I – Tendo o autor sido condenado como litigante de má-fé pela primeira instância e tendo essa condenação sido confirmada pela segunda instância, encontra-se esgotada a possibilidade de tal questão ser objeto de revista, nos termos do art. 542º/3, do CPCivil.
II – A aplicação das sanções previstas no art. 442.º/2, do CCivil, pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa, não bastando a simples mora.
III – A perda do sinal pelo promitente-vendedor faltoso só se justifica no caso de incumprimento definitivo, que não perante a simples mora.
IV – A chamada cláusula resolutiva expressa “deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada, do tipo “em caso de inadimplemento de qualquer obrigação surgida no presente contrato, este considera-se resolvido”.
V – O pressuposto da resolução é, em regra, o incumprimento da obrigação principal, a realização do contrato prometido.
VI – Ainda que coexista com o contrato-promessa, a tradição da coisa não é efeito deste, mas resultado de uma convenção negocial complementar ao contrato-promessa através da qual os promitentes antecipam os efeitos do contrato prometido, naturalmente na expectativa e com a confiança de que este irá ser celebrado.
VII – Os efeitos jurídicos da tradição da coisa encontram-se assim indexados ao regime e às vicissitudes do contrato prometido, de cujos efeitos são uma convenção negocial antecipatória, e não do contrato-promessa, ainda que a sua existência não deixe de interferir e condicionar o regime do contrato-promessa.
VIII – Tendo havido tradição do imóvel, o beneficiário da promessa de transmissão de direito real sobre essa coisa, tendo o mesmo prestado sinal, beneficia de direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte.
IX – A exceção de não cumprimento do contrato é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.
X – No caso de resolução ilícita de contrato-promessa só se deve falar em recusa de cumprimento definitivo quando, de todo o circunstancialismo da declaração de resolução, se puder concluir, de acordo com as regras da experiência comum, por uma recusa definitiva, firme, categórica de cumprimento por parte do promitente autor da declaração de resolução ilícita.
RECURSO DE REVISTA1,2,3,4,5 | 11051/20.9T8LSB.L1.S1 |
RECORRENTE6 | AA |
RECORRIDA7 | BB |
I – Tendo o autor sido condenado como litigante de má-fé pela primeira instância e tendo essa condenação sido confirmada pela segunda instância, encontra-se esgotada a possibilidade de tal questão ser objeto de revista, nos termos do art. 542º/3, do CPCivil. II – A aplicação das sanções previstas no art. 442.º/2, do CCivil, pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa, não bastando a simples mora. III – A perda do sinal pelo promitente-vendedor faltoso só se justifica no caso de incumprimento definitivo, que não perante a simples mora. IV – A chamada cláusula resolutiva expressa “deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada, do tipo “em caso de inadimplemento de qualquer obrigação surgida no presente contrato, este considera-se resolvido”. V – O pressuposto da resolução é, em regra, o incumprimento da obrigação principal, a realização do contrato prometido. VI – Ainda que coexista com o contrato-promessa, a tradição da coisa não é efeito deste, mas resultado de uma convenção negocial complementar ao contrato-promessa através da qual os promitentes antecipam os efeitos do contrato prometido, naturalmente na expectativa e com a confiança de que este irá ser celebrado. VII – Os efeitos jurídicos da tradição da coisa encontram-se assim indexados ao regime e às vicissitudes do contrato prometido, de cujos efeitos são uma convenção negocial antecipatória, e não do contrato-promessa, ainda que a sua existência não deixe de interferir e condicionar o regime do contrato-promessa. VIII – Tendo havido tradição do imóvel, o beneficiário da promessa de transmissão de direito real sobre essa coisa, tendo o mesmo prestado sinal, beneficia de direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte. IX – A exceção de não cumprimento do contrato é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação. X – No caso de resolução ilícita de contrato-promessa só se deve falar em recusa de cumprimento definitivo quando, de todo o circunstancialismo da declaração de resolução, se puder concluir, de acordo com as regras da experiência comum, por uma recusa definitiva, firme, categórica de cumprimento por parte do promitente autor da declaração de resolução ilícita. |
1. RELATÓRIO
AA, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB pedindo:
a) O reconhecimento da licitude da resolução operada pelo autor em 17-04-2019, e em consequência, a condenação da ré no pagamento ao autor do dobro dos montantes prestados a titulo de sinal, no montante global de 296 000,00€, acrescido dos juros moratórios vencidos, à taxa legal civil em vigor, desde 17-04-2019, quantificados à data em 2975 34€ e dos juros moratórios vincendos até integral e efetivo pagamento;
Subsidiariamente,
b) A declaração de incumprimento definitivo e culposo do contrato de promessa por parte da ré, por efeito da alienação que fez da fração autónoma em 06-05-2019 e, em consequência, a sua condenação na restituição ao autor do dobro do sinal prestado, no montante global de 296 000,00€, acrescido de juros moratórios à taxa legal civil em vigor, desde a data da citação até ao integral e efetivo pagamento.
Foi proferida sentença em 1ª instância que absolveu a ré dos pedidos contra a mesma formulados e, condenou ambas as partes em multa por litigância de má-fé, no montante de 12 UC, o autor e, no montante de 10 UC, a ré.
O autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão (com voto de vencido) que negou provimento ao recurso e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.
Inconformado, veio o autor interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações11,12 que apresentou as seguintes
2 – Resolução Ilícita na visão do Tribunal a quo, licita na visão do aqui recorrente, pelo que, naquele dia 18 de Abril, o Recorrente não se recusou a celebrar o contrato prometido sem que lhe fosse concedida uma redução de preço, mas antes, predispôs-se a celebrar um novo contrato, de compra e venda, idêntico ao prometido, mas por valor inferior ao do contrato prometido
3 – No entendimento do Recorrente, atenta a resolução do contrato por ele operara, estava desonerado de celebrar a o negócio prometido, que havia sucumbido por efeito da resolução e lhe conferia o direito à indemnização prevista no artigo 442 do Código Civil. Porém, face ao montante de sinal que havia prestado à Ré , diga-se €148.000,00, com vista a evitar o risco dos presentes autos e o desapossamento de um montante tão considerável, que ainda hoje se verifica, disponibilizou-se a prescindir dos direitos decorrentes da resolução e a celebrar um novo negócio com a Ré, através de uma escritura de compra e venda do imóvel, mediante um efetivo pedido de desculpas e de um preço que refletisse a divisão metade da indemnização a que tinha direito a receber da ré por efeito da resolução.
4 – Nesse sentido veja-se a comunicação referida no ponto 64 dos factos provados, onde o autor explicitamente refere como condição para reatar qualquer negociação …. a possibilidade de não reagir civil e criminalmente contra o seu incumprimento… representa uma redução de metade do dobro do sinal a que tenho direito, e os factos provados 65, 66,67.
5 – No modesto entender do aqui Recorrente, a questão central que se impõe e se pretende ver esclarecida com o presente recurso, é se o esbulho violento perpetrado pela promitente vendedora num contrato de promessa de compra e venda com tradição da coisa prometida, constitui, ou não, fundamento para o promitente comprador lhe endereçar uma interpelação admonitória com vista à resolução do contrato e se a persistência do comportamento inadimplente da promitente vendedora por determinado período tem, ou não, efeito resolutivo do respetivo contrato de promessa?
6 – O Douto TRL, pese embora refira que o direito à resolução do contrato de promessa e ao recebimento do sinal em dobro reclamado pelo autor, assenta na valorização da atuação da ré como incumprimento definitivo, ao mudar a fechadura da porta do imóvel impedindo o autor e o seu irmão de aceder à casa sem sua autorização, por infortúnio, absteve-se de valorar juridicamente a atuação da ré, fez tábua de rasa do facto de estarmos perante o esbulho violento de uma habitação, da interpelação admonitória que que constitui o documento 18 da PI dado como integralmente reproduzido sob o ponto 56 dos factos provados, concretizada mediante contacto pessoal de agende de execução e 05-04-2019, das declarações da Ré a negar que a tradição alguma vez tenha existido, da persistência da conduta inadimplente da RÉ, mais propriamente na recusa desta lhes entregar as Chaves do imóvel após interpelação admonitória para o efeito.
7 – O comportamento da Ré, ao mudar a fechadura da porta do imóvel impedindo o Recorrente e o seu irmão de aceder à casa onde viviam, pondo assim termo à tradição do imóvel que se vinha verificando, sem prejuízo da gravidade do mesmo, constitui-a em mora, porquanto, pôs termo ao cumprimento de uma obrigação continuada ou de cumprimento continuo a que estava vinculada.
8 – À luz das previsões dos artigos 804.º e 805.º do código Civil o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não seja efetuada no tempo devido, ou, no caso de estarmos perante uma obrigação de prazo certo, logo atingido o prazo fixado para o seu cumprimento independentemente de interpelação judicial ou extrajudicial para cumprir, constituindo a mora uma espécie de antecâmara do incumprimento definitivo.
9 – O recorrente não pode conformar-se com o entendimento sufragado pelo Venerando TRL, de que que o acordo de tradição não é essencial ao contrato promessa, sendo um acordo complementar que pode ou não existir e que constitui apenas uma antecipação dos efeitos do contrato prometido, cuja violação por não ser uma violação da obrigação principal, ou seja, da celebração do contrato prometido, só constitui incumprimento definitivo e fundamento de resolução do contrato se revelar uma intenção inequívoca de recusa de cumprimento por parte da promitente vendedora, ou se der causa a uma situação de perda de interesse objetivo por parte do promitente comprador, sendo que nenhuma destas situações se verifica no caso dos autos.
10 – Antes de mais, porque na falta de convenção em contrário, a resolução do contrato promessa de compra e venda depende, em regra, da verificação de uma situação de incumprimento definitivo, que, nos termos do art.º 808.º do CC, pode ser decorrência da verificação da falta de interesse objetivo no cumprimento do contrato ou da falta de cumprimento, depois de efetuada uma interpelação admonitória, sendo esta dispensável quando haja declaração expressa de não querer cumprir (recusa de cumprimento) por parte do promitente faltoso ou quando este adote um comportamento concludente que indique, de forma certa e unívoca, que não pode ou não quer cumprir.
11 – A mora, tal como se prevê no artigo 808.º CC, é passível de evoluir para uma situação de incumprimento definitivo, tal como sucedeu nos presentes autos, por meio da interpelação referida no ponto 56 dos factos provados, através da qual o Recorrente instou a Ré para que lhe restituísse a posse do imóvel, com entrega das as chaves da fechadura que houvera trocado, sob pena de resolver o contrato nos nele previstos, isto é, da cláusula 7.º número 1, que estabelece que, qualquer das partes tem direito de resolver o contrato promessa em caso de incumprimento pela outra parte, de qualquer obrigação prevista no mesmo, se, após a interpelação para remediar o incumprimento, a obrigação contratual em causa não for cumprida no prazo de 10 dias.
12 – Tendo a Ré sido interpelada no dia 05 de Abril de 2019, o décimo dia subsequente ao contrato completou-se à meia-noite do dia 15 de Abril de 2019, sem que até lá, nem em momento subsequente, a tenha restituído posse do imóvel ao Recorrente.
13 – Antes pelo contrário, declarou pretender ir habitar o imóvel e a 7 dias do segundo agendamento da escritura, exigiu que o Recorrente retirasse os seus sob pena lhe imputar os custos de remoção e guarda em armazém.
14 – Nesse sentido, vide comunicação mencionada no ponto 59 dos factos provados que a R. dirige ao Recorrente no dia 11 de Abril de 2019 em resposta à interpelação admonitória, na qual recusa-se explicitamente a cumprir, negando o incumprimento que lhe é imputado e que alguma vez tenha dado tradição imóvel ao recorrente, recusando a restituição da posse que nem sequer reconhece e a exigindo que o Recorrente retire os seus pertences do imóvel no prazo máximo de 8 dias, sob pena de, fido esse prazo, proceder á sua colocação num armazém e imputar os respetivos custos ao recorrente, sem prejuízo de comparecer no cartório para celebrar a escritura de compra e venda agendada pelo recorrente para dali a 7 dias e cujo texto passamos a citar: “É completamente falso que tenha ficado privado do uso do imóvel sito na Rua ..., em ..., uma vez que não tinha qualquer título legítimo para, como alega, habitar no referido imóvel. Recordo que o imóvel em questão é minha propriedade e minha residência fiscal, não necessitando, por isso, de qualquer autorização para a ceder ao mesmo. O Contrato de Promessa de Compra e Venda que celebramos, apenas lhe permite ter acesso ao imóvel e não habitar no mesmo. Em nenhuma cláusula do contrato consta tal possibilidade. Da minha parte não houve, assim, qualquer incumprimento contratual.( …) Como já mencionado não houve qualquer incumprimento contratual da minha parte. O incumprimento contratual aconteceu da sua parte, em definitivo, ao não comparecer à escritura pública de compra e venda, marcada para dia 28 de Março último, conforme declaração emitida pelo respetivo cartório.(...) Aproveitamos para informar, que a partir da presente data tem 8 dias para retirar os seus pertences de minha casa, devendo para o efeito contactar-me para marcar de dia e hora. Caso não o faço nesse prazo, os mesmos serão colocados num armazém, cuja morada lhe indicarei. O custo do armazém ser-lhe-á imputado. Mais informo, que em cumprimento do estipulado na cláusula 4ª nº 4 do Contrato de Promessa irei comparecer, no próximo dia 18, às 15.30h, no Cartório Notarial CC, para realização da escritura pública de compra e venda, que corresponde ao 15º dia útil seguinte à data da escritura inicialmente marcada e à qual V. Exa. não compareceu.
15 – A Ré entendeu a interpelação admonitória referida no ponto 56 sem qualquer duvida, e enquanto tal, manifestando naquela resposta um conhecimento perfeito dos termos do contrato promessa outorgado, que terá relido na sequência dessa interpelação admonitória, tanto que, na interpelação que a Ré dirigiu ao recorrente, datada 02 de Abril de 2019, ponto 57 da matéria provada, a Ré, na sequência da falta do recorrente à escritura de 28 de Março de 2019, exorta-o a que proceda à marcação de nova escritura no prazo máximo de 8 dias, demonstrando, nessa data, desconhecer o teor da cláusula 4ª nº 4 do Contrato de Promessa , conhecimento que já evidencia na comunicação de 11 de Abril.
16 – Na interpelação referida no ponto 56, que constitui o documento n.º 18 da PI o Recorrente alertou-a para gravidade do incumprimento contratual em que incorrera e a exortou-a a pôr-lhe termo através da imediata devolução das Chaves do imóvel, sob pena de, nos termos do contrato, considerar o contrato definitivamente incumprido e lhe ser lícita a devolução em dobro do sinal pago.
17 – A cláusula 7.º número 1 do contrato promessa dispõe que qualquer das partes tem direito de resolver o contrato promessa em caso de incumprimento pela outra parte, de qualquer obrigação prevista no mesmo, se após a interpelação para remediar o incumprimento, obrigação contratual em causa não for cumprido no prazo de 10 dias, o que constitui uma clausula resolutiva expressa do contrato.
18 – Na sua resposta, a Ré, (ponto 59 factos provados) nega a tradição da coisa dizendo é completamente falso que tenha ficado privado do uso do imóvel … uma vez que não tinha qualquer titulo legitimo para, como alega, habitar no referido imóvel ….. reiterando assim a sua intenção e de permanecer em incumprimento.
19 – É nesse contexto, ante a persistência do incumprimento da Ré que, no dia 17 de Abril de 2019, o Autor lhe comunicou a resolução do contrato de promessa de compra e venda fruto seu incumprimento continuado, por mais de 10 dias subsequentes ao recebimento da interpelação admonitória, (em 05 de Abril 2019), tudo conforme se descreve no ponto 62 dos factos provados.
20 – O prazo suplementar de 10 dias, estabelecido contratualmente, para que, nos termos do art. 808.º, a interpelação admonitória converta a mora em incumprimento definitivo, além respeitar a convenção das partes, à luz da natureza, do conhecido circunstancialismo e função do contrato, dos usos correntes e aos ditames da boa - fé, permitia ao devedor satisfazer, dentro dele, o seu dever de prestar.
21 – Ainda que se entenda que a simples emergência ou verificação dos fundamentos resolutivos do contrato não opera automaticamente, no sentido de atribuir imediatamente o direito à resolução, isto é, que além do incumprimento de uma prestação contratual, se exija a gravidade da violação, esta terá se ser apreciada não só em função da culpa do devedor, mas também e essencialmente das consequências desse incumprimento para o credor, que inclusive eram do conhecimento da devedora.
22 – Para apreciação da relevância da Tradição do Imóvel na economia do contrato promessa, importa, antes de mais, atender a que por efeito da tradição do Imóvel o Recorrente garantiu a satisfação da necessidade de habitação para si e designadamente para o seu irmão durante a vigência do contrato, num imóvel que já vinha sendo usado pelos mesmos, na sequência de um anterior um contrato de arrendamento.
23 – A habitação constitui uma necessidade básica de qualquer ser humano e por isso o seu direito encontra inclusive enquadramento e garantia constitucional.
24 – O dever a que a Ré se obrigou por força da tradição do imóvel, ainda que não constitua a prestação principal do contrato de promessa, constitui uma prestação ou um dever secundário do contrato, distinto dos simples deveres acessórios de conduta, constituindo antes um dever acessório da prestação principal, destinado a preparar o cumprimento ou assegurar a perfeita execução dessa prestação e cuja violação é suscetível de gerar mora ou incumprimento definitivo.
25 – Para tanto, há que averiguar, em concreto, qual a relevância para o credor da prestação incumprida na economia do contrato (no todo contratado), em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a sua conclusão, atento que, também a violação de obrigações acessórias pode assumir um relevo ou gravidade tais que permitam imputar ao contraente, com fundamento nas regras da boa-fé, o incumprimento do contrato.
