FRAUDE FISCAL
AVALIAÇÃO INDIRETA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Sumário

I- A determinação da matéria tributável por métodos indiretos, porque resultante de presunções justificadas pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata e pelos deveres de cooperação dos contribuintes para efeitos de determinação da matéria coletável [artigo 90.º da LGT], sendo válida para efeitos fiscais não tem efeitos automáticos no preenchimento dos elementos típicos do crime.
II- Há que diferenciar as situações em que a determinação da matéria coletável é realizada apenas e só por métodos indiretos, e, por isso, presumida, daqueloutra em que o apuramento do valor tributável não resulta da presunção da avaliação indireta realizada pela AT, mas de outros meios de prova produzidos à luz do direito penal, que confirmam a existência dos valores tributáveis.
III- A formação da convicção do julgador com base na prova indiciária, quando não existe prova direta, não belisca o principio da presunção de inocência ou o in dubio pro reo, desde que seja alicerçada em vários indícios que, sem dúvida razoável, conduzam natural e logicamente ao facto presumido.

Texto Integral

***

Acordam, em Conferência os juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I -  RELATÓRIO

1. A sentença proferida em 10 de fevereiro de 2023 decidiu:

a) Condenar o arguido, AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 26.º, do Código Penal e 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2, alínea b), do Regime Geral da Infracções Tributárias, na pena 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;

b) Condenar a arguida, BB, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 26.º, do Código Penal e 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2, alínea b), do Regime Geral da Infracções Tributárias, na pena 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;

c) Suspender a sua execução de ambas as penas identificadas em a) e b), nos termos do disposto no art. 51.º, n.º 1 e 5 do Código Penal e 14.º, n.º 1 do RGIT, pelo período de 3 (três) anos, suspensão essa condicionada ao pagamento solidário por parte dos arguidos da quantia de 77.220,28€ (setenta e sete mil duzentos e vinte euros e vinte e oito cêntimos), correspondente à prestação tributária devida.

d) Julgar parcialmente procedente a pretensão de perda de vantagem patrimonial decorrente da prática de crime peticionada e, consequentemente, declarar a perda a favor do Estado do montante de 63.720,28€ (sessenta e três mil setecentos e vinte euros e vinte e oito cêntimos), condenando os arguidos ao seu pagamento.

2. Inconformados com a condenação, dela recorrem os arguidos, concluindo (transcrição)

« Funda-se o presente recurso nos seguintes aspetos:

I –  

CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO

ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA

VIOLAÇÃO DO TRÍPTICO GARANTÍSTICO traduzido nos princípios seguintes:

- PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

- NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO

- IN DUBIO PRO REO

(…)

3. O Ministério Público respondeu como consta a fls. 2283 a 293, pugnando pela improcedência do recurso.

4. Cumpridos o disposto no artigo 417º, do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do Recurso.

II -  FUNDAMENTENÇÃO DE FACTO.

A primeira instância decidiu a matéria de facto como segue:

A) Factos provados

Da discussão da causa resultou como assente, por provada, a seguinte matéria de facto pertinente por referência ao objecto do processo:

1. Os arguidos AA e BB são casados entre si desde 08/09/1991 (cfr. Certidão de assento de nascimento, de fls. 1386).

2. O arguido é o contribuinte fiscal n.º ...32 e a arguida a contribuinte fiscal n.º ...97, encontrando-se ambos inscritos no Serviço de Finanças ... - ....

3. Relativamente ao ano de 2011, os arguidos entregaram, em 31/05/2012, a sua declaração periódica de rendimentos Modelo 3 - IRS (cfr. fls. 187 e seguintes).

4. Nessa declaração, os arguidos declararam os seguintes rendimentos brutos e colectáveis, nas diferentes categorias de rendimentos previstos no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (artigo 1.º e seguintes, do CIRS):

4.1. AA dependente (Categoria A): no valor de 51.472,18€, pagos pelo Município ... e relativos às suas funções enquanto Presidente da Câmara Municipal; Rendas (Categoria F): no valor de 4.800,00€, recebidas de um prédio urbano sito no concelho ....

4.2. BB - Trabalho dependente (Categoria A): no valor de 6.983,20€ e 53.053,12€, pagos, respectivamente, pelas sociedades A..., Lda e B..., Lda; - Rendas (Categoria F): no valor de 6.739,86€  (2.247,12€+200,04€+1.542,31€+600,12€+566,45€+600,12€+433,59€+550,11), relativas a 8 fracções autónomas de um prédio urbano sito na cidade ....

5. Conforme melhor indicado na seguinte tabela: (…)

6. No ano de 2011, a tributação, em sede de IRS - Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, incidiu sobre o conjunto dos rendimentos auferidos pelo agregado familiar, tendo em conta o rendimento bruto e colectável declarado pelos arguidos e sujeitos passivos AA e BB, casados entre si e não separados de pessoas e bens, os quais respondiam solidariamente, por lhes incumbir a direcção do agregado familiar e uma vez que os pressupostos da incidência real e pessoal se verificavam, de igual modo, em ambos (conforme dispõem as normas conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 13.º, n.º 2, do CIRS).

7. Pelo que, relativamente ao exercício de 2011, a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, efectuou a seguinte Demonstração de Liquidação de IRS - 2011: (…)

8. Ou seja, em 2011, o valor das retenções na fonte não ultrapassou o valor da coleta líquida, pelo que, a final, os arguidos tiveram que proceder ao pagamento de 6.136,13€.

9. Dito de outro modo, após o cálculo do imposto com englobamento dos rendimentos e após efetuadas as deduções à coleta, o valor de imposto a pagar era de 31.635,91€, sendo que, deduzindo o valor das retenções na fonte (27.196,37€), o valor apurado se sagrou em 6.136,13€.

10. Acontece, porém, que, no ano de 2011, os arguidos eram titulares, além do mais, das seguintes contas bancárias (cfr. Informação do Banco de Portugal, a fls. 109 a 121 e Informações bancárias e documentos de suporte, no Apenso I e a fls. 1288 a 1329): (…)

11. Sendo que, no ano de 2011, em 5 dessas 11 contas bancárias tituladas pelos arguidos se registaram fluxos monetários de entrada.

12. Ora, uma parte desses fluxos monetários de entrada haviam já sido comunicados à AT - Autoridade Tributária e Aduaneira para efeitos de tributação em sede de IRS (os rendimentos auferidos pelos arguidos, cujo enquadramento e tributação se insere na Categoria A - Trabalho Dependente e Categoria F – Rendimentos Prediais, previstos, respectivamente, nos artigos 2.º e 8.º, ambos do CIRS, constam da sua declaração de rendimentos, sendo certo que esses valores tinham sido já tributados e foram, portanto, expurgados do apuramento dos montantes que não foram revelados à Administração Tributária).

13. Existem também entradas de fluxos financeiros provenientes de outras contas pertencentes aos arguidos, as quais não relevam para efeitos de tributação, atendendo a que o seu enquadramento fiscal reporta à conta bancária em que esses fluxos financeiros entraram originariamente na sua esfera patrimonial.

14. Contudo, no ano de 2011, os arguidos receberam nas suas contas bancárias, sob a forma de cheque, numerário ou transferência bancária, outras quantias monetárias, num total de 128.700,46€, que não integraram no conjunto dos rendimentos que deram a conhecer à AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua declaração periódica de rendimentos Modelo 3 - IRS do ano de 2011.

15. Em termos globais, o valor total dos fluxos monetários de entrada nas contas tituladas pelos sujeitos passivos e, de entre este, o valor total dos fluxos que se encontra justificado e o não justificado, é detalhado no seguinte quadro: (…)

16. Ou seja, os arguidos omitiram 128.700,46€ na sua declaração periódica de rendimentos Modelo 3 - IRS do ano de 2011.

17. E, assim, ocultaram tais quantias monetárias à AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, que, por esse motivo, não aferiu do seu enquadramento fiscal para efeitos de tributação em sede de IRS e não as sujeitou a tributação.

18. Os fluxos financeiros que perfazem o aludido montante global de 128.700,46€, bem como as respectivas entidades emissoras dos valores titulados por cheque ou transferências bancárias, são os seguintes (cfr. Tabelas de fls. 1344 a 1348 e ANEXOS I a V):

(…)

19. A AT - Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a actos inspectivos, os quais consistiram essencialmente no cruzamento da informação constante da declaração periódica de rendimentos Modelo 3 – IRS do ano 2011, com os fluxos financeiros registados nos extratos bancários das diferentes contas tituladas por AA e BB, relativamente ao ano de 2011, no sentido de verificar se o valor dos rendimentos declarados por aqueles coincidia com o efetivamente auferido.

