquer suporte. Acresce que, nesse dia, o AA falou com uma testemunha inquirida em julgamento, a qual o reconheceu em sede de reconhecimento nas instalações do Órgão de Polícia Criminal, o que não deixa dúvidas acerca da circunstância de, naquele dia, o AA ter abordado a testemunha próximo do local da deflagração do incêndio, após ter-se dirigido para aquele local e, imediatamente após, o incêndio se ter iniciado.

Conclui-se, pois, que não existem quaisquer dúvidas de que o AA foi o responsável, pelo menos, pelo início dos 6 incêndios relatados nos autos.

Todos estes incêndios têm aspetos em comum: a sua relativa proximidade geográfica, a proximidade geográfica com a residência dos avós maternos do AA e com a residência da progenitora.

Os primeiros 5 incêndios relatados, ocorreram no seguimento uns dos outros, havendo um interregno relativamente ao último, após a abordagem do AA pelos elementos da GNR, com a informação de que o mesmo era suspeito de ser o respetivo autor o que se nos afigura terá determinado a existência deste intervalo temporal, porquanto o jovem já sabia estar a ser alvo de investigação.

Por fim, após a detenção do AA, para interrogatório, nestes autos, não mais ocorreu qualquer incêndio.

Constatam-se, assim, demasiadas coincidências que apenas podem ter uma justificação única: é o AA o autor dos factos que ora se apreciam.

Quanto aos demais factos que se encontram demonstrados nos autos, o Tribunal teve em consideração os seguintes elementos: quanto às ocorrências em que o AA interveio anteriormente e que correspondem à prática de factos que a lei penal qualifica como crime, foi considerado o teor dos autos de notícia que se encontram a fls. 48-84, os quais relatam agressões dirigidas a colegas, professores, auxiliares de estabelecimento de ensino, à própria progenitora, injúrias agravadas, incêndio, furtos, importunação sexual, entre outros, tendo ainda sido inquiridos a propósito destes factos as testemunhas VV, WW e XX, todos Agentes da PSP a exercer funções em ... e que tiveram intervenções junto do AA em diversas destas circunstâncias.

Relativamente à sanção disciplinar aplicada ao AA, teve-se em consideração o teor do ofício remetido pelo Centro Educativo ..., com a refª 105507382.

No que se refere às características de personalidade do AA, o Tribunal teve em consideração o teor do relatório de perícia de personalidade de fls. 727 e ss. e, relativamente aos seus antecedentes tutelares educativos, o teor objetivo do respetivo boletim, constante de fls. 892 e ss..

Por fim, a ausência de prova relativamente aos factos constantes da contestação resulta da sua contradição pela prova produzida quanto aos factos dados como provados”.

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4. Cumpre agora apreciar e decidir.

Começa-se por conhecer da impugnação ampla da matéria de facto.

Alega o menor que não há prova directa dos factos que lhe foram imputados, argumentando que a prova produzida terá que conduzir à sua absolvição.

 

Vejamos, então.

Como estipula o artigo 428º do Código de Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito.

A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do Código de Processo Penal, no que se convencionou chamar de revista alargada; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.

Na chamada revista alargada, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.

Na impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.

Assim, enquanto os vícios previstos no artigo 410º, nº2, do Código de Processo Penal, são vícios da decisão, evidenciados pelo próprio texto, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Neste caso, o recorrente pretende que o tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1.ª instância, alegadamente mal apreciada – cfr. Ac. da RL de 9.5.2017, in www.dgsi.pt.

Ora, o menor demonstra a sua discordância em relação ao julgamento da matéria de facto, ou parte dela, levado a cabo pelo tribunal a quo, por entender que foi incorrectamente julgada, isto é, que se verifica um erro de julgamento.

Estamos, assim, no domínio dos artigos 412º, nº 3, e 431º, ambos do Código de Processo Penal.

Estipula o artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal que, “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

No caso sub judice a questão não se prende com a alínea c) mas sim com as alíneas a) e b).

A especificação dos concretos pontos de facto traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

A especificação das concretas provas só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida.

Nos termos do nº 4 da mesma norma legal “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação”.

Não basta, pois, a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos.

De qualquer forma, neste particular, o STJ, no Ac. nº 3/2012, publicado no DR, 1ª série, de 18.4.212, fixou jurisprudência no sentido de que:

«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».

O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa – nº 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal.

Por sua vez, dispõe o artigo 431º do mesmo diploma legal que, “sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;

b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º; ou

c) Se tiver havido renovação da prova.

Respeitados os pressupostos referidos, o Tribunal da Relação deve então averiguar se, relativamente aos factos indicados pelo recorrente, o Tribunal de 1ª instância julgou bem.

“A respeito da impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, há que considerar o seguinte:

Como se refere nos doutos acórdãos do S.T.J de 15.12.2005 e de 09.03.2006, Procs. nºs 2951/05 e 461/06, respetivamente, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, e é jurisprudência uniforme, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros». A gravação das provas funciona como uma "válvula de escape" para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações-limite de erros de julgamento sobre matéria de facto (Neste sentido, acórdão do S.T.J. de 21.01.2003, Proc. no 02ª4324, também disponível in www.dgsi.pt). E, como se refere no acórdão desta Relação do Porto de 26.11.2008, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, no 3960, págs. 176 e segs. «não podemos esquecer a perceção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido diretamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância” - cfr. Ac. da RP de 28.2.2018, in www.dgsi.pt.

