AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A PRÁTICA DE ATO
CONSELHO DE FAMÍLIA
CONFLITO DE INTERESSES
Sumário

Na acção de autorização para a prática de acto em representação de maior acompanhado, não existe impedimento, contradição ou conflito prejudicial aos interesses do acompanhado em citar para contestar pessoa que integre o Conselho de Família desde que seja o parente sucessível mais próximo do maior ou, havendo vários parentes do mesmo grau, considerado o mais idóneo.

Texto Integral

RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2024:301.14.0TBVCD.C.P1

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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


I. Relatório:
AA, contribuinte fiscal n.º ...63, residente em Rio ..., ..., instaurou, nos termos do disposto no artigo 1014.º do Código de Processo Civil, acção de autorização judicial, pedindo autorização para na qualidade de acompanhante de maior de BB, contribuinte fiscal n.º ...25, propor a acção judicial n.º 788/23.0T8VCD, que corre termos no Juízo Local Cível de Vila do Conde, Juiz 1, entretanto suspensa até que a autorização seja concedida, bem como a ratificação dos actos já praticados no aludido processo.
Citados o Ministério Público e CC, na qualidade de parente sucessível mais próximo, nos termos do artigo 1014.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, contestou apenas o Ministério Público impugnando por desconhecimento os factos alegados.
Na reunião do Conselho de Família o Ministério Público e a protutora DD manifestaram concordarem com a autorização e a Vogal EE que se opõe à autorização.
A seguir foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada procedente e a requerente AA, na qualidade de acompanhante de BB, autorizada a propor e prosseguir com a acção n.º 788/23.0T8VCD a qual corre termos na Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Vila do Conde, Juiz 1.
Do assim decidido, veio a Vogal do Conselho de Família interpor recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I) AA, nomeada Acompanhante do irmão BB, Maior Acompanhado, requereu autorização judicial para os termos da acção declarativa n.º 788/23.0T8VCD do Juízo Local Cível de Vila do Conde – Juiz 1, contra EE e FF, pedindo entre outros que fosse decretada definitivamente a entrega já ordenada, conforme acórdão Relação do Porto, da parte do imóvel – casa de habitação – por estes ocupado, por força do acordo (caducado) referido, livre de pessoas e bens à Demandante.
II) Por via disso, no despacho datado de 26/06/2023 - com a Ref.ª. 449713225, foi ordenada a citação do parente sucessível mais próximo.
III) No entanto, existiu erro na identificação daquele parente sucessível mais próximo, pois que foi identificado como sendo DD, que é Protutora e por via disso faz parte do Conselho de Família à semelhança da Recorrente/Vogal, o que também resulta dos autos.
IV) De facto, o parente sucessível mais próximo é a CC, enquanto irmã do incapaz BB, o que aliás é confirmado pela Mma. Juíza na sentença de que agora se recorre (proferida em 10/11/2023, com a ref. 45368477), porquanto o Tribunal a quo identifica e reconhece, aquela CC, na referida qualidade.
V) Também na sentença proferida e datada de 24/05/2023 com a ref. 448513038, nos mesmos autos e atinente a autorização judicial anteriormente requerida, aquela CC, para além do Ministério Público, foi também citada na referida qualidade de parente sucessível mais próximo.
VI) Pelo que se torna necessário que a referida CC seja citada e chamada aos autos a fim de manifestar a sua posição quanto ao pedido em causa apresentado pela sua irmã AA na qualidade de Acompanhante do irmão de ambas BB.
VII) De facto, a Protutora DD apesar de “indevidamente” citada e de ser acompanhada em todos os actos por mandatário forense, conhecedor dos tramites processuais e legais, não contestou nem dirigiu qualquer requerimento aos autos, nomeadamente, a esclarecer o lapso cometido. Também cremos que poderá ter sucedido atenta a incompatibilidade de funções. Deste modo, apenas o Ministério Público deduziu oposição, na qual em sumula, impugnou a factualidade alegada por desconhecimento.
VIII) E convocado o Conselho de Família ao abrigo do n.º 3 do artigo 1014.º, do CPC, foi notificada quer a ora recorrente/vogal EE, quer a protutora DD, tendo a primeira manifestado a sua oposição ao pedido de autorização da Acompanhante AA e a segunda votando favoravelmente a ser intentada a acção.