20. Não obstante ser conhecida a origem de grande parte dos fluxos monetários em causa, ou seja, as entidades emitentes dos cheques e/ou transferências bancárias, não foi possível apurar, pelo que se desconhece, a que título foram pagas tais verbas.

21. As justificações apresentadas pelos arguidos AA e BB perante à A.T. para esses rendimentos, no valor de 128.700,46€, não foi considerada válida para esta entidade.

22. Inexistem documentos contabilísticos de suporte que justifiquem os pagamentos efectuados em favor dos arguidos AA e BB por CC, por DD, por EE (mãe da arguida BB e sogra do arguido AA), por FF (irmão do arguido AA e cunhado da arguida BB) e por GG.

23. Nenhuma justificação resulta de outras circunstâncias objectivas.

24. Tanto mais porque, no ano de 2011, o arguido AA exerceu o cargo de Presidente da Câmara Municipal ..., não desempenhando quaisquer outras funções remuneradas, de carácter público ou privado, sendo que a arguida BB era sócia-gerente das sociedades B..., Lda e A..., Lda, não desempenhando quaisquer outras funções remuneradas, de carácter público ou privado, como resulta da sua declaração de rendimentos, onde apenas constam rendimentos de trabalho dependente e rendimentos prediais, das Categorias A e F, respectivamente (cfr. Certidões permanentes, fls. 518 a 529).

25. Os fluxos financeiros que perfazem o aludido montante global de 128.700,46€ não configuram rendimentos do trabalho dependente, rendimentos empresariais e profissionais, rendimentos de capitais, rendimentos prediais, ou pensões, pelo que não se inserem nas Categoria A, B, E, F ou H, previstas no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (artigo 1.º e seguintes, do CIRS).

26. Ora, dispõe o artigo 87.º, n.º 1, alínea f), da LGT, no que respeita à realização da avaliação indirecta, que “a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a 100.000,00€, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.

27. O valor dos fluxos monetários de entrada nas contas bancárias dos arguidos e sujeitos passivos não justificados no ano de 2011 ascende a 128.700,46€ e representa 114% do Rendimento Coletável declarado por aqueles, constituindo uma divergência não justificada entre o rendimento declarado e o valor do incremento patrimonial identificado:


28. Nos termos do disposto no artigo 89.º-A, n.º 3, da LGT, “verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada”.

29. Dispõe o artigo 89.º-A, n.º 5, da LGT, que “Para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º: a) considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efectuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação (…)”.

30. Por sua vez, o artigo 9.º, n.º 1, alínea d), do CRIS, relativo aos rendimentos da categoria G determina que os acréscimos patrimoniais não justificados, determinados nos termos dos artigos 87.º, 88.º ou 89.º-A, da LGT, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias.

31. Finalmente, “Os acréscimos patrimoniais não justificados a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º, de valor superior a 100.000,00€, são tributados à taxa especial de 60 %”, sendo que esta norma estava plasmada no n.º 10, do artigo 72.º, do CIRS, na redacção dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro, que produziu efeitos desde 01/01/2009), passando depois a estar plasmada no n.º 11, com a redacção dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que produziu efeitos desde 01/01/2013, sendo que, desde Abril de 2020 e até ao presente, com a publicação da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, corresponde ao n.º 16.

32. Assim, estes rendimentos, no valor global de 128.700,46€, constituem incrementos patrimoniais, com enquadramento nas normas de incidência da Categoria G e são tributados à taxa especial de 60%, mesmo que sejam provenientes de actos ilícitos, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 89.º-A, n.º 5, da LGT e 1.º, 9.º, nº 1, alínea d) e 72.º, n.º 10, todos do CIRS.

33. O que perfaz um valor de imposto a pagar de 77.220,28€, a que acrescem juros compensatórios, a integrar no cálculo final, de acordo com o previsto no artigo 35.º, da LGT, bem como todas as cominações legais por falta de pagamento voluntário, ou seja, juros de mora e custas de um eventual processo de execução fiscal.

34. A AT - Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou Projecto de decisão de fixação do rendimento tributável de IRS com recurso a avaliação indirecta, nos termos e para os efeitos da aludida alínea f), do n.º 1, do artigo 87.º, da LGT (cfr. Projecto de correcções, de fls. 1333 e seguintes).

35. Os arguidos e sujeitos passivos foram notificados do aludido projecto, bem como de que dispunham de um prazo de 15 dias para exercer o direito de audição por escrito ou oralmente, e de que, para obstar ao procedimento de fixação, podiam fazer prova da efectividade dos rendimentos declarados e simultaneamente da comprovação da natureza e/ou a que título tais valores integraram o seu património no ano de 2011, dentro do mesmo prazo, nos termos das normas conjugadas dos artigos 60.º, n.º 1 e n.º 6, da LGT e 45.º, do CPPT, sendo certo que podiam também regularizar a situação tributária, através da entrega de declaração periódica de rendimentos modelo 3 - IRS de substituição, relativamente ao ano de 2011, ao abrigo do disposto no artigo 89.º-A, n.º 11, da LGT (cfr. Notificação do projecto de correcções, de fls. 1349).

36. Ora, dentro do prazo fixado, os arguidos nada vieram dizer, requerer e/ou fazer.

37. Ainda assim, os arguidos intentaram contra a Fazenda Pública Processo de Impugnação, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., pedindo a anulação da liquidação de IRS respeitante ao período de tributação de 2011, sendo que, para tanto, invocaram que a referida liquidação era ilegal, por caducidade do poder de liquidação do tributo; por erro nos pressupostos da decisão de recorrer a métodos indirectos para fixação da matéria colectável; por errónea qualificação da matéria colectável e por vícios procedimentais da decisão de recorrer à avaliação da matéria colectável por métodos indiretos e da decisão de quantificação desta (cfr. Certidão da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., no Processo de Impugnação 8/19...., a fls. 1652 e seguintes).

38. Todavia, o Tribunal Administrativo e Fiscal ... proferiu sentença, transitada em julgado em 23/02/2021, absolvendo a Fazenda Pública da instância relativamente ao pedido de declaração da caducidade da liquidação impugnada e julgando improcedente o pedido na parte em que se funda em ilegalidade da decisão de recorrer a métodos indirectos e em ilegalidade da quantificação da matéria colectável (cfr. Certidão da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., no Processo de Impugnação 8/19...., a fls. 1652 e seguintes, e informação de fls. 166).

39. Os arguidos também deduziram oposição à execução, pedindo a extinção do processo de execução fiscal com fundamento em falta de notificação da liquidação adicional de IRS do ano de 2011 dentro do prazo de caducidade, no âmbito do Processo de Oposição n.º 251/18...., que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ... (cfr. Cópia da petição inicial e de requerimentos acompanhados de documentos, do Processo de Oposição 251/18...., a fls. 1493 e seguintes).

40. Também neste caso, o Tribunal Administrativo e Fiscal ... proferiu sentença, datada de 16/09/2020, julgando a oposição improcedente e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido de extinção do processo de execução fiscal com fundamento em falta de notificação da liquidação adicional de IRS do ano de 2011 dentro do prazo de caducidade, e determinou o prosseguimento da execução fiscal contra os oponentes, mais fixando à causa o valor de 100.099,99€ e condenando os oponentes nas custas (cfr. Certidão do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ..., no Processo (Recursos Jurisdicionais) 251/18...., a fls. 1884 e seguintes).

41. Os arguidos interpuseram recurso da aludida decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal ... para o Tribunal Central Administrativo ..., o qual, por acórdão datado de 07/12/2021, transitado em julgado em 24/01/2022, negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida (cfr. Certidão do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ..., no Processo (Recursos Jurisdicionais) 251/18...., a fls. 1884 e seguintes).

42. Assim sendo, a decisão de fixação do rendimento tributável de IRS com recurso a avaliação indirecta está consolidada e constitui caso decidido administrativo (cfr. Projecto de correcções, de fls. 1333 e seguintes, Certidão da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., no Processo de Impugnação 8/19...., a fls. 1652 e seguintes, informação de fls. 166 e Certidão do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ..., no Processo (Recursos Jurisdicionais) 251/18...., a fls. 1884 e seguintes).

43. Os arguidos bem sabiam que tinham o dever de integrar a quantia de, pelo menos, 106.200,46€ na sua declaração periódica de rendimentos Modelo 3 - IRS do ano de 2011, na medida em que tais rendimentos constituem incrementos patrimoniais, com enquadramento nas normas de incidência da Categoria G e são tributados à taxa especial de 60%, mesmo que sejam provenientes de actos ilícitos.