Veja-se igualmente o Ac. da RG de 6.12.2010, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que, no caso de impugnação da matéria de facto, a que se refere o nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, “a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412.º. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente”.

Mais se lê no mesmo aresto que “o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (Cfr. Acórdãos do S.T.J. de 14 de Março de 2007, de 23 de Maio de 2007 e de 3 de Julho de 2008, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.). Justamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deve expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, como estipulado no artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal”.

Assim, estando a audiência devidamente documentada, não obstante o princípio da livre apreciação da prova, pode a Relação alterar a matéria de facto, quando entenda existir um erro na apreciação da prova – cfr. Ac. da RC de 15.3.2006, in www.jusnet.pt.

Revertendo ao caso concreto, vejamos se foram respeitados pelo recorrente os requisitos supra mencionados no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal.

No que respeita aos concretos pontos de facto que o arguido considera incorretamente julgados, nenhum foi indicado. O arguido apresenta a sua defesa, mormente dizendo o que fez em determinados dias em que ocorreram os incêndios, mas não indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.

Também não foi indicada qualquer prova concreta que, no entender do recorrente, impusesse decisão diversa da recorrida, com respeito pelo disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal.

O recorrente ainda indicou as suas declarações e o depoimento de algumas testemunhas no corpo da motivação, mas não indicou o conteúdo específico desses meios de prova, não indicou as concretas passagens em que funda a impugnação.

Aliás, relativamente a alguma prova pessoal indicou a hora do seu início e do seu fim. Isto é, indicou a totalidade de alguns depoimentos e mesmo das suas declarações.

Como se disse, não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos.

Não indicou igualmente a transcrição de qualquer passagem relevante.

O pretendido pelo recorrente é que o tribunal ad quem faça um novo julgamento, quiçá com a análise de toda a prova, e decida em conformidade, ou melhor, deferindo a sua pretensão.

A ser assim, o pretendido pelo menor, bem como a forma como o mesmo é explanado na peça recursória, não preenche de forma alguma os pressupostos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal.

A pretensão do menor é que esta Relação se substitua ao tribunal de 1ª Instância, em completo arrepio do princípio da livre apreciação da prova.

Na apreciação da matéria de facto pelas Relações não se repetem as audiências, visando-se apenas a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento.

Como se afirma no Ac. do STJ de 14.3.2017, in www.dgsi.pt, “o julgamento efectuado pela Relação é de via reduzida, de remédio para deficiências factuais circunscritas, confinadamente a pontos específicos, concretamente indicados, não valendo uma impugnação genérica, repousando em considerações mais ou menos alargadas ou simplesmente abrangentes da leitura pessoal, unilateralista e interessada que os sujeitos processuais fazem das provas e do resultado a que devam chegar”.

Os ónus de especificação tal como foram concebidos pelo legislador de 2007 têm por objectivo impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera erradamente julgado.

Acresce que os elementos em falta - os concretos pontos de facto que o arguido considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida - inexistem quer nas conclusões quer na motivação propriamente dita. 

Poder-se-ia dizer que esta Relação deveria mandar corrigir a peça recursória, de forma a respeitar os referidos ditames legais.

Porém, neste ponto, é de atentar ao disposto no artigo 417º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal.

Dispõe o nº 3 que “se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do artigo 412º, o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada. Se a motivação do recurso não contiver as conclusões e não tiver sido formulado o convite a que se refere o nº 2 do artigo 414º, o relator convida o recorrente a apresentá-las em 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado”.

Por sua vez, o nº 4 estipula que “o aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação”.

O texto da motivação do recurso, reservado aos respectivos fundamentos, é imodificável e, como tal, insusceptível de ser aperfeiçoado.

O convite ao aperfeiçoamento previsto no artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal, reporta-se apenas à parte da motivação respeitante à formulação de conclusões – cfr. Ac. a RC de 5.12.2012, in www.dgsi.pt.

Se assim não fosse, permitia-se uma nova motivação de recurso fora do prazo de interposição deste, sendo que a faculdade de convidar ao aperfeiçoamento do recurso, prevista no artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal, não tem por finalidade permitir ao recorrente a extensão do prazo de recurso através de “aperfeiçoamento” voluntário extemporâneo – cfr. Ac. da RE de 30.6.2015, in www.dgsi.pt.

Isto é, se assim não fosse, estava descoberta a via para o alargamento, ou alargamentos, do prazo de recurso.

Como defende Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed. actualizada, 1155, posição com a qual se concorda, “a falta de indicação, nas conclusões da motivação, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) do nº 3 do artigo 412º, não é motivo para rejeição liminar do recurso, mas apenas motivo para convite a “apresentar” ou “completar” as conclusões, nos termos do mesmo artigo 417º, nº 3, conjugado com o artigo 412º, nº 3 (Ac.do TC nº 529/2003). … Ao invés, se o recorrente também não fez constar da própria motivação os elementos necessários ao cumprimento do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, há motivo legal de rejeição ou de improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir vício dessa falta. … Isto é, o relator não tem o dever de convidar o recorrente a aperfeiçoar a própria motivação do recurso quanto à matéria de facto”.