26 – Não podemos aqui descorar a relação entre o contrato-promessa e a necessidade de habitação do Recorrente e seu irmão, que foi precedido de um contrato de arrendamento sobre a fração para suprir a essa necessidade e das negociações que conduziram à sua celebração, cuja troca de emails faz parte integrante dos presentes autos, onde se atesta que a prometida aquisição tem em vista a habitação daquele, que inclusive, durante essas negociações, afirma estar a viver e ser intenção das partes que ali se manter até à celebração da escritura de compra e venda.
27 – Nesse sentido vide email de 02/09/2018 onde o Sr. DD diz à Ré quero ficar com a casa, aliás estou lá a viver agora … e email da Ré para o Recorrente de 05/09/2018 na sequência da recusa da clausula da tradição do imóvel, onde diz aqui segue a minuta do contrato, com introdução do ponto 5 na clausula 4 referente à vossa utilização do aparamento até à escritura.
28 – Era por isso evidente, quer para o Recorrente quer para a Ré, o interesse e a necessidade do promitente-comprador e do seu irmão na compra que prometiam – o de habitarem o imóvel prometido. Nessa medida, a tradição da coisa surge na economia do contrato como uma obrigação acessória de inegável interesse para a proteção da posição do Recorrente, interesse que a Ré não podia negligenciar ou colocar em risco sob pena de incorrerem em violação da boa-fé.
29 – Nesse contexto, face ao tempo decorrido desde a tradição da coisa e aos montantes de sinal prestado, mais de metade do preço acordado, é de entender que a violação da tradição da coisa por parte da Ré assumiu para o Recorrente um relevo e gravidade tais que, com fundamento nas regras da boa-fé, lhe permitia ser o substrato de uma interpolação admonitória e cuja persistência do incumprimento pelo período de tempo estabelecido contratualmente permitiu imputar-lhe o incumprimento culposo do contrato-promessa, e declarar a licitude da resolução.
30 – Sem prejuízo de poder entender-se como uma obrigação acessória, atenta a essencialidade que a sua satisfação revestia para pessoa do Recorrente e seu irmão e por isso prejuízo resultante da sua violação, vendo-se despojados de um teto, de uma cama para dormir, do lugar onde asseguravam a sua higiene diária , para além dos seus bens pessoas e o perfeito conhecimento de todas estas circunstancias pela Ré , não deixar de considerar-se como profundamente grave a violação que a Ré perpetrou naquele dia 03 de Abril de 2019, e de que recusou a arrepiar caminho, mesmo depois de interpelada para tanto.
31– Atenda-se que, o contrato de promessa dos autos, por efeito da tradição da coisa até à realização do contrato definitivo, pressuponha a realização de uma prestação prolongada no tempo, pelo que, o juízo de avaliação do seu incumprimento, para efeitos do exercício de resolução, deve ser aferido não apenas em função dos deveres principais adstritos às respetivas partes, mas também aos deveres acessórios de conduta e aos que decorrem dos princípios do pontual cumprimento e da boa-fé, consagrados, respetivamente, nos artigos 406º, nº 1 e 762º, nº 2, ambos do Código Civil, tendo em conta o tipo de negócio em causa, os interesses em jogo de cada uma das partes e os usos gerais do comércio jurídico.
32 – O incumprimento desta obrigação secundária ou acessória assume um relevo tal na economia do contrato que tem de ser equiparada, em homenagem às regras das boa-fé, a incumprimento definitivo do contrato, e por isso a sua violação, ante as circunstâncias excecionais impostas pela boa-fé, terá de conduzir às consequências do incumprimento do contrato, sendo que, a existência de incumprimento definitivo da prestação ou a possibilidade do seu cumprimento no contexto da obrigação (simples mora) são conceitos que deverão ser sempre analisados à luz do interesse do credor.
33 – Nesse sentido, in Ac.. TRC no processo n. º 1471/05.4TBFIG.C1, afirma-se “Constitui pressuposto material condicionante do exercício do direito de resolução o incumprimento definitivo imputável a um dos contratantes, e que tanto pode reportar-se à prestação principal como incidir sobre os deveres acessórios de conduta, desde que assumam gravidade tal que afete a base de confiança subjacente.”
34 – Proceder de boa-fé no cumprimento de uma obrigação ou no exercício de um direito significa, no sentido amplo em que essa expressão é usada no artigo 762 n.2 do Código Civil, agir lealmente, corretamente, honestamente, quer no cumprimento do dever que a lei impõe, quer no desfrute dos poderes que o direito confere.
35 – Como bem se afirma in Ac. STJ - 2841/03.8TCSNT.L1.S1 de 17-05-2012, “O conceito normativo de boa-fé é utilizado pelo legislador em dois sentidos distintos: no sentido de boa-fé objetiva, enquanto norma de conduta , ou seja, no plano dos princípios normativos, como base orientadora e fundamento de efetivas soluções reguladoras dos conflitos de interesses, alcançadas através da densificação, concretização e preenchimento pelos Tribunais desta cláusula geral ; e no sentido de boa-fé subjetiva ou psicológica, isto é, como consciência ou convicção justificada de se adotar um comportamento conforme ao direito e respetivas exigências éticas”.
36 – O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento – de correção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar subprincípios, regras e ditames ou limites objetivos, postulando certos modos de atuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do contrato, cuja violação por uma das partes pode colocar a outra em situação em que lhe não seja exigível a continuação na relação contratual, dando-lhe justa causa para proceder à resolução do contrato.
37 – Admitindo-se inclusive, conforme acórdão proferido por este Venerando Tribunal, no processo 9283/17.6T8PRT.P1.S1 de 05-12-2019, “…que a resolução se possa estribar em situações de justa causa consistentes na quebra da relação de confiança entre as partes de modo a tornar inexigível a subsistência do vínculo contratual, com apelo ao princípio da boa-fé, sem passar pela conversão da mora em incumprimento definitivo”.
38 – O incumprimento da obrigação de assegurar o gozo da coisa traduz numa situação de justa causa por quebra de confiança, fundada em violação do princípio da boa-fé, que justifique o exercício do direito de resolução do contrato, sendo, por isso, proporcional e equilibrada a interpolação admonitória e a subsequente resolução, perante a violação de uma obrigação continuada e de caráter essencial para o seu credor decorridos meses de execução contratual, sobre elevado investimento (pagamento de mais de metade do Contrato) do Recorrente e com a consequente perda de garantias do credito – Direito de Retenção que o esbulho violento acarretou.
39 – Recordemos ainda que o Recorrente, por efeito da tradição encontrava-se investido de uma garantia - Direito de retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º de que ficou privado pela conduta inadimplente da Ré.
40 – E pese embora o esbulho violento sobre a sua posse, nos termos da cláusula 9.º, era sobre ele que impendia o risco da coisa até à celebração do contrato prometida e bem assim, os encargos com consumos de energia, gás e água do imóvel, o que não pode deixar de ser tido em conta para efeitos de boa-fé.
41 – A mudança da fechadura consubstancia uma ação direta, isto é, uma forma de exercício do direito pela força, expressamente vedada pelo art.º 1º do CPC:
42 – Obtida a tradição do imóvel prometido vender, o comportamento da Ré que, sem autorização do Recorrente, promitentes-compradores, trocou a fechadura do imóvel, assim o impedindo de entrar naquele imóvel configura uma situação de esbulho violento, por si suficiente para fundamentar a resolução contratual por meio de interpelação admonitória.
43 – Acresce que, a negação da Ré perante a PSP no dia 03 de Abril de 2019, reiterada, por escrito, no dia 11 de Abril de 2019 (ponto 59), de que nunca houvera dado a tradição do imóvel ao Recorrente é violadora dos mais basilares deveres de boa-fé a que estava adstrita no cumprimento das suas obrigações.
44 – Tanto assim que a Ré, naquele dia 03 de abril, tal como se afere do auto de polícia junto com documento 17, declarou à PSP que sendo imóvel dos autos “da sua pertença, decidiu mudar a fechadura do mesmo para se poder mudar para lá pois não possui outra habitação, uma vez que não conseguiu realizar a compra da outra casa devido a não realização da compra que havia acordado com o AA”
45 – E como se não bastasse, na comunicação referida no ponto 56 dos factos provados, além de negar que alguma vez tenha dado ao recorrente a tradição do imóvel, recusa a entrega da chave do imóvel e estabelece-lhe um prazo de 8 dias para que preceda ao levantamento de todos os seus pertences do imóvel, sem prejuízo afirmar que irá comparecer no Cartório Notarial . dali a 7 dias, na data marcada pelo Recorrente por efeito da sua falta de comparência no dia 28 de Março de 2019, isto é no dia 18 de Abril de 2019, para celebrar a compra e venda prometida.
46 – A atuação da Ré é manifestamente intencional, consciente e omissiva e não se compadece nem com os termos do contrato, nem com uma exigível atuação colaborante, leal e de boa-fé. Também por aqui, é à Ré que deverá ser imputado o incumprimento e qualificando-se como licita e justificável a resolução do Recorrente.
47 – Acresce que, por força do estabelecido no contrato de promessa advogamos estar perante uma resolução convencional, ante a qual, ao invés de se dever aferir se a causa de imputação relevante de incumprimento, constituiu, ou não, um facto jurídico adequado e suficiente para operar a resolução, deverá, antes, aferir-se se a mesma respeitou ou não a convenção das partes, para, de seguida e com base nessa apreciação, se aferir da sua licitude da resolução face ao teor do contrato, designadamente da sua cláusula sétima.
48 – E por isso, uma vez mais pugnamos pela licitude da resolução, desde logo, porque nos termos aquele preceituado, o incumprimento de qualquer obrigação prevista no contrato confere a outra parte o direito a resolvê-lo, de forma automática se, após interpelação admonitória para o efeito, a obrigação permanecer em incumprimento nos 10 dias subsequentes, o que sucedeu como se atesta dos pontos 16., 17., 20., 41., 42., 43., 44. ,45. , 46. ,47. ,,56., 59., 60. e 62 dos factos provados.
49 – A resolução do contrato-promessa constitui um direito potestativo das partes, que pode ser despoletado a partir de uma situação de incumprimento definitivo (resolução de génese legal), nos termos do art. 808º do CC, ou a partir da verificação de uma cláusula resolutiva expressa (resolução de origem contratual) nos termos do n.º1 do artigo 432º. O mesmo é dizer que pode ser despoletada tanto a partir da verificação de uma situação de incumprimento definitivo, como a partir do preenchimento de uma cláusula resolutiva expressa.
50 – Na realidade aqui sub judice o efeito resolutivo tem uma génese contratual direta, pelo que, sua resposta judiciaria surge simplificada, deve restringir-se à verificação da ocorrência de alguma das circunstâncias potenciadoras da condição resolutiva aposta no contrato, se a condição resolutiva expressa, efetivamente, se verificou, ou não, caminho este que o Venerando TRL, na esteira da sentença não Tribunal a quo, não tomou.
51 – No âmbito dos presentes autos, era fulcral apreciar o efeito que é suscetível de produzir uma cláusula como aquela que as partes inseriram no contrato-promessa, pelo que não se entende que a questão da legitimidade da resolução tenha sido apreciada tendo por base uma situação clássica, olvidando o TRL que, a par da resolução de contrato promessa com base em situações de incumprimento definido pela lei, existe um outro plano em que o efeito resolutivo emana da verificação pura e simples da situação de facto expressamente convencionada pelas partes: a cláusula resolutiva expressa prevista no art. 432º do CC.
52 - A resolução do contrato-promessa de compra e venda, cujos efeitos típicos resultam do art. 442º do CC, encontra um largo campo de aplicação através das regras que regulam a situação de incumprimento, designadamente nos casos previstos no art. 808º do CC. Porém, não está isenta da aplicação de outras regras como a que está contida no art. 432º do CC que, dentro da liberdade negocial que é característica dos assuntos de natureza privada, confere às partes a possibilidade de anteciparem as condições específicas de cuja verificação pode resultar a declaração de resolução do contrato.
53 – Não existe a menor dúvida de que ao Recorrente foi conferido o direito potestativo de resolução se e quando se verificasse uma situação de incumprimento, pela outra Ré, de qualquer obrigação prevista no contrato, se, após a interpelação para remediar o incumprimento, a obrigação contratual em causa não fosse cumprida no prazo de 10 dias a contar da receção da interpelação.
54 – Resolução a operar por meio de comunicação à Ré, uma vez verificada a permanência do incumprimento nos de 10 dias subsequentes à receção da interpelação admonitória, como sucedeu.
55 – Não há dúvidas de que, na data em que o Recorrente comunicou a resolução do contrato à R., se verificavam os pressupostos objetivos da condição resolutiva que as partes acordaram, e estava respeitado todo o formalismo prévio contratualmente fixado pelas partes.
56 – Razão pela qual deve considerar-se legitimamente exercitada a resolução do contrato-promessa de compra e venda comunicada pelo promitente-comprador em 17 de abril de 2019 e após a interpelação admonitória comunicada em 05 de abril de 2019.
57 – A persistência do comportamento relapso da Ré, que, no seu livre-arbítrio, entendeu manter, mesmo depois de alertada para as potenciais consequências na relação contratual, fundou o direito à resolução do contrato pelo Recorrente, que se verificou-se no dia 15 de Abril, comunicada pelo recorrente à R. no dia 16 de Abril e por esta recebida no dia 17 de Abril de 2019.
58 – Ainda que assim não se entendesse, no que não se concede, a recusa do Autor em assinar a escritura no dia 18 de Abril de 2018 jamais poderia ser tida como incumprimento definitivo do mesmo.
59 – Desde logo, porque o Autor, estava convicto da licitude da sua resolução, convicção com que fundou a sua decisão, erro (seguindo essa linha de raciocínio) que tem opor base o incumprimento grave e reiterado da Ré, mesmo após interpelação admonitória do Autor para lhe por termo.
60 – Em segundo lugar, encontrando-se a Ré em incumprimento (desde 03 de abril de 2019) e atento que estamos perante um contrato bilateral, era legitimo ao Autor recursar-se a cumprir a sua contraprestação nos termos do preceituado no artigo 428.º do Código civil.
61 – A exceção de não cumprimento do contrato prevista naquele art. 428º consiste na faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.
62 – É certo que esta exceção apenas pode ser exercida após o credor da prestação ter denunciado o incumprimento, como também exigir do devedor que pusesse termo a esse incumprimento, realizando a prestação em falta.
63 – No caso vertente, o Recorrente denunciou o incumprimento pela interpelação de 04/04/2019, cujo cumprimento a Ré expressamente recusou pela comunicação que dirigiu ao recorrente em 11 de Abril de 2019, na qual instou o Recorrente a retirar os seus pertences do imóvel no prazo máximo de 8 dias, sem prejuízo da celebração do contrato definitivo agendado para dali a 7 dias e após ter afirmado junto da PSP a necessidade do imóvel para sua habitação.
65 – À data o Recorrente não estava em mora, pois havia procedido ao reagendamento da escritura para o dia 18 de Abril de 2019 e a Ré tinha plena noção disso, como se verifica da comunicação onde diz que estará presente no Ato, como esteve.
66 – Ora, seguindo, como hipótese académica, a linha de raciocínio de que a interpelação admonitória não tinha a capacidade para legitimar a resolução, então, no mínimo, teria de ser entendida como uma denúncia do incumprimento Ré e simultaneamente a exigência de que pusesse termo a esse incumprimento, realizando a prestação em falta, diga-se a entrega da chave, que a Ré, manifestamente, recusou fazer, ficando assim legitimada a recusa do Recorrente a cumprir com a sua prestação sem que a Ré, previamente, comprimisse a sua prestação.
67 – Por último, importa ainda lembrar que, nos termos da previsão do contrato, (cláusula sétima) o incumprimento definitivo carece sempre de previa interpelação admonitória ao incumpridor, da persistência desse incumprimento por, pelo menos, dez subsequentes à interpelação e de uma posterior comunicação da resolução o que não sucedeu.
68 – Ora, no dia 18 de Abril, data agenda por iniciativa do Recorrente, na sequência do não comparecimento à primeira escritura agendada, tal como consta da matéria de facto dada como provada, ambas as partes compareceram no cartório notarial, recusando-se, no entanto, o Autor a assinar a escritura ajustada no contrato de promessa.
69 – A comparência de Recorrente e Ré naquele segundo ato, faz com que o incumprimento definitivo não se tenha verificado. E, ainda que assim não fosse, a resolução subsequente desse incumprimento sempre teria de ter sido comunicada ao Recorrente, o que não aconteceu até á presente data.
70 – Sem prejuízo, tal como consta da matéria de facto ada como provada, a Ré, sem que tivesse comunicado a sua eventual decisão de resolução, no dia 06 de maio de 2019, procedeu à alienação a terceiro da fração autónoma que prometeu vender ao Autor.
71 – Conduta com que objetivamente impossibilitou a realização do negócio prometido, colocando-se, desse modo, em incumprimento definitivo, razão pela qual, também seguindo esta linha de raciocínio, deverá ser condenada na devolução, ao autor, em dobro, do sinal por este prestado, tal como peticionado.
72 – O douto Acórdão é omisso na apreciação desta matéria, tal como no que concerne ao alegado abuso de direito configurado pela solução jurídica do Tribunal a quo, por ele sufragada.
73 – Ora, a declaração da ilicitude da resolução operada pelo Recorrente e a consequente declaração de incumprimento definitivo deste, permite à Ré, por força da previsão do artigo 442.º do Código Civil, fazer seus os montantes entregues a titulo de sinal, isto é, mais de metade do preço acordado para o negócio, tudo isto quando a mesma se encontrava numa situação de incumprimento e em manifesta violação do principio da boa- fé na execução do contrato, circunstancialismo que, no nosso modesto entendimento ultrapassa os limites impostos pelo fim social, económico e ético-jurídico daquele direito e configura uma situação de abuso do direito nos termos do previsto no art. 334.º do CC.
