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OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
DECISÃO JUDICIAL
Sumário
A obrigação de prestar alimentos é legal, exista ou não decisão judicial a fixar o respectivo montante.
Texto Integral
ACÓRDÃO
Acordam, após audiência, os juízes da Secção Criminal da Relação do Porto:
Por sentença de 3/6/2002, o Arguido A.......... foi condenado, como autor de dois crimes de violação da obrigação de alimentos p. e p. pelo art. 250º/1 do Código Penal revisto, na pena única de 6 meses de prisão, cuja execução foi, porém, declarada suspensa, por um período de 2 anos, com a condição de o arguido pagar, em 120 dias, a quantia de 1 596,153 Euros (Esc. 320.000$00 - 40.000$00 x 8 meses), relativa às pensões alimentícias em dívida (desde Maio de 2000 inclusive a Janeiro de 2002, exclusive).
Inconformado com tal decisão, interpôs recurso da mesma, apresentando motivação que rematou com a formulação das seguintes conclusões:
“1 - Os acordos efectuados em sede de tentativa de conciliação de divórcio litigioso e que determinam a conversão deste em divórcio por mútuo consentimento, são provisórios e destinados a vigorar até à realização da segunda Conferência.
2 - Com a realização desta Conferência, mantidos ou alterados os acordos efectuados na 1ª, é proferida sentença que decreta o divórcio e homologa os acordos legalmente exigidos.
3 - Se os cônjuges se desentendem e vem a ser requerido que a Acção prossiga como Litigiosa, ou não seja requerida a 2ª Conferência no prazo de um ano a partir da data da 1ª, os acordos ficam sem efeito, caducam e não chegam a produzir os efeitos jurídicos que lhes seriam atribuídos com a homologação.
4 - No caso dos autos, estando assente que a Acção de Divórcio Litigioso foi convertida em mútuo consentimento por virtude de os cônjuges terem chegado a acordo na tentativa de conciliação em 20 de Novembro de 2000 e que em 30 de Maio de 2001 foi ordenado o prosseguimento dos mesmos autos, sob a forma litigiosa, tal pressupõe que previamente foi dado conhecimento àquela acção do desacordo entre os cônjuges, o que conduziu à caducidade dos acordos obtidos na tentativa de conciliação.
5 - Para efeitos de verificação de elemento constitutivo do tipo legal de crime é necessário não só a existência legal do direito a alimentos e da obrigação de os prestar, como também a sua determinação concreta, traduzida num acordo homologado ou numa sentença judicial, transitados em julgado.
6 - Tendo interpretado as normas dos arts. 2003º e seguintes do Cód. Civil no sentido de que configuram a obrigação legal de alimentos para efeitos do preenchimento do tipo legal do crime previsto no art. 250º do C.P., independentemente da existência de decisão judicial transitada em julgado, violou a sentença estas normas e o princípio da tipicidade do Direito Penal.
7 - É também elemento constitutivo do ilícito penal a existência de perigo para a subsistência do titular do direito a alimentos.
8 - Está assente que o arguido, desde Dezembro de 2000 até Maio de 2001, pagava a renda devida pela habitação onde a queixosa residia com os filhos, no valor de 46.700$00, em substituição da prestação mensal de 40.000$00 fixada a título de alimentos; e que em Maio de 2001 a queixosa deixou de residir naquela habitação, não tendo o arguido pago, depois dessa data, nem a renda por já não ser devida, nem a referida prestação.
9 - Tendo contudo efectuado prestações diversas, em dinheiro e bens, aos menores.
10 - Nestas circunstâncias a situação patrimonial da queixosa é a mesma que anteriormente ao mês de Maio de 2001.
11 - Ou seja: a queixosa não recebia a prestação de alimentos, mas também não tinha a despesa de renda de casa.
12 - Sendo certo que, anteriormente, por virtude do acordo entre ambos, que levava a que o arguido pagasse directamente a renda de casa, já a queixosa não contava para o seu orçamento doméstico com aquela quantia.