Neste sentido veja-se também o Acórdão da RC de 13.12.2017, in www.dgsi.pt, segundo o qual “é verdade que o artigo 417º, nº 3, do CPP estipula que se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do artigo 412º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada. No entanto, o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (artigo 417º, nº 4, do CPP). Ou seja, só é possível o convite para a correcção quando essa correcção se processa dentro dos termos da própria motivação e não constitua uma substituição, mesmo que parcial da motivação”.

Continua o mesmo aresto dizendo que “Como vem referido no Ac. desta Relação de 2 de Abril de 2008 no processo 604/05.5PBVIS.C1, quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões, existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no artigo 18º, nº 2, da CRP, que justificam o convite e a consequente possibilidade de correcção. Porém, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso não enunciou as especificações, o convite à correcção não se justifica porque para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso”.

Pelo que fica dito e em jeito de conclusão, uma vez que os elementos em falta não constam das conclusões nem da motivação propriamente dita, não tem lugar o convite ao aperfeiçoamento.

A ser assim, ficamos com um recurso em que se impugna matéria de facto, sem os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados e sem as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

“O incumprimento das formalidades impostas pelo artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto pela via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.

Este incumprimento das especificações prejudica o conhecimento do recurso em matéria de facto, deteriora a exequibilidade da sindicância da decisão de facto a um nível mais alargado, como se disse, pois o ónus de impugnação “concretos factos, concretas provas” visa viabilizar o próprio recurso de facto” – cfr. Ac. da RE, de 9.1.2018, in www.dgsi.pt.

No mesmo sentido também esta Relação de Coimbra, no Ac. de 8.2.2017, in www.dgsi.pt, afirmou que “na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.º 3, al. a) e b), do CPP, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. Não basta impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento de uma forma genérica e apontar o sentido que deve ser dado à prova”.

Ora, o que fica dito revela-se suficiente para se concluir que está este Tribunal da Relação impossibilitado de conhecer da matéria de facto, nos termos pretendidos pelo recorrente, por este não ter dado cumprimento aos ónus que a lei lhe impõe para se que se possa reapreciar a matéria de facto por via dos erros de julgamento e nos termos do artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal.

Como se disse supra, o recurso que impugne amplamente a decisão da matéria de facto não tem como objectivo a reapreciação de todos os elementos de prova, como se não tivesse existido julgamento, mas uma reapreciação dos concretos factos impugnados, comparando a fundamentação da decisão recorrida com os meios de prova indicados pelo recorrente.

A ser assim, facilmente se compreende que a indicação dos concretos factos impugnados e das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida revelam-se imprescindíveis para o conhecimento do recurso.

Pelo exposto, nesta parte não se conhece do recurso, devendo manter-se a factualidade provada e não provada como consta na sentença recorrida.

             *

É certo que do incumprimento das formalidades impostas pelo artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, por omissão ou por deficiência, que impossibilita e inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto pela via ampla, não resulta que a Relação fique desobrigada de sindicar a sentença na parte relativa à decisão da matéria de facto com a análise do seu texto, perscrutando se enfermará de um eventual vício de conhecimento oficioso, como o erro notório na apreciação da prova, ou outro – cfr. neste sentido o Ac. da RE de 9.1.2018, in www.dgsi.pt.

Ora, da análise da sentença recorrida não se vislumbra a existência de qualquer vício que o tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente; nomeadamente não se vislumbra que o julgamento da matéria de facto tenha sido efectuado ao arrepio das regras de experiência comum ou da lógica mais elementar ou ainda que o julgador tenha incorrido num erro tão evidente que salte aos olhos do homem de formação média. O julgador formou a sua livre convicção apreciando os diversos meios de prova de acordo com as regras da experiência, da lógica e da razão, o que bem explanou no exame crítico das provas que efectuou.

                *

Passa-se agora a conhecer se o acórdão recorrido violou o princípio in dubio pro reo.

Alega o recorrente que, da prova produzida, pelo menos, permaneceu uma dúvida razoável que terá de conduzir à sua absolvição.

 

Vejamos.

Relacionado com o princípio in dubio pro reo, estipula o artigo 32º, nºs 1 e 2, da CRP que:

1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

É a consagração constitucional do princípio da presunção de inocência que se impõe aos juízes ao longo de todo o processo e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido.

Por sua vez, o princípio in dubio pro reo é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos – cfr. neste sentido o Ac. da RC de 12.8.2018, in www.dgsi.pt.

Assim, “o princípio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa” – cfr. Ac. do STJ de 12.3.2009, in dgsi.pt.

No mesmo sentido encontra-se o Ac. da RL de 14.2.2010, in www.dgsi.pt, segundo o qual “o princípio in dubio pro reo não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável”.

Continua o mesmo aresto dizendo que “um non liquet sobre um facto da acusação recai materialmente sobre o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, pois que sobre o arguido não impende qualquer dever de colaboração na descoberta da verdade. O “in dubio pro reo” só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objectivos ou subjectivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa. Não se trata, porém, de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio…” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio “in dubio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto”.

Revertendo ao caso concreto, o tribunal a quo deixou bem claro na motivação da decisão de facto, já supra referida, que não teve quaisquer dúvidas de que o menor praticou os factos sub judice.

Como disse:

“Conclui-se, pois, que não existem quaisquer dúvidas de que o AA foi o responsável, pelo menos, pelo início dos 6 incêndios relatados nos autos.