44. Os arguidos bem sabiam, igualmente, que tinham o dever de proceder ao pagamento do imposto que se viesse a apurar de acordo com o regime aplicável.

45. Obrigações essas que os arguidos, de comum acordo e em conjugação de esforços, deliberadamente, não cumpriram, ocultando tais quantias monetárias à AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, que, por esse motivo, não aferiu do seu enquadramento fiscal para efeitos de tributação em sede de IRS e não as sujeitou a tributação, com o propósito conseguido de, com esta sua conduta omissiva, obterem um acréscimo patrimonial de, pelo menos, 106.200,46€ e, assim, se enriquecerem ilicitamente à custa da Fazenda Pública, tendo auferido uma vantagem patrimonial ilegítima, no valor de 63.720,28€, a que acrescem juros compensatórios, a integrar no cálculo final, bem como todas as cominações legais por falta de pagamento voluntário, ou seja, juros de mora e custas de um eventual processo de execução fiscal.

46. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, de forma livre, voluntária, deliberada e consciente.

(Contestação)

47.  A quantia de 22.000,00€ depositada na conta Banco 1... ( ...23) permitiu colocar saldo da mesma em valores positivos, isto após ter ficado com um saldo negativo de 21.218,96€ na sequência do movimento a débito referente ao pagamento de uma livrança com o n.º ...11....

48. O arguido AA, juntamente com DD, HH, II e JJ, constituíram a sociedade comercial “C..., S.A.”, no dia 18 de junho de 2010, a qual tinha por objecto a actividade de centros de inspecção técnica de veículos a motor e seus reboques, estudo, gestão e exploração do controlo técnico automóvel.

49. DD foi designado Presidente do Concelho de Administração e o arguido AA vogal.

50. Através da AP. ...17/025, foi dissolvida e liquidada, com cancelamento da respetiva matrícula, no ano de 2017.

51. Ao abrigo da Lei11/2011, foram efectuadas as seguintes candidaturas a centros de inspecção automóvel:

i) Candidatura n.º  ...66, em nome de AA, a ...;

ii) Candidatura n.º  ...98, em nome de “C..., S.A.”, a ...;

iii) Candidatura n.º  ...96, em nome de “C..., S.A.”, a ...;

iv) Candidatura n.º  ...99, em nome de “C..., S.A.”, a ...;

v) Candidatura n.º ...23, em nome de “C..., S.A.”, a ....

vi) Candidatura n.º  ...00, em nome de “B..., Lda.”, a ...;

vii) Candidatura n.º  ...31, em nome de “B..., Lda.”, a ...;

viii) Candidatura n.º  ...94, em nome de AA, a ...;

ix) Candidatura n.º  ...20, em nome de AA, a ...;

x) Candidatura n.º  ...40, em nome de AA, a ...;

xi) Candidatura n.º ...31, em nome de AA, a ...;

xii) Candidatura n.º ...64, em nome de AA, a ...;

xiii) Uma candidatura a centro de inspecções em ... em nome de AA, no dia 21.08.2011;

xiv) Uma candidatura a centro de inspecções em ... em nome de CC, no dia 27.07.2011;

xv) Uma candidatura a centro de inspecções em ... em nome de CC, no dia 27.07.2011.

52. Cada uma das candidaturas supra mencionadas tinha o valor unitário de 1.000,00€.

53. Da conta bancária com o n.º ...00, foram pagos, em 6 actos de pagamento distintos, a quantia, por cada um, de 1.000,00€, tendo em destino uma entidade com a referência associada ao IMTT com o n.º ...81.

Mais se provou que:

54. Os arguidos não têm antecedentes criminais.

(…)


*

C)  Motivação de facto

Para dispor sobre a matéria de facto que antecede, o tribunal teve em conta a globalidade da prova constante dos autos e que instruiu a acusação (Declaração periódica de rendimentos Modelo 3 - IRS do ano de 2011, a fls. 187 e ss; Informação do Banco de Portugal, a fls. 109 a 121; Certidões permanentes, de fls. 518 a 529; documentos de fls. 1130 a 1133, 1134 a 1145 e 1148 a 1284; Informações bancárias e documentos de suporte, a fls. 1288 a 1329; Projecto de correcções, de fls. 1333 e seguintes; Tabelas, de fls. 1344 a 1348; Notificação do projecto de correcções, de fls. 1349; Parecer da Direcção de Finanças ..., de fls. 1351 e seguintes; Certidão de assento de nascimento, de fls. 1386; Certidão da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., no Processo de Impugnação 8/19...., a fls. 1652 e seguintes; Certidão do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ..., no Processo (Recursos Jurisdicionais) 251/18...., a fls. 1884 e seguintes; informação do Tribunal Administrativo e Fiscal ..., de fls. 1661; APENSO 1: elementos bancários relevantes; ANEXO I: Conta Banco 1... –  ...11; ANEXO II: Conta Banco 1... –  ...23; ANEXO III: Conta Banco 2... –  ...89; ANEXO IV: Conta Banco 3... –  ...05; ANEXO V: Conta Banco 4... –  ...30), concatenando-a com a prova documental carreada pelos arguidos na sua contestação e também com aquela junta por si aos autos a fls. 2258 a 2280 e 2290 a 2572, bem como com a que acabou por vir a ser produzida em sede de audiência de julgamento,  nomeadamente com as declarações do arguido AA e depoimentos das testemunhas KK (Inspectora Tributária), EE, DD e FF.

Face ao elevado acervo probatório documental com que os autos se fizeram instruir estes autos, cumpre proceder a uma explanação da matéria de facto dada como provada de uma forma o mais sintética e objectiva possível, isto porque, face à posição assumida pelos arguidos na sua contestação (e pelo arguido AA em sede de audiência de julgamento), grande parte da matéria em causa é admitida pelos próprios.

Assim, resulta da contestação apresentada por ambos os arguidos e das declarações prestadas por AA em sede de audiência de julgamento que a matéria que contende com a situação pessoal e profissional dos arguidos, declarações de rendimentos no ano de 2011, titularidade das contas bancárias em apreço e, com particular importância, dos movimentos/fluxos monetários nas contas bancárias em discussão nos presentes autos e que, no entender do Ministério Público, implicam a prática do crime de fraude fiscal, não é por ambos contestada. Os arguidos em momento algum contestam que que ano de 2011 passaram pelas contas das quais são titulares/co-titulares aqueles fluxos monetários, isto no que concerne com a sua origem e respectivo destino.

Em suma, que os valores aqui em causa entraram nas contas dos arguidos e que tiveram a proveniência indicada no despacho de acusação e de pronúncia é um dado insofismável, o qual, para além de ser confirmado pelos arguidos na sua contestação, é corroborado pelos elementos documentais juntos aos autos e que instruíram a acusação (Declaração periódica de rendimentos Modelo 3 - IRS do ano de 2011, a fls. 187 e ss; Informação do Banco de Portugal, a fls. 109 a 121; informações bancárias e documentos de suporte no Apenso I e a fls. 1288; tabelas de fls. 1344 a 1348 e Anexos I a V; certidões permanentes fls.518 a 529).

Do mesmo modo, no que concerne ao recurso pela Autoridade Tributárias aos métodos de avaliação indirectos, notificações aos arguidos do projecto elaborado pela A.T, impugnações perante dos Tribunais Administrativos e Fiscais, oposição à execução fiscal e respectiva decisão, a prova de tais factos resulta igualmente e de forma directa do teor das certidões juntas aos autos, mormente do Projecto de correcções de fls. 1333 e seguintes, Certidão da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., Processo de Impugnação 8/19.... a fls. 1652 e seguintes, informação de fls. 166 e Certidão do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ..., no Processo (Recursos Jurisdicionais) 251/18...., a fls. 1884 e seguintes.

Segundo é nosso entendimento, a legitimidade do recurso aos métodos indirectos de avaliação encontra-se devidamente consolidada no ordenamento jurídico, porquanto a decisão proferida pelo Tribunais Administrativos e Fiscais julgou improcedente a impugnação apresentada pelos arguidos. Era esse o meio adequado para que os arguidos pusessem em causa o procedimento utilizado pela A.T., pelo que, tendo soçobrado a sua impugnação, quer fosse por questões de natureza processual, quer fosse por questões de natureza substantiva, certo é que a decisão se tornou definitiva, não competindo à jurisdição penal contrariar aquilo que é de natureza estritamente administrativa e fiscal.

