REGIME DE BENS DO CASAMENTO
QUOTA SOCIAL
Sumário

I - Quando o regime de bens do casamento é a comunhão geral ou a comunhão de adquiridos, metade do valor real da quota social do cônjuge sobrevivo, adquirida na constância do matrimónio, pertence à herança do cônjuge pré-falecido.
II - Tendo o cônjuge sobrevivo, conluiado com outro herdeiro e com o titular da outra quota social, acordado no aumento do capital social da empresa e na não subscrição do mesmo, apenas com o intuito de a sua quota deixar de corresponder a 75% do capital e passar a corresponder a 18, 7%, para diminuir o valor da herança do cônjuge já falecido, o herdeiro que assim se vê prejudicado tem direito à indemnização correspondente ao valor em que viu desvalorizada a sua expetativa de aquisição.
III - Cabe-lhe, ainda, receber indemnização por danos não patrimoniais, se os factos mencionados em II foram praticados pela sua mãe, irmã e cunhado, com o intuito único de o prejudicar, se deste modo lhe causaram ainda tristeza e angústia.

Texto Integral

Proc. n.º 4097/19.1T8AVR.P1

Sumário do acórdão proferido elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

Relatório

AUTORES: AA e marido, BB, residentes na Rua ..., Estarreja.

RÉUS: CC, residente na Rua ..., Estarreja, DD e marido, EE, residentes na Rua ..., Estarreja.

Por via da presente ação declarativa, começaram os AA. por pretender fosse declarada nula a declaração da Ré CC de não pretender usar do direito de preferência na cessão de quotas celebrada no dia 18 de março de 2016; ver declarada nula a deliberação de aumento de capital social realizada em 5 de maio de 2016 pelos RR. CC e EE; para o caso de se entender que não deve ser declarada nula a deliberação de aumento de capital social, fosse declarada nula a decisão da Ré CC de não subscrição de tal aumento de capital social com a consequente nulidade do aumento do capital social de 9.975,96€ para 40.000,00.

Subsidiariamente e para o caso de improcedência destes pedidos, fossem os RR. condenados a pagar à Autora uma indemnização de 223.210,00€, correspondente à sua quota parte na herança do pai da A. e da segunda Ré e marido da primeira Ré, a título de danos patrimoniais. Acresce um pedido de condenação de pagamento à A. de danos não patrimoniais no montante de €100.000, 00.

Na sequência do relatório pericial que procedeu à avaliação da sociedade foi feito requerimento de ampliação do quarto pedido para o valor de 296.875,00 €.

Em articulado superveniente, os AA. desistiram dos primeiros três pedidos.

Para tanto, os demandantes alegaram ser a A. filha da Ré CC e do falecido FF e irmã da Ré DD.

Da herança do falecido faz parte uma quota social na empresa A..., correspondente a metade de 75% do valor da empresa, cabendo a outra quota, de 25%, à época da constituição da sociedade, à mãe do R. marido, cunhado da A.

No ano de 2016, a quota da Ré CC tinha o valor de 7.481,97 € e a quota menor o valor de 2.493,99 €. A Ré CC deu autorização a que a quota pertencente à mãe do R. fosse transmitida ao seu filho aqui R. e, em agosto de 2016, foi registado um aumento de capital da sociedade para € 40.000,00 €, sendo esse aumento de capital subscrito apenas pelo Réu EE, que passou a deter uma quota de 32.518,03 €, permanecendo a quota da Ré CC com o valor 7.481,97. Assim, por via desse aumento de capital, a herança, que detinha metade de 75% do valor da e presa passou a deter metade de 18,7 % e o sócio EE que detinha uma quota de 25% passou a deter uma quota de 81,3%. Em 31 de dezembro de 2016, a sociedade A... tinha um valor de 1.700.000,00 € e, em 31 de dezembro 2018, tinha um valor de 2.040.000,00 €, sendo uma empresa em crescimento. O que os Réus pretenderam não foi fazer a cessão de quota e aumento de capital social, mas sim colocar a maioria do capital social em nome do R. EE, enriquecendo o seu património pessoal em centenas de milhares de euros e empobrecendo o património da herança. Os negócios celebrados são nulos face à simulação existente.

Acrescentaram que esta situação traz a A. triste, por se sentir abandonada e traída pela mãe e pela irmã, o que a impede de trabalhar normalmente e mesmo de descansar.

Em articulado superveniente, processualmente admitido, os AA. alegaram, depois, ter tomado conhecimento, já na pendência da ação, de que a faturação e os resultados da A... têm vindo a diminuir substancial e anormalmente em detrimento da B..., havendo uma evidente transferência dos negócios da A... para a B..., que passou a ser agente da C... em detrimento da A..., à qual só são imputados os gastos. Em face do esvaziamento da A..., os AA deixam de ter interesse nos três primeiros pedidos iniciais.

Citados, os RR. contestaram, alegando que, tanto a aquisição da quota pelo Réu EE como o aumento de capital foram feitos no interesse da sociedade para cujos resultados tem contribuído o desempenho e trabalho do R. EE, estando sobrevalorizado o valor da empresa. Acrescentaram que as razões que levaram à realização do aumento do capital foram razões de ordem estrutural.

Realizado julgamento veio a ser proferida sentença, datada de 17.11.2023, a qual julgou a ação parcialmente procedente, condenando os RR. a pagar à A. a quantia € 296.875,00, com juros desde a citação, e absolvendo-os do pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

Desta sentença recorrem AA. e RR.

Os primeiros pretendem a procedência do pedido de compensação por danos não patrimoniais para o que aduzem as seguintes conclusões:

1- O recurso abrange matéria de facto e de direito.

2- Consideramos que a matéria considerada não provada:

“d) A Autora se sinta preterida por sua mãe, vendo-se claramente prejudicada pela conduta conluiada da mesma com a sua irmã, vivendo angustiada com tal.

e) A Autora se sinta abandonada, traída pela mãe e pela irmã e bastante sozinha ao ver-se sem qualquer afeto ou apoio familiar.

f) A autora tenha sido expulsa do armazém que ocupava, não lhe sendo permitindo sequer que entre na casa da herança;”

Deveria ter sido considerada provada e com base nos seguintes depoimentos:

Testemunha GG,

Testemunha HH,

Testemunha II e

Declarações de parte da Autora AA.

3- A matéria de facto dada por provada seria só por si suficiente para que os réus fossem condenados em indemnizar os autores a título de danos morais. Com efeito, é óbvio é do conhecimento público que qualquer filho se sente desprezado e injustiçado quando uma mãe beneficia uma das filhas e prejudica a outra e quando tal prejuízo é de centenas de milhares de euros e o benefício é de milhões.

4- Resultou sobejamente provado, tal como aliás resulta da douta sentença, que foi arquitectado um plano entre os réus no sentido de entregar, a título gratuito, a um dos réus, uma empresa que integrava a herança e da qual a herança era sócio maioritária, fazendo para tal um desnecessário aumento de capital social pelo qual a herança, de sócia maioritário, passou a minoritário.

5- A quota da herança que até então correspondia a 75% do capital social, passou a 18,7%, como consta dos factos provados: 26 - Assim a Ré CC e a Herança que detinham uma quota de 75% do capital social, passaram a deter uma quota de 18,7% e o sócio EE que detinha uma quota correspondente a 25% passou, após o aumento do capital social, a deter uma quota de 81,3%.