Todos estes incêndios têm aspetos em comum: a sua relativa proximidade geográfica, a proximidade geográfica com a residência dos avós maternos do AA e com a residência da progenitora.

Os primeiros 5 incêndios relatados, ocorreram no seguimento uns dos outros, havendo um interregno relativamente ao último, após a abordagem do AA pelos elementos da GNR, com a informação de que o mesmo era suspeito de ser o respetivo autor o que se nos afigura terá determinado a existência deste intervalo temporal, porquanto o jovem já sabia estar a ser alvo de investigação.

Por fim, após a detenção do AA, para interrogatório, nestes autos, não mais ocorreu qualquer incêndio.

Constatam-se, assim, demasiadas coincidências que apenas podem ter uma justificação única: é o AA o autor dos factos que ora se apreciam”.

Assim, da motivação da decisão de facto da decisão recorrida perpassa que o julgador convenceu-se firmemente da factualidade que deu como provada.

A dúvida relevante é a dúvida do julgador após produção da prova e não a dúvida do recorrente ou mesmo a dúvida que o recorrente entende que o tribunal deveria ter tido.

Da análise da decisão recorrida, conclui-se que o julgador ficou firmemente convencido da matéria que deu como provada, não lhe restando qualquer dúvida sobre a mesma. Resulta da decisão recorrida um estado de certeza e não de incerteza.

Acresce que não se vislumbra que o julgador não tivesse demonstrado dúvidas porque não quis ou porque não as quis considerar relevantes. Simplesmente, convenceu-se firmemente da matéria que deu como provada.

Assim sendo, não existe fundamento para o pretendido recurso ao princípio “in dubio pro reo”, ficando afastada a sua violação pelo tribunal recorrido.

Também neste particular não assiste razão ao recorrente.

             *

A próxima questão é a de saber se o período de internamento aplicado é excessivo, desnecessário e desproporcionado, devendo ser reduzido para 1 ano.

Previamente, diz-se ainda o seguinte:

Na motivação propriamente dita, o recorrente alega que a medida de acompanhamento educativo - com metas e objetivos bem definidos e regras para cumprir - é a que se apresenta mais adequada e eficaz, pois permitirá incutir no menor o respeito pelos valores ético-jurídicos fundamentais da comunidade (que se sobreponham àqueles com os quais sempre foi obrigado a conviver) e adquirir (alguns) recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.

Se bem que, de imediato, afirma que “atendendo às circunstâncias supra descritas a evolução positiva que o menor considera-se como adequada a medida de internamento pelo período de um ano”.

Acontece que, nas conclusões que apresentou, o recorrente nada referiu relativamente à medida de acompanhamento educativo.

Isto é, não retomou nas conclusões essa matéria que verteu na motivação stricto sensu.

Relembra-se que o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação e são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

As conclusões são, assim, um resumo da matéria necessariamente vertida no corpo da motivação. Se existe matéria nas conclusões que inexiste na motivação stricto sensu não pode, naturalmente, ser conhecida. O mesmo acontecendo quando as conclusões ficam aquém da motivação.

Como refere Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português – Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Universidade Católica Portuguesa, vol. 3, 2015, págs. 335/336, “As conclusões resumem a motivação, e por isso todas as conclusões devem ser antes objecto de motivação. Assim, se as conclusões ficam aquém da motivação, a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões; se as conclusões vão além da motivação também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente”.

Também os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques defendem que «se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no artigo 684º, nº3 do CPC (artigo 635º, nº 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801)” – cfr. Ac. do TRC de 20.2.2019, in www.dgsi.pt.

Pelo que fica dito, facilmente se conclui que a eventual aplicação da medida de acompanhamento educativo não será conhecida, por ser matéria que não consta das conclusões da peça recursória.

                *

Alega o menor que “caso se mantenha a condenação pela prática dos crimes pelos quais foi condenado, deve a sentença ser revogada e que fixe o período de internamento em prazo de 1 ano”.

A medida proposta ao tribunal foi a de internamento fechado pelo período de 3 anos.

A medida de internamento é a mais grave das previstas no elenco, taxativo, das medidas tutelares e foi-lhe plicada a pena máxima. A determinação da duração da medida deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão - artigo 7.º, n.º 1, da LTE.

É certo que os comportamentos aqui em causa, a serem dados como provados, apresentam-se a alguns  olhos, como monstruosos e dignos de severo castigo, sendo o afastamento da comunidade o melhor exemplo/castigo mas, é certo também que, como já foi dito atrás, a medida de internamento não deve ser aplicada apenas para sossegar a comunidade.

Tanto aqui como em qualquer processo de menores o interesse do menor é que está em causa e em jogo.

No caso em análise, desde logo temos de ter em conta diversos factores:

- o menor cresceu em ambiente de uma vida desestruturada, vitima de bulling;

- a sua adolescência tem sido marcada por um horizonte curto em que a marca ou o estigma é de marginal, mal educado, conflituoso, agressivo, desobediente, nada que o estimule a um percurso melhor do que aquele a que se sente preso;

- a informação que nos chega e está registada nos autos, é de que o menor se relaciona ou relacionou com jovens autores de ilícitos. Na verdade, actualmente assim não ocorre, constata-se que o menor evoluiu positivamente devido à aproximação da figura paterna assim como da avó paterna;

- alguns dos depoentes acharam que ele tinha comportamentos impulsivos mas não eram repetitivos e que, até depois de falarem com ele acatava o que lhe era dito e em situação de calma e solicitação de colaboração mesmo a nível educacional, colabora;

- nos depoimentos prestados ouviram-se elogios, noutros ouvimos críticas e noutros não foi possível relembrar os factos ou contá-los com a precisão da acusação.