Por outro lado, não nos podemos esquecer que existe norma específica no RGIT que, de certa forma, constitui norma especial em relação ao previsto no art. 7.º do Código de Processo Penal, atinente à suficiência do processo penal, o qual prevê que “o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessam à decisão da causa”. Falamos aqui do disposto no art. 47.º do RGIT que prevê especificamente que “Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.

Isto para dizer que, ao contrário do que pretendem os arguidos, não pode este tribunal fazer tábua rasa daquilo que foi decidido pela A.T e que levou à improcedência da impugnação apresentada junto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, sendo que, caso tal decisão fosse inócua para o processo penal tributário, dificilmente se compreenderia uma norma com idêntico teor à do aludido art. 47.º do RGIT (na medida em que o apuramento, ainda que por via indirecta, do rendimento coletável dos arguidos permitiu, por essa via, qualificar em termos criminais os factos que vieram a ser imputados em sede de acusação).

Contudo, por outra banda, tal não significa, a nosso ver e ao contrário daquilo que parece ser pugnado pelo Ministério Público, que a consolidação daquela decisão em sede administrativa e fiscal tenha um efeito quase que automático relativamente à prova dos factos de que depende a responsabilização criminal dos arguidos. Salvo devido respeito por opinião diversa, tal conclusão mostrar-se-ia incompatível desde logo o princípio constitucional previsto no art. 32.º da CRP, mormente no que concerne à presunção de inocência de que, invariavelmente, gozam os arguidos. Por outro lado, tendo presente a concreta forma de apuramento dos rendimentos e que permitiu dar enquadramento jurídico e substracto factual ao crime de fraude fiscal do qual os mesmos vêm acusados, ou seja, através de métodos indirectos de avaliação (art. 87.º da LGT), a forma como se encontra urdido o seu mecanismo de apuramento é manifestamente incompatível com princípios estruturantes do direito penal e aos quais os crimes tributários estão, necessariamente, a eles sujeito. Falamos especificamente da parte em que se prevê naquele mecanismo que, cumpridos os requisitos objectivos para a avaliação indirecta nos termos do art. 87.º da LGT, é ao sujeito passivo que cabe o ónus de “(…) comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada” (art. 89.º-A da LGT).

Segundo cremos, tal mecanismo, quando transposto nas suas consequências para o direito penal de uma forma directa e sem possibilidade de contraditório, não deixaria de se traduzir na punibilidade a título criminal de uma determinada conduta com recurso a presunções legais, as quais, como se sabe, não são admitidas para efeitos jurídico-penais.

Em suma, ao admitir o contrário cairíamos no seguinte cenário: ou o sujeito passivo/arguido prova que os valores em causa têm uma determinada origem que os isentasse de declaração, ou incorreria desde logo na prática do crime de fraude fiscal (cumprido igualmente, claro está, o requisito objectivo do valor objecto de ocultação – 15.000,00€ - e os elementos subjectivos típicos correspondentes).

Tudo para dizer que “o crime tributário, necessariamente tipificado numa norma penal, tem pressupostos próprios, que são os respetivos elementos típicos, que transcendem o incumprimento da obrigação tributária, ainda que a possam pressupor, enquanto elemento histórico, verificado em particulares circunstâncias temporais. Por sua vez, a responsabilidade tributária, ou seja, a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações fiscais, tem na sua origem a inobservância de norma própria do ordenamento jurídico tributário. A responsabilidade penal tributária e a responsabilidade tributária são pois realidades distintas, que surgem, se mantêm e se extinguem de forma independente entre si” (ainda que em análise a questão diversa, entendemos que tais conclusões tem inteira aplicabilidade àquilo que se pretende aqui evidenciar – Ac. TRP, datado de 23.09.2015, proc. n.º 335/04.3IDPRT-A.P1).

Assim, que os arguidos não declararam para efeitos de IRS os valores em causa e que o facto de não ter colhido a justificação apresentada legitimou o recurso aos métodos de avaliação indirectos, com o consequente apuramento da concreta vantagem patrimonial, isso está claro e não pode ser contestado para efeitos do tributo a pagar à A.T. Mas isso não impede os arguidos de, nesta sede, provarem que, apesar de estar determinada e estabelecida a obrigatoriedade de liquidar aquele imposto, virem aos presentes autos justificar a proveniência daqueles valores e, como tal, convencerem este tribunal de que nenhuma intenção tiveram em oculta-los com o intuito de obter uma vantagem patrimonial indevida.

(…)

III -  QUESTÕES A DECIDIR
As questões a decidir neste recurso consistem em saber se o tribunal recorrido cometeu os vícios de contradição insanável e erro notório na apreciação da prova aludidos nos artigos 410.º, n.º 2, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal e incorreu em erro de julgamento relativamente aos factos impugnados, por violação dos princípios da presunção de inocência, da não auto- incriminação e in dubio pro reo.

IV -  APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 – A relevância dos métodos de avaliação indirecta no processo penal
Defende o Tribunal recorrido que a sentença e o Acórdão transitados em julgados proferido respectivamente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ... e pelo Tribunal Central Administrativo ... resolveram definitivamente a questão da legitimidade do recurso aos métodos indirectos pela Autoridade Tributária (AT), não competindo à jurisdição penal contrariar a decisão de natureza estritamente administrativa e fiscal.
Mais defende, e bem, que os princípios do direito penal, desde logo o de presunção de inocência afastam a transposição automática da avaliação por métodos indirectos para o processo penal relativamente aos factos de que depende a responsabilização criminal dos arguidos.
Por outro lado, analisou a prova documental existente, as declarações do arguido e os testemunhos prestados em audiência, à luz das regras da experiência comum, tendo concluído que os montantes financeiros (com excepção de 22 000,00€ e 500,00€) entraram nas contas dos arguidos sem qualquer justificação, não podendo os arguidos deixar de saber que tinham a obrigação de declarar os aludidos valores à autoridade tributária para efeitos de liquidação do respectivo imposto. E, se assim é não podiam os arguidos deixar de saber que tinham o dever de integrar, pelo menos, a quantia de 106 200, 45€ na sua declaração periódica de rendimentos Modelo 3 IRS de 2011, na medida em que tais rendimentos constituem incrementos patrimoniais, com enquadramento, nas normas de incidência   da categoria G.
Contestam os Recorrentes, alegando que este raciocínio viola os princípios da presunção de inocência, in dubio pro reo e da não auto-incriminação.
Cumpre decidir.
A discussão sobre determinação da matéria colectável por métodos indirectos e a sua conexão com os crimes tributários é, sem dúvida, uma das questões mais controversas, atentos os valores e princípios que envolve.
Se, de um lado, todo sistema fiscal tem por fim a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza [artigo 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP)], de outro, os direitos e os interesses legítimos do cidadão reclamam limites à actuação do Estado, quer no sancionamento das infracções tributárias, em particular, as de natureza penal.
A Administração Tributária, na prossecução do interesse público e no respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, está subordinada à Constituição e à lei (principio da legalidade), devendo actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.  [artigo 266°, n° 1 e 2 da (CRP), artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT] e artigos 3.º, 4.º e 10.º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA]. 
Como sublinham Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, o princípio da boa fé supõe a sua observância no âmbito do princípio da colaboração reciproca entre a administração tributária e os contribuintes [artigo 59° da LGT]. A exigência do cumprimento das regras de boa fé «tem um conteúdo de carácter ético, impondo aos intervenientes no procedimento tributário que actuem com lealdade e sinceridade recíprocas no decurso do procedimento tributário, abstendo-se de actuações que possam enganar o outro interveniente, ou ocultando-lhe elementos que possam ter proveito para a defesa das suas posições.» (Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, anotação 1 ao artigo 55.º, p. 235/236 e 278].
Assim, por parte da Administração Tributária, releva o artigo 59.º, n.º 3, da LGT que contém a enumeração meramente exemplificativa dos deveres a que está sujeita, designadamente, o de informar o contribuinte sobre os seus direitos e obrigações, de notificar o sujeito passivo para esclarecimento das dúvidas sobre as suas declarações ou documentos, ou sobre a interpretação e aplicação das normas tributárias e a comunicação antecipada do início da inspeção tributária.  
Por parte do contribuinte, o dever de colaboração compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros [artigos 31.º e 59.º, n.º 4, da LGT].
No âmbito do processo tributário, é dever do contribuinte actuar de boa fé, prestando os esclarecimentos dos factos de que tenha conhecimento, oferecendo os meios de prova a que tenha acesso [artigo 48.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], sem prejuízo do principio do inquisitório e da descoberta da verdade material, que impõe à administração tributária a realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não carecendo de esperar pela iniciativa do sujeito passivo. [artigo 58.º, da LGT].
«Na verdade, no domínio tributário, a necessidade de imposição de deveres de cooperação é não só perfeitamente justificada, como dificilmente prescindível. Espraiando-se o fenómeno tributário nas sociedades contemporâneas pelos mais diversos tipos de imposto, aplicáveis a uma multiplicidade de actividades e situações, a sua realização seria impensável sem o recurso a instrumentos como o dever acessório de cooperação dos contribuintes, deslocando para a esfera destes uma série de actividades que auxiliam e substituem a administração tributária na sua função de liquidação e cobrança do imposto» [Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 340/2013, de 17 de junho, Processo n.º 815/12, Relator: Conselheiro Cura Mariano].    
Por outro lado, o principio da cooperação faz presumir a boa fé do contribuinte, o principio da verdade declarativa, nos termos do qual faz recair sobre a administração o respeito pelas declarações e informações prestadas pelos contribuintes, que presumem verdadeiras [artigos 59.º, n.º 2, 75., n.º 1 e 81.º, n.º 1, da LGT].
O que quer dizer, que o sujeito passivo fica desonerado de demonstrar que as informações prestadas correspondem à verdade. Só assim não será nos casos, que pela sua gravidade, [as previstas no artigo 75.º 2, da LGT], justifiquem a intervenção da Administração Tributária a  quantificar os rendimentos e valores tributáveis, através da avaliação directa, se possível e não sendo possível, através da avaliação indirecta realizada a partir de indícios, [artigos 83.º, n.º 2, 75.º, n.º 2  e   82.º, n.º 2 e 3 da LGT.].
A acção inspectiva é, precisamente, uma das atribuições cometidas à Autoridade Tributária  (AT),  que visa a liquidação adicional ou, mesmo oficiosa do imposto e, se for caso disso, de infracções tributárias, [artigo 2.º, n.º 2, alíneas a) e  b)  do Decreto lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro)], orientando-se, também pelo dever mútuo de cooperação a que estão sujeitos a AT, os sujeitos passivos ou demais obrigados tributários [artigo 9.º  do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA).
A falta ilegítima   do dever de cooperação e colaboração do contribuinte constitui fundamento de aplicação dos métodos indirectos [artigo 10.º do RCPITA] e faz incorrer o infractor em responsabilidade criminal ou contra-ordenacional [artigos 59.º, n.º 4, da LGT; artigo 48.º nº 2, do CPPT, e artigo 113.º, do RGIT].
No processo penal, ao contrário do que sucede no procedimento tributário, todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação [artigo 32.º, n.º 2, primeira parte da CRP], daqui decorrendo que ninguém pode ser obrigado a contribuir para a sua inculpação, nemum tenetur ispum accusare.
O arguido não tem qualquer dever de colaboração, antes, tem o direito de se comportar «como mero espectador que observa como terceiros lidam com o seu caso, não sendo responsável por esta atitude passiva (não tem do dever de colaborar) nem podendo ser ele penalizado (não tem o ónus de colaborar)». [Teresa Beleza, Tão amigos que nós éramos, o valor probatório do depoimento do arguido no Processo Penal Português, Revista do Ministério Público, n.º 74, ano 19, 1998, p. 50/51].  