13 - Independentemente de se considerar se o arguido era ou não formalmente obrigado a pagar, face à caducidade dos acordos provisórios, a verdade é que a queixosa continuou a ter o mesmo rendimento mensal, que era o produto do seu trabalho, para além das demais prestações que o arguido efectuava aos filhos.
14 - Não se tendo verificado factos donde decorresse alguma alteração na vida da queixosa - não há qualquer alegação e prova nesse sentido - a sua situação patrimonial, em termos de disponibilidade económica, manteve-se a mesma.
15 - Ela dispunha, antes ou depois de Maio de 2001, das mesmas quantias em dinheiro, podendo organizar o seu orçamento doméstico do mesmo modo.
16 - Só se vindo a alterar no momento em que cessou o seu curso de formação, deixando assim de receber o vencimento relativo ao mesmo.
17 - O que determinou que os menores tenham passado a ficar entregues ao arguido, que os tem mantido ao seu cargo exclusivo.
18 - Assim, não podia ter sido dado como assente que foi criado risco para a subsistência dos menores, após o mês de Maio de 2001.
19 - Verificando-se errada interpretação dos factos quanto ao preenchimento do elemento do tipo legal, perigo para a subsistência, que não se verifica”.
O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu à motivação de recurso apresentada pelo Arguido, pugnando pela total improcedência do recurso por este interposto.
Nesta instância, o MINISTÉRIO PÚBLICO foi também de parecer que o recurso do Arguido não merece provimento, aderindo, in totum, à linha argumentativa já defendida pelo mesmo sujeito processual na resposta apresentada no tribunal a quo.
Na pendência do presente recurso e já depois de designada data para a audiência prevista nos arts. 421º, nºs 1 e 2, e 429º do CPP, o Arguido/Recorrente veio (em 8/4/2004) requerer a junção aos autos dum documento, intitulado “Declaração/Recibo”, alegadamente emitido e assinado pela queixosa B.........., com data de 11/10/2002, no qual a respectiva subscritora “declara que recebeu de A.......... (…) a quantia de 1.596,15 euros (mil quinhentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos)” e ainda que “nada mais tem a exigir do arguido relativamente às prestações alimentícias em causa naqueles autos de processo comum” (sic).
Tendo em conta o pagamento assim alegadamente efectuado pelo Arguido e o teor da sentença de 1ª instância, o Recorrente pediu fosse declarado extinto o presente recurso.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, a quem foi dada vista do aludido documento, limitou-se a apor o seu “Visto”.
Colhidos os vistos e efectuada a audiência prevista nos arts. 421º, nºs 1 e 2, e 429º do CPP, cumpre apreciar e decidir.
A PRETENDIDA EXTINÇÃO DO PRESENTE RECURSO
A sentença condenatória objecto do presente recurso condenou o Arguido pela prática, em autoria material, de dois crimes de violação da obrigação de alimentos p. e p. pelo art. 250º/1 do Código Penal revisto.
O nº 3 deste preceito permite ao tribunal dispensar de pena ou declarar extinta, no todo ou em parte, a pena ainda não cumprida, se a obrigação vier a ser cumprida.
Enquanto a aplicação da dispensa de pena, cujo regime geral consta do art. 74º do Cód. Penal, pressupõe que o tribunal ainda não tenha sequer proferido a sentença final, constituindo um sucedâneo da pena que o tribunal iria aplicar no caso concreto, já a extinção da pena ainda não cumprida pode e deve ter lugar já depois de transitada em julgado a sentença condenatória.
De qualquer modo, tendo o presente processo subido a esta Relação unicamente para o efeito de ser apreciado o recurso que o Arguido interpôs da sentença condenatória contra ele proferida em 1ª instância, sempre extravasa da competência deste tribunal de recurso decidir se, no caso dos autos, o alegado pagamento da referida quantia de € 1.596,15 (mil quinhentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos), feito pelo Arguido à queixosa em 11/10/2002, isto é, já depois de proferida, em 3/6/2002, a sentença condenatória objecto deste recurso e já em plena pendência do mesmo, deve consequenciar a dispensa da pena aplicada ao Arguido ou a extinção, no todo ou em parte, da mesma pena.
