I. A decisão da Formação prevista no n.º 3 do art.º 672.º do CPC é definitiva (n.º 4 do art.º 672.º do CPC).
II. Assim, a circunstância de o coletivo a quem a revista foi distribuída ter constatado que o acórdão da Relação apresentado como acórdão-fundamento, cujo trânsito em julgado estava certificado nos autos, havia sido alterado, quanto à questão que interessava ao recurso, por acórdão do STJ publicado na base de dados www.dgsi.pt, não obsta ao julgamento da revista excecional, cuja admissão havia sido decidida pela Formação com base na alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º
III. O direito ao reembolso das quantias pagas por uma seguradora em cumprimento de contrato de seguro de acidentes de trabalho, exercido pela seguradora contra a entidade empregadora que alegadamente havia incumprido as regras de segurança aplicáveis à atividade em curso, prescreve nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 498.º do Código Civil.
IV. Sendo a obrigação de indemnização cumprida em prestações parcelares ou faseadas, em princípio a contagem da prescrição inicia-se a partir do último pagamento.
V. É admissível a destrinça, para a contagem do prazo de prescrição, de núcleos indemnizatórios autonomizáveis correspondentes a danos normativamente diferenciados, contando-se o prazo de prescrição a partir do último pagamento inserido no mesmo núcleo indemnizatório.
VI. No que concerne a núcleos indemnizatórios compostos por rendas ou pensões vitalícias, o prazo de prescrição do direito ao reembolso inicia-se e corre autonomamente em relação a cada pagamento parcelar.
VII. Recai sobre o arguente da prescrição o ónus da demonstração da ocorrência de núcleos indemnizatórios autónomos, suscetíveis de desencadearem a antecipação da contagem da prescrição face ao último pagamento efetuado.
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. Em 14.7.2021 Zurich Insurance Public Limited Company – Sucursal em Portugal, intentou ação declarativa de condenação, com a forma comum, contra Ourogal – Sociedade Transformação Comercialização Produtos Agrícolas, S.A.
A A. alegou que, em cumprimento de um contrato de seguro de responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho, que outorgara com a R., a A. suportou despesas, que discriminou, respeitantes a um trabalhador da R., que em 12.11.2012 sofrera um sinistro laboral ao serviço desta. Sucede que o acidente ocorreu porque a R. não respeitou as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho. Assim, nos termos do disposto nos artigos 17.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, e 593.º n.º 1 do Código Civil, a A. vem reclamar da R. o ressarcimento das quantias que pagou por conta da regularização do sinistro.
A A. terminou pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 50 466,78, relativa às despesas com o sinistro descrito, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar da citação e até integral e efetivo pagamento, e bem ainda todas as quantias que a A. viesse a pagar por força da decisão proferida na ação especial de acidentes de trabalho referenciada na petição inicial.
2. A R. contestou, arguindo a prescrição do direito da A. e impugnando parcialmente os factos alegados na petição inicial.
A R. concluiu pela sua absolvição dos pedidos, por prescrição do direito que a A. pretendia fazer valer ou, caso assim se não entendesse, pela falta de prova e total improcedência da ação.
3. A convite do tribunal, a A. respondeu à exceção de prescrição, pugnando pela sua improcedência.
4. Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção de prescrição.
Fixou-se o valor da ação em € 50 466,78, indicou-se o objeto do litígio e enunciou-se os temas da prova.
5. A R. apelou do despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a exceção de prescrição do direito da A. e, por acórdão datado de 20.4.2023, complementado por acórdão datado de 28.6.2023 (que supriu nulidade de que enfermava o primeiro acórdão referido), a Relação de Évora julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
6. A R. interpôs revista excecional, formulando as seguintes conclusões:
“A) Nos termos e para os efeitos do disposto no artº 672º, nº 1, al. c) do CPC, a Ré entende que existe oposição entre os Acórdãos recorridos e o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito do Pº 329/06.4TBAGN.C1, datado de 07-09-2010 (disponível para consulta em www.dgsi.pt.).
B) Ambos os acórdãos versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas, subsumíveis às mesmas normas legais, foram proferidos em processos diferentes, e mereceram decisões opostas, verificando-se contradição entre ambos sobre a mesma questão fundamental de direito.
C) O Acórdão recorrido, ao decidir que o prazo prescricional do direito da Seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente de trabalho não se conta da data do sinistro mas sim da data do pagamento, pronunciou-se no sentido de que o referido prazo se inicia a partir do último pagamento feito pela Seguradora ao sinistrado.
D) Em sentido inverso, o Acórdão fundamento, ao decidir que o essencial na averiguação do prazo da prescrição é que o titular do direito de regresso saiba que tem o direito de ser ressarcido pelos danos que suportou, pronunciou-se no sentido que a contagem do referido prazo não tem como pressuposto o integral cumprimento da obrigação que dá origem ao direito de regresso, mas a data em que o titular teve conhecimento do direito de regresso que lhe assiste.