«Incumbe, pois, ao arguido decidir como e quando tomar posição sobre o processo. Direito esse que decorre do seu próprio estatuto de arguido, tão ampla é a sua esfera de actuação que o próprio silencio poderá encontra-se entre as suas opções» [José faria Costa, Um Olhar Cruzado entre a Constituição e o Processo Penal, em a Justiça nos Dois Lados do Atlântico, Teoria e Prática do Processo Criminal,  em Portugal e nos Estados Unidos da América, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, p. 195].    
O direito ao silêncio do arguido é, pois, uma consequência natural da presunção da inocência. «Se o arguido se presume inocente, presume-se legalmente que pode nada saber sobre tais factos, exigir-lhe que se pronunciasse sobre eles, seria um convite à mentira» [Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, p. 74 e 94].

O direito ao silêncio comporta, assim, o direito à não auto-incriminação e a presunção de inocência de que beneficia, concretizados no direito a não falar ao longo de todo o processo, sem que tal silêncio possa ser interpretado a seu desfavor e no direito a não facultar meios de prova comprometedores. [artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 141.º, n.º 4, alíneas a) e b) e 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP)]

Pelo que, na dúvida, o arguido deva ser considerado como inocente – in dubio pro reo – nada tendo que fazer para o demonstrar.
Assinala Casalta Nabais que a utilização em processo penal dos elementos probatórios recolhidos no procedimento tributário de inspecção é, em principio, incompatível com o direito que assiste ao arguido de não se auto-incriminar. Porém, admite que não é um direito fundamental absoluto, podendo «comportar limites, desde que estes superem com êxito os exigentes testes constitucionais das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias fundamentais, constantes dos n.ºs 2 e 3, do artigo 18.º, da Constituição. Importância especial têm aqui os testes concretizados na salvaguarda do núcleo essencial do direito fundamental do arguido e no respeito da proporcionalidade entre a restrição a esse direito e o interesse público na liquidação e cobrança de impostos implicar uma eficaz luta contra o fenómeno da evasão e fraudes fiscais. O que pode conduzir a que, em certos casos, a utilização em processo penal de prova recolhida no procedimento de inspecção tributária possa ter-se por juridicamente admissível, como de resto foi reconhecido tanto pelo TEDH, no caso Sanders vs Reino Unido, como pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 340/2013.
Uma abertura que se compreende, até porque os interesses públicos não são, em rigor, interesses do estado, que, obviamente não é titular de interesses que possam considerar-se próprios, mas interesses de membros da comunidade que o Estado é. O que, no caso presente, é por mais evidente, pois o interesse na liquidação e cobrança dos impostos a implicar uma luta contra o fenómeno da evasão e fraudes fiscais é o interesse dos contribuintes que pagam os impostos, cumprindo o dever fundamental.»  [Algumas Considerações relativs á inspecção tributária, em Por um Estudo Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal, Volume IV, 2015, p. 282-283].        

Diante o dever fundamental de pagar tributos «ninguém pode ser excluído e cada contribuinte tem o direito de exigir do Estado que lhe valha dos meios necessários a impedir que outros dele se eximam», bem como o de exigir «que  utilize todos os mecanismos à sua disposição, desde que compatíveis – ou compatibilizáveis – com os demais princípios constitucionais, para atingir o objectivo que todos cumpram o seu dever» [Marcelo Cavali, Cláusulas Gerais Antielusivas: Reflexões Acerca da Sua Conformidade Constitucional em Portugal e no Brasil,  p. 179-180].      

Concordando com este entendimento, cremos ser será possível a admissibilidade de uma compressão do direito à não auto-incriminação, desde que justificada e aceite em favor da concordância com outros bens e interesses, igualmente protegidos constitucionalmente.

Aqui chegados, cabe decidir se a determinação da matéria tributária obtida na acção inspectiva por métodos indirectos pode ser transferida para o processo penal, sem violação do principio da presunção de inocência, revelado também no in dubio pro reo e no direito à não auto- incriminação.

Sobre esta questão, divisam-se na jurisprudência e doutrina, divergências de posição.

Assim,

O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 27 de fevereiro de 2002, Colectânea de Jurisprudência, tomo I, p. 152],: entendeu que a fixação da matéria colectável por recurso a métodos indirectos ou meramente indiciários é válida unicamente para efeitos tributários estritos ou, quando muito, de jaez contra‑ordenacional, jamais o podendo ser para efeito de responsabilidade penal, por violação do principio de presunção de inocência inscrito no artigo 32.º da CRP.

Em sentido diferente, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de dezembro de 2005 [Processo n.º 6781/05, Relator:

A Relação de Évora, por Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, j[Processo n.º 174/08.2IDSTB.E1, Relatora: Desembargadora Maria Isabel Duarte], julgou legitimo o recurso à aplicação de métodos indirectos de avaliação da matéria tributária. Não constituindo um modo de avaliação de um montante efectivamente existente, possibilita a sua quantificação presuntiva pela análise de indicadores que, supostamente, o podem identificar, sem prejuízo do seu carácter excepcional e subsidiário em relação à avaliação directa.