IX) Ora, após a atenta leitura da douta Sentença é que se verificou existiu erro quer na indicação do parente mais próximo, quer na citação deste, não tendo, por via disso, a parente sucessível mais próxima e irmã do Maior Acompanhado, CC, manifestado a sua posição, nem o podia fazê-lo, pois que não foi sequer citada para os presentes autos de Autorização/Confirmação Judicial.
X) Incorrem os presentes autos em Nulidade Processual por falta de citação da parente sucessível mais próxima e irmã do Maior Acompanhado, CC, ao abrigo das alíneas b) e e) artigo 188.º n. º 1 do Código Processo Civil, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
XI) Reza o artigo 188.º n. º1 do Código Processo Civil que: “1 - Há falta de citação: a) Quando o acto tenha sido completamente omitido; b) Quando tenha havido erro de identidade do citado; c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) Quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.”
XII) Neste sentido, entre muitos outros, confira-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo nº 2000/20.5T8OVR-A. P1, em 21-06-2022 e disponível na íntegra em www.dgsi.pt, onde se lê: “Ocorre falta de citação quando o acto se omitiu (inexistência pura) ou, ainda que efectuado, tenha sido feito, com atropelo à lei tão grave e erro tão grosseiro, que lhe deva ser equiparado. Aqui se abrangem os casos em que, apesar de formal e processualmente existir citação, se há-de entender que esta não se mostra efectuada”.
XIII) Do acórdão supra-referido também se lê que “A falta de citação integra uma nulidade absoluta, de conhecimento oficioso e determina a anulação de todo o processado, após a petição inicial, cfr. art.º 187.º, al. a) do C.P. Civil e dela trata o art. 188.º do C.P. Civil. A nulidade da citação é considerada uma nulidade secundária, só pode ser invocada pelo demandado, e a ela se reporta o art.º 191.º do C.P. Civil. Tanto a falta como a nulidade de citação fundamentam a anulação de todo o processado posterior e, em sede executiva, a oposição à execução, se a acção condenatória tiver corrido à revelia do réu; caso contrário, consideram-se sanadas”.
XIV) O artigo 188.º n.º 1 do Código de Processo Civil esclarece os casos em que se verifica falta de citação e que são, no que aqui agora releva, o erro de identidade do citado e quando se demonstre que o destinatário não chegou a ter conhecimento do acto por facto que não lhe seja imputável.
XV) Dispõe ainda o nº 1 do artigo 195.º do CPC, que “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
XVI) Ora, in casu, o erro na identidade do citado e consequentemente a falta de citação da parente mais próxima do Maior Acompanhado, CC, constitui nulidade processual à luz do regime do artigo 195.º e seguintes do CPC, porquanto trata-se de uma irregularidade cometida com manifesta influência na boa decisão da causa.
XVII) Salvo o devido respeito, a Douta Sentença recorrida, é censurável do ponto de vista jurídico-legal, porque enferma de nulidade/irregularidade processual por falta de citação CC, considerada a parente sucessível mais próxima e por via disso impediu que esta CC manifestasse a sua posição relativamente ao pedido de autorização feito nos autos.
XVIII) Na verdade, “quer o direito de acção, quer de defesa, assentam numa determinada qualificação jurídica dos factos carreados para o processo, que as partes tiveram por pertinente e adequada quando procederam à respectiva articulação. Deste modo qualquer alteração do módulo jurídico perfilhado, designadamente quando assuma um grau particularmente relevante, é susceptível de comprometer a posição das partes…e daí a proibição imposta pelo nº 3” do artigo 195º do CPC, (artigo 201º do CPC revogado) - Abílio Neto in Breves Notas ao Código do Processo Civil, Ano 2005, pág. 10.
XIX) Termos em que se requer seja julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, anulada a sentença proferida, devendo, por via disso proceder-se à citação da parente sucessível mais próxima CC, para manifestar a sua posição nos autos.
XX) Violou, pois, a douta sentença ora em crise, por erro de integração e interpretação, o consignado nos artigos 3º, 188º e 195º todos do Código Processo Civil.
Termos em que se deve conceder provimento ao presente recurso, devendo o mesmo ser julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida.
O Ministério Público respondeu a estas alegações defendendo a manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.