Será, pois, ao tribunal a quo que competirá, após a baixa do processo à 1ª instância, na sequência do julgamento do presente recurso, decidir se é caso de dever ser declarada extinta, no todo ou em parte, a pena imposta ao Arguido, nos termos do cit. art. 250º-3 do Cód. Penal, suposto que venha a ser negado provimento ao recurso por ele interposto contra a respectiva sentença condenatória.
O que, porém, tal pagamento seguramente não origina é a extinção da presente instância de recurso – contrariamente ao pretendido pelo Arguido/Recorrente (no seu requerimento de 8/4/2004).
FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1) Nos autos de divórcio litigioso, que correram termos pelo 3º Juízo deste Tribunal, sob o nº .../00, em sede de tentativa de conciliação, as partes acordaram converter o divórcio na modalidade de divórcio por mútuo consentimento, tendo, além do mais, acordado na regulação do poder paternal dos menores C.......... e D.........., acordo que foi homologado por decisão provisória de 20 de Novembro de 2002.
2) No âmbito do acordo supra referido, ficou estipulado, além do mais, que o arguido ficaria obrigado a pagar a quantia de quarenta mil escudos mensais, a título de alimentos devidos aos seus filhos menores C.......... e D.........., a partir de Dezembro de 2000.
3) Quantias essas a serem entregues à mãe da menor – B.........., por transferência bancária.
4) Além da quantia dita em 2), o arguido, por sua iniciativa, pagava a sala de estudo da filha, no valor de 30,00 Euros/mês e o seu almoço, no valor de 15,00 Euros/mês, e os livros, já que o filho beneficia do Escalão A, além de lhes oferecer roupas da sua própria confecção.
5) Todavia, desde a data dita em 1) que o arguido, ao invés de proceder pelo modo dito em 1) e 2), passou a pagar a renda da casa onde viviam a ofendida e os menores, por depósito na conta da senhoria, no valor de cerca de 232.938, 61 Euros, (Esc. 46.700$00), procedimento que mereceu o acordo tácito daquela.
6) Todavia, a partir de Maio de 2001, porque a ofendida foi viver para casa dos seus pais, levando consigo os menores, o arguido deixou de pagar a quantia de 230,00 Euros, pelo modo dito em 5), como vinha fazendo, sendo certo que não procedeu ao pagamento da quantia dita em 2), pelo modo dito em 3).
7) A partir de então, a ofendida viu-se obrigada a recorrer ao auxílio de familiares e amigos para fazer face às despesas com a educação e sustento dos menores.
8) Em Janeiro de 2002, porque a ofendida terminou o curso de formação profissional e se viu privada do rendimento mínimo que este lhe proporcionava, viu-se então obrigada a entregar os menores à guarda e cuidados do arguido, que passou a assumir todas as despesas inerentes ao seu sustento.
9) O arguido é vendedor de confecção de criança, por conta própria, auferindo a quantia média mensal de cerca de 1000,00 Euros, vive maritalmente com uma companheira de quem tem uma filha, tendo outro filho, a quem paga a pensão mensal de Esc. 15.000$00.
10) O arguido bem sabia estar obrigado a cumprir a determinação dita em 1), agindo de vontade livre e determinada, consciente da censurabilidade penal do seu comportamento.
11) Por despacho de 30-05-2001, proferido nos autos de divórcio ditos em 1), foi determinado o prosseguimento dos autos como divórcio por mútuo consentimento, ficando os autos a aguardar o impulso processual das partes.
12) O arguido não tem antecedentes criminais.
O MÉRITO DO RECURSO
Como flui do disposto no artº 428º, nº 1, do CPP, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, o que significa que, em regra, e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respectivos poderes de cognição.
Assim sendo, e de harmonia com o preceituado no nº 1 do artº 410º do mesmo diploma, os recursos para eles interpostos podem ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida e também, de acordo com os nºs 2 e 3 do mesmo preceito, os vícios que em tais números se arrolam (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova e nulidade que não deva considerar-se sanada).