Na Relação do Porto, decidiu o Acórdão de 22 de outubro de 2014 [Processo n.º 140/05.0IDPRT.P1; Relatora: Elsa Paixao pela legitimidade do recurso à aplicação de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável em caso de exiguidade e inexactidão do sistema de informação do sujeito passivo (artº 87º LGT). Mas o recurso a presunções em processo penal só pode ser admitido como forma de formar a convicção do julgador em relação a certo facto real e não para ficcionar determinado resultado

Já o Acórdão desta Relação de 12 de abril de 2018 (Processo n. º 6/10.1IDCBR.C1, Relatora: Desembargadora, Maria José Nogueira,  considerou que a (ir)relevância da avaliação indirecta dos rendimentos ou bens tributáveis para efeitos penais, não dispensa  a ponderação do caso concreto, exige a distinção entre a situação em que a determinação da matéria tributável é feita exclusivamente com recurso a métodos indirectos, e aqueloutra – caso dos autos – em que a margem de estimativa, em função dos elementos de prova, por ser de tal modo reduzida, não deixa espaço para a incerteza quanto a um juízo positivo da verificação dos elementos do ilícito típico de natureza fiscal.

Se a primeira das duas situações é incompatível com o princípio da presunção de inocência, designadamente, na vertente do in dubio pro reo, a outra – revelada no processo em causa –, em razão da prova produzida sobre as operações económicas realizadas e, bem assim, os valores envolvidos e respectivos meios de pagamento, à luz dos princípios gerais de direito processual penal, não deixa margem para indefinições relevantes sobre a matéria tributável.

Quanto a nós, temos por assente que a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, porque resultante de presunções justificadas pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta e pelos deveres de cooperação dos contribuintes para efeitos de determinação da matéria colectável [artigo 90.º da LGT], sendo válida para efeitos fiscais não tem efeitos automáticos no preenchimento dos elementos típicos do crime.
«Sendo a matéria colectável meramente presumida e sendo o imposto devido calculado na  base da presunção legal, ainda que uma e outra sejam válidos em termos fiscais, não podem ser considerados sem mais -  e ter como provada – a existência da situação tributária  da qual dependa a qualificação criminal dos factos. Não é admissível que um valor meramente   presumido possa por si só constituir prova de um elemento do crime porque não oferece certeza exigível relativamente aos valores em causa e que são elementos constitutivos do crime».   [Germano Marques da Silva, Relevância da Determinação Indirecta da Matéria Colectável no Âmbito Penal Tributário, Estudos em Memória do Prof. doutro J.L Saldanha Sanches, Vol. V,  p. 161].

Porém, daqui não resulta que a matéria colectável determinada por métodos indirectos não tenha qualquer relevância em termos penais. Tem-nos desde logo para efeitos do disposto do 42.º e 48.º do RGIT, preceitos que regulam a suspensão da investigação e processo criminal, enquanto não estiver consolidada a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados.

Tratam-se de questões não penais que não podem ser resolvidas no processo penal, inferindo –se «do regime previsto neste artigo que existe uma opção legislativa no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.» [Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, No Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, p. 400]

Como ensina Germano Marques da Silva, «salvo nos casos em que o apuramento da situação tributária ou contributiva não tenha qualquer relevância para a decisão no processo penal, o apuramento administrativo da situação tributária é condição necessária para o encerramento do Inquérito e se ocorrer impugnação ou oposição para a suspensão do processo penal tributário.» Com efeito, «a reposição da verdade tributária releva para efeitos da apreciação do arquivamento do processo ou da suspensão provisória do processo ou, mais adiante, da suspensão da execução da pena de prisão ou da dispensa da pena, nos termos dos artigos 22.º e 14.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e 280.º e 281.º do Código de Processo Penal. Donde que para que isso possa ser apreciado (…) importa que a sua situação tributária ou contributiva seja previamente apurada, donde a necessidade de conclusão prévia, antes do encerramento do Inquérito, do procedimento de liquidação (art. 59.º do CPPT).» [Germano Marques da Silva, em Direito Penal Tributário (Cátedra Professor Doutor António de Sousa Franco, apontamentos policopiados, Universidade Católica Portuguesa, Escola de Direito do Porto, Mestrado em Direito Penal, ano escolar 2009-2010, ponto 16.7.1 apud Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de janeiro de 2013).
O que estipulam os artigos 42.º e 47.º do RGIT é que tributariamente é legitimo fixar a matéria colectável em determinado valor, valor que sendo válido para efeitos meramente tributários, não deixa de ser um valor presumido. Se esse valor presumido for bastante para preencher o elemento quantitativo do tipo incriminador tributário e for possível por meios de outros elementos fazer prova de que esse elemento quantitativo se verificou, embora não seja possível determinar o valor real, parece-nos satisfeitas as exigências processuais dos artigos 42.º e 48.º»  [Germano Marques da Silva, Relevância da Determinação Indirecta da Matéria Colectável no Âmbito Penal Tributário, Estudos em Memória do Prof. doutro J.L Saldanha Sanches, Vol. V,  p. 162].

Importa, pois, diferenciar as situações em que a determinação da matéria colectável é realizada apenas e só por métodos indirectos, e, por isso, presumida, daqueloutra em que o apuramento do valor tributável não resulta da presunção da avaliação indirecta realizada pela AT, mas de outros meios de prova produzidos à luz do direito penal, que confirmam a existência dos valores tributáveis. 

Com o devido respeito pela posição dos Recorrentes, foi o que sucedeu no caso concreto.    

Explicando.

Está em causa a previsão do artigo 9.º, n.º 1, alínea d), do Código do Imposto sobre as Pessoas Singulares (CIRS), na versão vigente à data dos factos, que prevê os acréscimos patrimoniais não justificados, determinados nos termos dos artigos 87.º, 88.º ou 89.º-A da Lei Geral Tributária, como incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias.

De acordo com o artigo 87.º, n.º 1, a avaliação indirecta só pode ser realizada, entre outras, a situação prevista na alínea f), que contempla o acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a 100 000,00€, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.     

Por seu turno, estabelece o artigo 103.º, n.º 1, alínea b) do Regime Geral para as Infracções Tributárias (RGIT): 

«Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias», sendo que a «fraude fiscal pode ter lugar por ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária».

Que os arguidos ocultaram factos ou valores não declarados que deveriam ter sido revelados à administração tributária, impossibilitando a determinação precisa dos valores ocultados e omitidos, e que, por isso, é licito o recurso a métodos indiciários para os determinar, não se suscita qualquer dúvida, até porque, tal questão já se encontra decidida na sentença e no Acórdão transitados em julgados proferidos pelos Tribunais Administrativos e Fiscais acima mencionados.

Daí não se segue, no entanto, que seja lícito, com base nos valores assim determinados, perseguir criminalmente o contribuinte relapso.

Como decidiu o Acórdão desta Relação de 28 de outubro de 2009 [processo n.º 31/01.3IDCBR.C1, Relator: Desembargador Jorge Jacob], «os valores determinados por recurso a método indiciário não têm outra relevância que não seja a determinação, com carácter sancionatório fiscal, do montante devido pelo contribuinte à fazenda nacional, podendo este ser executado por esse montante se o não pagar voluntariamente. Inadmissível, porém, sob pena de inconstitucionalidade, é a perseguição criminal do contribuinte com base na presunção em que se vem a traduzir a utilização do método indiciário – (…)  antes subsistindo integralmente o dever da acusação de demonstrar todos os elementos constitutivos do crime.

Esta afirmação não colide, no entanto, com a validade da prova obtida através de presunção judicial.