Como tal, e tendo a sociedade sido avaliada, em 2.375.000,00€ - ver fato provado em: 43 - A avaliação da sociedade comercial A..., Lda. reportada à data de 31 de dezembro. Com tal aumento de capital que foi de 30.024,04€ o R EE ficou com uma quota que, tendo em consideração o valor da sociedade e a percentagem agora por ele detida no capital social, vale 1.930.875,00€, quando antes detinha uma quota de 25% que equivaleria a 593.730,00€.

Conseguir aumentar o património em mais 1.337.145,00€, com um investimento de 30.024,04€, é evidentemente escandaloso. E para mais fazem com que a quota da herança, em face da sua inexpressiva percentagem em termos de capital social, passe até a ter um valor de ZERO.

6- Qualquer pessoa interessada numa sociedade que visse tal acontecer ficaria revoltada, sendo que a descaradeza não se ficou por aqui, em face da propositura desta ação logo arquitetaram os réus novo plano que anulasse a possível anulação do negócio: fizeram desvalorizar a empresa, retiraram-lhe os negócios que transferiram para uma outra empresa detida apenas pelo réu EE, utilizam as instalações da A... em beneficio da dita empresa (B...) e fazem aumentar cinco vezes mais os seus ordenados. Tudo resultou que a A... de empresa próspera e lucrativa com centenas de milhares de euros depositados nos bancos passa a empresa a dar prejuízo.

7- Este constante comportamento escandalosamente prejudicial para os autores tem de ser valorado. É aviltante um interessado ver tal acontecer e ser possível tão só porque há um conluio entre os réus. Qualquer herdeiro ficaria arrasado com tais comportamentos que violam criminosamente o princípio da boa-fé.

8- De acordo com o princípio geral plasmado no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Estabelece o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Estatui o n.º 4 do mesmo preceito legal, que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º.

9- Ora a atuação dos réus foi frontalmente violadora dos princípios da boa-fé (artigo 762.º-2 do CC), da Repulsa ao Abuso de Direito, (artigo 334.º do CC), da Responsabilidade Civil (artigo 483.º do CC), do Enriquecimento sem causa ou ilícito (artigo 473.º-1 do CC) e os réus atuaram com manifesto dolo que repetiram ao longo deste processo ao terem feito a A... passar de empresa lucrativa a empresa que dá prejuízo.

10- Não é pelo facto de autores e réus andarem desavindos pelas partilhas que faz esfumar os danos morais causados aos autores, tanto mais que nada resultou provado que pudesse atribuir a estes idênticos comportamentos dos perpetrados pelos réus.

Quem aqui teve comportamentos ilícitos foram os réus.

11- Pelo que deviam os réus ter sido condenados também em danos morais, os quais devem ser fixados no valor do pedido: 100.00,00€, em face da gravidade do comportamento dos réus, dos valores envolvidos, do facto de a autora estar grávida, de ter sido obrigada até a deixar as instalações que usava da herança por ordem médica face ao contínuo confronto a que a sujeitava a ré DD.

12- A douta sentença violou o disposto nos artigos 483.º-1 e 496.º-1 do CC.

Os recorridos não apresentaram contra-alegações.

Os RR., por sua vez e em recurso, visam a sua absolvição total com base nos argumentos com que assim concluíram:

A

O presente Recurso abrange questões de direito e recurso da matéria de facto.

Não se conformam os RR com a condenação nem tão pouco com a quantia a que foram condenados.

B

A matéria dada como não provada na alínea g) da douta sentença, deveria ser decidida em sentido contrário, com base no seguinte:

EE (sessão 25.05.2023):

23:12 – “O aumento de capital era necessário”

23:40 – “Como é que a A... abriu agências se entra um processo em

tribunal para anulação?”

29:00 – “A partir de 2016 havia a possibilidade de nos retirar a representação”

29:42 – “A pressão da C... vem desde 2014”

30:04 – “Em 2014 mostra descontentamento, mas estavam agradados com o

trabalho do EE. Tanto estavam agradados que dão Aveiro e Albergaria”

30:20 – “Em 2016 há a ação em tribunal e o C... pôs-se à estrada”

 C

Também no que respeita à alínea j), l), m), n), e o), as mesmas deveriam ter-se como provadas, com base no seguinte:

JJ (sessão de 26.05.2023)

00:10 – “Sou comercial de uma empresa de gás”

00:18 – “C...”

02:40 – (advogado) “O que é que aconteceu para a A... deixar de ser vossa cliente?”

02:50 – “Isto tudo começou com o falecimento do Sr. AA”

04:28 – “Foi-nos sendo garantido que a situação iria correr bem”

05:20 – “Tudo isto causou alguma preocupação na empresa”

Em todo o restante depoimento da testemunha a competente gravação se encontra impercetível, mas a mesma demonstra um carácter imprescindível a sua boa perceção.

D

Face aos depoimentos acima indicados, pelo menos as alíneas g), j), l), m), n), e o) dos factos não provados deverão passar a ter-se como provados.

E

Não pode o tribunal desconsiderar o depoimento da testemunha JJ, considerando-o como não convincente, uma vez que o mesmo é comercial da C... e completamente alheio a toda esta questão e disputa familiar. É com toda a certeza a testemunha mais desinteressada de todo o processo, assumindo uma postura de equidistância relativa às partes e apenas referindo o que de facto se terá passado no que à C... diz respeito.

F

Também se mostra errado não considerar minimamente credível a explicação do Réu EE relativamente às razões do aumento de capital, tanto mais que o mesmo se mostrou seguro no seu depoimento, enumerando sem qualquer dúvida ou questão as razões do aumento de capital bem como dos motivos para algumas dessas razões não pudessem ter sido concretizadas. O que foi em parte corroborado pela testemunha JJ, conforme acima descrito.

G

Razão pela qual os factos dados como não provados nas alíneas g), j), l), m), n), e o) deverão ter-se como provados, o que afetará o teor da decisão da douta sentença e a condenação dos Réus.

H

Na douta sentença vêm os Réus condenados a pagar aos Autores a quantia de 296.875,00€. Na douta sentença, o tribunal limitou-se a, com base na avaliação feita nos autos, que dava conta de um valor da empresa de 2.375.000,00€, a calcular o valor da quota pertencente à herança caso não tivesse havido o aumento de capital, que se fixou em 1.781,250,00€ e com base nesse valor calcular o 1/6 que seria o valor do quinhão hereditário dos Autores, que assim totalizava 296.875,00€, valor esse que foi o valor a que os Réus foram condenados a pagar.

I

É atribuído um valor indemnizatório aos Autores tendo por base a totalidade do valor da empresa e a totalidade do valor da quota e do respetivo quinhão hereditário, mas no entanto a empresa continua a funcionar, a quota continua em nome da herança e os Autores continuam a ter direito ao quinhão aquando da partilha. A indemnização foi atribuída como se a sociedade tivesse deixado de existir ou se os Autores deixassem de ter parte do seu quinhão na mesma. Não é de facto esse o prejuízo, se o houver.

J

Ao ser calculada desta forma deveriam os autores deixar então de ter parte na quota da herança na sociedade, pois caso contrário passarão de uma posição de “prejudicados” (segundo a sua tese), para uma situação de “beneficiados”, pois recebem a sua parte da totalidade da quota da herança mas continuam a ter direito ao seu quinhão aquando da partilha.

K

A sentença, ao condenar desta forma, faz com que os Autores recebam esse mesmo exato valor, mas a quota da sociedade (ainda que se possa admitir que passasse a ter um valor mais reduzido) continua parte da herança e os Autores com direito ao seu quinhão, o que não é admissível.