Também não concordamos que as relações familiares não sejam consistentes. Todas as famílias hoje em dia têm mais ou menos dificuldades em impor regras.

Assim, considera-se a medida aplicada exagerada e desproporcionada, devendo mesmo ser fixada pelo período máximo de 1 ano.

A medida tutelar, pelo período de 3 anos viola o direito à sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade, violando-se o artigo 2º, nº 1, da LTE, acentuando-se, neste segmento, a vertente socializadora da intervenção tutelar em conformidade com as exigências de defesa da sociedade.

Assim, da alegação do menor resulta que o seu inconformismo diz respeito à duração da medida única (já que é essa que tem a duração de 3 anos), não fazendo o menor qualquer referência às várias medidas parcelares.

Vejamos, então.

Estipula o artigo 1º da LTE que “a prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa em conformidade com as disposições da presente lei”.

Como se refere no Ac. da RE de 8.3.2022, in www.dgsi.pt, “o modelo da Lei Tutelar Educativa, superando o antigo modelo paternalista da antiga OTM, incorpora um modelo de justiça (de responsabilização), voltado para uma educação para o direito, prevendo uma lista de opções de medidas que só no caso concreto, mediado pelas idiossincrasias da criança ou jovem, serão alvo de uma escolha. Medidas essas de responsabilização educativa, que trazem impregnadas, a título secundário embora, finalidades de prevenção geral positiva.

Em decorrência do princípio da legalidade e da tipicidade das medidas tutelares, só poderão aplicar-se as que estão legalmente previstas (artigo 4.º LTE) e não determinar-se ad hoc o que em cada momento a cada um parecerá adequado, como parece preconizar o recorrente.

Em primeiro lugar, «para que seja possível lançar mão de uma medida tutelar é necessário não só que a criança ou jovem tenha praticado um facto qualificado pela lei como crime, mas também que se verifique a sua necessidade de educação para o direito (quer no momento da prática do facto, quer no momento da decisão). E é esta necessidade de educação que acaba, pois, por estabelecer o limite da intervenção do Estado, na justa medida em que a responsabilização para lá dela violará o superior interesse da criança ou jovem que é o pano de fundo de toda a intervenção

Responsabilizar um jovem delinquente, no atual sistema de justiça juvenil, significa que uma vez que assente (por admissão do próprio ou por decisão do tribunal), que o jovem teve um comportamento em violação da lei, haverá consequências ou sanções, impostas em conformidade com a lei e de modo proporcional.

Efetivamente a relação adequada entre o meio escolhido e as finalidades gizadas é mediado pelo princípio da proporcionalidade (da justa medida, da ideia de equilíbrio), princípio este que ilumina e delimita os direitos e serve de diretriz orientadora da atuação dos órgãos do Estado chamados a tomar decisões”.

De facto, de acordo com o artigo 2º, nº 1, da LTE “as medidas tutelares educativas, adiante abreviadamente designadas por medidas tutelares, visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.

São elas as medidas vertidas no artigo 4º do mesmo diploma legal:

1 - São medidas tutelares:

a) A admoestação;

b) A privação do direito de conduzir ciclomotores ou de obter permissão para conduzir ciclomotores;

c) A reparação ao ofendido;

d) A realização de prestações económicas ou de tarefas a favor da comunidade;

e) A imposição de regras de conduta;

f) A imposição de obrigações;

g) A frequência de programas formativos;

h) O acompanhamento educativo;

i) O internamento em centro educativo.

2 - Considera-se medida institucional a prevista na alínea i) do número anterior e não institucionais as restantes.

3 - A medida de internamento em centro educativo aplica-se segundo um dos seguintes regimes de execução:

a) Regime aberto;

b) Regime semiaberto;

c) Regime fechado.

O critério da escolha das medidas encontra-se no artigo 6º da LTE. Dispõe esta norma legal que:

1 - Na escolha da medida tutelar aplicável o tribunal dá preferência, de entre as que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e que seja suscetível de obter a sua maior adesão e a adesão de seus pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto.

2 - O disposto no número anterior é correspondentemente aplicável à fixação da modalidade ou do regime de execução de medida tutelar.

3 - A escolha da medida tutelar aplicável é orientada pelo interesse do menor.

4 - Quando o menor for considerado autor da prática de uma pluralidade de factos qualificados como crime o tribunal aplica uma ou várias medidas tutelares, de acordo com a concreta necessidade de educação do menor para o direito.

A medida tutelar deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão – artigo 7º, nº1.

A duração da medida de internamento em centro educativo não pode, em caso algum, exceder o limite máximo da pena de prisão prevista para o crime correspondente ao facto – artigo 7º, nº 2.

A medida de internamento visa proporcionar ao menor, por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável – artigo 17º, nº 1, da LTE.