II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida quem devia ser citado para contestar a presente acção de autorização judicial para a prática de actos pelo acompanhante de maior acompanhado e, eventualmente, qual a consequência de não ter sido citada a pessoa devida.



III. Fundamentação de facto:
O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. Por sentença transitada em julgado e proferida no âmbito dos autos principais com o n.º 301/14.0TBVCD foi decretada a interdição por anomalia psíquica de BB e fixada como data do começo da incapacidade 17.10.1967.
2. Por decisão de 12.05.2021 proferida nos autos principais, foi aplicada ao beneficiário BB, as medidas de acompanhamento de representação geral e administração total dos bens e foi nomeada para Acompanhante do mesmo, a sua irmã AA.
3. Em 12.06.2021, AA, por si e em representação de BB instaurou a acção declarativa n.º 788/23.0T8VCD contra EE e FF, pedindo que: «… acção deve ser julgada provada e procedente, e, em consequência, ser os Demandados condenados a: a) Conhecer o direito da Requerente a residir no imóvel juntamente com o seu irmão BB; b) Ser decretada definitivamente a entrega já ordenada, conforme acórdão Relação do Porto, da parte do imóvel ocupado, por força do acordo (caducado) referido, livre de pessoas e bens à Demandante.…».
4. Na petição inicial, os Autores alegam, em síntese, que Autores e Ré mulher são irmãos e que os pais de todos, em 12.02.1998, outorgaram escritura de doação a favor da Ré, onde lhe doaram vários prédios, mas onde também foram fixadas condições.
Mais alegam os Autores que a Ré incumpriu tais condições, razão pela qual os doadores instauraram a acção n.º 814/10.3TBVCD, que terminou com uma transacção de 06.05.2013. Como tal acordo não foi cumprido, a Autora instaurou a acção n.º 877/21.6T8VCD onde pediu a resolução da doação à Ré, processo esse onde ainda não foi proferida sentença.
Desde a morte da mãe, que a Autora utiliza parte do imóvel, par aprestar cuidados ao pai (enquanto este foi vivo) e aos irmãos, e desde a morte do pai, a Autora mantém-se a usufruir da parte antiga da casa porque continua a prestar cuidados a BB, acompanhado nos autos principais. Tal direito ficou previsto no testamento outorgado em 26.10.2016, pelo pai de Autores e Ré mulher. Assim, a Autora e BB têm direito a ocupar o referido imóvel.
A Ré instaurou contra a aqui Autora um procedimento cautelar com o n.º 690/21.0T8VCD, o qual foi julgado totalmente improcedente, mas ainda assim a Ré (e na sequência de um acordo provisório alcançado no mesmo) continua a ocupar o imóvel e com o seu comportamento põe em causa o bem-estar do BB, sendo que ambos – Autora e BB têm direito de residir no prédio.
5. Realizado o conselho de família, do mesmo consta que:
«… Ouvida a Protutora DD pela mesma foi declarado que não se opõe ao pedido efectuado pela requerente. Ouvida a Vogal EE pela mesma foi declarado que se opõe ao pedido efectuado por AA, acompanhante de BB. Seguidamente, a Digna Magistrada proferiu o seguinte despacho: Nos termos e para os efeitos do art. 1020º do Código de Processo Civil, o Ministério Público vota favoravelmente quanto à autorização requerida, porquanto entende-se que nenhum prejuízo existe relativamente à instauração daquela acção pelo acompanhado».