L

E acresce ainda que, em nosso entendimento, não pode ser quantificado sequer qualquer valor indemnizatório nesta data. Os Autores continuam como detentores de quinhão hereditário na herança, cuja partilha ainda não foi feita nem se vislumbra quando se virá a fazer. Ora, como não se poderá calcular o montante dos alegados prejuízos patrimoniais se não se sabe quanto valerá a quota da herança à data da partilha.

M

A douta sentença fixou o valor da sociedade em 2016 e o valor da quota da herança em 2016, mas não é menos verdade que, apesar da percentagem da quota ser menor, não se consegue aferir do valor da mesma aquando a data da partilha. O que garante que o quinhão hereditário dos aqui Autores, que a sentença fixou com um valor de 296.875,00€, à data da partilha não possa valer mais? E nesse caso já nem se falará de um prejuízo mas sim de um lucro fruto da atuação e gestão dos aqui réus.

N

Não poderá ser atribuído qualquer montante indemnizatório à data ou, caso contrário, manter os Autores ainda como titulares de um quinhão hereditário na quota da A....

Os AA. contra-alegaram, opondo-se à procedência do recurso.

Objeto do recurso: da responsabilidade extracontratual dos RR. por outorga, em 2016, do aumento do capital social da sociedade A..., apenas subscrito pelo terceiro R., com o objetivo único, acordado entre os três, de diminuir o valor a atribuir à herança do pai da A. e da segunda Ré e marido da primeira Ré.

FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto

Matéria de facto dada como provada em primeira instância:

1 - No dia 29 de novembro de 2013, em ..., República da Namíbia, faleceu FF, no estado de casado, em primeiras núpcias de ambos, com CC, aqui Ré.

2 - Do aludido casamento nasceram duas filhas, DD (aqui Ré) e AA (a aqui Autora).

3 - Tendo o FF deixado como suas únicas e universais herdeiras a sua esposa, a Ré CC, e as suas duas filhas, a A. AA e a Ré DD.

4 - FF e a R. CC foram casados sob o regime de comunhão de adquiridos.

5 - No dia ../../1996, durante o casamento de FF com a Ré CC, foi constituída a Sociedade “A..., Lda.”.

6 - O capital social da sociedade “A..., Lda.” no montante de dois milhões de escudos, foi distribuído por duas quotas, uma pertencente à Ré CC e a outra pertencente a KK (mãe do R. EE).

7 - A quota pertencente à sócia CC tinha o valor nominal de um milhão e quinhentos mil escudos, correspondendo a 75% do capital social e a quota pertencente à sócia KK tinha o valor nominal de quinhentos mil escudos, correspondendo a 25% do capital social.

8 - Como gerentes da aludida sociedade comercial foram nomeados: o falecido FF (marido da Ré CC) e LL (marido de KK).

9 - Da escritura de constituição da referida sociedade nada ficou a constar quanto à proveniência do dinheiro com o qual a Ré CC adquiria a sua quota na sociedade.

10 - A Ré CC tem qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de FF, herança essa que tem o NIF ...65.

11 - Na qualidade de cabeça de casal, a Ré CC apresentou, em 17.06.2014, junto do Serviço de Finanças de Estarreja, a relação de bens da herança aberta por óbito de FF.

12 - Nessa relação de bens, a Ré fez constar a quota na referida sociedade (verba n.º 18).

13 - No ano de 2016, face à conversão em euros do capital social, a sociedade comercial “A..., Lda.” tinha um capital social de € 9.975,96€, estando este dividido em duas quotas:

- Uma quota de € 7.481,97 (sete mil quatrocentos e oitenta e um euros, noventa e sete cêntimos) que era titulada pela Ré CC.

- Uma quota de € 2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros, noventa e nove cêntimos) titulada por KK.

14 - No dia 18 de março de 2016, a Ré CC outorgou escritura pública através da qual concedeu a necessária autorização para que KK e LL cedessem a seu filho EE a quota que possuíam na sociedade “A..., Lda.”, pelo seu valor nominal de € 2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos).

15 - O R. EE é casado sob o regime de comunhão de adquiridos com a Ré DD (irmã da Autora).

16 - DD interveio conjuntamente com o seu marido na aludida escritura pública onde declarou que a compra era efetuada com dinheiro próprio do marido, pelo que passaria a ser bem próprio do EE.

17 - Na mesma escritura foi ainda nomeado como gerente da sociedade o aludido EE.

18 - Dispõe o artigo 6.º do Pacto Social da sociedade comercial A...: “A sociedade em primeiro lugar e cada um dos sócios em segundo lugar, gozam do direito de preferência na cedência de quotas, a qual poderá ser feita a estranhos, desde que, nem a sociedade, nem nenhum dos sócios, exerçam direito de preferência”.

19 - Em 24 de agosto de 2016, foi registado um aumento de capital social efetuado por deliberação de assembleia geral da aludida sociedade “A..., Lda.”, realizada em 5 de maio de 2016, data em que já figuravam como sócios da sociedade a Ré CC e o seu genro EE e na qual estiveram ambos presentes e deliberaram proceder a um aumento do capital social no montante de € 30.024,04 (trinta mil e vinte e quatro euros e quatro cêntimos).

20 - Em tal assembleia, como consta da ata, o novo sócio, aqui réu EE “pediu a palavra e apresentou à assembleia um conjunto de considerações sobre a necessidade de serem reforçados os capitais próprios da sociedade e que a melhor forma de tal propósito ser concretizado seria levar a cabo um aumento de capital social, passando de 9.975,96€ (nove mil novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos) para 40.000,00€ (quarenta mil euros)”

21 - E propôs que o aumento de capital fosse subscrito “em numerário pelos atuais sócios, na proporção das respetivas participações sociais e para reforço das mesmas”.

22 - Mais consta da aludida ata que: “Os sócios concordaram mas a sócia maioritária CC, declarou não ter interesse em reforçar o valor da sua participação no capital, prescindindo do seu direito na subscrição, pelo que o sócio gerente EE propôs que o valor da quota-parte fosse por si subscrito, desde já dando a sua aceitação”.

23 - Nessa medida, face ao aumento do capital social, a sociedade passou, no ano de 2016, a ter um capital social de € 40.000,00 (quarenta mil euros).

24 - E, desse modo, o novo sócio-gerente, o R. EE passou a deter na sociedade uma quota no valor nominal de € 32.518,03 (trinta e dois mil e quinhentos e dezoito euros e três cêntimos).

25 - E, a R. CC e a Herança Ilíquida e Indivisa continuaram a deter uma quota no valor nominal de a € 7.481,97 (sete mil quatrocentos e oitenta e um euros e noventa e sete cêntimos).

26 - Assim a Ré CC e a Herança que detinham uma quota de 75% do capital social, passaram a deter uma quota de 18,7% e o sócio EE que detinha uma quota correspondente a 25% passou, após o aumento do capital social, a deter uma quota de 81,3%.

27 - Os A.A. não foram informados ou consultados acerca destas deliberações societárias.

28 - O inventário para partilha da herança aberta por óbito de FF corre termos no cartório notarial do notário MM, em Estarreja, sob o n.º ...8/2016.

29 - Tendo a A. sido citada para tal inventário em 02.09.2016, mediante carta expedida em 31.08.2016.