Dito em síntese, isto quer dizer que os Tribunais da Relação são hoje os tribunais por excelência e, em princípio, os únicos com poderes de cognição irrestritos em matéria de recursos, apenas com a ressalva de que, no âmbito da matéria de facto, o seu poder cognoscitivo pressupõe que a prova produzida em audiência de 1ª instância tenha sido gravada e constem dos autos as transcrições dos respectivos suportes técnicos (cfr. artºs 412º, nºs 3 e 4 do CPP).
No caso dos autos, porém, embora a prova oralmente produzida em audiência de julgamento tenha sido registada por meios técnicos adequados (visto o MINISTÉRIO PÚBLICO, o defensor da Arguida e o Advogado da Assistente não haverem declarado, unanimemente, para a acta respectiva, que prescindiam da documentação das declarações prestadas oralmente em audiência [Declaração essa que, nos termos do art. 428º, nº 2, do CPP, equivale à declaração de renúncia ao recurso em matéria de facto] – cfr. o art. 364º, nº 1, do CPP, na redacção introduzida pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto), o ora Recorrente não põe em crise, no presente recurso, nenhum segmento da decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
É certo que ele sustenta - na sua motivação - que “não podia ter sido dado como assente que foi criado risco para a subsistência dos menores, após o mês de Maio de 2001”. Ao fazê-lo, o Recorrente não está, porém, a impugnar, nos termos do art. 412º, nº 3, do CPP, um determinado ponto da decisão proferida sobre matéria de facto pelo tribunal recorrido. Tanto assim que o Recorrente, podendo tê-lo feito, não se preocupa sequer em especificar (na sua motivação) as provas que, aos seus olhos, imporiam decisão diversa da recorrida (como exige a al., b) do nº 3 do cit. art. 412º).
O que sucede é que – aos olhos do Recorrente -, o tribunal a quo não podia ter retirado da factualidade considerada provada aquela conclusão a que chegou, na sentença recorrida, acerca da efectiva colocação em risco da subsistência dos menores, a partir de Maio de 2001, por a mesma conclusão estar em flagrante oposição com determinados factos considerados provados na sentença recorrida (v.g., com o facto de, a partir de Maio de 2001, a mãe dos menores filhos do Arguido ter ido viver para casa dos respectivos pais, levando consigo os menores). A discordância do Recorrente situa-se, portanto, exclusivamente no plano da qualificação jurídica dos factos considerados provados pelo tribunal a quo (e não no terreno da valoração das provas produzidas em audiência de julgamento).
Assim sendo, esta Relação não pode, no presente recurso, conhecer amplamente da matéria de facto, sem prejuízo de poder e dever conhecer oficiosamente de qualquer um dos mencionados vícios elencados nas diversas alíneas do nº 2 do art. 410º do CPP (cfr. a ressalva contida na 1ª parte do cit. art. 428º-2 do CPP e o Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19 de Outubro de 1995 [Este aresto fixou a seguinte doutrina obrigatória: “É oficioso, para o tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.], publicado in D.R., I Série-A, de 28 de Dezembro de 1995 e também in BMJ nº 450, p. 72), os quais, porém, «têm de resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento» [Ac. do STJ de 19/12/1990 proferido no Proc. nº 41 327, apud MAIA GONÇALVES in “Código de Processo Penal Anotado e comentado”, 11ª ed., 1999, p. 743], [Na verdade, qualquer dos vícios constantes do art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência, as quais não são senão «as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece e respeitam à apreciação de qualquer das hipóteses previstas no nº 2 do art. 410º» (GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, p. 339)].