A medida de internamento em regime fechado é aplicável quando se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos:

a) Ter o menor cometido facto qualificado como crime a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a cinco anos ou ter cometido dois ou mais factos contra as pessoas qualificados como crimes a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a três anos; e

b) Ter o menor idade igual ou superior a 14 anos à data da aplicação da medida – nº 4 do artigo 17º da LTE.

O menor tinha 14 anos à data da prática dos factos.

No que respeita à duração da medida de internamento, estipula o artigo 18º, nºs 2 e 3, da LTE que:

2 - A medida de internamento em regime fechado tem a duração mínima de seis meses e a máxima de dois anos, salvo o disposto no número seguinte.

3 - A medida de internamento em regime fechado tem a duração máxima de três anos, quando o menor tiver praticado facto qualificado como crime a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a oito anos, ou dois ou mais factos qualificados como crimes contra as pessoas a que corresponda a pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a cinco anos.

Quando for aplicada mais do que uma medida de internamento ao mesmo menor, sem que se encontre integralmente cumprida uma delas, é efetuado, ouvido o Ministério Público, o menor e o seu defensor, o competente cúmulo jurídico de medidas, nos termos previstos na lei penal – artigo 8º, nº 4, da LTE.

O que nos remete para o disposto nos artigos 77º e 78º do Código Penal.

Nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

O nº 2 da mesma norma dispõe que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Face às referidas normas do Código Penal, é necessário a verificação de dois requisitos para a elaboração do cúmulo jurídico: a prática de vários factos qualificados como crime pelo menor e que estes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.

No que respeita ao artigo 77º do Código Penal, atente-se na seguinte jurisprudência:

“Na concretização da regra estabelecida no nº 1, in fine, do artigo 77º do Código Penal, de acordo com o qual na medida da pena - no que à punição do concurso concerne - são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem sido pacífico, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que essencial «na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, de tal forma que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares» - (cf. Ac. STJ de 05.07.2012, Proc. n.º 145/06.SPBBRG.S1), o que, contudo, não dispensa o recurso às exigências de prevenção geral e especial, encontrando, também, a pena conjunta o seu limite na medida da culpa” – cfr. Ac. da RC de 13.12.2017, in www.dgsi.pt.

Também segundo o Ac. do STJ de 27.06.2012, proferido no Proc. n.º 95/08.9EACBR.C1.S1 – in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/criminal2012.pdf:

“Com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e da gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto a lei mandar considerar, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente. Na determinação concreta da pena conjunta importa averiguar se ocorre ou não conexão entre os factos em concurso, se existe ou não qualquer relação entre uns e outros, indagar da natureza ou do tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente, com vista à obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos. Isto de modo a aferir se o ilícito global é ou não produto de uma tendência criminosa do agente e a fixar a medida concreta da pena dentro da moldura do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre ele”.

Revertendo ao caso concreto, consta da decisão recorrida que:

“Nos presentes autos requereu o Ministério Público a realização de julgamento do AA pela prática de cinco factos que a Lei Penal qualifica como crime de incêndio florestal e um que a Lei Penal qualifica como crime de incêndio florestal agravado.

Tais ilícitos penais encontram-se previstos e são, respetivamente, puníveis pelo artigo 274.º, n.º 1 e 274.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

Vejamos, então, o que refere a previsão normativa.

Sob a epígrafe “incêndio florestal”, estabelece o art.º 274.º, do Código Penal, o seguinte:

1 - Quem provocar incêndio em terreno ocupado com floresta, incluindo matas, ou pastagem, mato, formações vegetais espontâneas ou em terreno agrícola, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

2 - Se, através da conduta referida no número anterior, o agente:

a) Criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado;

b) Deixar a vítima em situação económica difícil; ou

c) Atuar com intenção de obter benefício económico;

é punido com pena de prisão de três a doze anos.

No caso concreto e atenta a matéria de facto considerada como provada nos presentes autos, atenta a fundamentação já supra efetuada, não existem dúvidas que, em todos os momentos acima descritos, o AA provocou incêndio em terreno ocupado com floresta, incluindo matas, ou pastagem, mato, formações vegetais espontâneas ou em terreno agrícola alheios. …

Todas as provas circunstanciais, examinadas em conjunto, de forma conjugada e de acordo com as regras de experiência da vida comum e da normalidade, não nos deixam qualquer dúvidas de que foi o jovem visado nos presentes autos que ateou os fogos nos locais identificados, com o intuito direto de ali causar incêndios, o que fez, ainda, aproveitando condições climatéricas de risco elevado (que necessariamente conhecia, dada a publicidade que às mesmas é efetuada nas épocas de incêndio como aquela que se vivia aquando dos factos), o que sabia ser apto a propagar os incêndios que deflagrava e bem sabendo, ainda, que a consequência previsível era a que, efetivamente, se verificou, apenas não tendo ocorrido maiores danos dada a pronta intervenção dos meios de combate e a quantidade de elementos que combateram o incêndios em questão.

Nos termos do disposto no art.º 202.º, al. a), do Código Penal, valor elevado é aquele que exceda o valor correspondente a 50UC apreciada à data dos factos, ou seja, concretamente, aquele que exceda o valor de 5.100,00€, atento o valor da UC.

É certo que, no que se refere aos factos ocorridos em 4.08 não houve lugar a avaliação do dano.

Porém, os factos ocorreram na proximidade de uma casa de habitação e o incêndio chegou a consumir parte da relva do jardim. Este imóvel tem, seguramente e atentas as regras de experiência da vida comum e da normalidade, um valor superior a 5.100,00€.