E) O que significa que para efeitos da aplicação do regime da prescrição estatuído no artº 498º, nº 2 do CC, o direito de regresso da Autora/Seguradora, in casu, está prescrito ou não, consoante se trate do Acórdão fundamento ou do Acórdão recorrido, do que se conclui verificar-se a invocada e necessária oposição de julgados.
F) O direito ao reembolso exercido pela Autora por via da presente ação constitui um direito de regresso, sendo o prazo de prescrição o de 3 (três) anos, contado a partir do cumprimento, de acordo com o disposto no artº 498º, nº 2 do Código Civil (CC).
G) A Autora, com base no relatório da R1ser sobre as causas do sinistro e respetivos danos sofridos pelo segurado/sinistrado, datado de 04/12/2012, funda o invocado direito de regresso no entendimento de que a Ré, entidade patronal do sinistrado, violou as regras relativas à segurança no trabalho, constituindo-se assim em responsabilidade civil e na obrigação de reparar os danos causados.
G) O início da contagem do prazo de prescrição, previsto na citada disposição legal, não corresponde à data do último pagamento efetuado pela Autora ao sinistrado, alegadamente ocorrido em 07/08/2019, mas sim à data em que a Autora teve conhecimento do direito de regresso que supostamente lhe assiste, ou seja, e de acordo com o que a própria Recorrente alega na p.i., em 04/12/2012.
H) A Autora, em 20/04/2014, com o trânsito em julgado da sentença proferida no Pº. 379/12.1..., ficou a saber que tinha de pagar ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia, e, a essa data, já tinha conhecimento, por via do relatório da R1ser, que lhe assistia o eventual direito a ser ressarcida pelos danos que suportou.
I) A Autora devia ter interposto a ação com vista ao reconhecimento do direito de reembolso que se arroga titular junto da Ré até 04/12/2015, data a partir da qual o mesmo tem de se considerar prescrito, nomeadamente, em relação a todos os pagamentos efetuados pela Autora até 15/07/2018, tendo presente que a data da entrada da ação em Juízo é a de 15/07/2021.
J) Decorridos quase 6 (seis) anos após aquela data (04/12/2015), mais de 7 (sete) anos desde a alta clínica do sinistrado (12/11/2013), e do trânsito em julgado da sentença do Pº. nº 379/12.1... (20/04/2014), em que se fixaram os valores a pagar ao sinistrado em resultado do acidente de trabalho, não pode deixar de se sancionar a inércia e o desinteresse da Autora, entendendo-se que o seu direito já não merece tutela, e considerando-se assim a ordem jurídica desobrigada de a prestar.
L) Sendo, todavia, mui douto, o Acórdão recorrido violou por erradas interpretação e aplicação as disposições legais anteriormente citadas, e as mais ao caso aplicáveis, o que constitui fundamento da revista, conforme prevê o artº 674º, nº 1, al. a) do CPC.”
A recorrente terminou pedindo que a revista excecional fosse admitida e lhe fosse dado provimento e, em consequência, fosse revogado o douto Acórdão que julgou improcedente o recurso interposto da decisão da 1ª Instância, com as legais consequências.
7. Não houve contra-alegações.
8. Enviado o processo à Formação prevista no n.º 3 do art.º 672.º do CPC, por esta foi decidido admitir o recurso de revista excecional interposto pela R., por considerar que se verificava a apontada contrariedade entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento.
9. Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Questão prévia
A questão objeto deste recurso consiste na fixação do modo de contagem da prescrição do direito que a seguradora exerce nesta ação.
Sobre essa questão, sobre a qual recaiu o acórdão recorrido, a recorrente indicou, para fundamentar a presente revista excecional, o acórdão da Relação de Coimbra, proferido em 07.09.2010, no processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.
Ora, embora na certidão judicial junta aos autos se certifique que o aludido acórdão transitou em julgado em 11.10.2010, após estudo da jurisprudência existente sobre esta matéria constatámos que na base de dados www.dgsi.pt está publicado o acórdão do STJ, de 07.4.2011, igualmente proferido no processo n.º 329/06.4TBAGN.C1, o qual, na sequência de revistas interpostas por ambas as partes contra o aludido acórdão da Relação, julgou improcedente a revista interposta pelo R. e concedeu parcial provimento à revista interposta pela A./seguradora, revogando o acórdão recorrido no que se refere ao segmento decisório em que se havia apreciado a questão da prescrição do direito de regresso, e, consequentemente, julgando improcedente tal exceção perentória.