Ora, como, no caso sub judice, não se evidencia que a matéria factual fixada na sentença recorrida padeça de qualquer um dos mencionados vícios de conhecimento oficioso previstos no cit. art. 410º-2 do CPP, cumpre conhecer apenas, à luz dos factos apurados na 1ª instância, das questões de índole estritamente jurídico suscitadas pelo Recorrente nas conclusões da sua motivação, sabendo – como se sabe – que é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [Cfr., neste sentido, designadamente, o Ac. do STJ de 17/9/97 (in Col. Jur., Acs. do STJ, 1997, tomo 3, p. 173), o Ac. do STJ de 3.2.99 (in BMJ nº 484, pág. 271), o Ac. do STJ de 25.6.98 (in BMJ nº 478, p. 242), o Ac. do STJ de 13.5.98 (in BMJ nº 477, pág. 263) e também SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES (in “Recursos em Processo Penal”, 5ª. ed., 2002, pp. 74 e 93), GERMANO MARQUES DA SILVA (in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pp. 320 e 321) e ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pp. 362 e 363)], [«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem)], [«Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões» (SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal”, 5ª. Ed., 2002, p. 93, nota 108)].
Tais questões são, essencialmente, as seguintes:
1) Se o elemento constitutivo do tipo legal de crime previsto no art. 250º, nº 1, do Código Penal revisto de 1995, consistente em o agente estar legalmente obrigado a prestar alimentos, não fica preenchido com a mera existência legal do direito a alimentos e da obrigação de os prestar, antes exige também a sua determinação concreta, traduzida num acordo homologado ou numa sentença judicial, ambos transitados em julgado;
2) Se, de qualquer modo, no caso dos autos, sempre faltava aqueloutro elemento constitutivo do mesmo tipo legal de crime consistente na existência de perigo para a subsistência do titular do direito a alimentos, por isso que, objectivamente, a partir de Maio de 2001 (data a partir da qual o arguido deixou de pagar a renda da casa onde até então tinham vivido a mãe dos seus filhos menores e estes, tão pouco tendo passado a entregar àquela a quantia de quarenta mil escudos mensais a cujo pagamento se obrigara, a título de alimentos a favor dos seus dois filhos menores, no acordo de regulação do poder paternal estabelecido aquando da tentativa de conciliação realizada em 20 de Novembro de 2002 no âmbito dum processo de divórcio litigioso instaurado no TJ de Amarante), a situação patrimonial da mãe dos filhos menores do arguido manteve-se exactamente a mesma que existia anteriormente, só se tendo alterado no final do ano de 2001 (quando aquela terminou o seu curso de formação profissional e deixou de receber a remuneração que o mesmo lhe garantia, altura em que os menores passaram a viver na companhia do arguido, ficando exclusivamente a cargo deste).
1) A PRETENSA INDISPENSABILIDADE DUMA DECISÃO JUDICIAL, QUE RECONHEÇA O DIREITO A ALIMENTOS E A OBRIGAÇÃO DE OS PRESTAR E FIXE A SUA EXACTA MEDIDA, PARA HAVER OBRIGAÇÃO LEGAL DE PRESTAR ALIMENTOS, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO ART. 250º-1 DO CÓD. PENAL.
Na tese do Recorrente, para se verificar o elemento constitutivo do crime previsto no art. 250º do C.P. aí definido como obrigação legal de prestar alimentos, não basta a existência desta obrigação legal prevista nos arts. 2003º e seguintes do Cód. Civil: enquanto não existir uma decisão judicial ou um acordo homologado, com trânsito em julgado, que determine a obrigação de alimentos e fixe a sua medida, aquele elemento constitutivo do referido tipo legal de crime não se mostra preenchido.
Quid juris ?
Segundo a descrição do tipo legal de crime previsto no cit. art. 250º-1 do Cód. Penal de 1995, a obrigação de alimentos a que o agente tem de estar vinculado necessita de ser legal.
«Parece não haver qualquer dúvida que o requisito “legal” quer significar com base na lei – o que conduz à conclusão de que estão abrangidas não só as obrigações que decorrem expressamente da lei, mas também as que resultam de sentença judicial» [DAMIÃO DA CUNHA in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II (Artigos 202º a 307º), Coimbra, 1999, p. 625].