74 – Abuso de direito que também deverá ser considerado na modalidade de exercício em desequilíbrio, quando a promitente-vendedora que procedeu ao esbulho violento do imóvel que deu de tradição em contrato de promessa, dias depois de ter recebido um reforço de sinal correspondente a um terço do preço, com que ficou investida em mais de metade do total do preço sabendo que o promitente Comprador e seu irmão residiam no imóvel prometido vender.
75 – Entendemos pois que, reconhecendo-se à Ré o direito de fazer seus os montantes prestados a titulo de sinal, verifica-se uma enorme desproporção, flagrantemente violadora do princípio da boa fé, entre a vantagem decorrente fazer seu o montante sinal – correspondente, diga-se , a mais de metade do valor do negocio prometido (injustificada na medida em que, de acordo com a prova a Ré estava em incumprimento e de má fé) e o prejuízo para o Recorrente da perda de tão elevado montante, mais a mais convicto da licitude da sua conduta, diga-se da resolução a que procedeu, face ao comportamento inadimplente da Ré, pelo que, esta não poderá ter direito à indemnização tutelada pelo esquema do sinal, nem o direito a uma indemnização, nos termos previstos no art.º 442º do CC.
76 – O art.º 334º do Código Civil estabelece que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
77 – Por outro lado, assentando no exercício de um direito que excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, os bons costumes ou o fim social ou económico do direito, o funcionamento do instituto do abuso do direito pressupõe o reconhecimento de uma relação de desequilíbrio entre o exercício de determinado direito, e um daqueles limites.
78 – A verificação de uma tal situação traz à colação a necessidade de aplicação de um teste de proporcionalidade, fortemente inspirado pelo regime do art.º 18º da Constituição da República e por diversas disposições da convenção Europeia dos Direitos Humanos (cfr. v.g. os art.ºs 8º, nº 2; 9º, nº 2; 10, nº s; 11º, nº 2).
79 – Esse teste de proporcionalidade é igualmente aflorado em inúmeras disposições do Código Civil (v.g., os art.ºs 566º, nº 1, parte final; 802º, nº 2; e 829º, nº 2), e pode concretizar-se nos seguintes critérios decisórios: a necessidade, a adequação, a justa medida (proporcionalidade estrito senso), e o interesse legítimo.
80 – Desta forma, será ilegítimo o exercício de um direito, quanto tal exercício seja contrário à boa-fé, os bons costumes, ou a sua finalidade económica ou social, e se verifique, em concreto e atendendo à globalidade das circunstâncias, uma injustificada desproporção entre o benefício decorrente desse direito e o prejuízo decorrente do dever que impende sobre a contraparte, não se impondo um ou outro como necessários, adequados, na justa medida e para assegurar interesses legítimos.
81 – No caso concreto do exercício em desequilíbrio, o Prof. MENEZES CORDEIRO resume, desta forma os contornos deste subtipo de abuso do direito: “(…) o desequilíbrio no exercício é hoje usado para corrigir soluções de Direito estrito que se apresentam injustas para os intervenientes. Designadamente permitindo uma grande vantagem para um deles, à custa do outro e sem que se apresente uma especial justificação para tanto.”
82 – E mais adiante acrescenta: “Da ponderação dos casos concretos que deram corpo ao exercício em desequilíbrio, desprende-se a ideia de que, em todos, há uma desconexão – ou se se quiser, uma desproporção – entre as situações sociais típicas prefiguradas pelas normas jurídicas que atribuíam direitos e o resultado prático do exercício desses direitos.”
83 – Nesta conformidade, podemos concluir que, verifica -se no caso em apreço uma situação de exercício em desequilíbrio, que configura uma clara situação de abuso do direito, que constitui um facto impeditivo do direito da Ré a fazer seu o Sinal prestado.
84 – No mínimo, de acordo com o libelo aqui posto em crise, impor-se-ia concluir que o comportamento contratual de ambas a partes contribuiu para a recusa do recorrente em assinar o contrato definitivo, verifica-se uma situação de não cumprimento bilateral, pelo que o contrato-promessa deve ser resolvido tendo por base as normas gerais, pela compensação de culpas concorrentes, verificados os respetivos pressupostos (art. 570.º do CC). Assim, considerando que ambas as partes, agiram com culpa, contribuíram para que o contrato não obtivesse o resultado para que tendia, nos termos dos arts. 433.º e 434.º do CC, a não conclusão do contrato terá os efeitos da resolução, o que, no caso, se traduzirá na restituição, em singelo, do sinal recebido.
85 – Posto isto, se o comportamento de ambas as partes contribuiu para a impossibilidade superveniente de cumprimento do contrato-promessa, deve ser decretada a resolução deste a pedido de uma delas, com a consequente obrigação de restituição das quantias entregues a título de sinal, sem o acréscimo de indemnização.
86 - No que concerne à Litigância de Má-Fé o douto acórdão do TRL vem acompanhar a decisão do Tribunal a quo, entende a fundamentação, ainda que sintética como suficiente, afirma que o descrito comportamento processual, imputando á contraparte uma obstrução do contrato celebrado que lhe é si imputável, integra o artigo 542.º n.º2 alínea a) do CPC.
87 – Ora, salvo devido respeito por diferente opinião, a sufragada decisão do Tribunal a quo, ao omitir qualquer elemento específico que permita, da sua leitura, apreender a que tese se reporta, ao não especificar os fundamentos de facto e de direito que a justificam, mais a mais quando, na verdade, do simples confronto entre a síntese dos fundamentos da ação e a matéria provada percebemos a correspondência desta aos fundamentos de facto da pretensão do Autor, padece claramente da nulidade apontada.
88 – Sem prejuízo, o Douto TRL veio esclarecer que a conduta processual do Recorrente, imputando à contraparte uma obstrução do contrato celebrado que lhe é a si imputável, integra o artigo 542.º n.º2 aliena a) do CPC.
89 – Sucede que, o Recorrente fundamenta a sua pretensão na violação da tradição, que se provou ter ocorrido, isto é no incumprimento da Ré, que no seu entender e também no Douto entendimento da declaração de voto da Meritíssima Juíza Desembargadora Dra. Maria de Deus Correia, é fundamento da resolução do cotrato -promessa que produziu, efeito jurídico pretendido na pretensão, que, não tendo tido o colhimento do Tribunal a quo, nem pelo TRL, por si só, não integra a descrição comportamental imputada pelo TRL ao Recorrente.
90 – Até porque, o incumprimento da Ré foi efetivo, voluntário, ficou sobejamente provado e não é imputável ao recorrente.
91 – E, num segundo plano, porque a conduta do recorrente na sequência desse incumprimento, é contratualmente legitima, legalmente prevista, sendo os seus efeitos jurídicos passiveis de diferentes interpretações, conforme decorre do presente recurso e da declaração de voto da Meritíssima Juíza Desembargadora Dra. Maria de Deus Correia, sendo o douto acórdão, nesta matéria, conclusivo e destituído de qualquer fundamento.
92 – Acresce que, a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo sufraga na sua generalidade a versão dos factos enunciados pelo Recorrente, pelo que, impera concluir que o seu comportamento nos presentes autos, não é suscetível de integrar qualquer conceito de litigância de má-fé, devendo, por isso, ser absolvido da condenação de que foi alvo.
93 – Ainda que assim não se entendesse, no que não se concede, sempre se diria que o montante da condenação, 12 UC, face a realidade concreta dos presentes autos e a conduta efetiva do recorrente, revela-se manifestamente excessivo. Mais a mais, porque, tal como afirmamos, se fizermos um contraponto entre a matéria de facto dada como provada e as peças processuais apresentadas pelo autor, designadamente a sua petição inicial, percebemos a generalidade da matéria de facto ali alegada foi julgada como matéria de facto provada.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, declarando-se a licitude da resolução do contrato de promessa, em consequência condenando-se a Ré à devolução em dobro do sinal prestado e absolvendo-se o autor da condenação como litigante de má-fé.
A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos14, cumpre decidir.
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA, ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.) Saber se é admissível recorrer de revista do acórdão do tribunal da Relação que confirmou a decisão condenatória da 1ª instância por litigância de má-fé.
2.) Saber se há incumprimento definitivo do “contrato-promessa de compra e venda” por culpa exclusiva da ré, por ter mudado a fechadura da porta do imóvel objeto do contrato, impedindo, deste modo, o autor de aceder ao mesmo, conferindo-lhe, por isso, o direito a exigir em dobro a quantia que prestou a título de sinal e princípio de pagamento.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA
--- Promessa de compra e venda; seus antecedentes e aditamentos:
1. Por escrito de 21 de dezembro de 2017, a ré e a sociedade C... S.A. celebraram um contrato de arrendamento, pelo qual aquela declarou ceder a esta o gozo da fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao Rés-do-Chão Esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...46 da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...42 (documento n.º 1 junto à petição inicial, dado por integralmente reproduzido).
2. Tal arrendamento destinava-se, nos seus termos, a habitação de DD, irmão do autor.
3. O autor e o referido irmão DD outorgaram no contrato na qualidade de fiadores da arrendatária sociedade.
4. Desde tal data, DD fixou residência na fração, fazendo-o de forma não permanente, sendo que o autor aí pernoitava esporadicamente.
5. O autor e o irmão DD são sócios e gerem diversos negócios, em varias empresas familiares, entre estas a sociedade arrendatária supra referida, uma holding e uma sociedade de comércio de bebidas.
6. Em tal gestão não existe separação entre os negócios das empresas e o património pessoal dos irmãos, sendo os ativos e os fluxos financeiros pessoais e sociais geridos de forma conjunta e integrada.
7. Entre dezembro de 2017 e junho de 2018, em datas não concretamente apuradas, o autor e/ou o seu irmão DD cederam a fração a terceiros para estadas de curta duração, em alojamento local.
8. Na sequência da necessidade de ter de entregar a fração onde residia ao senhorio e do conhecimento das referidas cedências do arrendado dos autos em alojamento local, a ré solicitou a DD a revogação do arrendamento.
9. Tal revogação veio a ser formalizada por escrito datado de 30/06/2018 intitulado Acordo de Revogação de Contrato de Arrendamento para Fins Habitacionais, pelo qual, designadamente, a sociedade arrendatária declarou obrigar-se a entregar à ré o imóvel, livre de pessoas e bens, até ao dia 31/7/2018 (documento n.º 3 anexo à contestação, dado por integralmente reproduzido).
10. Alguns dias depois, tendo a ré tomado decisão de vender o imóvel, o irmão do autor, DD, dispôs-se a comprá-lo e a ré acedeu a concretizar tal negócio.
11. Nas negociações mantidas, a ré enfatizou que se encontrava em processo de saída de imóvel arrendado onde vivia e que se preparava para comprar imóvel onde iria viver, necessitando de celebrar escritura não após janeiro de 2019, sob pena de inviabilizar negócio em vista e não ter local onde estabelecer residência.
12. As partes negociaram, estabelecendo o preço de venda e, por conveniência do autor e seu irmão, que fosse aquele (AA) a figurar como comprador.
13. Na sequência, no dia 4 de setembro de 2018, autor e ré celebraram conjuntamente contrato de promessa de compra e venda da supra identificada fração (documento n.º 6 anexo à petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido).
--- Tradição da fração – residência no imóvel sito na ...:
14. Na sequência da revogação do contrato de arrendamento, supra referida, DD deixou de habitar na fração por alguns dias, não concretamente apurados.
15. Na negociação do contrato-promessa, a ré exigiu retirada de cláusula constante de minuta preparatória aludindo à tradição da fração ao autor, ficando estabelecido no contrato um direito de acesso deste ao imóvel.
16. A despeito do declarado no contrato-promessa, com conhecimento e autorização da ré, DD voltou a residir na fração dos autos, desde data não concretamente apurada e não posterior a 4 de setembro de 2018.
17. E na fração fez sua residência até 3 de abril de 2019.
18. No período aludido, DD viveu na fração em união de facto com o seu companheiro, EE, alternando períodos de residência na fração dos autos e em imóvel propriedade deste.
19. Sendo que, a partir de data não concretamente apurada do início do ano 2019 em que o imóvel do companheiro iniciou obras, a habitação de ambos ficou situada exclusivamente na fração dos autos.
20. Entre setembro de 2018 e abril de 2019, o autor AA pernoitou esporadicamente na fração.
21. Na sequência do contrato-promessa, a ré alterou a titularidade dos contratos de fornecimento de água e energia para seu nome.
22. Foi DD quem suportou os pagamentos decorrentes dos fornecimentos de água, gás e energia elétrica, entre setembro de 2018 e abril de 2019, enviando-lhe (ou ao autor) a ré as faturas para pagamento.
--- Sinal e seus reforços; não realização da escritura de compra e venda no dia 28 de março; promessa de aquisição de bem celebrada pela ré com terceiro:
23. No contrato-promessa supra referido foi acordado, designadamente, que a escritura de compra e venda teria lugar no mês de janeiro de 2019.
24. E que, a título de sinal e pagamento, o autor deveria pagar:
- 18.000,00€ (dezoito mil euros) com a promessa,
- 30.000,00€ (trinta mil euros) a título de reforço de sinal, em 31 de outubro de 2018,
- Os remanescentes 243.000,00€ (duzentos e quarenta e três mil euros) na data da realização da escritura de compra e venda.
25. O contrato-promessa foi, posteriormente, objeto de quatro adendas, com o seguinte teor:
- Adenda de 30 de outubro 2018, que alterou para 8 de novembro a data de entrega do reforço de sinal de € 30.000,00 (trinta mil euros) – documento 9 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido;
- Adenda com data de 30 de janeiro de 2019, que alterou a data da escritura para fevereiro de 2019 – documento 10 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido;
- Adenda de 4 de março de 2019, que estabeleceu um reforço de sinal, a pagar em 1 de março de 2019, no valor de €100.000,00 (cem mil euros), estabelecendo a data da escritura em 15 de março de 2019 – documento 11 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido;
- Adenda com data de 15 de março de 2019, que estabeleceu que a escritura publica de compra e venda seria realizada no dia 28 de março, pelas 15h30m – documento 12 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido.
26. Estas adendas foram aceites pela ré, sempre a pedido do autor ou do seu irmão DD, em resultado de incapacidade financeira de prestar sinal, fazer o seu reforço ou realizar a escritura pagando o remanescente do preço.
27. Por comunicações de 18/12/2018, 17/1/2019, a ré declarou ao autor, e ao seu irmão DD, a necessidade de ser agendada escritura até 31/1/2019 e ter compromissos inadiáveis (e o mais que consta dos documentos 19, 20, anexos à contestação e aqui dados por reproduzidos).
28. O autor, ou o seu irmão DD, não responderam a estas comunicações.
29. No dia 28/1/2019 a ré enviou nova comunicação solicitando o agendamento de escritura (e o mais que consta do documento 21 anexo à contestação e aqui dado por reproduzido).
30. Nesse dia 28/1, o autor contactou a ré solicitando o adiamento da escritura, o que vieram a comunicar reciprocamente por escrito (nos termos do documento n.º 22 anexo à petição contestação, dado por reproduzido).
31. Na sequência, foi elaborada a segunda adenda ao contrato-promessa, acima referida (estabelecendo que a escritura deveria ser realizada no mês de fevereiro).
32. No dia 21/2/2019, o autor enviou comunicação eletrónica à ré, dando conta que a escritura se encontrava agendada para o dia 28/2/2019 (e o mais que consta do documento n.º
23 anexo à contestação, dado por reproduzido).
33. Nesse dia 28/2/2019 o autor solicitou à ré novo adiamento da escritura, neste caso para o dia 8 de março, declarando comprometer-se a fazer um reforço de sinal de 200 000,00€ (duzentos mil) – e o mais que consta do documento n.º 24 anexo à contestação, dado por reproduzido.
34. Na sequência, foi elaborada a 3.ª adenda ao contrato-promessa, supra referida, (que estabeleceu nova data de escritura e reforço de sinal de €100 000).
35. No dia 28 de março 2019, o autor, o seu irmão ou alguma das empresas familiares não dispunham de meios financeiros para pagar o remanescente preço do negócio (143 000,00€).
36. Nesse dia, o autor e DD deslocaram-se ao banco onde trabalhava o gerente das contas das empresas para, por via de adiantamentos a descoberto nas contas das sociedades, conseguirem disponibilidade financeira para proceder a tal pagamento.
37. À hora marcada para a escritura pública (15h30m), AA e DD ainda realizavam diligências no sentido de tentar que tal adiantamento se concretizasse.
38. O autor ou o irmão DD não se deslocaram ao notário e nada disseram à ré, tendo sido elaborado por profissional do cartório documento intitulado certificado de não comparência (documento n.º 33 anexo à contestação, dado por reproduzido).
39. Consta da cláusula 4ª nº 4 do contrato-promessa que, não se realizando a escritura na data aprazada, esta ficará automaticamente agendada para o 15.º dia útil seguinte, no caso correspondente a 18 de abril de 2019.
40. No dia 14/2/2019 a autora17 celebrou com terceiro contrato pelo qual declarou prometer comprar imóvel sito na ..., em ..., ter pago sinal de 38 000,00€ (trinta e oito mil) e que a escritura deveria ser celebrada até dia 13 de maio de 2019 (e o mais que consta do documento n.º 34 da contestação, dado por reproduzido).
--- A retomada de posse da fração, pela ré, a 3 de abril de 2019:
41. No dia 3 de abril de 2019 a ré dirigiu-se à fração dos autos, tocou a campainha e, não se encontrando ninguém presente, entrou sem autorização do autor ou de DD e trocou a fechadura da porta.
42. Depois de o ter feito, contactou telefonicamente DD dizendo-lhe que ficaria a ocupar o imóvel até que fosse feita escritura com pagamento do remanescente do preço.