IV. Matéria de Direito:
A acção especial de autorização ou confirmação de certos actos encontra-se regulada no artigo 1014.º do Código de Processo Civil.
Nos termos do n.º 2 deste preceito, uma vez pedida a autorização judicial para a prática de actos cuja eficácia ou validade dependa dessa autorização, «são citados para contestar, além do Ministério Público, o parente sucessível mais próximo do visado ou, havendo vários parentes do mesmo grau, o que for considerado mais idóneo
No caso, uma vez apresentada a petição inicial foi proferido o seguinte despacho liminar: «Cite o Ministério Público e DD, na qualidade de parente próximo, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 1014.º, n.º 2 do Código de Processo Civil».
Na sequência desse despacho a DD foi citada com força de citação pessoal, não tendo contestado, oposição que apenas o Ministério Público apresentou, impugnando por desconhecimento a factualidade alegada.
Sustenta a recorrente e Vogal do Conselho de Família que existe falta de citação porque não foi citada a pessoa que devia ter sido citada, rectius, que a citada DD é protutora, integrando o Conselho de Família, e por isso «o parente sucessível mais próximo é CC, irmã do maior acompanhado BB, o que aliás é confirmado na sentença onde o Tribunal a quo atribui essa qualidade à CC».
Cremos que existe aqui um aproveitamento que não colhe.
É por manifesto lapso, devido, certamente à utilização do suporte informática da sentença anteriormente proferida no apenso B onde essa indicação era correcta, que na sentença se menciona que foi citada a «CC, na qualidade de parente sucessível mais próximo».
Com efeito, quem, ao abrigo do mesmo preceito legal e, portanto, na referida qualidade, foi citado foi a DD, pelo que aquele lapso é não apenas evidente como sanável a todo o tempo.
De todo o modo, essa menção é feita apenas no relatório da sentença, no decurso da descrição da tramitação processual anterior, pelo que não integra nem a fundamentação, nem a decisão da sentença recorrida, não advindo desse lapso qualquer vinculação para o tribunal recorrido ou para esta Relação.
A pessoa que o artigo 1014.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, manda citar é «o parente sucessível mais próximo do visado ou, havendo vários parentes do mesmo grau, o que for considerado mais idóneo».
Ora parece resultar dos autos que o maior acompanhado é solteiro, os pais já faleceram, não tem filhos e tem quatro irmãs: a AA, nomeada acompanhante, a DD, nomeada Protutora, a EE, nomeada Vogal do Conselho de Família, e a CC, que não faz parte do Conselho de Família.
Todas são irmãs, logo, todas são o «parente sucessível mais próximo» do maior acompanhado porque são todas parentes do mesmo grau (artigos 1578.º, 1579.º, 1580.º, n.º 1, e 2013.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil), não havendo outro parente à sua frente na ordem de sucessores.
Por isso é tão correcto afirmar que o parente sucessível mais próximo do maior acompanhado é a irmã CC, como afirmar que o é qualquer outra das suas irmãs. Daí resulta que é impossível afirmar, como afirmam os recorrentes, que não foi citada a pessoa que havia que citar, rectius, que em vez de ter sido citada a irmã DD devia ter sido citada a irmã CC.
«Havendo vários parentes do mesmo grau», que era a situação dos autos, diz a citada norma processual que deve ser citado «o que for considerado mais idóneo». A norma não diz, por exemplo, que deve ser o mais velho deles, o que tiver relação mais próxima com a pessoa para cuja actuação é pretendida a autorização judicial. O critério legal de eleição da pessoa a citar é, pura e simplesmente, o da idoneidade.
Pessoa idónea é a pessoa que possui características ou qualidades pessoais e/ou morais que a tornam apta, capaz, competente ou própria para uma certa finalidade. Uma vez que a finalidade da citação para a acção de autorização judicial é a de fiscalizar o pedido, isto é, avaliar se o acto a autorizar é do interesse do maior acompanhado ou não, e, em função disso, decidir contestar ou não contestar o pedido de autorização, a idoneidade do citando deve ser aferida pelo seu interesse e preocupação com a protecção dos direitos do maior acompanhado.
A idoneidade não se confunde com a ausência de conflito de interesses. A pessoa pode não estar em conflito de interesses e apesar disso não ser idónea. Embora a existência de conflito de interesses possa obstar a uma avaliação de idoneidade, esta avaliação não passa por saber quem tem argumentos para defender a improcedência ou falta de fundamento do acto a autorizar, situando-se no pólo oposto do conflito entre o maior acompanhado e as demandadas naquele acto (a propositura da acção).