 Não oferece dúvida que são admissíveis em processo penal as provas que não sejam proibidas por lei (art. 125º), aí incluídas as presunções judiciais, que são as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para firmar outros factos, desconhecidos (art. 349º do Código Civil), sem que daí resulte prejuízo para o princípio da livre apreciação da prova. Não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados. De resto, este é um mecanismo recorrente na formação da convicção. Basta pensar na prova da intenção criminosa. A intenção, enquanto elemento volitivo do dolo (enquanto decisão pela conduta, suposto serem conhecidos pelo agente os elementos do tipo legal de crime), na medida em que traduz um acontecimento da vida psicológica, da vivência interna, não é facto directamente percepcionável pelos sentidos do espectador, havendo que inferi-la a partir da exteriorização da conduta. Só por recurso à presunção judicial, diluída naquilo que em processo penal se designa por “livre convicção”, é possível determiná-la, através de outros factos susceptíveis de percepção directa e das máximas da experiência, extraindo-se como conclusão o facto presumido, que assim se pode ter como provado. Desde que as máximas da experiência (a chamada “experiência comum”, assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida), não sejam postas em causa, desde que através de um raciocínio lógico e motivável seja possível compreender a opção do julgador, nada obsta ao funcionamento da presunção judicial como meio de prova, observadas que sejam as necessárias cautelas:

- Desde logo, é necessário que haja uma relação directa e segura, claramente perceptível, sem necessidade de elaboradas conjecturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge (sendo inadmissíveis “saltos” lógicos ou premissas indemonstradas para o estabelecimento dessa relação);

- Por outro lado, há-de exigir-se que a presunção conduza a um facto real, que se desconhece, mas que assim se firma (por exemplo, a autoria – desconhecida – de um facto conhecido, sendo conhecidas também circunstâncias que permitem fazer funcionar a presunção, sem que concomitantemente se verifiquem circunstâncias de facto ou sejam de admitir hipóteses consistentes que permitam pôr em causa o resultado assim atingido);

- Por fim, a presunção não poderá colidir com o princípio in dubio pro reo (é esse, aliás, o sentido da restrição referida na parte final do exemplo que antecede».

Dito isto, a questão que cabe resolver é a de saber se os factos provados nos autos permitem inferir, como pretendem os recorrentes, que o julgador da primeira instância: (i) presumiu arbitrariamente que as ditas quantias eram efectivamente rendimentos que os arguidos ocultaram e não declararam à AT;  (ii) interpretou o artigo 47.º do RGIT no sentido, de que, no processo criminal é legitimo presumir a prática de factos criminosos; (iii) interpretou o artigo 103.º n.º 1, alínea b) do RGIT, no sentido de que pode presumir-se um facto criminoso se o arguido não fizer prova de que o não praticou e ainda que se suscite a dúvida quanto á prática do mesmo; e (iv) presumiu ilegitimamente que as verbas em causa consubstanciavam rendimentos e, porque superiores a 100 000,00€ sujeitos a categoria G do CIRS.

A resposta a esta questão é, com o devido respeito pela opinião contrária, negativa.

Na verdade, não se detecta que o Tribunal recorrido tenha formado a sua convicção nos métodos indirectos de avaliação levados a cabo pela AT ou que a prova por presunção assente na prova documental, declarações do arguido e das testemunhas, viole os princípios da presunção da inocência, in dubio pro reo e da não auto – incriminação dos arguidos.  

Desde logo, porque a motivação da decisão de facto retrata a análise critica da prova, com a explicitação do processo lógico de formação da convicção, tendo por base os diferentes meios de prova – pessoal, documental, etc. – devidamente escalpelizados, os quais lidos conjugadamente, em articulação uns com os outros, de acordo com a livre convicção e as regras de experiência comum [artigo 127.º do Código de Processo Penal], surgem a suportar a decisão.

Depois porque como já salientámos, na avaliação da prova não podemos deixar de ter em consideração as presunções naturais - produto das regras da experiência - permitem retirar, como forma de aquisição de factos desconhecidos, ou não totalmente conhecidos, ilações sempre que estas decorram, segundo um processo intelectual lógico e numa relação não demasiada longínqua, a partir de factos conhecidos, de uma presunção natural.  

Em terceiro lugar, porque a fundamentação da formação da convicção do Tribunal recorrido sustenta-se no apelo inequívoco à vasta prova produzida em audiência, à luz de uma análise global, articulada e critica.

Lê-se na sentença recorrida, «o que  resulta latente dos presentes autos e que se encontra suportado na prova documental supramencionada, é essencialmente o seguinte: i) no ano de 2011 os arguidos apenas exerciam, pelo menos em termos declarados, trabalho dependente, o arguido enquanto Presidente da Câmara ... (rendimentos categoria A) e a arguida enquanto gerente das sociedades “A..., Lda. e B..., Lda.”, auferindo igualmente ambos valores atinentes a rendas (categoria F); ii) no ano de 2011 apenas foram declarados valores por referência àquelas actividades, sendo o rendimento colectável declarado correspondente a 113.036,28€; iii) no mesmo ano, em contas tituladas ou co-tituladas pelos arguidos, entraram valores sem correspondência com aquilo que eram os rendimentos declarados por estes naquele ano, tendo a A.T. apurado que se encontravam por justificar o total de 128.700,46€, correspondente a 114% do valor efectivamente declarado; iv) que entre arguidos e a sua sogra são mantidas relações de carácter profissional, sobretudo da arguida, a qual é sócia gerente da B... (relações essas confirmadas pela própria EE quando afirmou sem sede de julgamento, após ter sido afirmado por este signatário que ela teria “negócios” com os aqui arguidos, que “eles é que têm negócios comigo”); v) o arguido AA, naquele ano em que ainda era presidente de Câmara, criou uma sociedade com a testemunha DD, com vista a candidatarem-se a centros de inspecção automóvel.

Ou seja, estamos perante arguidos que, aparentemente, vivem do seu trabalho e das rendas dos imóveis dos quais são proprietários, auferindo anualmente uma determinada quantia global, mas que, numa análise objectiva e sem recurso a qualquer uma das justificações apresentadas, entraram nas suas contas bancárias valores que correspondem a mais do dobro daquilo que eram os seus rendimentos auferidos pelas actividades declaradas, alguns desses valores provenientes de pessoas  com as quais, objectivamente, declaram ter relações de carácter profissional/económico/financeiro.

Permitam-nos desde já a seguinte conclusão: como o dinheiro não cai do céu, e pressupondo-se que todos os cidadãos cumprem para com as obrigações declarativas a que estão por lei sujeitos, naturalmente que a A.T., apurando aqueles valores, não lhe restava senão recorrer aos métodos indirectos de avaliação, computando-os da categoria G, uma vez que se encontravam preenchidos os respectivos requisitos.

O dinheiro em causa tem de ter, necessariamente, uma origem, não no que contende com o sujeito activo que efectuou a transferência patrimonial (pois essa questão está resolvida pelos elementos documentais juntos), mas quanto ao motivo subjacente à mesma. Qual a sua razão de ser e fundamento quando estamos perante pessoas que exercem um determinado tipo de actividade e que se pressupõe ser a única?

Isto apenas para dizer que, analisando de forma objectiva os elementos probatórios documentais juntos aos autos, parece evidente que aqueles valores não têm qualquer justificação para terem ingressado no património dos arguidos».

Deste modo, considerou o tribunal recorrido, através de prova expressiva e directa, a existência dos fluxos monetários em benefício dos arguidos, não resultando os proveitos obtidos em nenhuma presunção.

Quanto ao recurso aos métodos de avaliação indirecta, ponderou o Tribunal a quo:

«Ou seja, estamos perante arguidos que, aparentemente, vivem do seu trabalho e das rendas dos imóveis dos quais são proprietários, auferindo anualmente uma determinada quantia global, mas que, numa análise objectiva e sem recurso a qualquer uma das justificações apresentadas, entraram nas suas contas bancárias valores que correspondem a mais do dobro daquilo que eram os seus rendimentos auferidos pelas actividades declaradas, alguns desses valores provenientes de pessoas  com as quais, objectivamente, declaram ter relações de carácter profissional/económico/financeiro.

Permitam-nos desde já a seguinte conclusão: como o dinheiro não cai do céu, e pressupondo-se que todos os cidadãos cumprem para com as obrigações declarativas a que estão por lei sujeitos, naturalmente que a A.T., apurando aqueles valores, não lhe restava senão recorrer aos métodos indirectos de avaliação, computando-os da categoria G, uma vez que se encontravam preenchidos os respectivos requisitos.

O dinheiro em causa tem de ter, necessariamente, uma origem, não no que contende com o sujeito activo que efectuou a transferência patrimonial (pois essa questão está resolvida pelos elementos documentais juntos), mas quanto ao motivo subjacente à mesma. Qual a sua razão de ser e fundamento quando estamos perante pessoas que exercem um determinado tipo de actividade e que se pressupõe ser a única?

Isto apenas para dizer que, analisando de forma objectiva os elementos probatórios documentais juntos aos autos, parece evidente que aqueles valores não têm qualquer justificação para terem ingressado no património dos arguidos, pelo que, não sendo possível determinar a sua origem e fundamento, os mesmos deviam ter sido obviamente declarados para efeitos de categoria G, não podendo senão deixar de os considerar um incremento patrimonial dos arguidos.