30 - Na relação de bens que a cabeça de casal aí apresentou, que foi também notificada à A. através da referida citação, consta como verba n.º 23:

“Quota social na sociedade por quotas com a firma “A..., Limitada”, com o número de matrícula, NIPC e NIF ...80, com sede na Rua ..., ..., União das Freguesias ... e ..., concelho de Estarreja, com o capital social de nove mil, novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos, no valor nominal de sete, quatrocentos e oitenta e um euros, noventa e sete cêntimos (cfr. Certidão permanente com o código de acesso ...13 – documento 19).”

31 - Os AA. tentaram consultar a dita certidão permanente utilizando o indicado código de acesso, o que não conseguiram, deparando-se com a seguinte mensagem no portal do cidadão: “Não existe qualquer certidão ativa com esse número”

32 - A autorização para a cessão de quota para o R. EE prescindindo do direito de preferência e aumento do capital social sem subscrição do mesmo pela Ré CC foi feito em conluio entre os RR. com o propósito de diminuir a participação da herança aberta por óbito de FF na sociedade.

33 - O que os RR. pretenderam com os atos descritos em 14, 16, 17 e 19 a 26 foi que a maioria do capital social em nome do R. EE.

34 - Durante o triénio de 2014 a 2016, a sociedade comercial A..., Ld.ª, aumentou em 47,48% o volume de negócios.

35 - Quanto ao EBITBA (resultado operacional) alcançado em 2016 regista face ao alcançado em 2014, um crescimento de 95.070 €, o que em termos relativos representa um acréscimo de 95,46%.

36 - O resultado líquido de 2016 regista, face ao alcançado em 2014, um crescimento de 74,201 €, o que em termos relativos representa uma variação positiva de 106,55 %.

37 - A rentabilidade líquida de 2016 (17,48%) regista face ao valor alcançado em 2014 (12,48%) um acréscimo de 5 pontos percentuais, o que, em termos relativos representa uma variação positiva de 40,06%.

38 - Relativamente aos meios libertos líquidos gerados pela sociedade comercial A..., Lda. houve também um aumento no triénio de 2014 a 2016, fixando-se este indicador económico nos 153.366,00€ (cento e cinquenta e três mil trezentos e sessenta e seis euros), registando uma variação positiva face a 2014 de 72.192 € representando um crescimento de 96,19%.

39 - Também o resultado líquido (meios libertos) obteve uma evolução positiva fixando-se em 143.841,00€ (cento e quarenta e três mil oitocentos e quarenta e um euros) em 2016 contra 69.640,00€ (sessenta e nove mil seiscentos e quarenta euros) em 2014.

40 - A estrutura patrimonial evoluiu positivamente com o ativo a fixar-se nos 1.083.416,00€ (um milhão e oitenta e três mil quatrocentos e dezasseis euros) e os capitais próprios em 899.275,00€ (oitocentos e noventa e nove mil duzentos e setenta e cinco euros), o que representa um grau de autonomia financeira de 83%.

41 - A sociedade comercial A..., Lda. nos anos de 2014, 2015 e 2016 apresentou um crescimento médio do volume de negócios de 18,19% em cada ano.

42 - Sendo estimável para a sociedade uma taxa de crescimento de cerca de 5% para os anos de 2017 a 2021.

43 - A avaliação da sociedade comercial A..., Ld.ª, reportada à data de 31 de dezembro de 2016, cifra o seu valor em 2.375.000,00 €

44 - A sociedade comercial A... não tinha necessidade de aumentar o seu capital social atento o grau de autonomia financeira que já tinha em 31.12.2015 (exercício anterior ao aumento de capital).

45 - A sociedade tinha dinheiro em caixa e bancos no valor de 430.710,00 €.

46 - Os valores monetários depositados em contas bancárias, relacionados pela cabeça de casal na relação bens que apresentou junto do Serviço de Finanças de Estarreja, em 17.06.2014, totalizavam o montante de 695.795,20 €, (verbas n.ºs 22 a 29 inclusive).

47 - Tendo os AA. solicitado informação sobre as contas da A... a uma empresa da especialidade: E INFORMA, constataram que as contas apresentadas em 2016, 2017 e 2018 são exatamente as mesmas indicando em “Compras fornecimento e serviços externos: 554.163,83€ tanto em 2016, como em 2017 e 2018.

48 - E tendo solicitado esclarecimentos ao registo online do Registo Nacional de Pessoas Coletivas foram informados por mail de 19.11.2019 que teria havido lapso da empresa (A...) a qual se propôs retificar.

49 - Os RR. e AA. andam de relações cortadas desde a morte do FF, não se entendendo quanto à gestão das diversas empresas pertencentes à família, sendo umas geridas pelos Réus e outras pelos Autores e correndo diversos processos judiciais entre as partes cujo objeto são essas diversas empresas.

50 - A autora sofreu e sofre muito psicologicamente com esta situação, chora, por vezes, compulsivamente, tem dificuldade em dormir e no seu trabalho tem dificuldade em concentrar-se.

51 - É o R. EE quem detém todo o know how e experiencia da área de negócio da A..., sendo ele quem mais tem trabalhado na empresa e melhor conhece a dinâmica do negócio, sendo os resultados que a sociedade apresenta fruto do seu trabalho bem como do trabalho da Ré DD.

52 - Parte do volume de negócios da empresa A... destina-se à D... detida, pelo menos em 96%, pela herança.

53 - A A... diminuiu os resultados positivos que apresentava acentuadamente em 2020 e 2021 e aumentou os gastos, nomeadamente de pessoal.

54 - Em contrapartida, a B... aumentou as vendas e os resultados, existindo transferência dos negócios da A... para a B....

55 - Os negócios entre a A... e a D... foram, neste período, transferidos para a B....

56 - A A... era agente/distribuidor da C…, negócio que era expressivo para a atividade da A....

57 – Presentemente quem é agente da C... é a B....

58 – Continuam a ser usadas as instalações da A..., para colocação de garrafas de gás/produtos da C….

59 - O réu EE é o único sócio da empresa B... Unipessoal Ld.ª.

60 - Tal empresa tem como objeto social, entre outros “Comércio de Combustíveis sólidos, líquidos e gasosos não derivados do petróleo bruto. Inclui comércio de biocombustíveis. Comércio a retalho de materiais de construção, bricolage, equipamento sanitário, telhas e materiais similares para construção em qualquer material.

61 - A A... tem como objeto “comércio de materiais de construção, equipamentos elétricos e sanitários.

62 - A B... paga anualmente a utilização que faz das instalações da A....

Matéria de facto dada como não provada em primeira instância.

a) Os AA. apenas tivessem conhecimento da cessão de quotas e do aumento do capital social em 21.09.2016 no decurso do processo de inventário para partilha da aludida herança.

b) Perante menção, referida em 31 dos factos provados, a A. se deslocasse à Conservatória do Registo Comercial e só então, nesse dia, tomasse conhecimento da prática dos atos referidos nos pontos 14 a 26 dos factos provados.

c) A Ré CC através da sua mandatária, Dr.ª NN, entregasse no Cartório Notarial de Estarreja a relação de bens em 25.08.2016.

d) A Autora se sinta preterida por sua mãe, vendo-se claramente prejudicada pela conduta conluiada da mesma com a sua irmã, vivendo angustiada com tal.

e) A Autora se sinta abandonada, traída pela mãe e pela irmã e bastante sozinha ao ver-se sem qualquer afeto ou apoio familiar.

f) A autora tenha sido expulsa do armazém que ocupava, não lhe sendo permitindo sequer que entre na casa da herança,

g) - As razões que levaram à realização do aumento do capital foram razões de ordem estrutural, a saber:

• A possibilidade de abertura de novas agências;

• A constituição de uma rede de distribuição da “C...” com agentes e subagentes.