Assim, indicia-se que o acórdão-fundamento não transitou em julgado nos termos certificados, pelo que não estariam reunidos os requisitos para a pretendida revista excecional (cfr. art.º 672.º n.º 1 alínea c) do CPC). Porém, o certo é que a decisão da Formação – in casu, de admissão do recurso - é definitiva (n.º 4 do art.º 672.º do CPC). Assim, e sendo certo que o dito acórdão do STJ não é, como é evidente, vinculativo no âmbito deste processo, haverá que julgar o recurso, apreciando a questão que é o seu objeto.
2. O acórdão recorrido enunciou, como relevante para a apreciação desta questão, a seguinte
Factualidade
1. O acidente em causa nos autos ocorreu em 11-11-2012.
2. A ação deu entrada em juízo a 14-7-2021.
3. No âmbito do processo de acidente de trabalho, a A. foi condenada a pagar ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia de 3.070,15 euros, desde 13-12-2013, acrescida de 34,75 euros de diferenças de indemnização por incapacidade temporária e de 12,80 euros a título de despesas com a vinda a tribunal, decisão que transitou em 20-4-2014.
4. A A. foi fazendo pagamentos ao sinistrado, em cumprimento da sentença, tendo o último pagamento sido efetuado em 7-8-2019.
3. O Direito
A presente ação tem por fundamento a alegada responsabilidade da R. na ocorrência de um sinistro que vitimou um seu trabalhador, sinistro esse que terá ocorrido em virtude do incumprimento, pela R., das prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, em desrespeito pelo disposto nos artigos 3.º, alínea a), 4.º e 16.º do Dec.-Lei n.º 50/2005, de 25.02.
À referida responsabilidade da R. quadra o curto prazo prescricional, de três anos, previsto no art.º 498.º n.º 1 do Código Civil, como é incontrovertido nestes autos.
A A. funda a sua demanda contra a R. no disposto no art.º 17.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4.9, segundo o qual “Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aquele, nos termos gerais.”
Poderá eventualmente considerar-se que in casu cabe, mais adequadamente, o disposto no art.º 79.º n.º 3 da referida Lei n.º 98/2009 – atual Lei dos Acidentes de Trabalho (LAT) -, do qual resulta que, nos casos em que o acidente de trabalho ocorreu em virtude de atuação culposa do empregador, “a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.
Ainda que a lei fale em direito de regresso (que, como se sabe, é um direito ex novo que, no campo da solidariedade passiva, nasce na esfera jurídica do devedor que cumpriu mais do que a parte que lhe competia – art.º 524.º do Código Civil), em regra o pedido de reembolso efetuado pela seguradora contra o responsável pelo sinistro, das prestações que a seguradora efetuou junto do lesado, assenta em sub-rogação legal, isto é, na transmissão ex lege para a seguradora do direito que cabia ao lesado, em virtude do cumprimento pela seguradora (nisso direta interessada, em razão das obrigações contratuais e legais que sobre ela recaem em virtude do contrato de seguro) da obrigação de indemnização que impendia sobre o responsável (artigos 592.º a 594.º do Código Civil). Trata-se de jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal (cfr., v.g, acórdãos do STJ de 06.5.2021, processo n.º 756/20.4T8GMR.G1.S1; 26.11.2020, processo n.º 1946/16.0T8CSC-A.L1.L1.S1; 04.7.2019, processo n.º 1977/15.7T8VIS.C2.S1; 03.7.2018, processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1; 07.02.2017, processo n.º 3115/13.1TBLLE.E1.S1).
Pretendendo a A. obter da R. o reembolso das quantias que pagou ao lesado em virtude do contrato de seguro de responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que havia celebrado com a R., também é incontroverso nos autos que a pretensão da A. está sujeita à norma contida no n.º 2 do mencionado art.º 498.º, que reza assim:
“Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.”
Pese embora a norma contemple o direito de regresso, entende-se que é aplicável, por analogia (art.º 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), às situações de sub-rogação, na medida em que o direito de regresso e o direito de sub-rogação “desempenham, do ponto de vista prático ou económico, uma análoga «função recuperatória» no âmbito das «relações internas» entre os vários sujeitos que estavam juridicamente vinculados ao cumprimento de certa obrigação ou, embora não o estando, acabaram por realizar efetivamente – na veste de garantes ou interessados diretos no cumprimento – a prestação devida” (conforme se expende no acórdão do STJ, de 26.11.2020, processo n.º 1946/16.0T8CSC-A.L1.L1.S1). Em ambas as situações o direito de reclamação do “reembolso” só nasce com a realização da prestação cujo reembolso se reclama, pelo que em ambas as situações se justifica que a contagem do prazo de prescrição só se inicie com o pagamento (cfr., neste sentido, além do já citado acórdão do STJ de 26.11.2020, os acórdãos do STJ de 03.7.2018, processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1; 05.06.2018, processo n.º 4095/07.8TVLSB.L1.S1; 25.3.2010, processo n.º 2195/06.0TVLSB.S1).