Com efeito, não cabe no âmbito da acção judicial para a instauração de uma acção judicial em representação do maior acompanhado qualquer juízo sobre o mérito e/ou a viabilidade da acção; cabe somente a avaliação da adequação da acção à protecção ou tutela dos interesses do maior, isto é, se a mesma visa a defesa desses interesses e é necessária e adequada para proporcionar ao maior acompanhado uma vantagem ou benefício.
Como quer que seja, certo é que não existem nos autos elementos que permitam afirmar que a irmã CC é mais idónea que a irmã DD, pelo que deveria ter sido aquela a ser citada.
A única objecção que vem levantada relaciona-se com a circunstância de a irmã CC ser a única que não integra o Conselho de Família, pretendendo-se que por isso ela era a única que podia ser citada. Esta objecção pressupõe que quem integra o Conselho de Família e vai ser chamado a dar parecer sobre a autorização, não pode ser citado para contestar por já ter essa intervenção na lide.
A verdade, porém, é que não existe no regime civil da tutela constante do artigo 1927.º e seguintes do Código Civil qualquer norma que estabeleça esse impedimento. Não só não existe, como o mesmo é mesmo contrário às finalidades do Conselho de Família. Nos termos do artigo 1954.º do Código Civil, pertence ao Conselho de Família vigiar o modo por que são desempenhadas as funções do tutor e exercer as demais atribuições que a lei especialmente lhe confere. Ora vigiar o modo de exercício das funções do tutor não pode deixar de compreender tomar posição sobre os actos que ele pretende praticar e para os quais necessita de autorização judicial.
Para além de não haver contradição entre ser membro do Conselho de Família e poder contestar o pedido de autorização judicial, parece-nos que nenhum dos papéis absorve ou impede o outro.
O Conselho de Família é um órgão colegial, pelo que o seu parecer é resultado de uma deliberação tomada por maioria de votos (artigo 1020.º do Código de Processo Civil). Acresce que o parecer não é vinculativo para o tribunal que pode decidir em sentido contrário ao da deliberação do Conselho.
Ao invés, a decisão da pessoa citada de contestar ou não a acção é uma decisão pessoal e a apresentação da contestação representa um acto potestativo de natureza processual que se impõe ao tribunal, o qual para decidir tem de levar em conta os argumentos apresentados na contestação e a prova produzida por todas as partes.
Por isso, absolutamente nada impede um membro do Conselho de Família de nessa qualidade expressar o seu voto quanto à deliberação a adoptar pelo Conselho e, tendo sido citado para contestar, apresentar contestação independentemente da deliberação que tiver sido aprovada.
Nem aquele voto condiciona a decisão de contestar, nem o teor da contestação é prejudicado pelo sentido daquele voto, sendo certo que a falta de contestação não tem efeito cominatório e, portanto, não obstante a falta de contestação, o juiz deve promover a produção de todas as provas indicadas e realizar todas as diligências necessárias para proferir a decisão adequada à defesa dos interesses do tutelado.
Em suma, não existe qualquer impedimento, contradição ou conflito real que possa prejudicar os interesses do maior acompanhado em citar para contestar a acção pessoa que integre o Conselho de Família ... desde que seja o parente sucessível mais próximo do maior ou, havendo vários parentes do mesmo grau, considerado o mais idóneo.
Como vimos, a única questão suscitada no recurso é a da nulidade do processado posterior à petição inicial por falta de citação de quem devia ser citado para contestar. A citação, todavia, foi feita e, não se podendo afirmar que o foi em que não o podia ser de todo, caso em que então sim se poderia hipotisar a verificação daquele vício, a questão não é, afinal de contas, de falta de citação, quando muito seria de escolha da pessoa que veio a ser citada, isto é, se essa indicação pelo juiz respeitou o critério legal.
Tanto basta para concluir pela improcedência do recurso porque este, como vimos, não tem por objecto a impugnação do critério de designação da pessoa que foi citada e quanto a esta obviamente não se pode pretender que houve falta de citação.



V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a sentença recorrida.


Custas do recurso pela recorrente.
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Porto, 9 de Maio de 2024.

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Os Juízes Desembargadores
Relator: Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 821)
1.º Adjunto: António Carneiro da Silva
2.º Adjunto: Ana Vieira



[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]