(…)

O que se passa aqui tão só e simplesmente o seguinte: perante todos os elementos objectivos conhecidos, o incremento patrimonial dos arguidos daquela ordem permite-nos formar, com recurso aos aludidos elementos de prova indirectos, a convicção de que aqueles valores, porque não respaldados ou justificados em relação às concretas actividades exercidas pelos mesmos, deviam ter sido declarados à A.T. para efeitos de tributação em sede de IRS.

(…)

No que toca aos factos atinentes ao elemento subjectivo do crime pelo qual os arguidos se mostram acusados, os mesmos resultam de uma análise ponderada e entrecruzada da globalidade dos factos imputados ao arguido e dos elementos probatórios que instruem os autos. Tratando-se neste caso de factos do foro psicológico, da vida interior do agente, estes são impossíveis de apreender directamente, indemonstráveis de forma naturalística, podendo deduzir-se ou inferir-se de factos materiais comuns que, com muita probabilidade, o revelem.

Ora, no caso sob apreciação, todos os factos de pendor estritamente objectivo apontam precisamente no sentido de que os arguidos não poderiam deixar de saber que teriam a obrigação de declarar os aludidos valores à autoridade tributária para efeitos de liquidação do respectivo imposto. À excepção dos valores atinentes ao cheque de 22.000,00€ e ao depósito em numerário no valor de 500,00€, de tudo o resto não apresentaram os arguidos qualquer justificação viável para terem entrada naquelas contas bancárias quantias monetárias que atingem sensivelmente o sobro dos rendimentos declarados no ano de 2011.

E se assim é, tal conduta, não podiam os mesmos deixar de saber que tinham o dever de integrar, pelo menos, a quantia de 106.200,46€ na sua declaração periódica de rendimentos Modelo 3 - IRS do ano de 2011, na medida em que tais rendimentos constituem incrementos patrimoniais, com enquadramento nas normas de incidência da Categoria G e são tributados à taxa especial de 60%, mesmo que sejam provenientes de actos ilícitos, com a consequente obrigatoriedade de pagamento do referido imposto, o que não fizeram (sendo que o valor que deliberadamente ocultaram e não declararam se prende apenas com os aludidos 106.200,46€, valor este alcançado através da subtracção das quantias atinentes aos 22.000,00€ e 500,00€. Por essa razão o valor do imposto não liquidado para efeitos de integração da conduta sujectiva dos arguidos terá de se alcançar através da aplicação da taxa de 60% refente aos rendimentos da categoria G (facto não provado m, por contraposição aos factos provados 43 a 46) sobre a aludida quantia de 106.200,46€.

De toda aquela factualidade resulta que os arguidos, sendo casados e tendo aquelas quantias passado por contas tituladas por ambos, actuaram necessariamente de acordo e em conjugação de esforços no sentido de, deliberadamente, não cumprirem para com aquela obrigação fiscal, auferindo uma vantagem patrimonial ilegítima superior a 50.000,00€.

Como qualquer cidadão medianamente sagaz, não podiam os arguidos deixar de saber que a conduta por ambos assumida determinaram a prática de um ilícito de natureza criminal, o que sabiam e quiseram, tudo actuando de forma livre, voluntária, deliberada e consciente».

Ou seja, o Tribunal a quo, por um lado, afastou a aplicação automática da avaliação indirecta realizada pela AT, dela não tendo presumido  a determinação do valor tributável e, por outro, procedeu à análise global, articulada e critica da vasta prova produzida,  tendo deduzido da prova directa, e dos factos conhecidos - o valor real das quantias que os arguidos receberam e o valor real das quantias que declararam às finanças – que a conduta omissiva dos Recorrentes  impunha se concluísse que actuaram necessariamente de acordo e em conjugação de esforços no sentido de, deliberadamente, não cumprirem a obrigação legal de declarar os rendimentos recebidos, nos termos impostos pelo artigo 9.º, n.º 1, alínea d), do CIRS, na versão vigente à data dos factos.

O juízo intelectual e dedutivo efectuado pelo tribunal é, de tal modo, claro, que não belisca o princípio constitucional da presunção de inocência, de que o in dubio pro reo e o principio da não auto-incriminação são uma manifestação (artigo 32.º, n.º 2, Constituição da República Portuguesa).

A presunção de inocência, que como sabemos significa que o arguido não pode ser condenado sem culpa provada para além de qualquer dúvida razoável, pode ser refutada por qualquer meio de prova válido em processo penal, quer se trate de prova directa como de prova indirecta.

A formação da convicção do julgador com base na prova indiciária, quando não existe prova directa, não belisca o principio da presunção de inocência ou o in dubio pro reo, desde que seja alicerçada em vários indícios que, sem dúvida razoável, conduzam natural e logicamente ao facto presumido.

Como sublinha o Tribunal Constitucional, além do mais, no Acórdão n.º 175/2022, de 15 de março de 2022, [Relator: Conselheiro Pedro Machete]:

«O princípio da presunção de inocência distingue-se (…) do princípio in dubio pro reo, não só pela sua relevância no tratamento do arguido ao longo de todo o processo e pelo seu reflexo extraprocessual como critério dirigido ao legislador ordinário, mas também, em sede de prova, impondo que a dúvida surja em determinadas circunstâncias, assim possibilitando, em momento lógico posterior, a aplicação do princípio in dubio pro reo.  

(…)

Ora, na prova por utilização de presunção judicial, a qual pode sempre ser infirmada por contraprova, na passagem do facto conhecido para a prova do facto desconhecido, intervêm juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitem fundadamente afirmar, segundo as regras da normalidade, que determinado facto, que não está diretamente provado é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. Quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do Réu.

(…)

Acresce que a distinção entre prova direta e indireta não se baseia num predicado epistemológico – a idoneidade ou o valor do meio de prova −, mas num predicado lógico – a relação entre a prova e o facto.  A distinção justifica-se, essencialmente, por razões de comodidade analítica. Possui ainda a virtude metodológica de permitir discriminar processos inferenciais de complexidade diversa, na medida em que a prova indireta implica, por natureza, uma cadeia de raciocínio entre o facto probatório e o facto probando, ao passo que a prova direta do facto probando decorre imediatamente da adesão do julgador ao facto probatório.

(…)

A solidez do raciocínio probatório não é uma função da tipologia da prova, senão da verosimilhança dos factos e da validade das inferências deles extraídas. Nesta medida, só perante os contornos do caso concreto e os elementos probatórios disponíveis no processo se poderá aferir da maior ou menor força dos meios de prova diretos e indiretos que se tenham produzido, nada obstando à prevalência de uns sobre os outros e mesmo à possibilidade de uma prova indireta constituir fundamento suficiente para a demonstração judicial da verdade. Indispensável é que a prova indireta atinja o limiar de certeza exigível para uma condenação em processo penal.

Refira-se ainda que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso a prova indireta em processo penal, designadamente no caso John Murray v. Reino Unido, decidido por Acórdão de 08 de fevereiro de 1996. A formulação de juízos de inferência incriminatórios encontra-se, segundo o TEDH, condicionada à verificação de determinados pressupostos: (i) a acusação deverá estabelecer previamente, através de prova direta, as circunstâncias que permitem o juízo de inferência; (ii) estas deverão permitir que nelas se apoie a conclusão inferida; e (iii) a conclusão inferida (de que se encontram provados os elementos essenciais do crime) deverá ser estabelecida para além de dúvida razoável. A estes requisitos devem acrescer garantias processuais destinadas a assegurar que o juízo de inferência seja racionalmente exposto e sindicável por via de recurso. Onde tais exigências se mostrem cumpridas – como é o caso do ordenamento processual penal português −, a prova indireta é perfeitamente admissível à luz do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem».

Neste contexto, o recurso à prova indiciária realizada pelo Tribunal recorrido baseada em factos provados conhecidos (e não na presunção indiciária que serviu de base ao apuramento dos montantes omitidos) é legalmente admissível, não colhendo, assim, o argumento da inadmissibilidade da prova por presunção, que é transversal a toda as pretensões dos Recorrentes. De igual modo não colhe a violação do principio da presunção da inocência, do in dubio pro reo e da não auto-incriminação, por força da evidência do que natural e logicamente resulta da prova directa e dos factos conhecidos.

Pelo que improcede este segmento do recurso.
(…)

V -  DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento aos Recursos interpostos pelos arguidos, AA e BB.

A responsabilidade pelas custas é dos Recorrente, solidária para os encargos, individual para a taxa de justiça, que se fixa em 5 UCS para cada um.

Coimbra, 5 de junho de 2024

Relatora: Alcina da Costa Ribeiro

1.º Adjunto: José Eduardo Martins

2º Adjunto: Isabel Valongo