43. DD pediu à ré, nesse contacto telefónico, que abandonasse imediatamente a sua casa, para onde se dirigiu na companhia do irmão AA, aqui autor.
44. Aí chegados, após constatar a troca de fechaduras, DD chamou a Polícia de Segurança Pública (PSP) ao local.
45. A ré, na presença da autoridade policial, recusou entregar as chaves da fração ao autor ou a DD, permitindo apenas que o autor e seu irmão acedessem ao interior do imóvel para retirarem alguns bens pessoais de higiene e vestuário (nos demais termos constantes do auto elaborado, junto como documento n.º 17, aqui dado por inicialmente reproduzido).
46. Desde tal data, não mais o autor, DD ou o companheiro deste, EE, entraram na fração.
47. A ré, desde tal data, não entregou ao autor ou a DD chave de acesso à fração, recusando-se a fazê-lo.
48. A ré elaborou uma lista dos bens que encontrou no interior da fração e que sabia não eram de sua pertença (documento n.º 15 anexo à petição inicial, dado por reproduzido).
49. Tais bens foram encaixotados e depositados pela ré em espaço situado na instituição onde trabalha (Casas de ...), aí sendo entregues ao autor e a DD, no dia 7 de maio de 2019.
50. De entre os bens encontrados no interior da fração estavam batas e vinhetas médicas, passaporte e cartão bancário pertencentes a EE.
51. O companheiro de DD, EE, é médico de profissão, exercendo, além de prática privada, como médico de família no Centro de Saúde que abrange a área da ....
52. O autor, ou DD, não comunicaram à ré que vivia na fração o referido médico EE.
53. DD e EE sentiram-se vexados e afetados na sua intimidade por terem sido impedidos de aceder à sua habitação.
54. Na sequência da impossibilidade de acesso à fração, DD arrendou outro imóvel, onde foi viver com EE.
55. DD, EE e o autor adquiriram roupas e calçado nos dias imediatos a terem sido impedidos de aceder à residência acima referida.
--- Comunicações mantidas entre autor (e/ou DD), e a ré, entre 4 e 18 de abril de 2019:
56. No dia 4 de Abril de 2019, o autor enviou carta registada com aviso de receção, à ré, na qual designadamente, declarou alertá-la para a gravidade do incumprimento contratual em que incorrera, exortando-a a pôr-lhe termo através da imediata devolução das chaves do imóvel, sob pena de, nos termos do contrato, considerar o contrato definitivamente incumprido e ser-lhe exigida devolução em dobro do sinal pago (documento n.º 18 junto à petição inicial, dado por integralmente reproduzido).
57. Nos dias 2 e 3 de abril de 2019, a ré enviou cartas dirigidas ao autor, remetidas para o seu domicílio pessoal e profissional (cópias juntas como documentos n.º 35 e 37, anexos à contestação, dados por reproduzidos), declarando solicitá-lo a marcar nova data para a escritura, no prazo de oito dias, sob pena de resolução do contrato.
58. Tais comunicações apenas foram recebidas pelo autor após 18 de abril, tendo inicialmente sido recusadas no domicílio pessoal e não entregues no profissional (documento n.º 36 e 37, anexos à contestação, dados por reproduzidos).
59. No dia 11 de abril de 2019, a ré enviou resposta, por correio eletrónico, dizendo, além do mais que consta do documento 19, aqui dado por integralmente reproduzido, que é completamente falso que tenha ficado privado do uso do imóvel sito na Rua ... (…) uma vez que não tinha qualquer título legítimo para, como alega, habitar no referido imóvel. Recordo que o imóvel em questão é minha propriedade e minha residência fiscal, não necessitando, por isso, de qualquer autorização para aceder ao mesmo. (…) Mais informo, que (…) irei comparecer, no próximo dia 18, às 15.30h, no Cartório Notarial CC, para realização da escritura pública de compra e venda, que corresponde ao 15º dia útil seguinte à data da escritura inicialmente marcada e à qual V. Exa. não compareceu.
60. O autor respondeu por correio eletrónico de 15 de abril de 2019 declarando, além do mais, o que consta do documento n.º 20 anexo à petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido, que a audácia tem limites, que a senhora ultrapassou por completo no passado dia 3 de abril ao violar o nosso domicilio e que agora reitera no email que me dirigiu. Como se atreve a negar que me tenha privado do uso legitimo, consentido e titulado que conjuntamente com o meu irmão, faço do imóvel, ininterruptamente, há de 2 anos, acedendo ao nosso domicílio, contra a nossa vontade e privando-nos do seu uso! (…) ao contrário do que afirma e que apenas agora percebemos, tais imposições tinham em vista a mudança da sua residência fiscal para o imóvel, criando uma aparência de realidade, certamente com o objetivo de minimizar o futuro pagamento de mais valias aquando da sua venda. (…) A sua postura, em que insiste, constitui efetivo incumprimento contratual, cuja persistência, associada ao vexame por que nos fez passar junto dos vizinhos põem em crise o negócio que celebramos.
61. A ré respondeu por novo correio eletrónico datado de 16 de abril de 2019 declarando, além do mais que consta do documento 21 anexo à petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido, que fico perplexa porém, com a sua falta de vontade de resolver esta questão, problema gravíssimo para V. Exa. e somente por si criado. Lembro que desde o primeiro dia, que demonstro disponibilidade para as suas dificuldades e constantes mudanças de compromisso, deixando-me em situações muito aflitivas, nomeadamente cheques sem provisão, adiamento permanente de pagamentos, não comparências nos locais combinados e pior ainda, em alturas de compromisso, não comparecer nem sequer tentar contactar-me para resolver situações criadas por si, com tais adiamentos. Pior ainda, no dia da escritura, a não comparência sem qualquer comunicação ou explicação (…) Dito isto, continuo de boa-fé, à disposição para a solução deste problema, aguardando V. Exa. no dia 18 do corrente mês, às 15h30, no notário por vós escolhido para a realização da escritura.
62. No dia 17 de abril de 2019, o autor, enviou à Ré, que a recebeu, carta registada com aviso de receção, com o teor da cópia junta como documento n.º 22, aqui dado por integralmente reproduzido, declarando comunicar resolução do contrato-promessa de compra e venda, pelo seu incumprimento contratual, exigindo-lhe a devolução do sinal por si pago, em dobro (…) diga-se 296 000,00€ a pagar em oito dias para a conta bancária com IBAN PT ...86 1.
63. No dia 18 de abril de 2019, a ré remeteu novo correio eletrónico ao autor (documento n.º 23 anexo à petição inicial, dado por integralmente reproduzido), declarando, além do mais, que informo que não aceito a resolução do contrato, uma vez que a mesma se baseia em factos que não correspondem à verdade. (…) Não aceito também, a proposta apresentada ontem ao final do dia, pelo seu advogado, Dr. FF, ao meu advogado, Dr. GG, na redução do preço acordado (…) de 291.000,00 euros para 225.000,00 euros. Assim, comparecerei hoje, no Cartório Notarial CC, às 15h30, para a realização da escritura pública de compra e venda.
64. Respondeu o autor, nesse mesmo dia, também por correio eletrónico (documento n.º 24 anexo à petição inicial, dado por integralmente reproduzido) que muito estranho que o seu advogado, Dr. GG, não tenha transmitido a minha instrução primordial para a possibilidade de voltar a reatar qualquer negociação consigo, à qual apenas acedi, pela pressão do meu advogado no âmbito das conversações entre os nossos advogados. A condição que desde sempre impus, foi que a senhora reconhecesse o erro em que incorreu, me apresentasse um pedido formal de desculpas diante de cada um dos vizinhos, perante os quais me sinto, juntamente com o meu irmão, bastante vexado atento o tempo a que estamos no imóvel (…) Não se trata de uma questão de preço, mas antes uma questão de honra, sendo que o preço apalavrado pelos nossos mandatários representa uma redução de metade do dobro do sinal a que tenho direito. Encontramo-nos então no cartório. Melhores cumprimentos.
--- Não realização da escritura a 18 de abril e factos posteriores:
65. No dia 18 de abril de 2019, autor e ré compareceram no cartório notarial, não tendo outorgado qualquer escritura.
66. A ré manteve que celebraria escritura pelo preço indicado na promessa (291 000,00€).
67. O autor manteve que apenas celebraria escritura pelo preço de 225 000,00€, acompanhado de um pedido de desculpas da ré.
68.18
69. No dia 6 de maio de 2019, por meio de escritura pública, a ré vendeu a fração autónoma à Sociedade ..., S.A., representada pelo seu administrador único, Sr. HH (cópia junta como documento 27 anexo à petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido).
70. HH é amigo de longa data e antigo companheiro da ré, tendo aceitado comprar tal fração, para a revender sem lucro, por forma a permitir que a ré honrasse compromisso de compra de imóvel que havia prometido a terceiro.
71. Em outubro de 2019, o autor e o seu irmão DD apresentaram contra a ré queixa criminal imputando-lhe a prática de crime de violação de domicílio e de crime de dano (documento n.º 28 anexo à petição inicial, aqui dado por reproduzido).
72. A ré não restituiu ou pagou ao autor qualquer quantia a título de sinal.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA
i. Que o autor AA alguma vez tenha mantido residência na fração;
ii. Que a revogação do contrato de arrendamento e a negociação da compra e venda tenha sido simultânea;
iii. Que a ré tenha exigido, para celebração da promessa, a revogação do contrato de arrendamento, que a venda se concretizasse apenas no ano fiscal seguinte, isto é, a partir de janeiro de 2019, e a mudança do seu domicílio fiscal para o imóvel até à celebração da escritura;
iv. Que, após 3 de abril de 2019, não mais a ré permitiu o acesso ao imóvel a autor ou DD;
v. Que após setembro de 2018 o autor ou o seu irmão tenham cedido a fração em alojamento local;
vi. Que o apossamento da fração pela ré, a 3 de abril, tenha causado grande impacto público junto da vizinhança;
vii. Que, em abril de 2019, na fração dos autos, o folheto de promoção da fração, dando as boas-vindas em várias línguas, informando o “AA Phone 351 ...08” e a senha de acesso ao wifi se encontrasse em local visível.
viii. O autor, o seu irmão DD, ou qualquer das sociedades familiares, não dispunham, a 18 de abril, de meios financeiros para pagar o remanescente do preço indicado no contrato promessa (143 000,00€).
2.3. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso19 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER SE É ADMISSÍVEL RECORRER DE REVISTA DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO QUE CONFIRMOU A DECISÃO CONDENATÓRIA DA 1ª INSTÂNCIA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
O recorrente alegou que “o seu comportamento nos autos, designadamente das peças processuais por ele apresentadas, não é suscetível de integrar qualquer conceito de litigância de má-fé, devendo, por isso, ser absolvido da condenação de que foi alvo”.
Vejamos a questão.
Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé – art. 542º/1, do CCivil.
Da decisão condenatória nesta sede é sempre admissível a recurso em um grau, independentemente do valor da causa. A decisão proferida em 1ª instância admite sempre recurso de apelação relativamente à condenação em litigância de má-fé, assim como ocorre se a condenação for decidida pela relação20,21.
Ainda que o valor da causa supere a alçada da relação, a parte que tenha sido penalizada não pode interpor recurso de revista que abarque essa questão, regime que compatibiliza a tutela do visado (carecida, nesta parte, de um duplo grau de jurisdição) com a natureza marginal da questão22,23.
Temos, pois, que não será admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do tribunal da Relação que confirmou a decisão condenatória da 1ª instância por litigância de má-fé24,25,26,27,28,29.
Assim, tendo o recorrente/autor sido condenado como litigante de má-fé pela 1ª instância e tendo essa condenação sido confirmada pela 2ª instância, encontra-se esgotada, uma vez não convocado qualquer regime de revista extraordinária, a possibilidade de tal questão ser objeto de revista.
Conclui-se, portanto, que se encontrando a condenação como litigante de má-fé definitivamente decidida, a mesma não pode integrar o objeto do presente recurso de revista, razão pela qual, dela não se conhece.
2.) SABER SE HÁ INCUMPRIMENTO DEFINITIVO DO “CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA” POR CULPA EXCLUSIVA DA RÉ, POR TER MUDADO A FECHADURA DA PORTA DO IMÓVEL OBJETO DO CONTRATO, IMPEDINDO, DESTE MODO, O AUTOR DE ACEDER AO MESMO, CONFERINDO-LHE, POR ISSO, O DIREITO A EXIGIR EM DOBRO A QUANTIA QUE PRESTOU A TÍTULO DE SINAL E PRINCÍPIO DE PAGAMENTO.
O recorrente alegou que “o comportamento da ré, ao mudar a fechadura da porta do imóvel impedindo o autor e o seu irmão de aceder à casa onde viviam, pondo assim termo à tradição do imóvel, sem prejuízo da gravidade do mesmo, constitui-a em mora, porquanto, pôs termo ao cumprimento de uma obrigação continuada ou de cumprimento continuo a que estava vinculada”.
Mais alegou que “a cláusula 7.º número 1 do contrato promessa celebrado entre as partes estabelece que qualquer das partes tem direito de resolver o contrato promessa em caso de incumprimento pela outra parte, de qualquer obrigação prevista no mesmo, se após a interpelação para remediar o incumprimento, obrigação contratual em causa não for cumprido no prazo de 10 dias, o que constitui uma clausula resolutiva expressa do contrato”.
Alegou ainda que “O incumprimento da obrigação de assegurar o gozo da coisa traduz numa situação de justa causa por quebra de confiança, fundada em violação do princípio da boa-fé, que justifique o exercício do direito de resolução do contrato, sendo, por isso, proporcional e equilibrada a interpolação admonitória e a subsequente resolução, perante a violação de uma obrigação continuada e de caráter essencial para o seu credor decorridos meses de execução contratual”.
Vejamos a questão.
Contrato-promessa é a convenção pela qual ambas as partes, ou, apenas uma delas, se obrigam a celebrar determinado contrato – art. 410.º/1, do CCivil.
A resolução do contrato pode ter fundamento legal ou convencional – art. 442.º/1, do CCivil.
Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível – art. 442º/1, do CCivil.
Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago – art. 442º/2, do CCivil.
Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação – art. 801º/1, do CCivil.
Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação – art. 808º/1, do CCivil.
A perda do interesse na prestação é apreciada objetivamente – art. 808º/2, do CCivil.
Contrato-promessa de compra e venda
A função do contrato-promessa consiste em vincular as partes a uma prestação futura, isto é, em obrigar à conclusão de um contrato futuro, que por agora se não quer ou se não pode realizar, sendo certo ainda que o seu objeto próprio não é o objeto do contrato a concluir, mas a conclusão dele30.
Diz-se contrato prometido ou definitivo aquele cuja realização se pretende (compra e venda, sociedade, locação, mandato, etc.)31.
O contrato-promessa pode assim qualificar-se como um contrato preliminar que tem por objeto a celebração de um outro contrato, o contrato prometido32.
Assim, face à matéria fáctica, entre as partes foi celebrado um “Contrato Promessa de Compra e Venda de fração autónoma”.
Incumprimento do contrato-promessa de compra e venda
O legislador configurou diversas situações em que consagrou expressamente o direito à resolução (v.g. artigos 270.º, 437.º, 891.º, 966.º, 1140.º, 1150.º e 2248.º, todos do CCivil).
Entre elas se contam as de impossibilidade definitiva da prestação imputável ao devedor, no âmbito de contratos bilaterais. É o que resulta dos artigos 798.º e 801.º/2: o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação toma-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, sendo certo que, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, face à impossibilidade do cumprimento pode, independentemente do direito à indemnização, resolver o contrato.
Situação diversa do não cumprimento definitivo é a mora do devedor que ocorre quando a prestação, ainda possível, não foi cumprida no tempo devido, por causa imputável àquele (art. 804.º/2, do CCivil).
A mora, nos termos do art. 804º/1 do CCivil, apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, mas não lhe confere o direito à resolução do contrato.
Além das situações de não observância de prazo fixo absoluto, contratualmente estipulado, o carácter definitivo do incumprimento do contrato-promessa verifica-se nas três hipóteses seguintes:
a) se, em consequência de mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação;
b) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realizar a prestação em falta;
c) se o devedor declarar inequívoca e perentoriamente ao credor que não cumprirá o contrato33,34,35.
Ou seja, a mora poderá converter-se em não cumprimento definitivo, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação (perda de interesse apreciada objetivamente), ou, esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor (art. 808.º, nº1/2, do CCivil).
Nestes dois casos, a demora culposa no cumprimento da obrigação determinará, para o contraente faltoso, a obrigação de indemnizar os danos causados ao credor e confere a este o direito à resolução do negócio.
A perda do interesse do credor é apreciado objetivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta, a justificá-lo, «um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas» e a sua correspondência à «realidade das coisas»36.
Quando tal não ocorra, deve entender-se que o contrato continua a ter interesse para as partes - o interesse do credor mantém-se - apesar da mora, e esta só pode converter-se em incumprimento definitivo se a prestação não vier a ser realizada em «prazo razoavelmente fixado pelo credor», sob a cominação estabelecida no preceito legal - interpelação admonitória ou cominatória37.
Este regime é inteiramente aplicável ao contrato-promessa de compra e venda, tendo este, no entanto, um regime específico ao nível das sanções aplicáveis ao não cumprimento, quando tenha havido lugar à constituição de sinal.
Efetivamente, neste caso, quando se verifique uma situação de incumprimento imputável a quem prestou o sinal, permite a lei que aquele que o recebeu o faça seu e, verificando-se o incumprimento definitivo da parte que recebeu o sinal, confere a quem o prestou a faculdade de exigir o dobro do que prestou (artigos 441.º e 442.º/2, do CCivil).