• A necessidade de investimentos para remodelação das instalações na área do armazém;

• A necessidade de contratação de novos funcionários;

• A aquisição de novos veículos para suportar a rede de distribuições;

• A possibilidade de expandir o negócio para países terceiros, com importação e exportação de materiais (tubo inox, telha sandwich, etc.);

• O reforço da imagem perante as instituições bancárias para obtenção de financiamentos para fazer face aos mencionados desafios de expansão.

h) As operações referidas em 52 dos factos provados sejam realizadas com margens de lucro bastante reduzidas apenas para assegurar suporte de custos administrativos e de operação.

i) Esse fator tem que ser considerado numa avaliação, caso contrário contribuirá para uma sobrevalorização do valor da empresa em cerca de 30%.

j) Logo nos tempos após a morte do Sr. FF, os comerciais da C..., fruto do clima de conflito e desacordo que se gerou entre herdeiras, começaram a questionar como seria a situação da A....

l) Demonstrassem por diversas vezes a sua preocupação pela incerteza e porque não queriam o nome da C... associado a tais confusões.

m) Por diversas vezes questionassem como iria ficar a situação da A... e solicitassem alguma clarificação societária na mesma

n) Em 2016, a entrada da ação com o n.º 2903/16.1T8AVR, no juízo do comércio de Aveiro, em que os AA. foram também AA., viesse acentuar ainda mais os alarmes junto da C... acerca da situação societária da A....

o) O que causasse alguma preocupação acerca da mesma e levou a C... a começar a procurar novos parceiros na zona.

Da impugnação da decisão de facto

Iniciamos a exposição pela merecida referência à correta forma de alegação recursiva evidenciada por ambas as partes, com enunciação sintética e equilibrada dos fundamentos, numa inteligente gestão de argumentos e imediata indicação dos respetivos objetos, de forma clara e absolutamente percetível e sem considerações e/ou citações desnecessárias e fastidiosas. Clareza e contenção que vinham já da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida e da respetiva fundamentação de direito e que se assinalam por nem sempre constituírem, como deviam, as desejáveis características das peças processuais.

Do recurso de facto apresentado pelos AA.

Pretendem os demandantes se dê como provado o que consta dos factos não provados e supra enunciados sob as alíneas d), e) e f).

Trata-se de matéria que terá relevo para aquilatar do pedido de condenação dos RR. em indemnização por danos não patrimoniais.

Recorde-se encontrar-se já provado em 49 e 50 a situação de mau relacionamento entre as partes, mormente mãe (1.ª Ré) e filhas (A. e 2.ª Ré), desde o óbito do marido e pai, em 2013, o que ocorre por desentendimentos quanto à gestão das empresas pertencentes à família e que o falecido criou, situação que perturba a A., que chora, não consegue concentrar-se no trabalho, e nem logra descansar adequadamente.

Para além disso, dizem os AA. que, no caso concreto da empresa A..., a A. se angustia, ao ver-se prejudicada pela mãe e pela irmã, sentindo-se abandonada por estas, tendo sido expulsa do armazém comercial que ocupava.

Estabelecendo o contexto, a própria A., em declarações de parte, explicou que o pai, com a quarta classe e tendo antes disso sido emigrante na Alemanha, criou diversas empresas e a A., licenciada em economia, passou a ajudá-lo na gestão das mesmas, sendo responsável financeira e administrativa durante anos a fio. Também o seu marido passou a trabalhar para o sogro. Tendo o pai falecido de forma súbita – em acidente de aviação – ficou sobre si o encargo das empresas, com responsabilidade sobre oito dezenas de funcionários e negócios no estrangeiro, altura em que, tendo pedido apoio à mãe e à irmã – esta em permanência a trabalhar na empresa A... – não o obteve, contando depois com a pressão permanente da segunda Ré nas instalações da empresa da D..., local onde trabalhava a A., levando-a, em março de 2014, a arrendar apressadamente outras instalações para poder trabalhar, numa altura em que se achava grávida e com aconselhamento médico para diminuir tal pressão. Também por ocasião do óbito do pai, a mãe impediu-a de ir buscar os seus pertences à casa de férias dos pais, sita na ..., pois que a mãe assina por baixo de tudo o que a irmã faz. Sente, por isso, que a progenitora a tem vindo a procurar deserdar, manifestando nítida preferência por uma filha relativamente à outra, de tal modo que um dos seus filhos sequer conhece a avó.

A testemunha GG, contabilista de uma das empresas (trabalhou na D..., achando-se, atualmente e desde o óbito de FF, na E..., esta da responsabilidade da A. AA), referiu-se ao facto de a A. ter ficado abalada por saber por fora as coisas relativas às outras empresas, tendo sido esta testemunha quem primeiro teve conhecimento do aumento de capital da A... e disso informou A., tendo esta ficado triste por ver a mãe a fazer distinção entre as filhas. Tanto que, muitas vezes, não descansa e toma medicação para o fazer.

A testemunha HH que também já trabalhou na D..., encontrando-se atualmente na Agruest, revelou apenas ouvir falar dos assuntos, tendo presenciado a A. a chorar, mas sem indicar o motivo, vendo-a, por vezes, mais triste e abalada, mas sem poder afirmar que isso resulte da situação concreta tratada nos autos.

Por seu turno, II, que prestou serviços de consultoria às sociedades geridas pela A., afirmou perceber que a A. sofre com a história familiar, por existirem dois lados, e que é isso é motivo de perturbação e angústia.

Este conjunto de depoimentos, em concatenação com o já dado como provado, permite se considere demonstrado algo do que se acha nas als. d), e) e f).

Na fundamentação de direito – não tanto na motivação da decisão de facto que, na verdade, é omissa quanto às als. d) e e) – o tribunal considerou que a perturbação da A. resulta de toda a situação familiar e das empresas, sendo os factos deste processo “apenas um episódio da quezília familiar mais ampla”.

Embora se admita que assim seja, nem por isso se pode negar que os factos supra demonstrados em 32, 33, 43, 44, 49 a 59 e, bem assim, o que disseram as testemunhas acima mencionadas, em especial a testemunha AA, permitem se considere demonstrado que a A., quer por força dos factos relativos à A..., quer por força das demais empresas e questões familiares, se sinta preterida pela mãe e prejudicada pela conduta desta e pela conduta dos demais RR. já dada como provada.

Sendo assim, quanto ao ponto constante das als. d) e e), dá-se como provado o seguinte:

50A – Por força dos factos referidos em 32, 33, 43, 44, 53 a 59 e, bem assim, pelos desentendimentos referidos em 49, a A. sente-se preterida pela mãe, prejudicada e angustiada com a conduta desta, a da irmã e a do cunhado, aqui RR., mencionadas naqueles pontos.

A questão da al. f) apenas foi referida pela própria A. e relaciona-se não propriamente com o negócio em causa nos autos – o aumento do capital da A... – mas com outras questões da herança que não constituem objeto destes autos. Indefere-se, por isso, o recurso neste tocante.

Do recurso de facto apresentado pelos RR.

O recurso em apreço tem em vista dar como provado o que consta em g), j), l), m), n), e o), dados como não provados na sentença, matéria esta relativa à razão pela qual se teria procedido ao aumento de capital em 2016 e ao alegado comportamento da C..., principal cliente da A..., e que o é atualmente da outra empresa do terceiro R., a B....