Porém, o facto de as obrigações de alimentos terem de ser legais apenas «significa que têm de decorrer de imposição da lei, não carecendo, em regra, de uma decisão judicial» [DAMIÃO DA CUNHA, ibidem]. «Neste sentido, a referência à decisão judicial só pode ter interesse nos casos em que haja dúvida quanto à verificação dos pressupostos da obrigação ou quando a sua concessão dependa de um juízo de equidade (art. 2016º-2 do CC) ou do prudente arbítrio (art. 2007º do CC)». «Note-se, porém, que isto não significa a necessidade da intervenção de um juiz» [DAMIÃO DA CUNHA, ibidem].
Como bem salienta o MINISTÉRIO PÚBLICO (na sua resposta à motivação do Arguido), «presumindo-se, como tem de se presumir, que o legislador se expressou correctamente e tendo-se a certeza de que o legislador conhece a diferença entre a expressão estar legalmente obrigado a prestar alimentos e a locução estar judicialmente obrigado a prestar alimentos, não temos dúvidas de que o tipo legal abrange uma e outra daquelas situações». «A obrigação de prestar alimentos é legal quer exista quer não exista decisão judicial a fixar o respectivo montante» (ibidem) [Na jurisprudência, também é consensual o entendimento segundo o qual «a obrigação legal de prestar assistência ou alimentos à família, a que alude o art. 197º do C. Penal de 1982 disposição equivalente à do actual art. 250º do Cód. Penal revisto de 1995, não tem necessariamente que derivar da decisão judicial anterior, podendo resultar unicamente da lei» (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 3/10/1990, sumariado in Actualidade Jurídica, nº 12)].
«E isto é tanto assim quanto é certo que na redacção originária do citado preceito legal se aludia à obrigação de alimentos "por força da lei ou de decisão judicial", sendo esta última expressão eliminada por ser considerada redundante, porquanto "legalmente" é uma expressão que também abrange as decisões judiciais - cfr. Acta da Comissão Revisora de 03/04/1990» (ibidem).
Assim sendo – e como bem se observa na sentença ora recorrida -, «ainda que os efeitos do acordo de regulação do exercício do poder paternal relativamente aos dois filhos menores do ora arguido, que foi obtido aquando da realização da tentativa de conciliação que teve lugar em 20 de Novembro de 2002 no âmbito dum processo de divórcio litigioso que correu termos no 3º Juízo do TJ de Amarante houvessem cessado por se ter gorado o divórcio na modalidade de mútuo consentimento, sempre o arguido estava obrigado a prestar alimentos aos seus dois filhos menores, por força da lei arts. 1879º e 2009º do Cód. Civil, servindo aquele acordo de indicador para a medida desses alimentos, pois que se tal valor foi encontrado por acordo das partes, foi justamente porque as mesmas reconheceram que era o valor que melhor fazia o compromisso entre as possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos e as necessidades dos alimentandos».
Donde que o presente recurso improcede necessariamente, quanto a este 1º fundamento.
2) A PRETENSA NÃO VERIFICAÇÃO DO OUTRO ELEMENTO CONSTITUTIVO DO TIPO LEGAL DE CRIME DESCRITO NO CIT. ART. 250º-1 DO CÓD. PENAL CONSISTENTE NA EXISTÊNCIA DE PERIGO PARA A SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES FUNDAMENTAIS DO TITULAR DO DIREITO A ALIMENTOS, DECORRENTE DO FACTO DE A SITUAÇÃO ECONÓMICO-FINANCEIRA DA MÃE DOS FILHOS MENORES DO ARGUIDO SE TER MANTIDO INALTERADA ENTRE MAIO E DEZEMBRO DE 2001.