A retenção do sinal pelo contraente que o recebe ou a sua restituição em dobro ao contraente que o constitui sempre foram entendidas, não como uma indemnização moratória, mas antes como uma indemnização pelo não cumprimento definitivo do contrato. Só quando uma das partes desiste do contrato que origina culposamente uma situação de não cumprimento definitivo, é que o outro contraente deve poder exercer, em relação ao sinal, o direito de fazer seu ou de exigir a respetiva restituição em dobro, conforme se trate do accipiens ou do tradens38.
A aplicação das sanções previstas no art. 442.º/2, do CCivil, pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa, não bastando a simples mora39,40,41.
A perda do sinal pelo promitente-comprador faltoso só se justifica no caso de incumprimento definitivo, que não perante a simples mora42,43,44.
A mora poderá também converter-se em incumprimento definitivo quando a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.
Confere-se ao credor a possibilidade de impor à outra parte um prazo para cumprir, como meio de obter a realização efetiva da prestação a que tem direito ou de obter uma definição clara da situação de incumprimento que lhe permita exercitar os direitos que a lei confere ao contraente cumpridor perante o não cumprimento definitivo da obrigação que impende sobre a outra parte (designadamente o direito a resolver o contrato).
Por outro lado, impondo-se ao credor a necessidade de proceder à interpelação admonitória do devedor para converter a mora em não cumprimento definitivo, tem o devedor a garantia de que o credor não pode desencadear contra ele nenhuma das sanções ou providências correspondentes ao incumprimento, enquanto lhe não der uma nova e derradeira possibilidade de cumprir a obrigação, pondo termo à sua negligência.
A interpelação admonitória consagrada no art. 808.º constitui uma ponte essencial de passagem do atravessadouro (lamacento e escorregadio) da mora para o terreno (seco e limpo) do não cumprimento definitivo da obrigação45.
A interpelação admonitória envolve os elementos da intimação para o cumprimento; da fixação de um termo perentório para o cumprimento e da declaração de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, se não se verificar o cumprimento dentro do prazo fixado46.
Deve, também, considerar-se que o prazo é razoável, se foi fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, permite ao devedor cumprir o seu dever de prestar.
Tanto a mora como o não cumprimento definitivo poderão ter origem no decurso do prazo contratualmente fixado para a prestação, sem que esta se mostre cumprida.
Neste ponto, tem-se entendido que o prazo fixado em contrato-promessa para a celebração do contrato prometido tanto pode ser absoluto como relativo.
Sendo absoluto (o que sucederá quando as partes fixarem um prazo para o cumprimento de determinada obrigação de modo que a prestação seja efetuada dentro dele, sob pena de o negócio já não ter interesse para o credor), decorrido o prazo para a celebração do contrato prometido sem que este seja realizado, caduca o contrato-promessa. Sendo relativo, determina a simples constituição em mora, conferindo ao credor o simples direito a pedir o cumprimento, a sua resolução (verificados os demais pressupostos legais) ou a indemnização legal moratória47.
Mas, independentemente de haver interpelação admonitória, poderá o incumprimento definitivo do contrato-promessa ser resultado de uma antecipada perceção de que o contrato prometido não será concretizado, mediante a apreciação do comportamento ativo ou omissivo da contraparte.
Tal será, v.g., a situação da declaração de um dos promitentes de que não irá cumprir ou não o poderá fazer, traduzindo uma posição de objetiva recusa de cumprimento, sem necessidade de qualquer interpelação admonitória, fixação de algum prazo adicional ou invocação de qualquer outro fator revelador da falta de interesse objetivo no prosseguimento do relacionamento contratual.
Assinala-se uma outra hipótese de incumprimento definitivo do contrato: a que advém de uma declaração inequívoca de não cumprimento por parte do devedor48.
Como exemplos de recusa categórica de cumprimento, temos a declaração de resolução ilegítima, a apresentação de uma proposta com condições inaceitáveis de cumprimento, a apresentação de uma reivindicação arbitrária, o começo de negociação com terceiro ou até a inércia em preparar o cumprimento (não eliminando os encargos existentes ou não obtendo a documentação essencial)49.
– No dia 4 de setembro de 2018, autor e ré celebraram conjuntamente contrato de promessa de compra e venda da supra identificada fração (documento n.º 6 anexo à
petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido) – facto provado nº 13.
– Na negociação do contrato-promessa, a ré exigiu retirada de cláusula constante de minuta preparatória aludindo à tradição da fração ao autor, ficando estabelecido no contrato um direito de acesso deste ao imóvel – facto provado nº 15.
– A despeito do declarado no contrato-promessa, com conhecimento e autorização da ré, DD voltou a residir na fração dos autos, desde data não concretamente apurada e não posterior a 4 de setembro de 2018 – facto provado nº 16.
– No contrato-promessa foi acordado, designadamente, que a escritura de compra e venda teria lugar no mês de janeiro de 2019 – facto provado nº 23.
– E que, a título de sinal e pagamento, o autor deveria pagar:
- 18 000,00€ (dezoito mil euros) com a promessa,
- 30 000,00€ (trinta mil euros) a título de reforço de sinal, em 31 de outubro de 2018,
- Os remanescentes 243 000,00€ (duzentos e quarenta e três mil euros) na data da realização da escritura de compra e venda – facto provado nº 24.
– O contrato-promessa foi, posteriormente, objeto de quatro adendas, com o seguinte teor:
- Adenda de 30 de outubro 2018, que alterou para 8 de novembro a data de entrega do reforço de sinal de € 30 000,00 (trinta mil euros) – documento 9 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido;
- Adenda com data de 30 de janeiro de 2019, que alterou a data da escritura para fevereiro de 2019 – documento 10 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido;
- Adenda de 4 de março de 2019, que estabeleceu um reforço de sinal, a pagar em 1 de março de 2019, no valor de €100 000,00 (cem mil euros), estabelecendo a data da escritura em 15 de março de 2019 – documento 11 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido;
- Adenda com data de 15 de março de 2019, que estabeleceu que a escritura publica de compra e venda seria realizada no dia 28 de março, pelas 15h30m – documento 12 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido – facto provado nº 25.
– Estas adendas foram aceites pela ré, sempre a pedido do autor ou do seu irmão DD, em resultado de incapacidade financeira de prestar sinal, fazer o seu reforço ou realizar a escritura pagando o remanescente do preço – facto provado nº 26.
– O autor ou o irmão DD não se deslocaram ao notário e nada disseram à ré, tendo sido elaborado por profissional do cartório documento intitulado certificado de não comparência (documento n.º 33 anexo à contestação, dado por reproduzido) – facto provado nº 38.
– Consta da cláusula 4ª nº 4 do contrato-promessa que, não se realizando a escritura na data aprazada, esta ficará automaticamente agendada para o 15.º dia útil seguinte, no caso correspondente a 18 de abril de 2019 – facto provado nº 39.
– No dia 3 de abril de 2019 a ré dirigiu-se à fração dos autos, tocou a campainha e, não se encontrando ninguém presente, entrou sem autorização do autor ou de DD e trocou a fechadura da porta – facto provado nº 41.
– Depois de o ter feito, contactou telefonicamente DD dizendo-lhe que ficaria a ocupar o imóvel até que fosse feita escritura com pagamento do remanescente do preço – facto provado nº 42.
– A ré, desde tal data, não entregou ao autor ou a DD chave de acesso à fração, recusando-se a fazê-lo – facto provado nº 47.
– No dia 4 de Abril de 2019, o autor enviou carta registada com aviso de receção, à ré, na qual designadamente, declarou alertá-la para a gravidade do incumprimento contratual em que incorrera, exortando-a a pôr-lhe termo através da imediata devolução das chaves do imóvel, sob pena de, nos termos do contrato, considerar o contrato definitivamente incumprido e ser-lhe exigida devolução em dobro do sinal pago (documento n.º 18 junto à petição inicial, dado por integralmente reproduzido) – facto provado nº 56.
– No dia 17 de abril de 2019, o autor, enviou à Ré, que a recebeu, carta registada com aviso de receção, com o teor da cópia junta como documento n.º 22, aqui dado por integralmente reproduzido, declarando comunicar resolução do contrato-promessa de compra e venda, pelo seu incumprimento contratual, exigindo-lhe a devolução do sinal por si pago, em dobro (…) diga-se 296.000,00€ a pagar em oito dias para a conta bancária com IBAN PT ...86 1 – facto provado nº 62.
– No dia 18 de abril de 2019, a ré remeteu novo correio eletrónico ao autor (documento n.º 23 anexo à petição inicial, dado por integralmente reproduzido), declarando, além do mais, que informo que não aceito a resolução do contrato, uma vez que a mesma se baseia em factos que não correspondem à verdade. (…) Não aceito também, a proposta apresentada ontem ao final do dia, pelo seu advogado, Dr. FF, ao meu advogado, Dr. GG, na redução do preço acordado (…) de 291.000,00 euros para 225.000,00 euros. Assim, comparecerei hoje, no Cartório Notarial CC, às 15h30, para a realização da escritura pública de compra e venda – facto provado nº 63.
– No dia 18 de abril de 2019, autor e ré compareceram no cartório notarial, não tendo outorgado qualquer escritura – facto provado nº 65.
– A ré manteve que celebraria escritura pelo preço indicado na promessa (291 000,00€) – facto provado nº 66.
– O autor manteve que apenas celebraria escritura pelo preço de 225 000,00€, acompanhado de um pedido de desculpas da ré – facto provado nº 67.
Face à matéria de facto, a escritura de compra e venda deveria ser celebrada em 28 de março, pelo que, não tendo o autor comparecido no local da sua realização, esta ficou automaticamente agendada para o 15.º dia útil seguinte, no caso, correspondente a 18-04-2019 (facto provado nº 39).
Porém, em 04-04-2019, o recorrente/autor comunicou à recorrida/ré, “a gravidade do incumprimento contratual em que incorrera, exortando-a a pôr-lhe termo através da imediata devolução das chaves do imóvel, sob pena de, nos termos do contrato, considerar o contrato definitivamente incumprido e ser-lhe exigida devolução em dobro do sinal pago”.
E, em 17-04-2019, o recorrente/autor comunicou à recorrida /ré, “a resolução do contrato-promessa de compra e venda, pelo seu incumprimento contratual, exigindo-lhe a devolução do sinal por si pago, em dobro”.
É certo que pressuposto da resolução é, em regra, o incumprimento da obrigação principal, a realização do contrato prometido50,51.
Quando não esteja em causa o incumprimento dessa obrigação (como será o caso dos autos), haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do contrato.
Sem perder de vista que qualquer desvio do clausulado representa um incumprimento, não pode deixar de se ter em conta a respetiva repercussão no todo contratado.
A par de obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais, se apresentam como instrumentais do exato cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projetando, outras há que surgem como autónomas ou "desvinculadas" da obrigação da contraparte, como sucede com as prestações que se traduzem em efeitos antecipados do contrato prometido52.
Tais obrigações não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, razão por que só devem considerar-se fundamento de resolução quando se detete um vínculo funcional entre o cumprimento dessas prestações e as demais obrigações emergentes do contrato em termos tais que o incumprimento de umas justifica o ulterior incumprimento das outras53.
Assim, só deverão admitir-se como causa legal de resolução os inadimplementos em que se verifique um nexo de instrumentalidade entre as prestações que afete a evolução da execução contratual pondo em crise a viabilização do seu objetivo final54.
Num contrato promessa de compra e venda de imóvel, a tradição do imóvel que constitui o objeto do contrato-promessa, embora surja frequentemente associada à celebração da promessa, não é um efeito necessário desta, mas um efeito da eficácia translativa do direito própria do contrato prometido, pelo que, ainda que coexista com o contrato-promessa, a tradição da coisa não é efeito deste, mas resultado de uma convenção negocial complementar ao contrato-promessa através da qual os promitentes antecipam os efeitos do contrato prometido, naturalmente na expectativa e com a confiança de que este irá ser celebrado.
No caso, o incumprimento da obrigação de utilização do imóvel pela ré, só poderá considerar-se fundamento de resolução do contrato promessa pelo autor, se aquele incumprimento justificar um ulterior incumprimento do contrato por inviabilizar, ou pôr em crise, a sua realização.
Estando em causa a resolução contratual, importa, em primeiro lugar, atender à vontade das partes manifestada no teor do contrato por si celebrado.
Ora, a referência ao incumprimento de “qualquer obrigação prevista no contrato”, como causa de resolução do contrato, ainda que “após interpelação à parte inadimplente para cumprir a prestação em falta”, é demasiado genérica e indeterminada para poder fundar o direito de resolução55,56,57.
A chamada cláusula resolutiva expressa “deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada, do tipo “em caso de inadimplemento de qualquer obrigação surgida no presente contrato, este considera-se resolvido”58.
Tal cláusula incluída no contrato-promessa celebrado pelas partes será afinal uma «cláusula de estilo», devendo entender-se que ela se limita a remeter para a regulamentação legal da resolução por incumprimento59.
Concluindo, importa interpretar a cláusula convencionada pelas partes de acordo com o regime legal em vigor, apenas havendo direito a interpelar a outra parte e resolver o contrato se a obrigação violada for essencial para o cumprimento do mesmo, sob pena de, se assim não se interpretar, se abrir a porta à resolução dos contratos pela violação de obrigações que não impedem o cumprimento da obrigação principal, com manifesto abuso de direito.
Assim, tem o recorrente/autor o ónus de alegar e provar o fundamento que justificou a resolução contratual, sendo que, conforme previsto no art. 801º/1/2, do CCivil, constitui fundamento legal de resolução a impossibilidade de cumprimento do contrato decorrente de incumprimento definitivo.
Para tal, o recorrente fundamentou a resolução do contrato-promessa “no comportamento da ré, ao mudar a fechadura da porta do imóvel impedindo-o a si e ao seu irmão de aceder à casa onde viviam, pondo assim termo à tradição do imóvel, sem prejuízo da gravidade do mesmo, constitui-a em mora, porquanto, pôs termo ao cumprimento de uma obrigação continuada ou de cumprimento continuo a que estava vinculada”.
Independentemente de saber se a tradição da coisa foi incluída no texto do contrato, atenta a redação da cláusula 4ª/5 (“a parte vendedora autoriza que a parte compradora tenha acesso ao imóvel”60), e face à matéria de facto provada61, temos de concluir que o contrato-promessa foi acompanhado da tradição da coisa para o promitente-comprador.
Porém, a entrega antecipada do imóvel na vigência do contrato-promessa, não é um efeito do contrato-promessa, resultando de uma convenção de natureza obrigacional lateral entre o promitente-vendedor (dono da coisa) e o promitente-vendedor62,63,64.
Assim, os efeitos jurídicos da tradição da coisa encontram-se indexados ao regime e às vicissitudes do contrato prometido, de cujos efeitos são uma convenção negocial antecipatória, e não do contrato-promessa, ainda que a sua existência não deixe de interferir e condicionar o regime do contrato-promessa65,66.
Temos, pois, que tal acordo passou a vigorar, autonomamente entre o recorrente/autor e a recorrida/ré, sem qualquer dependência do contrato-promessa entre ambos celebrado.
Aliás, o próprio recorrente/autor qualifica a obrigação de entrega do imóvel a cargo da recorrida/ré no âmbito do contrato-promessa como uma “obrigação “acessória”.
Ora, a conduta da ré, ao mudar deliberadamente a fechadura da porta de entrada do imóvel, impedindo o autor de entrar no prédio, consubstancia um incumprimento culposo dessa obrigação de tradição da coisa que, como resulta do vínculo contratual entre as partes, deveria manter-se até à celebração do contrato definitivo de compra e venda67.
Importa, assim, apurar se o incumprimento desta obrigação de manter a tradição da coisa para o recorrente, até à celebração do contrato definitivo, fez a recorrida entrar em mora no cumprimento do contrato-promessa e, não tendo restituído o imóvel no prazo de 10 dias estabelecido contratualmente, após a interpelação admonitória realizada pelo autor, constitui um fundamento válido à luz do contrato e do regime legal aplicável, para a resolução contratual68,69.
No contrato-promessa celebrado entre as partes, a obrigação principal assenta para ambas na obrigação de celebração do contrato prometido de compra e venda do imóvel.
Importa, pois, averiguar, em concreto, qual a relevância da tradição da coisa prometida para o recorrente na economia do contrato, de modo a se apurar da repercussão do incumprimento dessa obrigação acessória no todo contratado.
Ora, atendendo ao teor do contrato e às relações entre as partes nos termos constantes da matéria de facto provada, podemos concluir, como os tribunais a quo, de que a tradição do imóvel objeto do contrato para o promitente-comprador, não se afigurou como instrumental do exato cumprimento da obrigação principal, assumindo, ao invés, um carácter autónomo ou desvinculado dessa obrigação, consistindo na antecipação de um dos efeitos do contrato prometido, mas sem que integre o sinalagma específico do contrato-promessa.
Assim, não se deteta no caso dos autos um vínculo funcional entre o cumprimento dessa prestação e a obrigação principal de celebração do contrato prometido, ou seja, não se verifica um nexo de instrumentalidade entre as prestações que afete a evolução da execução contratual pondo em crise a viabilização do seu objetivo final.
E, este nexo de instrumentalidade não se reporta às necessidades de habitação do próprio recorrente ou do seu irmão, ou seja, para que a conduta da recorrida justificasse a resolução do contrato-promessa, não basta a prova do inegável prejuízo grave sofrido ao ficar privado da casa onde habitava e que corresponde a uma necessidade básica de qualquer pessoa.
Esse nexo de instrumentalidade deve estabelecer-se entre o incumprimento da recorrida e a viabilidade de satisfação da obrigação principal do contrato-promessa.
Acresce ainda dizer, que a atuação da ré não revelou intenção de não cumprir o contrato principal nem impediu tal cumprimento, antes, pelo contrário, manteve sempre a intenção de o cumprir, tendo marcado a escritura com recurso à cláusula contratual que a considerava automaticamente agendada no 15º dia útil seguinte.