No tocante à al. g), logo em face do que se alegava na contestação a este respeito, impõe-se considerar a sua insuficiência para justificar o aumento do capital. Enunciam-se aí supostas razões estruturais para justificar tal operação, aludindo genericamente a atividades que teriam que se ser realizadas (e foram-no? Nada se diz!), mas não se explica em lado algum a razão pela qual haveria a empresa que lançar mão do aumento do capital social, através da significativa alteração da posição relativa dos seus dois sócios, para lograr levar a efeito estas atividades genéricas.

E, neste tocante, as explicações dos peritos são inequívocas:

A fls. 426 v.º, na resposta ao quesito 60 – relatório junto aos autos por mail de 28.6.2021 – afirmam de modo expresso:

Em julgamento, os peritos mantiveram este esclarecimento.

A própria sentença expõs o evidente:

“Relativamente às razões de aumento de capital adiantadas pelos Réus, o Réu EE admitiu que, com excepção de algumas obras, não foram realizados nenhum dos actos descritos no art. 20.º da contestação, (reproduzido no ponto g) dos factos não provados), e que seriam a causa desse aumento. A explicação que deu para essa não realização (entrada de acções judiciais, descrédito da A..., risco de perder os negócios com a C...) não é minimamente credível como resulta da análise do conjunto da prova produzida, nomeadamente no que se refere à convicção dos pontos j) a o) dos factos não provados”.

No mais, o depoimento do simples trabalhador comercial da C... – não foi apresentado elemento de chefia desta empresa que mencionasse razões empresariais relevantes da mesma que justificassem a preferência pelo trabalho do R. (verdadeiro detentor do know how – facto 51), mas agora como responsável de uma terceira empresa – é absolutamente insuficiente para justificar que, já pendência da presente ação (proposta em dezembro de 2019) e dado o objeto da mesma, tenha a A... transferido para terceira empresa, esta na titularidade do R., os seus negócios com aquela C..., invocando-se o decesso do falecido responsável por aquela, quando o mesmo falecera mais de meia dúzia de anos antes.

Tanto basta para julgar improcedente a impugnação da decisão de facto trazida pelos RR.

Fundamentação de direito

A sentença acha-se perfeitamente explícita quanto à razão pela qual condenou os RR. a indemnizar a A.

Está em causa a participação social da 1.ª Ré e, por via dela, do falecido marido e pai de A. e Ré na sociedade por quotas A..., constituída em 1996, pelo o extinto casal (matrimónio celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos).

O valor real da quota de 75% (não o seu valor nominal que é o que corresponde ao capital social – art. 25.º CSC) cabe a cada um dos cônjuges, na proporção de metade – art. 1724.º b) do CC.

A outra quota – de 25% do capital social – cabia à mãe do R. marido.

O valor correspondente à metade (metade de 75%) que cabia ao cônjuge já falecido pertence agora à herança deste e as concorrentes à herança são a cônjuge sobreviva e as duas filhas (ponto 3), de modo que a cada herdeira caberia 1/3 da metade de 75% (isto é, 12,5% a cada uma das três herdeiras), nos termos do art. 2139.º, n.º 1 do CC, pois que, em 2013, altura em que faleceu o marido e pai de A. e Rés, a herança e primeira Ré eram donas de 75% da sociedade, por força do valor da quota que cabia à primeira Ré.

Em 2016, por força da venda da quota minoritária da mãe ao filho – venda esta autorizada pela sócia (então titular de metade desta quota e sucessora de 1/3 do restante) e aumento de capital seguinte apenas subscrito pelo novo titular da quota minoritária (tendo a 1.ª Ré intervindo para prescindir do seu direito de subscrição do aumento do capital), aquela quota que cabia à herança e à primeira Ré passou a ser de 18,7%, ao invés dos iniciais 75%.

De modo que, se em 2013, à herança de que a A. é sucessora, cabia 37,5% do valor da empresa. A partir de agosto de 2016, à herança já só cabia 9, 35% do valor da empresa.

Na petição inicial, estava em causa, inicialmente, a validade destes negócios, pedidos de que os AA. desistiram.

O tribunal a quo explicou, contudo, que esta forma de atuação contratual e societária (não exercício da preferência pela sociedade ou pela sócia maioritária na alienação da quota minoritária e posterior não subscrição do aumento do capital), resultando de um acordo entre todos os RR. (ponto de facto 32), visando aumentar a participação social do 3.º R. em detrimento da 1.ª Ré e da herança, teve um fim contrário à lei, o que esta sanciona com nulidade – art. 281.º CC.

Acrescentou o tribunal recorrido que a Ré CC, intervindo por si e em representação da herança de que é cabeça de casal, ao não exercer a preferência (por si ou em representação da sociedade[1], estes titulares do direito de preferência, conforme resulta dos estatutos sociais – facto 18) e ao renunciar à subscrição do aumento do capital, exorbitou dos poderes de administração ordinária que a lei comete ao cabeça de casal, devendo tais atos ser autorizados pelas demais herdeiras, o que não sucedeu (arts. 2079.º e 2091.º CC).

Recorde-se que impugnação dos atos sociais que subjazeram a estes negócios havia já sido tentada sem sucesso pela A. no âmbito do processo 2903/16.1T8AVR que correu termos no Juízo de Comércio de Aveiro e que teve em vista a declaração de invalidade da deliberação social de aumento do capital social da sociedade com consequente destruição dos respetivos efeitos concretizados pela subscrição do dito aumento de capital pelo R. e da deliberação de nomeação do mesmo como gerente.

Em primeira e segunda instância, foram os aí e aqui RR. absolvidos da instância por carecer a A. de legitimidade – não era sócia – para impugnar os atos em causa.

No acórdão então proferido por esta Relação, datado de 12.7.2017 (2903/16.1T8AVR.P1, disponível em dgsi.pt), entre o mais, escreveu-se o seguinte: “Esta conclusão sobre a ilegitimidade dos autores para a defesa dos direitos que invocam, em fase da lesão que afirmam ser-lhes infligida pela actuação dos RR. não é, porém, sinónimo de obliteração desses mesmos direitos. O que se reconhece é a necessidade da sua deslocação para outro contexto substantivo e processual.

E isto reconduz-nos à outra ordem de questões colocadas pelos apelantes: a da discussão sobre a regularidade e da actuação de E…, na administração da quota social de que é titular mas que, na sua dimensão patrimonial, integra uma herança a partilhar e em relação à qual actua como cabeça de casal. E tal será relevante, designadamente, quanto à sua renúncia ao direito de subscrição do aumento de capital e ao acordo para que G… subscrevesse a totalidade do aumento de capital, com as consequências que isso pode importar para a valoração económica dessa mesma quota, a par da nulidade desse mesmo acto de aumento de capital por razões que a tal conduzam, designadamente a de um eventual acordo fraudulento tendente unicamente à agressão dos direitos da autora. A tal matéria, acresceria a referente à condenação dos réus E…, F… e marido G…, e H… e marido I…. no pagamento de uma indemnização, a título de danos morais.

Todavia, todas estas questões são externas à dinâmica societária, referindo-se antes a actuações, ora individuais, da cabeça de casal, ora conjugadas com os demais RR., para ser agredido e diminuído o conteúdo da representação económica da quota titulada pela E…, representação essa que integra a herança a partilhar.