Está, assim, igualmente preenchida a circunstância qualificativa neste caso em concreto”.

Considerações que se acompanham. De qualquer forma, relembra-se que o recorrente nada disse quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito. Insurge-se, apenas quanto à duração da medida única.

Vejamos o que consta do acórdão recorrido nesse particular.

“Assim, este Tribunal Coletivo Misto decide aplicar ao jovem, pela prática de cada um dos factos ocorridos nos dias 18.07.2023 e 19.07.2023, a medida tutelar educativa de internamento em centro educativo, em regime frechado, pelo período de 15 (quinze) meses.

No que se refere aos factos praticados pelo jovem no dia 4.08.2023, aplica-se a medida tutelar educativa de internamento em centro educativo, em regime frechado, pelo período de 18 (dezoito) meses.

Aqui chegados, impõe-se encontrar a medida única a aplicar ao jovem.

Dispõe o art.º 8.º, n.º 4, da LTE que “quando for aplicada mais do que uma medida de internamento ao mesmo menor, sem que se encontre integralmente cumprida uma delas, é efetuado, ouvido o Ministério Público, o menor e o seu defensor, o competente cúmulo jurídico de medidas, nos termos previstos na lei penal”, situação pacificamente aceite e regulamentada a nível jurisprudencial.

Nos termos do art.º 77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, sendo que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes… e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

De acordo com o disposto no art.º 18.º, n.º 2, da LTE, “a medida de internamento em regime fechado tem a duração mínima de seis meses e a máxima de dois anos, salvo o disposto no número seguinte” e, nos termos de tal número, “a medida de internamento em regime fechado tem a duração máxima de três anos, quando o menor tiver praticado facto qualificado como crime a que que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a oito anos…”.

Porém, em caso de cúmulo jurídico de medidas, o referido limite máximo poderá ser ultrapassado (cfr., neste sentido, Valter Pinto Ferreira, em “O cúmulo jurídico das medidas tutelares educativas: um breve apontamento”, publicado na revista “Julgar Online”, de maio de 2020, págs. 12 e 13 e Rui do Carmo, em anotação ao art.º 8.º da “Lei Tutelar Educativa Anotada”, de Cristina Dias, Margarida Santo e Rui do Carmo, coord., edição Almedina, 2018).

Nos termos do art.º 77.º, do Código Penal, aplicável por força do art.º 8.º, n.º 4 da LTE, a moldura da medida única do cúmulo jurídico há de situar-se entre o mínimo de 18 (dezoito) meses – correspondente à MTE mais gravosa aplicada em concreto – e o máximo de 93 (noventa e três) meses (correspondente a 7 anos, e nove meses) – correspondente à soma das TEM individualmente fixadas.

Tendo em conta, porém, a idade do jovem, a intervenção que já está a ser efetivada e o comportamento que o mesmo tem assumido no centro educativo, afigura-se-nos que não se justifica que, em cúmulo de medidas tutelares educativas, o limite máximo da medida prevista no art.º 18.º, da LTE, seja ultrapassado.

Assim, atentando nas características de personalidade do jovem, no seu comportamento anterior e posterior aos factos e contemporâneo destes, nas necessidades que o mesmo revela a nível de intervenção, contenção, acompanhamento e conformação para o Direito e a Sociedade decide-se aplicar, em cúmulo jurídico, a medida tutelar educativa única de 3 (três) anos de internamento em centro educativo em regime fechado”.

Aquando da fixação das medidas parcelares, já o tribunal a quo tinha dito que:

“é indubitável a necessidade de educação do jovem AA para o Direito: o AA, desde tenra idade, foi apresentando comportamentos de desafio e de fraca responsividade, demonstrando incapacidade de auto responsabilização e atuando num crescendo de gravidade, frequência e intensidade nas condutas assumidas, muitas de natureza qualificada como criminal.

O jovem não respeita as orientações educativas transmitidas pelos seus pais (aliás, refere apenas agora ter iniciado uma relação com a progenitora) e em contexto escolar não respeita o adulto – professores e auxiliares – nem os seus pares. Foi alvo de diversas intervenções policiais, as quais apenas deram origem a dois ITE anteriormente aos presentes autos por o jovem ainda não ter completado idade que permitisse intervenção a este título.

Desde que completou idade para a intervenção, foi alvo de processos tutelares educativos, cujas medidas acabaram por se extinguir por decurso do prazo, mas sem adesão adequada do jovem ao seu cumprimento. Não se colocam, assim, dúvidas que o jovem revela necessidade de educação para o direito e esta necessidade, não só existia, de forma muito evidente, antes da prática dos factos que ora se apreciam, como se mantinha aquando dos factos (veja-se os comportamentos assumidos pelo jovem, o número de ilícitos em causa e a frequência da respetiva prática, demonstrada pela reiteração e persistência no mesmo tipo de conduta, não obstante, com um crescente grau de gravidade e potenciais consequências) e continua a existir na atualidade (atente-se, agora, no relatório de avaliação psicológica efetuada ao menor, o qual aponta para a absoluta necessidade de intervenção junto do mesmo, quer a nível contentor – o que não se alcança junto da família, mas apenas com intervenção do Estado ao nível sancionatório – mas, igualmente, ao nível do acompanhamento em saúde mental).