Não se afigura assim, que a atuação da ré ao impedir a utilização da fração pelo autor, revista por si só, um grau de gravidade tal que fosse de molde a provocar neste uma imediata quebra de confiança suscetível de tornar inexigível a subsistência do vínculo contratual, porquanto aquela sempre manteve a intenção de cumprir o contrato promessa.
Esta obrigação (tradição ou acesso), a ter sido incumprida pela recorrida, mas não fazendo parte do núcleo essencial normativo do contrato-promessa de compra e venda, nem sendo, neste caso, instrumental da obrigação principal ou necessária à viabilização ou satisfação do interesse que levou à celebração do contrato-promessa, não poderia ser fundamento da resolução por parte do recorrente/autor.
Assim sendo, o incumprimento contratual da ré ao ter mudado as fechaduras da fração, não constitui incumprimento definitivo do contrato promessa, porque não decorreu de uma vontade de não cumprir a obrigação principal de celebrar o contrato prometido e também não foi causa de qualquer situação que levasse à perda objetiva de interesse no contrato por parte do autor.
Conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “a violação do direito à utilização do imóvel objeto de um contrato promessa de compra e venda com tradição da coisa só poderá ser considerada um incumprimento definitivo e fundamento de resolução do contrato se consistir numa atuação que se traduza numa inequívoca intenção por parte do promitente vendedor de não cumprimento da obrigação principal (celebração do contrato prometido), ou que tenha consequências que impeçam tal cumprimento”.
“O direito à resolução do contrato promessa e ao recebimento do sinal em dobro reclamado pelo autor assenta na valorização da atuação da ré como um incumprimento definitivo, ao mudar a fechadura da porta do imóvel, impedindo o autor e o irmão de aceder à casa sem a sua autorização”.
“Ora, não só as obrigações resultantes da tradição da coisa não constituem uma obrigação principal de que dependa o contrato promessa, como também, no caso concreto, a atuação da ré não revela intenção de não cumprir o contrato principal nem impede tal cumprimento, muito pelo contrário”.
“Ao atuar da forma descrita, impedindo a utilização do imóvel pelo promitente comprador, a ré violou ilicitamente o acordo de tradição do imóvel que antecipava os efeitos do contrato prometido, mas manteve sempre a intenção de cumprir o contrato promessa”70.
No que respeita ao impacto da atuação da promitente vendedora junto do promitente comprador, ao impedi-lo de aceder ao imóvel, apesar de constituir uma violação contratual e por muito desagradável que tenha sido, a mesma não é causal da não outorga da escritura, nem impedimento da realização da mesma.
Tal também foi o entendimento do tribunal a quo “no que respeita ao impacto da atuação da ré junto do promitente comprador, ao impedi-lo de aceder incondicionalmente ao imóvel, apesar de constituir uma violação contratual e por muito desagradável que tenha sido, a mesma não é causal da não outorga da escritura, nem impedimento da realização da mesma, ou seja, do cumprimento da obrigação principal do contrato celebrado entre as partes”.
“O transtorno e a situação desagradável por que passou com a troca de fechaduras (que duraria apenas 15 dias por força do clausulado no contrato e da marcação de nova escritura para o dia 18 de abril que foi efetivamente agendada), não foi de molde a fazê-lo perder objetivamente o interesse no cumprimento do contrato promessa. . Não foi alegado nem demonstrado que este incidente de incumprimento pela ré de uma obrigação antecipatória dos efeitos do contrato, tivesse por qualquer modo impedido ou alterado o objetivo interesse do promitente comprador na aquisição daquele imóvel. Na verdade, não ficou demonstrado que a privação da utilização do imóvel por 15 dias obrigasse o promitente a tomar medidas que o obrigassem a optar por outras alternativas incompatíveis com a celebração contrato prometido, tanto que o autor até chegou a aceder em celebrar o contrato prometido desde que tivesse uma redução no preço”.
Aliás, quando o recorrente em 18 de abril compareceu no cartório notarial onde se encontrava agendada a realização da escritura, propôs à ré a celebração de um novo negócio de compra e venda do imóvel, sem ligação ao anterior contrato-promessa que já havia cessado pela resolução contratual por si realizada, mas por um preço de venda mais baixo de modo a compensar o seu direito à restituição em dobro do sinal antes prestado por via do incumprimento da ré.
Ou seja, o recorrente continuava interessado na aquisição do imóvel objeto do contrato-promessa, pelo que não pode afirmar que a conduta ilícita e culposa da recorrida ao mudar a fechadura do imóvel em 03 de abril, tenha sido causal da inviabilidade de celebração do negócio definitivo.
Diversa seria a situação se o autor tivesse adquirido um outro imóvel logo após o dia em que foram mudadas as fechaduras da fração, ou, após o final do prazo de 10 dias concedido para a restituir, e antes de 18 de abril, de modo a ter um local para habitar, perdendo assim, objetivamente, o interesse na celebração do contrato prometido nessa data71.
Mas nada se alegou ou provou nesse sentido, sendo certo que o período decorrido entre 03-04 e 18-04, foi demasiado curto, e o autor continuou interessado em comprar o imóvel por um preço inferior.
A perda do interesse do credor, como motivo que gera o incumprimento definitivo, encontra-se prevista no art. 808º/1/1ª parte, do CCivil.
A perda de interesse na prestação deve ser apreciada objetivamente, isto é, não à luz da interpretação pessoal da situação feita pelo credor, mas tendo em consideração a perspetiva das coisas própria de uma entidade comum, aferindo-se a perda de interesse pela superveniente falta de utilidade da prestação adveniente da mora do devedor, na medida em que as circunstâncias que justificavam a realização do negócio prometido entretanto deixaram de existir, por razões que não se prendem exclusivamente com opções unilaterais do credor72.
A perda objetiva há de concretizar-se através de circunstâncias que provem, de modo indiscutível, o não cumprimento definitivo. Afere-se, assim, "em função da utilidade concreta que a prestação teria para o credor, não se determina [ndo] de acordo com o seu juízo arbitrário, mas considerando elemntos susceptiveis de valoração pelo comum das pessoas”73.
Concluindo, a conduta da ré ao mudar a fechadura da porta de entrada do imóvel que é objeto do contrato, não é reveladora de qualquer vontade de não querer cumprir o contrato-promessa na sua integralidade, ou seja, de não cumprir a obrigação principal de celebrar o contrato definitivo de compra e venda do imóvel.
O circunstancialismo alegado pelo recorrente, não permite ajuízar uma tal perda de interesse da sua parte, nomeadamente, em comprar o imóvel.
Por outro lado, a ré manteve sempre a intenção de cumprir o contrato promessa, pois mesmo após 03 de abril, nas comunicações trocadas com o autor, foi quem marcou a escritura com recurso à cláusula contratual que a considerava automaticamente agendada no 15º dia útil seguinte e, sendo sempre quem nessas comunicações, insistia e mencionava tal agendamento para a celebração da escritura.
Sendo que, na data agendada, a ré manteve o propósito de celebrar o contrato prometido nas condições constantes do contrato-promessa celebrado, o que só não sucedeu pela recusa do autor ao exigir a redução do preço de compra e venda do prédio e, um pedido de desculpas formal.
Esta obrigação (tradição ou acesso), a ter sido incumprida pela recorrida, mas não fazendo parte do núcleo essencial normativo do contrato-promessa de compra e venda nem sendo, neste caso, instrumental da obrigação principal ou necessária à viabilização ou satisfação do interesse que levou à celebração do contrato-promessa, não poderia ser fundamento da resolução por parte do recorrente/autor.
Concluindo, a recusa de a ré entregar as chaves e assim passar a controlar o acesso que o recorrente/autor poderia ter à fração, não pode ser considerado como motivo justificativo para operar a resolução do contrato, por tal recusa não ser impeditiva do seu cumprimento.
Vejamos a questão.
Goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º – art. 755º/1/f, do CCivil.
O direito de retenção é um direito (real) de garantia que “consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele”74,75.
Por outro lado, o art. 755º/f, não atribui direito de retenção, em caso de tradição da coisa, a todo e qualquer crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, uma vez que, se assim não fosse, não faria sentido a inclusão, no texto legal, da expressão “nos termos do art. 442º”. Ora, os créditos referidos nesta disposição são apenas a restituição do sinal em dobro e o direito ao aumento do valor da coisa76.
Parece decorrer da argumentação do recorrente que a perda desse direito real de garantia devido à conduta da ré constituía motivo válido para a resolução do contrato-promessa.
Porém, tendo havido tradição do imóvel, o beneficiário da promessa de transmissão de direito real sobre essa coisa, tendo o mesmo prestado sinal, beneficia de direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte77.
Assim, ainda que a recorrida/ré tenha desapossado o recorrente/autor ao ter mudado a fechadura do imóvel, impedindo-o de aí continuar a residir, tal não implicaria a perda da titularidade do direito de retenção que continuaria a garantir um eventual crédito indemnizatório decorrente de um eventual incumprimento da recorrida/ré, nomeadamente, no que respeita ao crédito da devolução do sinal em dobro.
Vejamos a questão.
Está provado que:
– No dia 3 de abril de 2019 a ré dirigiu-se à fração dos autos, tocou a campainha e, não se encontrando ninguém presente, entrou sem autorização do autor ou de DD e trocou a fechadura da porta – facto provado nº 41.
– DD pediu à ré, nesse contacto telefónico, que abandonasse imediatamente a sua casa, para onde se dirigiu na companhia do irmão AA, aqui autor – facto provado nº 43.
– Desde tal data, não mais o autor, DD ou o companheiro deste, EE, entraram na fração – facto provado nº 46.
– A ré, desde tal data, não entregou ao autor ou a DD chave de acesso à fração, recusando-se a fazê-lo – facto provado nº 47.
Há esbulho sempre que alguém foi privado do exercício de retenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar78.
A violência, para caracterização do esbulho, tanto pode ser praticada sobre as pessoas, como sobre as coisas que constituem obstáculo ao esbulho (arts. 1279.º do CCivil e, 377.º do CPCivil).
Independentemente da questão de saber se o beneficiário da tradição obtém a qualidade de possuidor da coisa ou se é um mero detentor da mesma, o direito de retenção confere ao respetivo titular, se da coisa estiver desapossado, o direito de usar, em relação à coisa, das ações destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio dono (art. 670º/a ex vi do art. 759º/3, ambos do Código Civil)79.
Assim, caso o recorrente entendesse que foi esbulhado com violência da posse que exercia sobre a fração, deveria ter intentado a devida providência cautelar de restituição provisória de posse, para ser à mesma restituído80.
Poderia, assim, o autor recorrer às ações destinadas à defesa da posse para obter a restituição do imóvel esbulhado pela ré, sem prejuízo de demandar igualmente esta última para obter o ressarcimento de todos os danos que essa conduta ilícita e culposa lhe causou.
O que não podia fazer era colocar em causa o cumprimento da obrigação principal do contrato-promessa, resolvendo o contrato e recusando-se a celebrar o contrato prometido, pois o incumprimento da ré no que respeita à tradição da coisa não colocou em causa a celebração do contrato prometido.
Não o tendo feito, não cabe a este tribunal, de modo a poder fundamentar eventualmente uma resolução contratual, averiguar se houve esbulho violento ao ser impedido de entrar na fração, a que acresce, o facto de ser questão nova, isto é, não suscitada aos tribunais a quo.
Mais alegou que “encontrando-se a Ré em incumprimento (desde 03 de abril de 2019) e atento que estamos perante um contrato bilateral, era legitimo recursar-se a cumprir a sua contraprestação nos termos do preceituado no artigo 428.º do Código civil”.
Vejamos a questão.
Está provado que:
– No dia 17 de abril de 2019, o autor, enviou à Ré, que a recebeu, carta registada com aviso de receção, com o teor da cópia junta como documento n.º 22, aqui dado por integralmente reproduzido, declarando comunicar resolução do contrato-promessa de compra e venda, pelo seu incumprimento contratual, exigindo-lhe a devolução do sinal por si pago, em dobro (…) diga-se 296 000,00€ a pagar em oito dias para a conta bancária com IBAN PT ...86 1 – facto provado nº 62.
– No dia 18 de abril de 2019, autor e ré compareceram no cartório notarial, não tendo outorgado qualquer escritura – facto provado nº 65.
– A ré manteve que celebraria escritura pelo preço indicado na promessa (291 000,00€) – facto provado nº 66.
– O autor manteve que apenas celebraria escritura pelo preço de 225 000,00€, acompanhado de um pedido de desculpas da ré – facto provado nº 67.
Primeiro, o alegado erro do recorrente na licitude da resolução contratual que comunicou à ré é apenas imputável a si próprio, pois apesar de existir um incumprimento contratual da ré ao esbulhar o imóvel, tal não consubstancia um incumprimento da obrigação principal do contrato-promessa, não justificando assim, a resolução desse contrato.
Em segundo lugar, não estão preenchidos os requisitos da exceção de não cumprimento do contrato, pois o recorrente não invocou essa exceção que supõe a manutenção da vigência do contrato, antes pelo contrário, procedeu à respetiva resolução contratual que pressupõe a extinção do mesmo.
Acresce dizer que a exceção de não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus) é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.
O princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas surge, em tais contratos, como consequência direta da sua interdependência funcional.
Sendo um dos requisitos da invocação da exceção de não comprimento a existência de uma relação de sinalagma, de reciprocidade, de correspectividade ou equivalência substancial entre as prestações em confronto, tal não se verifica neste caso, pois não existe a relação entre a obrigação acessória incumprida pela ré/recorrida e a obrigação principal do contrato-promessa incumprida pelo recorrente/autor ao recusar-se a celebrar o contrato prometido e resolver o contrato81.
É certo verdade que a conduta do recorrente de declarar a resolução contratual à contraparte, sem que exista motivo válido para o efeito, não implica, necessariamente, a existência de um incumprimento definitivo da sua parte, havendo que averiguar da real intenção do declarante da resolução do contrato82,83,84,85.
Temos, pois, que no caso de resolução ilícita de contrato-promessa só se deve falar em recusa de cumprimento definitivo quando, de todo o circunstancialismo da declaração de resolução, se puder concluir, de acordo com as regras da experiência comum, por uma recusa definitiva, firme, categórica de cumprimento por parte do promitente autor da declaração de resolução ilícita.
Nos autos, importa pois conjugar a resolução contratual declarada pelo autor à ré mediante carta registada enviada em 17-04-2019, com a sua conduta em 18-04-2019, data em que compareceu no cartório notarial no qual estava agendada a realização da escritura definitiva de compra e venda.
Ora, está provado que tendo o autor e a ré comparecido no cartório notarial em 18-04-2019, não tendo sido outorgada qualquer escritura, porquanto a ré manteve que celebraria a escritura pelo preço indicado na promessa (291 000,00€), e o autor que apenas celebraria escritura pelo preço de 225 000,00€, acompanhado de um pedido de desculpas da ré.
Assim, a conduta do autor integra um incumprimento definitivo do contrato-promessa, “face à sua recusa expressa e injustificada de cumprir o contrato, primeiro ao declarar a resolução do contrato sem que houvesse incumprimento definitivo da ré e, posteriormente, ao declarar que só outorgaria a escritura mediante uma redução do preço, em violação do artigo 406º do CC que impõe o cumprimento pontual dos contratos e só permite a sua alteração por mútuo consentimento ou nos casos admitidos na lei”.
Os factos provados revelam, pois, uma vontade séria e determinada do autor de não querer cumprir o contrato-promessa, o que constitui uma “recusa de cumprimento” e permite considerar o recorrente como inadimplente de forma definitiva, sem necessidade de qualquer interpelação admonitória86,87,88,89.
A necessidade de interpelação admonitória nos termos do contrato-promessa celebrado entre as partes encontra-se prevista para casos de mora da parte faltosa e não para casos de incumprimento definitivo revelado pela recusa de cumprimento, como sucede no caso dos autos.
Vejamos a questão.
Está provado que:
– No dia 6 de maio de 2019, por meio de escritura pública, a ré vendeu a fração autónoma à Sociedade ..., S.A., representada pelo seu administrador único, Sr. HH (cópia junta como documento 27 anexo à petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido) – facto provado nº 69.
A alienação pela recorrida a terceiro do bem imóvel prometido vender poderia configurar uma situação de impossibilidade por causa imputável ao devedor, equiparada por lei a incumprimento definitivo, caso estivesse em mora quanto ao cumprimento do contrato promessa, o que não se verificava.
Havendo um incumprimento definitivo do recorrente, revelado pela sua recusa em outorgar a escritura, e não havendo necessidade de qualquer interpelação admonitória para considerar verificado esse incumprimento definitivo, como se referiu, nada impedia a recorrida de vender o imóvel a um terceiro, não existindo, assim, qualquer incumprimento contratual decorrente dessa conduta.
Conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “face à recusa de outorgar a escritura por parte do autor, não constitui também incumprimento da ré a venda posterior do imóvel a terceiro”.
Vejamos a questão.
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – art. 334º, do CCivil.
De acordo com o disposto no art. 334.º, do CCivil, a existência ou não de abuso do direito afere-se a partir de três conceitos: (i) a boa-fé90; (ii) os bons costumes91; e (iii) o fim social ou económico do direito92; porém, o exercício do direito só é abusivo quando o excesso cometido for manifesto93,94.
A ilegitimidade do abuso de direito tem as consequências de todo o ato ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar; à nulidade, nos termos gerais do art. 294°; à legitimidade de oposição; ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade95.
O excesso cometido tem de ser manifesto, para poder desencadear a aplicabilidade do art. 334º, do CCivil96,97,98,99.
O excesso tem de ser manifesto, havendo que atender, de modo especial, às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade, para determinar quais são os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes.
Por isso, os tribunais só podem fiscalizar a moralidade dos atos praticados no exercício dos direitos ou a sua conformidade com as razões sociais e económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso.