Com efeito, os próprios apelantes aludem à falta de poderes da cabeça-de-casal para praticar tais actos, por transcenderem a qualidade de actos de administração ordinária que teria competência para praticar. Mas os efeitos desse acto produzem-se em sede da administração da herança, máxime quanto à sua repercussão económica e à responsabilização pelos seus efeitos, e não no âmbito da validade dos actos societários, a que essa herança se mantém alheia, como resulta do disposto no nº 2 do art. 8º do CSC, como antes foi exposto.

A pretensão dos autores, a esse propósito, haverá de ser tutelada no enquadramento do regime dos poderes do cabeça-de-casal quanto à administração dos bens da herança e de responsabilização do cabeça-de-casal pela administração desses mesmos bens, nos termos dos arts. 2091º e 2093º do Código Civil, bem como do regime da responsabilidade civil extra-contratual (neste sentido, numa situação paralela em que a dissolução do casamento ocorre por divórcio e não por falecimento do cônjuge do sócio, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20/10/2009, Proc. nº 68/04.0TMCBR-B.C1, onde se conclui pela sediação do problema no âmbito do processo de partilha)”.

Nesta sequência, os AA. exercitam agora a responsabilidade civil dos RR.por, atuando em conluio, terem diminuído o valor da quota social que caberia à herança de que é a A. é também beneficiária.

Por isso, os demandantes formularam um pedido subsidiário de condenação dos RR. a pagarem-lhe uma indemnização correspondente ao valor pelo qual a A., na qualidade de herdeira, se viu privada ou diminuída na sua expetativa de aquisição, mercê do facto de à herança ter passado a caber 9, 35% do valor da empresa, ao invés dos 37,5% iniciais.

Em articulado superveniente, os AA. alegam novos factos que se demonstraram: a empresa, que em 2016, tinha um valor de € 2.375.000, 00, diminuiu drasticamente os seus resultados, já depois da propositura desta ação, isto é, em 2020 e 2021, e aumentou os gastos com pessoal (facto 53), o que ficou a dever-se à circunstância de o R. ter transferido os negócios da empresa (bem como de uma outra sociedade, também esta detida pela herança, facto 52) para uma empresa da qual é o único sócio (factos 55 e 60), a B..., empresa que passou a ser agente/distribuidora de ar líquido, negócio que era expressivo da atividade da A..., continuando a usar as instalações desta última (factos 56 e ss.), embora não seja esta depreciação que aqui está em causa (pois apenas justificou a opção pelo pedido de indemnização ao invés dos pedidos de nulidade), mas a depreciação anterior e relativa não à sociedade em si, mas ao valor da participação social que cabe à herança de que a A. é uma das herdeiras.

Neste aspeto, o tribunal de primeira instância considerou que, tendo existido alienação da quota minoritária a terceiro – o R. – e tendo este passado a ser ilegitimamente o sócio maioritário da sociedade, à herança, ao invés de 75% sobre o valor de €2.375.000,00 (= €1.781, 250) – situação em que à 1.º Ré caberia 50% (€890.625,00) e a cada uma das três herdeiras a quantia de € 296.875,00 - passou a caber 9, 35%, ou seja, €222.062, 50, destes cabendo metade (€111.031, 25) à primeira Ré e a restante metade, na proporção de 1/3 para cada, cabendo a A. e cada uma das Rés, € 37.010, 41.

O valor atribuído à A. foi, assim, de €296.875,00, isto é, o valor que lhe caberia na herança, caso a quota social de que a 1.º Ré e a herança eram contitulares tivesse o peso de 75% sobre o valor apurado da empresa.

Todavia, aqui chegados, impõe-se considerar o seguinte:

A A. continua a ser herdeira de seu pai e à herança deste continua a pertencer a empresa ou, melhor dito, à primeira Ré e à herança cabe agora o valor real da quota de 18, 7% da A..., ao invés dos 75% iniciais.

Assim, à herança cabe 9, 35% da empresa.

Quer isto dizer que, à herança não cabe hoje – mercê dos negócios fraudulentos desenvolvidos pelos RR. em 2016 – o mesmo valor que lhe caberia se tais negócios não tivessem sido concluídos.

Deste modo, o valor devido à A. é o relativo ao prejuízo decorrente dos atos em que os RR. intervieram e pelos quais diminuíram a participação social da 1.ª Ré na empresa, isto é, a diferença entre o que lhe caberia antes desses atos de 2016 - € 296.875,00 – e o que passou a caber-lhe depois desses atos - € 37.010,41, isto é, o prejuízo que resultou para a A. dos atos impugnados foi de €259.864,59.

Dito de outra forma: se a participação social da primeira Ré nesta sociedade continuasse a ser de 75%, ao invés dos atuais 18, 7%, à A. caberiam 12, 5% do valor da sociedade, por força da herança do seu pai.

Todavia, por, em 2016, de forma intencional e ilícita, os RR. terem diminuído o peso da quota da 1.ª Ré (e, consequentemente, da herança) de 75% para 18, 7%, então à A. já só caberá 3, 1166% do valor da empresa (estes, ainda não partilhados, mas suscetíveis de partilha).

O prejuízo da A. é, então, a diferença entre aqueles 12, 5% e os 3, 1166%. É esse valor que a A. deve receber e não o correspondente a 12, 5% sobre € 2.375.000, 00 (que seria de €296. 875,00, valor atribuído pela sentença), pois que isso implicaria estar já a partilhar a herança, nesta parte, o que não pode suceder, porque a quota mantém-se, mas mantém-se não já com o peso de 75%, mas tão-só com o peso relativo de € 18, 7%.

O prejuízo da A. é a diferença e apenas essa diferença que lhe cabe receber nesta ação em que se trata de danos por força da atuação ilícita dos RR. levada a cabo em 2016.

Veja-se que nesta equação em nada se reflete a circunstância de o R. ter, entretanto e aparentemente, diminuído o valor da A..., desviando os seus negócios, posto não ter sido dado como provado esse outro prejuízo (a empresa vale atualmente menos do que em 2016? Nada se diz!) que resultaria de uma administração danosa pelo R., suscetível de ser responsabilizado, mas noutra sede, necessariamente com outra causa de pedir e com outro pedido.

De modo que a A... continua a existir e a respetiva quota (de 1.ª Ré e da  herança) permanece sendo um ativo da herança a que concorrem as três herdeiras, porém esta quota tem um hoje um valor menor e que é o que resulta de a herança, ao invés de 37,5% do valor da empresa, ter direito a apenas 9, 35%.

Este prejuízo – que é real – foi gerado em 2016 e, nesse ano, a sociedade tinha um valor de € 2.375.000,00, dos quais à herança foi subtraída a diferença entre o que tinha antes do aumento do capital (37, 5% daquele valor = € 890.625,00) e o que passou a ter depois desse ato (9, 35% = € 222.062,50).

O prejuízo da A. que aqui está em causa é a diferença entre o valor da quota quando a mesma correspondia a 75% do capital da empresa e o valor da quota quando esta passou a corresponder a 18, 7%.

Está apenas em causa a depreciação da quota e o reflexo que tal depreciação tem no património da A.

A quota continua a existir e é partilhável, a ela concorrendo também a A., mas apenas na proporção do que lhe cabe nestes 18,7% (ou melhor, em metade destes 18, 7%, que é a parte que cabe à herança) e não já na proporção do que lhe caberia se à 1.ª Ré continuassem a caber os 75% e à herança metade disto, ou seja, 37,5%.