Como se viu, está provado que:
a) a partir de Maio de 2001, porque a mãe dos seus filhos menores foi viver para casa dos respectivos pais, levando consigo os menores, o arguido deixou de pagar a renda da casa onde aqueles até então tinham vivido, tão pouco tendo passado a entregar àquela a quantia de quarenta mil escudos mensais a cujo pagamento se obrigara, a título de alimentos a favor dos menores, no acordo de regulação do poder paternal estabelecido aquando da tentativa de conciliação realizada em 20 de Novembro de 2002 no âmbito dum processo de divórcio litigioso instaurado no TJ de Amarante;
b) A partir de então, a mãe dos filhos do arguido viu-se obrigada a recorrer ao auxílio de familiares e amigos para fazer face às despesas com a educação e sustento dos menores;
c) Em Janeiro de 2002, porque aquela terminou o curso de formação profissional e se viu privada do rendimento mínimo que este lhe proporcionava, viu-se então obrigada a entregar os menores à guarda e cuidados do arguido, que passou a assumir todas as despesas inerentes ao seu sustento.
Perante esta factualidade, não se vislumbra como pode pretender-se que se não verificou, no caso dos autos, o mencionado elemento do tipo legal de crime em questão, traduzido na colocação em perigo, sem auxílio de terceiros, da satisfação das necessidades fundamentais do titular do direito a alimentos.
Ainda assim, sustenta, porém, o Recorrente que a sua omissão, a partir de Maio de 2001, do pagamento da referida quantia mensal de Esc. 40.000$00 deixou intocada a situação patrimonial da mãe dos menores, que deixou de contar mensalmente com aquela verba, mas deixou igualmente de ter a despesa que a mesma visava liquidar (a renda da casa onde ela e os menores até então habitaram), pois que o arrendamento se extinguiu.
Porém – como pertinentemente se observa na sentença recorrida -, «sendo o dinheiro coisa fungível, é apodítico que a omissão do pagamento por parte do arguido, só pode significar um empobrecimento equivalente na esfera patrimonial da ofendida, empobrecimento esse que colocou em perigo a satisfação das necessidades que a obrigação de alimentos visa assegurar e preservar».
De resto – e como bem salientou o MINISTÉRIO PÚBLICO (na sua resposta à motivação do arguido) -, «o raciocínio do recorrente está ab initio ferido do vício de que ofendido no crime em apreço é a mãe dos menores e não estes». «Ora, ofendido no crime de violação da obrigação de alimentos é o próprio alimentando e não aquele ou aqueles, inclusive a mãe, que em substituição do obrigado passaram a suportar as despesas com as necessidades fundamentais do titular dos alimentos, por forma a que a situação de perigo a que o artigo 250º do Código Penal alude se não transforme em dano» (ibidem).
Por isso, «é absolutamente indiferente para o preenchimento do crime em apreço que a situação económica da mãe dos menores se tenha alterado ou não em consequência da eliminação da despesa relativa à renda de casa». De facto, para a verificação ou não deste elemento constitutivo do tipo legal de crime descrito no cit. art. 250º-1 do Cód. Penal, consistente na existência de perigo para a satisfação das necessidades fundamentais do titular do direito a alimentos, a única situação económico-financeira juridicamente relevante é a do próprio titular do direito a alimentos.
Ora, no caso dos autos, perante a factualidade considerada provada, nenhumas dúvidas se suscitam quanto ao facto de os menores filhos do arguido não disporem de recursos económico-financeiros para proverem, por si sós, sem o auxílio de terceiros, à satisfação das suas necessidades fundamentais.
Eis por que o presente recurso também improcede, necessariamente, quanto a este 2º fundamento.
DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes da 4ª Secção deste Tribunal da Relação em:
a) julgar improcedente a pretensão do Recorrente de que se declare extinto o presente recurso, mercê do alegado pagamento que o Arguido fez à queixosa, em 11/10/2002, da referida quantia de € 1.596,15 (mil quinhentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos);
b) negar provimento ao recurso interposto pelo Arguido, assim confirmando, na íntegra, a sentença proferida pelo tribunal a quo.
Custas do recurso a cargo do Recorrente.
Taxa de justiça: 10 (dez) UCs (art. 87º, nº 1, al. b), do Cód. das Custas Jud.).
Porto, 28 de Abril de 2004
Rui Manuel de Brito Torres Vouga
Arlindo Manuel Teixeira Pinto
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
David Pinto Monteiro