O que significa que a existência do abuso de direito tem de ser facilmente apreensível sem que seja preciso o recurso a extensas congeminações.
O abuso de direito dá origem a responsabilidade civil. O exercício abusivo é ilícito e, como tal, se se verificarem os demais pressupostos, levará à condenação do seu autor a indemnizar os danos que com ele houver causado100.
Ora, o comportamento da recorrida/ré ao mudar a fechadura da porta de entrada no imóvel, impedindo o recorrente/autor de aí aceder, constitui um ato ilícito, violador da boa-fé que deve imperar na execução dos contratos.
Porém, a tradição da coisa é completamente autónoma da obrigação principal de celebração do contrato definitivo de compra e venda, pelo que, face à violação contratual por parte da ré, poderia o autor recorrer às ações possessórias para obter a restituição da sua habitação e, também ser ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com aquela conduta ilícita.
O que não poderia era o recorrente/autor agir da forma como agiu, isto é, recusando-se a celebrar o contrato prometido, uma vez que, objetivamente, continuava a existir interesse na sua celebração.
Não existe, assim, qualquer desequilíbrio ou desproporção entre a vantagem obtida pela ré e o prejuízo sofrido pelo autor: o esbulho perpetrado pela ré fá-la incorrer em responsabilidade civil perante o autor pelos prejuízos causados, não sendo tal matéria objeto da presente ação, atento o pedido formulado pelo autor; pelo contrário, a perda do sinal entregue pelo autor à ré é justificada pelo incumprimento contratual do próprio autor que se recusou de forma ilegítima a cumprir o contrato-promessa que livremente celebrou.
Temos, pois, que o elevado prejuízo que o recorrente alega sofrer é apenas imputável à sua própria conduta ilícita.
Não tendo a recorrida atuado em abuso de direito, a sua conduta não dá origem a qualquer indemnização, pois as consequências do incumprimento do contrato e de fazer seus os montantes entregues a titulo de sinal, resultam das normas legais aplicáveis.
Aliás, até nos termos contratados (cláusula 7ª/4), em caso de incumprimento da parte compradora, a parte vendedora faria suas as quantias até aí recebidas.
Assim, as consequências do incumprimento resultam tanto do acordado pelas partes no contrato, como das normas legais aplicáveis, não dando por isso resultados estranhos ao que era admissível pelo sistema, nem contrariando aquilo que ambas as partes podiam razoavelmente esperar, não configurando assim, uma situação de abuso do direito, impeditiva de a recorrida/ré fazer seu o sinal prestado.
Pelos mesmos motivos, também não existe qualquer concorrência de culpas no que respeita à obrigação principal do contrato-promessa, pois o ilícito contratual da ré revelado pela sua conduta de 03-04-2019 não está relacionado com o cumprimento da obrigação principal de celebração do contrato definitivo de compra e venda.
No que concerne a essa obrigação principal, o incumprimento definitivo é apenas imputável ao autor.
Entendendo-se que a recorrida não tenha agido com culpa, não se verifica uma situação de não cumprimento bilateral, não podendo o contrato-promessa ser resolvido tendo por base as normas gerais, pela compensação de culpas concorrentes.
Estando o recorrente em situação de incumprimento definitivo e culposo, havendo lugar à cominação prevista no art. 442º/2, do CCivil, pode a recorrida fazer suas as quantias entregues.
Efetivamente, neste caso, quando se verifique uma situação de incumprimento definitivo por parte de quem constituiu o sinal, confere a quem o recebeu a faculdade de fazer sua a coisa entregue (artigos 441.º e 442.º/2, ambos do CCivil).
Concluindo, estando o recorrente/autor em situação de incumprimento definitivo e culposo, havendo lugar à cominação prevista no art. 442º/2, do CCivil, pode a recorrida/ré, fazer suas as quantias entregues a título de sinal.
Destarte, improcedendo as conclusões do recurso de revista, há que confirmar o acórdão recorrido.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista e, consequentemente, em confirmar-se o acórdão recorrido.
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pelo recorrente (na vertente de custas de parte, por outras não haver101), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencido102.
(Nelson Borges Carneiro) – Relator
(Pedro de Lima Gonçalves) – 1º adjunto
(Jorge Arcanjo) – 2º adjunto
_____________________________________________
1. As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos – art. 627º/1, do CPCivil.↩︎
2. Recursos, «em sentido técnico-jurídico, são os meios específicos de impugnação das decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida» – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 463.↩︎
3. No nosso sistema processual (no que à apelação e à revista) predomina o «esquema do recurso de reponderação»: o objeto do recurso é a decisão impugnada, encontrando-se à partida, vedada a produção defeitos jurídicos ex-novo. Através do recurso, o que se visa é a impugnação de uma decisão já ex-ante proferida que não o julgamento de uma qualquer questão nova. Uma relevante exceção ao modelo de reponderação é a que se traduz nas questões de conhecimento oficioso: o tribunal superior pode sempre apreciar qualquer dessas questões ainda que não suscitadas perante o tribunal a quo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 468.↩︎
4. Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão – art. 627º/2, do CPCivil.↩︎
5. A lei estabelece uma divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários a partir de um critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão. Enquanto os recursos ordinários pressupõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 777.↩︎
6. Aquele que interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎
7. Aquele contra quem se interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎
8. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎
9. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 301.↩︎
10. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎
11. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎
12. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎
13. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
14. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
15. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎
16. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎
17. Por haver manifesto lapso, deverá ler-se “ré”, onde se lê “autora”.↩︎
18. Eliminado pelo Tribunal da Relação, sem que tenha sido feita a renumeração dos factos provados.↩︎
19. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎
20. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 617.↩︎
21. Da interpretação enunciativa do art. 542.º, n.º 3, do CPC, com base no argumento a contrario sensu, retira-se, efetivamente, que não é admissível o recurso de decisão que condene em litigância de má-fé em mais do que um grau – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-15, Relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
22. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 617.↩︎
23. Somente a decisão condenatória por litigância de má-fé está sujeita a um regime especial de recorribilidade, condizente a um grau, pelo que, decorrendo do dispositivo do acórdão recorrido a improcedência do pedido de condenação, está, necessariamente, vedado o recurso de revista – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-06, Relator: OLIVEIRA ABREU, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
24. Tendo a autora sido condenada como litigante de má-fé pela primeira instância e tendo essa condenação sido confirmada pela segunda instância, encontra-se esgotada a possibilidade de tal questão ser objeto de revista, nos termos do art.542º/3, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-05-19, Relatora: MARIA OLINDA GARCIA, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/.↩︎
25. Não é admissível recurso para o STJ do acórdão do tribunal da Relação que confirmou a decisão condenatória por litigância de má-fé da 1ª instância – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2014-01-16, Relator: SÉRGIO POÇAS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
26. Primeira Instância condenou o requerido a pagar uma indemnização por litigância de má-fé; houve recurso para o TR, que se pronunciou sobre a situação, o que significa que houve já um grau de recurso (art.º 542.º, n.º 3 do CPC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-04, Relatora: FÁTIMA GOMES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
27. Não é admissível a revista do segmento decisório do acórdão da Relação que reaprecia e confirma a decisão de condenação em litigância de má fé proferida pela primeira instância, tendo em conta o regime especial de recorribilidade previsto no art. 542º, 3, do CPC para as decisões condenatórias (e não absolutórias) em primeira instância, não podendo, quando se trate de tais decisões, o recurso ultrapassar o patamar de impugnação junto da Relação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-07-11, Relator: RICARDO COSTA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
28. Admite-se recurso no caso de a recorrente haver sido condenada por litigância de má-fé apenas pelo TR, uma vez que o Tribunal de 1.ª instância tinha julgado improcedente este pedido de condenação da Autora – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-15, Relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
29. Tendo o acórdão recorrido julgado parcialmente procedente a apelação, anulando a decisão de condenação da ré como litigante de má-fé, com fundamento em nulidade por violação do princípio do contraditório e, em substituição da 1ª instância, reapreciado a questão, proferindo nova condenação da ré por litigância de má-fé, nos termos do art. 542º, nº 3, do CPC, tal decisão é suscetível de impugnação pelo que o presente recurso é admissível, circunscrito à apreciação da referida questão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-15, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
30. ABEL DELGADO, Do Contrato-Promessa, 3ª ed., p. 15.↩︎
31. ALMEIDA COSTA, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, ano 50º, p. 22.↩︎
32. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume 1.º, 4.ª ed., p. 203.↩︎
33. O incumprimento definitivo do contrato-promessa, desprezando agora o caso de inobservância de prazo fixo essencial estabelecido para a prestação, pode verificar-se em consequência de uma, ou mais, das situações seguintes: a) Ocorrência de um comportamento do devedor que exprima inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato; b) Ter o credor, em consequência da mora, perdido o interesse que tinha na prestação; e, c) Encontrando-se o devedor em mora, não realizar a sua prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-02-15, Relator: ALVES VELHO, http://www. dgsi.pt/jstj.↩︎
34. O exercício do direito à resolução depende de uma ponderação de interesses, exigindo-se uma adequação entre a eficácia extintiva da figura e os seus pressupostos e limites que a conformam, mormente a gravidade do comportamento (apreciada pela intensidade da culpa, pela amplitude e pelas consequências ou reiteração da violação, avaliando-se igualmente a natureza do dever violado e a forma como tal se manifesta) que o espoleta, o que permite submeter a resolução ao controlo axiológico da boa fé (assim se arredando os incumprimentos pouco prejudiciais ou a mera conveniência pessoal do credor), sendo ponto assente que o uso daquele direito supõe imprescindivelmente a existência de uma razão substancialmente idónea e inconsútil para que a relação não possa prosseguir ou, pelo menos, manter-se nos termos em que tinha sido consolidada por vontade liberta das partes – Supremo Tribunal de Justiça de 2015-02-11, Relator: GABRIEL CATARINO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
35. A simples mora do devedor não confere ao credor o direito de resolver o contrato, para se considerar desvinculado da promessa. Só com o incumprimento definitivo há lugar à resolução do contrato. A mora dos réus pode converter-se em incumprimento definitivo pela perda objetiva do interesse do credor na prestação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-10-12, Relator: AZEVEDO RAMOS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
36. PESSOA JORGE, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, p. 20, nota 3; GALVÃO TELLES, Obrigações, 4ª edição, p. 235; Ac. STJ, 21/5/98, BMJ, 477 – 468 Apud Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-02-15, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
37. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 9ª ed., pp. 532 e segts. Apud Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-02-15, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
38. PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume 1º, 4ª ed., p. 423.↩︎
39. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 1998-05-26, CJ (STJ), Tomo 2.º, pág. 100.↩︎
40. Só o incumprimento definitivo do promitente-vendedor, e não a simples mora, desencadeia a sanção de restituição entregue pelo promitente-comprador – Ac. Relação do Porto de 1998-02-17, BMJ 474/548.↩︎
41. A restituição do sinal em dobro é sanção aplicável ao não cumprimento definitivo da obrigação do promitente que o recebeu. Havendo sinal passado, o incumprimento da obrigação, por causa imputável ao contraente que o constituiu, concede à outra parte a faculdade de obter indemnização igual ao seu valor - art. 442 n. 2 C. Civil -, indemnização que, de resto, é igual à que, para a outra parte, corresponde a perda do sinal – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-02-15, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/ jstj.↩︎
42. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2001-07-12, Coletânea de Jurisprudência (STJ), Tomo 3.º, pág. 30.↩︎
43. A possibilidade legal de exigir o sinal em dobro tem como pressuposto o incumprimento definitivo do contrato-promessa e não a simples mora – Ac. Relação do Porto de 2000-04-02, BMJ 496/309.↩︎
44. A perda do sinal ou a sua restituição em dobro andam "indissoluvelmente ligados ao não cumprimento definitivo do contrato-promessa, se bem que tal entendimento não encerre unanimidade, pois que também há quem sustente que a sanção é aplicável logo que o promitente incorra em mora na prestação a que está adstrito, ocorrendo, então, uma "resolução em sentido impróprio", pois que, podendo determinar a resolução, ainda permite que a outra parte exija o cumprimento – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-02-15, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
45. ANTUNES VARELA, RLJ, ano 128.º, pp. 112 e seguintes.↩︎
46. ANTUNES VARELA, RLJ, ano 128.º, p. 138.↩︎
47. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª edição, p. 80.↩︎
48. GRAVATO MORAIS, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, p. 163.↩︎
49. BRANDÃO PROENÇA, Do Incumprimento do Contrato-promessa Bilateral, p. 89 apud Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-11, Relator: ABRANTES GERALDES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
50. Ao contrato-promessa de compra e venda aplicam-se as mesmas regras do contrato prometido, sendo que só o incumprimento definitivo da prestação faculta ao contraente fiel a resolução do contrato (arts. 798.º e 801.º, n.º 2, ambos do CC), i.e., o poder de, unilateralmente, extinguir um contrato válido na sequência de circunstâncias posteriores à sua conclusão cuja ocorrência frustra o interesse contratual ou geram desequilíbrios na relação de equivalência económica entre as prestações – Supremo Tribunal de Justiça de 2015-02-11, Relator: GABRIEL CATARINO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
51. O contrato-promessa de compra e venda tem como objeto e obrigação principal a celebração da escritura de compra e venda, sendo esse o sinalagma específico do contrato; Embora clausuladas no contrato-promessa, as prestações do preço da venda a pagar antes da celebração do contrato prometido, não deixam de ser prestações próprias e típicas deste último que, relativamente ao contrato-promessa assumem a natureza de obrigações secundárias ou acessórias; Quando deixem de ser cumpridas obrigações ou deveres dessa natureza não se segue, necessariamente, o direito à resolução do contrato-promessa, apesar de o incumprimento ter sido precedido de interpelação cominatória do credor; Não estando em causa a obrigação principal, há que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato (no todo contratado), em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a sua conclusão. Não deve reconhecer-se a resolução de contrato-promessa de compra e venda de imóvel se a única prestação incumprida respeita a uma parte do preço da venda sem repercussão no conjunto das obrigações estipuladas no contrato em função do seu normal desenvolvimento e cumprimento da obrigação principal, relativamente à qual se apresenta com autonomia, apesar de o promitente vendedor ter interpelado promitente comprador para pagar a prestação, sob pena de resolução, e este não o ter feito – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-05-27, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
52. ANA PRATA, O Contrato-promessa e o seu Regime Civil, pp. 632/697.↩︎
53. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-02-15, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
54. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-02-15, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
55. Esta liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução não pode ser absoluta – isto é, não pode ir ao ponto de permitir estipular que até um inadimplemento levíssimo, de todo insignificante na economia do contrato, possa dar lugar à resolução. Pois que a cláusula resolutiva não pode ser tal que, pela sua «exorbitância», entre em conflito com o princípio da boa-fé contratual – nem tal que se traduza numa fraude ao princípio do art. 809.º – BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, vol. I, p. 187.↩︎
56. As partes não podem dar à cláusula resolutiva expressa um conteúdo meramente genérico, referindo-se, por exemplo, ao incumprimento de todas as obrigações contratuais. Têm de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo incumprimento dá direito a resolução, identificando-as. Desde que identificadas uma a uma, obviamente que a cláusula resolutiva já pode reportar-se à totalidade das obrigações emergentes do contrato. Esta limitação à liberdade contratual das partes radica na própria razão de ser e função da cláusula resolutiva. Se as partes valoram elas mesmas, no momento em que estipulam a cláusula, as obrigações e modalidades de incumprimento que conferem o direito de resolução, impõe-se que o façam conscientemente, com pleno conhecimento de causa — o que só acontece se especificarem e determinarem as obrigações e as modalidades do inadimplemento (definitivo, defeituoso, moroso). Quando se limitem a fazer uma mera referência genérica, em branco, à violação de (qualquer uma das) obrigações nascentes do contrato, a estipulação não passará de uma cláusula de estilo, mero rappel do regime jurídico da chamada condição resolutiva tácita, já que não houve uma prévia vontade contratual (bilateral) que de facto valorasse especificamente a gravidade da inadimplência – JOÃO CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção pecuniária Compulsória, 2.ª ed., 2.ª reimp., Coimbra, 1997, p. 322.↩︎
57. Este tipo de cláusulas não representa qualquer modificação ao regime legal do incumprimento. A sua falta de precisão, o facto de ser genérica e indeterminada, torna-a uma cláusula não distintiva para produzir o efeito pretendido – GRAVATO MORAIS, Contrato-promessa em geral, contratos-promessa em especial, Coimbra, Almedina, 2009, p. 166.↩︎
58. BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, vol. I, p. 187.↩︎
59. BRANDÃO PROENÇA denomina este tipo de cláusulas como “inúteis”, defendendo ser “consensual a ideia de que a cláusula tem que se referir a um certo tipo de obrigação (como resulta, aliás, do disposto no art. 1456.º do Codice Civile), não podendo estar redigida genericamente como se tratasse de «uma cláusula de estilo» (“Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral – A dualidade Execução Específica-Resolução”, 2.ª ed., Coimbra, 1996, pp. 60/61 e, nota 126).↩︎
60. Na negociação do contrato-promessa, a ré exigiu retirada de cláusula constante de minuta preparatória aludindo à tradição da fração ao autor, ficando estabelecido no contrato um direito de acesso deste ao imóvel – facto provado nº 15.↩︎
61. – A despeito do declarado no contrato-promessa, com conhecimento e autorização da ré, DD voltou a residir na fração dos autos, desde data não concretamente apurada e não posterior a 4 de setembro de 2018 – facto provado nº 16.
– E na fração fez sua residência até 3 de abril de 2019 – facto provado nº 17.
– No período aludido, DD viveu na fração em união de facto com o seu companheiro, EE, alternando períodos de residência na fração dos autos e em imóvel propriedade deste – facto provado nº 18.