Feitas as contas desta forma – a que nos afigura correta - já o alegado pelos RR. em recurso se mostra desprovido de sentido, pois o que cabe indemnizar à A. é o prejuízo sofrido no património desta, em consequência da atuação dos RR. de 2016, por à herança caber 9, 35% do valor da A... e não os 37,5% que nessa altura lhe eram devidos.

O que se indemniza à A. é essa diferença reportada ao tempo em que o ato lesivo foi levado a efeito, numa altura em que a sociedade valia € 2.375.000,00.

No momento em que for efetuada a partilha, a sociedade pode valer mais ou menos do que isso[2], mas à herança já só caberá 9, 35% (e à A. 1/3 desse valor = 3, 1166%) e não 37, 5% (dos quais, caberiam à A. 12.5%).

Temos, pois, que a perda patrimonial da A., por ver diminuída a sua expetativa de aquisição e reportada à atividade ilícita ajuizada, ocorrida em 2016, é de € 259.864,59.

Dos danos não patrimoniais

Quanto aos danos não patrimoniais, consentimos, como a sentença, que as dores da A. resultam de uma conjuntura global familiar desfavorável, decorrente, ao que surge apurado, da circunstância de existir um vasto património a partilhar, não se entendendo mãe e filhas acerca do mesmo e da partilha.

Todavia, ainda que as partes venham a defrontar-se em distintas ações a respeito dos vários ativos da herança e se apurem angústias, sofrimentos e dores sofridas em virtude da conjuntura geral, nem por isso poderemos afirmar não merecerem tais abalos qualquer indemnização por respeitarem ao geral e não ao concreto. É, na verdade, a soma dos concretos que causa a turbação psíquica, emocional e anímica global, mas o certo é que para a mesma concorrem todas e cada uma das situações específicas em que se desdobra o problema patrimonial mais vasto.

Daí resultará que se considere apenas o que está em causa em cada processo individualizado, diminuindo-se em proporção a compensação devida, mas não a improcedência da totalidade do pedido a tal respeito, caso se tenham apurados factos que o suportem.

Dispensamo-nos de inúteis cogitações acerca do que deve entender-se por dano não patrimonial, sendo lugar comum, percetível por todos, a referência a um prejuízo moral, decorrente do sofrimento físico ou psíquico da pessoa que não é imediatamente computável em dinheiro, mas que é relevante, caso seja grave (art. 496.º, n.º 1, CC).

Na situação vertente, apurou-se o que consta supra em 32, 33, 43, 44, 40, 50A e 53 a 59, ou seja, a posição de alguém que, sendo herdeira de um património deixado pelo pai, acaba por se sentir preterida pela mãe e pela irmã que – nos atos concretos relativos à A... – diligenciam, em conjunto com terceiro (cunhado da lesada), para a prejudicar materialmente, situação que lhe causa angústia, tristeza, etc…, sentimentos que também defluem, naturalmente, do protelar da situação de não partilha, quando é certo que a sucessão foi aberta há mais de uma década (art. 2031. º CC).

Recorde-se que “o enervamento e a ansiedade são danos morais, na medida em que correspondem à ofensa de bens de carácter imaterial, sem conteúdo económico, não susceptíveis de avaliação em dinheiro, valendo este para compensar com as vantagens que proporciona, os prejuízos morais. Tais danos, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito” (ac. STJ, de 19.2.2004, Proc. 03B4382).

A apreciação da gravidade dos danos desta natureza reclama o recurso a “um critério o mais objectivo possível e em que o juiz se possa desprender da atribuição de reparações a casos em que o sofrimento ou a dor dependam, exclusivamente, de sensibilidades particularmente requintadas, portanto, anormais” (cfr Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, I,491).

Como se salientou no ac. do STJ, de 25.05.2007, proc. 07A1187: “dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”.

Considerando as inúmeras situações gravíssimas com que diariamente nos deparamos na atribuição de indemnizações desta natureza, mormente a vítimas de crimes graves que atentam contra a vida, a integridade física, a liberdade sexual, etc…, deixando lesados que sofrem extensas lesões físicas e psíquicas, o valor peticionado pela A. - € 100.000,00 -  a respeito das tristezas e angústias que ficaram relatadas é, a todos os títulos, irrazoável.

Neste tocante, é incompreensível a alegação dos AA. segundo a qual, mesmo com a atribuição daquela quantia, sempre os RR. fariam um excelente negócio por, alegadamente, ficarem com uma empresa no valor de € 2.375.000,00.

Esta afirmação é errada.

Por um lado, porque a A., herdeira de seu pai, apenas teria que contar com a parte que lhe cabe a tal título, não podendo referir-se à totalidade do valor da empresa que é, na sua maioria, da titularidade da progenitora e do R.

Depois, não é igualmente verdade que os RR. tenham ficado com a empresa, pois que resta para partilha a parte da quota que pertence à herança nos sobreditos termos.

Finalmente, ainda que nada disto fosse válido, é evidente que a compensação por danos morais não serve para equilibrar desníveis patrimoniais entre as partes, mas apenas compensar os prejuízos de índole não patrimonial que realmente se apurem.

Igualmente se revela equívoca a conclusão 6 do recurso apresentado pelos AA. posto que, como já se referiu, não está demonstrado na factualidade provada que a empresa esteja, de facto, desvalorizada e, se o está, não foi esse o fundamento do pedido de indemnização – baseada na desvalorização da quota ocorrida em 2016 – sendo que, apenas em ação que conhecesse desse fundamento poderia arbitrar-se eventual compensação por danos morais que daí decorressem e que não são os apurados nesta ação que se referem apenas à atividade dos RR. reportada àquele ano.

Ora, se a atitude dos RR. – mãe, irmã e cunhado da A. – ao esconderem-lhe a situação de uma das empresas da herança do pai e ao diminuírem o valor do património desta é, a todos os títulos, reprovável, já tornar indemne o sofrimento da herdeira que se vê assim prejudicada não reclama, nem de longe nem de perto, a atribuição de tal exorbitante valor.

Considerando os valores arbitrados para situações idênticas – por ex., no acórdão citado por último, em situação de simulação contratual, fixou-se a título de indemnização por danos não patrimoniais do contraente enganado a quantia de € 5.000,00, - tem-se por suficiente este mesmo valor para compensar os prejuízos de índole não patrimonial acima apurados.

Os juros moratórios que se fixarão a tal título são apenas devidos desde esta altura, conforme AUJ 4/2002.

Dispositivo

Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pelos AA. e, em consequência, na revogação da sentença absolutória nessa parte, condenar os RR. a pagar à A. a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com juros legais de mora, desde a presente data e até integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado a este título.

Mais se julga parcialmente procedente o recurso apresentado pelos AA. e, revogando parcialmente a condenação de primeira instância, condenam-se os RR. a indemnizar a A. na quantia de €259.864,59, acrescida de juros de mora legais, desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado a este título

Custas pelas partes, na proporção do decaimento.

 


Porto, 20.5.2024
Fernanda Almeida
Jorge Martins Ribeiro
Fátima Andrade

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[1] Em dezembro de 2015, a sociedade tinha fundo de maneio suficiente, quer para adquirir a quota da sócia que saía, quer para subscrever o aumento do capital, como resulta dos factos provados em 44 e 45.
[2] Se, eventualmente, valer menos e, como parece, tal diminuição de valor se dever à atuação ilícita do terceiro R. levada a cabo já depois da propositura da presente ação, poderá este (já não se vê como responsabilizar aqui, por ex. a primeira Ré) ser responsabilizado pela administração danosa ou fraudulenta, mas esse não é o objeto da presente ação.