É, assim, por demais evidente que os comportamentos que o jovem tem vindo a assumir (patenteados, não só naqueles de que é agora alvo, como os que exigiram intervenções anteriores ao nível tutelar educativo e, ainda aqueles que as exigiam mas que, por inadmissibilidade legal não o puderam alcançar) não são aceites pela sociedade e, visando-se a inserção do jovem, enquanto tal e adulto na vida social, respeitando as regras e os princípios a que todos devemos submeter-nos na vida em sociedade, terá o mesmo de, no seu interesse, ser educado para o Direito. …

Os factos assumem elevada gravidade e censurabilidade sendo que a comunidade, no seu geral, dada a sistemática fustigação sentida pelos incêndios que nos assolam nos períodos de verão, sente como de absoluta necessidade e justificação a punição das condutas daqueles que as provocam.

Quanto à situação específica do jovem, igualmente se nos figura que a medida proposta se mostra de absoluta adequação já que, até pela fraca adesão do jovem a medidas tutelares educativas antes aplicadas, é manifesto que outra menos severa não servirá o propósito de o educar para o Direito e de o fazer sentir que os comportamentos que tem assumido não são aceites pela sociedade….

Verifica-se, outrossim que, apesar de acolhido recentemente no centro educativo a nível cautelar, o AA já foi alvo de intervenção disciplinar, por desrespeito para com os adultos, particularmente um professor, que lhe valeu sanção de interdição de atividades lúdicas por 4 dias, o que demonstra fraca adesão ao cumprimento das suas obrigações, às regras da instituição e à frequência adequada das aulas, pese embora se venha a registar aproveitamento, o que revela que as necessidades que se impunham da sua educação para o Direito não estão cumpridas e se mostram atuais, sendo assim evidente que o AA necessita desta resposta contentora, deste apoio emocional e clínico de que tem beneficiado, de como necessita da imposição e regras e limites, com efetiva execução.

Entendemos, assim, que a medida proposta de acolhimento em centro educativo, em regime fechado, é a única adequada ao jovem, às suas necessidades, proporcional à gravidade dos factos que cometeu e, atenta a sua idade, capaz de promover, em último reduto de oportunidade, a educação para o Direito de que necessita, de modo a inserir-se na sociedade enquanto adulto”.

Ora, da análise efectuada por esta Relação, apreciando os factos na sua globalidade e a necessidade de educação do menor para o direito e a sua inserção na comunidade, acompanha-se, integralmente, a posição do tribunal recorrido.

Concorda-se inteiramente com a fixação da medida tutelar educativa pelo período de 3 anos.

É uma medida que se revela adequada, proporcional e necessária.

De facto, atendendo à extrema gravidade dos factos praticados pelo menor, ao seu percurso desviante e contra o direito que vem apresentando há anos, sem que mostre ter interiorizado o desvalor das suas condutas, às características da sua personalidade e modo de vida desestruturado, sem uma resposta familiar eficaz, à ineficácia das medidas tutelares não institucionais que já lhe foram aplicadas, impõe-se uma solução que, de forma efectiva, lhe  possa trazer uma oportunidade de mudança que lhe possibilite levar uma vida de acordo com o direito.

Nestas circunstâncias, nenhuma outra medida menos gravosa, quer na sua espécie quer na sua duração, se mostra adequada e/ou suficiente. De facto, a medida única aplicada revela-se necessária, esperando-se que, apesar de tudo, com ela e com a intervenção que a mesma propicia no plano educativo formal, mas também no de transmissão de valores e regras, se consiga interromper um percurso delinquente.

Como se refere no Ac. da RE de 8.3.2022, in www.dgsi.pt, “a medida de internamento visa, nos termos previstos na lei «proporcionar ao menor por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável» (artigo 17.º, 4 1.º LTE).

É do interesse da comunidade proporcionar ao menor a possibilidade de adquirir valores de que anda arredio; sendo do interesse do menor interiorizar esses valores e tomar consciência de que a sociedade não apenas não admite comportamentos ilícitos, como reage quando estes ocorrem.

A limitação temporária da liberdade do menor é o preço adequado e proporcional às exigências e deveres da comunidade. Mas, por outro lado é também uma oportunidade para o menor em fazer agulha para uma vida responsável no futuro”.

No caso concreto, conclui-se, mais uma vez, pelo acerto da decisão da 1ª instância, não se vislumbrando qualquer erro, incorrecção ou distorção no processo de determinação da medida única, nem desrespeito por princípios aplicáveis ou violação de regras de experiência, nem mesmo qualquer desproporção na quantificação efectuada.

Pelo que fica dito e em jeito de conclusão, deve manter-se a medida única aplicada ao recorrente.

Improcede igualmente esta questão suscitada pelo menor.

                 *

Pelo exposto, improcedendo, assim, todas as questões suscitadas pelo recorrente, deve ser negado provimento ao recurso.

             *

   

        C – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo menor AA e, em consequência, decidem manter a decisão recorrida.

              *

Sem custas por delas estar isento o recorrente, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea i), do RCP.

             *

               Notifique.

              *

            Coimbra, 5 de Junho de 2024.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

               Rosa Pinto – Relatora

               João Abrunhosa – 1º Adjunto

          Cândida Martinho – 2ª Adjunta

- se a decisão recorrida violou o princípio in dubio pro reo;