– Sendo que, a partir de data não concretamente apurada do início do ano 2019 em que o imóvel do companheiro iniciou obras, a habitação de ambos ficou situada exclusivamente na fração dos autos – facto provado nº 19.↩︎
62. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-09-23, Relator: ARAÚJO DE BARROS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
63. A traditio, que não é essencial ao contrato-promessa, embora usualmente lhe esteja associada, constituiu um negócio atípico, subordinado ao princípio da consensualidade ou da liberdade de forma (arts. 219º e 405º CC)”, segundo o qual “as partes no contrato-promessa, apesar do ali convencionado, entenderam, por acordo, celebrar novo negócio - negócio de tradição - nos termos do qual foi transferida a posse (para outros a detenção) do imóvel para o autor – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-01-27, Relator: ARAÚJO DE BARROS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
64. A tradição da coisa no âmbito do contrato-promessa e o que está em causa no n.º 2 do art. 442.º do CC reporta-se à entrega, ao promitente-adquirente, da coisa que ele irá adquirir com a celebração do contrato definitivo. Tal entrega não poderia nunca advir do contrato-promessa que, por natureza, se limita a prever futuras prestações de facto jurídico: antes postulava uma cláusula atípica, expressa no texto escrito ou concluída oralmente a latere e com o conteúdo indicado – MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, VII – Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 2014, p. 390.↩︎
65. Ainda que coexista com o contrato-promessa, a tradição da coisa não é efeito deste, mas resultado de uma convenção negocial complementar ao contrato-promessa através da qual os promitentes antecipam os efeitos do contrato prometido, naturalmente na expectativa e com a confiança de que este irá ser celebrado. Sendo uma convenção complementar ao contrato promessa, geralmente é verbal, como sucedeu no caso, não lhe sendo aplicáveis as cláusulas insertas no contrato promessa, nomeadamente a de que a autorização de realização de obras no imóvel tivesse de ser feita por escrito, assinada por todos os outorgantes do contrato – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2014-04-03, Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, http://www.dgsi.pt/jtrp.↩︎
66. No caso de resolução ilícita de contrato-promessa só se deve falar em recusa de cumprimento definitivo quando de todo o circunstancialismo da declaração de resolução se puder concluir, de acordo com as regras da experiência comum, por uma recusa definitiva, firme, categórica de cumprimento por parte do promitente autor da declaração de resolução ilícita – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-09-26, Relator: SÉRGIO POÇAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
67. O direito a gozar e fruir o imóvel no âmbito de contrato-promessa nasce para o promitente comprador com a tradição e tal direito mantém-se, como se disse, enquanto o contrato-promessa não for resolvido por causa imputável ao promitente comprador – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-03-12, Relator: SALAZAR CASANOVA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
68. É certo que pressuposto da resolução é, em regra, o incumprimento da obrigação principal, a realização do contrato prometido. Quando não esteja em causa o incumprimento dessa obrigação, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do contrato. Sem perder de vista que qualquer desvio do clausulado representa um incumprimento, não pode deixar de se ter em conta a respetiva repercussão no todo contratado. A par de obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais, se apresentam como instrumentais do exato cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projetando, outras há que surgem como autónomas ou "desvinculadas" da obrigação da contraparte, como sucede com as prestações que se traduzem em efeitos antecipados do contrato prometido (cfr. ANA PRATA, "O Contrato-promessa e o seu Regime Civil", pp. 632 e 697). Tais obrigações não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, razão por que só devem considerar-se fundamento de resolução quando se detete um vínculo funcional entre o cumprimento dessas prestações e as demais obrigações emergentes do contrato em termos tais que o incumprimento de umas justifica o ulterior incumprimento das outras (acs. STJ de 16/12/93 e 12/7/01 in CJ I-III-185 e IX-III-30. Numa palavra, só deverão admitir-se como causa legal de resolução os inadimplementos em que se verifique um nexo de instrumentalidade entre as prestações que afete a evolução da execução contratual pondo em crise a viabilização do seu objetivo final – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-02-15, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
69. Para determinar os efeitos de um qualquer incumprimento, questão essencial é, desde logo, qualificar a obrigação secundária não cumprida em função da obrigação principal, isto é, determinar a autonomia ou instrumentalidade dessa obrigação relativamente à obrigação de contratar que constitui o cerne da eficácia do contrato-promessa. Se a obrigação não cumprida — total ou parcialmente, integral ou deficientemente, definitiva ou temporariamente, culposa ou não culposamente — revestir completa independência relativamente à obrigação principal, de tal modo que o seu não cumprimento pontual, mesmo que irremediável, seja insuscetível de se refletir na viabilidade e funcionalidade jurídicas ou económicas do negócio principal, esse inadimplemento gerará os efeitos próprios de qualquer incumprimento do seu tipo, mas não se repercutirá no regime da obrigação principal. Seja essa obrigação secundária autónoma dirigida à satisfação de um interesse creditório — condição da sua validade, nos termos do artigo 398°., n°. 2 — e haverá que analisar a independência ou conexão desse interesse com aquele a cuja satisfação se dirige a obrigação principal. Se o interesse creditório for autónomo, é indiscutível que tem o credor então ao seu dispor os meios de tutela de qualquer direito de crédito, sendo o regime aplicável aquele de que o incumprimento verificado for desencadeador. No caso de o interesse do credor no cumprimento da obrigação secundária autónoma ser conexo com o seu interesse no cumprimento da obrigação principal, poder-se-á estar perante uma coligação de contratos (ou união com dependência) ou perante uma obrigação condicionada pelo cumprimento da obrigação principal, e então o regime aplicável será o que for adequado à configuração negocial da obrigação incumprida. Já se, ao invés, o dever incumprido for acessório ou instrumental do cumprimento da obrigação principal, os seus efeitos são tipicamente absorvidos e consumidos pelo não cumprimento que ele provoca na prestação principal. Dado que, em razão da sua natureza funcional, o inadimplemento da obrigação instrumental tenderá a arrastar o total ou parcial (quantitativo ou qualitativo) incumprimento da obrigação principal, o promissário não terá, em princípio, de esperar pela consumação deste último para reagir ao não-cumprimento da obrigação acessória; ele poderá, em regra, exigir o seu cumprimento, que, se não for realizado voluntariamente, será suscetível de execução forçada – ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, reimp., Almedina, Coimbra, 1999, pp. 656/58.↩︎
70. Veja-se que, depois de ceder aos muitos pedidos de adiamento formulados pelo autor (com prejuízo para a sua situação, por ter interesse em vender o imóvel o mais rápido possível para poder concretizar a aquisição de um imóvel para a sua habitação), a ré, na última data que o autor agendou para a celebração da escritura, em 28/3/2019, viu-se confrontada com a não comparência do autor no notário, sem qualquer comunicação e obrigada a esperar por um contacto que não chegava, sem saber quais eram as intenções do autor, até que, depois de esperar quatro dias por uma explicação que não recebeu, enviou duas cartas ao autor, respetivamente, em 2 e 3 de Abril, nas duas interpelando o autor a marcar a escritura no prazo de 8 dias sob pena de resolução do contrato, cartas não recebidas imediatamente pelo autor, por este as ter recusado no seu domicílio e sendo a segunda carta com data do mesmo dia em que a ré se deslocou ao imóvel e mudou as fechaduras da casa, comunicando que esta era uma situação que se manteria até ser celebrada a escritura e ser recebido o remanescente do preço. A intenção de celebrar a escritura por parte da ré é manifestamente evidente e manteve-se ainda depois de 3 de Abril, nas comunicações trocadas com o autor, sendo ela quem marcou a escritura com recurso à cláusula contratual que a considerava automaticamente agendada no 15º dia útil seguinte e sendo sempre a ré que, nessas comunicações, insistia e mencionava tal agendamento para escritura – in Acórdão proferido pelo tribunal a quo.↩︎
71. Não sendo a obrigação de antecipação do cumprimento das obrigações que hão de emergir do contrato definitivo instrumental da obrigação principal de celebrar este, não creio, pois, que o incumprimento da primeira, significando o incumprimento da segunda, seja suscetível de desencadear os efeitos deste último incumprimento – ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, reimp., Almedina, Coimbra, 1999, p. 657, nota 1543.↩︎
72. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2015-01-15, Relator: TAVARES DE PAIVA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
73. GRAVATO MORAIS, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, pp. 160/61.↩︎
74. PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, p. 772.↩︎
75. O direito de retenção pressupõe (i) a licitude da detenção da coisa; (ii) a reciprocidade de créditos entre o detentor da coisa e aquele que tem direito à restituição da mesma; e (iii) a existência de uma conexão direta e material entre o crédito do detentor e a coisa detida, resultante de despesas realizadas com ela ou de danos pela mesma produzidos.↩︎
76. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Introdução, Da Constituição das Obrigações, Volume I, 4ª Edição, Almedina, p. 231.↩︎
77. O promitente-comprador que obteve por traditio do promitente-vendedor o uso e fruição do imóvel, traditio que lhe confere legitimidade para gozar e fruir do imóvel enquanto o contrato-promessa não for resolvido por causa que lhe seja imputável, passa a gozar do direito de retenção, de acordo com o disposto no art. 755.º, n.º 1, al. f), do CC, sobre essa coisa imóvel, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442.º do CC.. O direito de retenção não deixa de subsistir, proporcionando, assim, ao promitente-comprador a faculdade de instaurar execução, nos mesmos termos que o pode fazer o credor hipotecário, de acordo com o disposto no art. 759.º, n.º 1, do CC, ainda que, no momento do incumprimento definitivo do contrato-promessa, não estivesse a ocupar o imóvel por dele se ter apropriado o promitente-vendedor contra a vontade e sem o conhecimento do promitente-comprador – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-03-12, Relator: SALAZAR CASANOVA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
78. MOITINHO DE ALMEIDA, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, p. 100.↩︎
79. O direito de retenção confere ao respetivo titular, se da coisa estiver desapossado, o direito de usar, em relação à coisa, das ações destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio dono (artigo 670.º,alínea a) e 759.º/3 do Código Civil), assim como lhe confere a faculdade de a executar, enquanto não entregar a coisa retida, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor (artigo 759.º/1 do Código Civil) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-03-12, Relator: SALAZAR CASANOVA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
80. No sentido de o beneficiário da tradição da coisa poder recorrer às ações possessórias em caso de turbação ou esbulho, vide, RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, 2.ª ed., atualizada por Miguel Pestana de Vasconcelos e Rute Teixeira Pedro, Almedina, Coimbra, 2020, p. 261, nota 582; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, 16ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, pp. 230/31, nota 507 e, VAZ SERRA, Anotação ao Acórdão do STJ de 29-01-1980, RLJ, ano 114.º (1981), n.º 3682, p. 22.↩︎
81. Por outro lado, para que se possa invocar a exceção de não comprimento, é necessário que haja uma correspectividade ou equivalência substancial entre as prestações em confronto. É essa equivalência que explica e legitima que o incumprimento de um dos contratantes possa excluir a ilicitude da conduta omissiva do outro que recusa o cumprimento que lhe competia, nos termos do artº 428º/1 do C.Civil, de forma a possibilitar, na medida do possível, a salvaguarda do equilíbrio dos interesses em confronto, que constitui o corolário do pensamento básico do sinalagma funcional [na feliz expressão do saudoso Prof. Antunes Varela (A. Varela, Das Obrigações em Geral, I, pg. 398)], que é a exceção de não cumprimento. Como escreveu o Prof. João Abrantes «É essa correspectividade existente entre a obrigação assumida por cada um dos contraentes e a que é assumida pelo outro que constitui a nota caracterizadora destes contratos: neles "há uma obrigação e a respetiva contra obrigação, uma prestação e a respetiva contraprestação” (artº.795º do C. Civil). Significa isto que, no interior da economia contratual, a obrigação de cada um dos contraentes funciona como contrapartida ou como contrapeso da outra. A obrigação de cada um dos contraentes aparece como equivalente da assumida pelo outro: as prestações trocadas têm igual valor, «de tal modo que um e outro (dos contraentes) recebem pela sua própria prestação o valor correspondente da contraprestação contrária» (João Abrantes, A Exceção de Não Cumprimento do Contrato, 2012 – 2ª edição, Almedina, pg. 36 – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-11-14, Relator: Álvaro Rodrigues, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
82. Para se concluir que uma declaração de resolução de um contrato promessa cujas razões invocadas se verificou não terem fundamento, constitui uma recusa de cumprimento, há que apurar qual foi a intenção do declarante da resolução do contrato – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-11-30, Relator: LUÍS FONSECA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
83. A declaração de resolução ilegítima do contrato não implica, necessariamente, incumprimento definitivo, havendo que averiguar da real intenção do declarante da resolução do contrato – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-05-30, Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
84. A declaração resolutiva infundada é apta a extinguir o contrato-promessa em curso, mas só representa um incumprimento definitivo quando significa o propósito de não querer ou não poder cumprir. Só neste caso se poderá falar em incumprimento antecipado e definitivo do contrato-promessa, a justificar a atuação do regime do sinal – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-05-22, Relator: JOSÉ RAÍNHO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
85. No caso de resolução ilícita de contrato-promessa só se deve falar em recusa de cumprimento definitivo quando de todo o circunstancialismo da declaração de resolução se puder concluir, de acordo com as regras da experiência comum, por uma recusa definitiva, firme, categórica de cumprimento por parte do promitente autor da declaração de resolução ilícita – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-09-26, Relator: SÉRGIO POÇAS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
86. Revelando os factos uma vontade séria e determinada dos recorrentes (promitentes-vendedores) não quererem cumprir, tal conduta constitui "recusa de cumprimento", o que permite considerá-los inadimplentes de forma definitiva, sem necessidade de notificação admonitória – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-03-15, Relator: LUÍS FONSECA; Revista: 4666/04, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
87. A interpelação admonitória não é necessária se tiver havido recusa de cumprimento, invocada a perda de interesse do credor ou incumprida uma cláusula resolutiva expressa – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-06-28, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS; Revista: 7580/05.2TBVNG.P1.S1, https://www. dgsi.pt/jstj.↩︎
88. Ocorrendo inequívoco incumprimento definitivo – mediante recusa de cumprimento –, fica prejudicada a interpelação admonitória, para esse efeito, com a fixação de um prazo essencial e perentório – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2014-02-25, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR; Revista: 1987/1996.E1.S1, https:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎
89. A interpelação admonitória é uma declaração receptícia que contém três elementos: intimação para o cumprimento; fixação de um termo perentório para o cumprimento; admonição ou cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, se não ocorrer o adimplemento dentro desse prazo. Porém, se o empreiteiro (ou o subempreiteiro) tiver uma conduta reveladora de uma intenção firme e definitiva de não cumprir a obrigação contratual de concluir a respetiva obra, está‑se perante uma situação de incumprimento definitivo a si imputável, podendo, então, o dono a obra (ou o empreiteiro, na subempreitada) resolver o contrato e exigir uma indemnização, sem necessidade de recorrer a prévia interpelação admonitória. Uma atitude suscetível de revelar aquela intenção firme e definitiva de não cumprir a obrigação contratual de concluir a obra é o abandono da obra; sendo, porém, que o abandono da obra, só por si, não só não significa impossibilidade de prestação, como, também, suspender ou parar uma obra não é o mesmo que abandoná‑la, correspondendo às diversas situações efeitos jurídicos diferentes – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-10-12, Relator: FERNANDO BAPTISTA; Revista: 1823/19.2T8FNC.L1.S1, https://www. dgsi.pt/jstj.↩︎
90. A boa-fé comporta dois sentidos principais: no primeiro, é essencialmente um estado ou situação de espírito que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude; no segundo, apresenta-se como princípio de atuação, significando que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto e leal, nomeadamente no exercício de direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros.↩︎
91. Os bons costumes constituem o conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e corretas aceitam comummente.↩︎
92. O fim social e económico do direito é a função instrumental própria do direito, a justificação da respetiva atribuição pela lei ao seu titular.↩︎
93. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-05-17, Relator: NUNES RIBEIRO, http:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎
94. A conceção legalmente adotada de abuso do direito é essencialmente objetiva, isto é, não é necessária a consciência de se estar a exceder com o exercício do direito os limites impostos, quer pelos bons costumes, quer pelo fim social económico do direito, importa apenas que os limites sejam excedidos de forma manifesta, pois como a própria lei indica, sempre se terá de ter presente, no que diz respeito ao fim social e económico do direito, os juízos de valor positivamente consagrados na lei – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-03-30, Relatora: ANA RESENDE, http:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎
95. PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4.a ed., Vol. 1, Coimbra Editora, pp. 299/300.↩︎
96. Porém, para que haja o citado abuso tem no uso do direito de haver sempre um excesso manifesto – PINTO FURTADO, Código Comercial Anotado, vol. II, tomo 2º, p. 540.↩︎
97. O abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito de forma anormal, quanto à sua intensidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção entre a utilidade do exercício do direito e as consequências decorrentes desse exercício. Por via deste instituto tutela-se uma situação em que a aplicação de um preceito legal numa concreta situação da relação jurídica, se revela injusta e fere o sentido de justiça dominante – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-01-19, Relator: FERNANDO BAPTISTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
98. O abuso de direito é de conhecimento oficioso, devendo o tribunal apreciá-lo enquanto obstáculo legal ao exercício do direito, quando, face às circunstâncias do caso, concluir que o seu titular excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-12-20, Relator: AGUIAR PEREIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
99. O exercício do direito só é ilegítimo quando mediante ele se cometa um excesso manifesto (gritante, intolerável aos olhos da sensibilidade comum) dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, não bastando que haja um certo excesso no exercício do direito, que o exercício deixe dúvidas sobre a sua compatibilidade com tais ditames – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-09-28, Relator: JOSÉ RAÍNHO, http://www. dgsi.pt/jstj.↩︎
100. PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 250.↩︎
101. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎
102. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎
103. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎
104. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