Resta concretizar o sentido do preceito legal, ao estipular que o direito de regresso prescreve no prazo de três anos “a contar do cumprimento”.
O problema surge quando o cumprimento se efetiva em diversas prestações, ou parcelas faseadas.
Com efeito, in casu a A. reclama o pagamento do valor total de € 50 466,78 (para além das quantias que ainda vier a pagar, em cumprimento da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho). Porém, conforme alegado pela A., esse valor global desdobra-se no pagamento de mais de centena e meia de quantias parcelares, com início em 12.11.2012 e termo (data do último pagamento liquidado) em 30.4.2021. Note-se que na resposta que apresentou à arguição da prescrição, a A. defendeu que nesse montante de € 50 466,78 haveria que destrinçar o valor das quantias pagas a título de pensão devida ao sinistrado, no montante global de € 22 589,49, quantias essas liquidadas em cumprimento da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho em 28.3.2014, e que, por conseguinte, estariam sujeitas ao prazo prescricional de 20 anos, nos termos dos artigos 309.º e 311.º do Código Civil. Nessa sequência, a A. contabilizou como último pagamento, para o efeito de contagem do prazo prescricional de três anos, o alegadamente realizado em 07.8.2019 (cfr. art.º 20.º da dita resposta) – tendo sido por isso, cremos, que no acórdão recorrido, aliás na sequência do igualmente constante no saneador recorrido, se deu como provado (quiçá inadvertidamente), para o efeito de apreciação da apelação, que o último pagamento efetuado pela A. ocorrera em 07.8.2019.
A primeira instância entendeu que a data de cumprimento a levar em consideração para efeitos do disposto no art.º 498.º n.º 2 do CC era a mencionada data de 07.8.2019, pelo que, tendo a ação sido instaurada em 14.7.2021, nessa data ainda não tinha decorrido o prazo prescricional de três anos.
No acórdão recorrido sufragou-se igual entendimento, com base na seguinte argumentação (contida no acórdão proferido em 28.6.2023, que deferiu a arguição de nulidade apresentada pela recorrente quanto ao acórdão emitido em 20.4.2023):
“No acórdão reclamado sustenta-se que no caso de se efetuar o pagamento parcelar ou fracionado, o prazo de prescrição conta-se desde a data em que foi efetuado o último pagamento pela seguradora ao lesado, no caso dos autos em 07.08.2019, pelo que, tendo a ação dado entrada no tribunal em 14.07.2021, não se verifica a prescrição do seu direito.
A Autora, na sequência do acidente de trabalho ocorrido, procedeu efetivamente, em datas diferentes, ao pagamento de várias quantias a que estava adstrita por força do contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a sua segurada.
E fez tais pagamentos ao abrigo da lei de acidentes de trabalho que determina que a assistência ao sinistrado se inicie imediatamente a seguir à ocorrência do sinistro.
A indemnização a pagar ao sinistrado é única e tinha, à data da ocorrência do sinistro, por base os critérios fixados na Lei de acidentes de trabalho.
No caso dos autos, atendendo a que a indemnização paga pela é decorrente de um acidente de trabalho, a Autora não fez pagamentos faseados ou prestações sujeitas cada uma delas a um prazo diferente de prescrição.
A Autora pagou os montantes a que estava obrigada pela Lei de acidentes de trabalho e que constituem uma única indemnização que é devida pela ocorrência do sinistro de trabalho e pela celebração de contrato de seguro.
Como refere a recorrida o pagamento de parte da indemnização é antecipado no tempo por força dos tratamentos que são necessários à recuperação do sinistrado e a que a Autora está adstrita por força da Lei.
Se assim não fosse, poderia, em última análise, a seguradora de trabalho ser obrigada a intentar ação de regresso das quantias pagas antes de o sinistro ser participado ao tribunal de trabalho, o que implicaria ter que intentar várias ações com a mesma causa de pedir e contra o mesmo Réu, ou mesmo que a ação intentada ficasse suspensa até à decisão do tribunal de trabalho que é o competente para apreciar tais matérias.
Pelo exposto acordam em conferência os juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em deferir a reclamação, e apreciando a excepção de prescrição julgá-la não verificada, mantendo-se o decidido”.
Constata-se, pois, que no acórdão recorrido a Relação considerou que as quantias pagas pela A. respeitavam a uma única obrigação de indemnização, pelo que, tendo o pagamento sido realizado de forma fracionada, o prazo de prescrição contava-se a partir do último pagamento. A Relação foi sensível à circunstância de as prestações emergentes de sinistro laboral deverem ser efetuadas de imediato, independentemente do apuramento judicial das respetivas responsabilidades, pelo que o desencadeamento imediato do prazo de prescrição poderia suscitar o acionamento de múltiplas ações baseadas na mesma causa de pedir, eventualmente suspensas pela necessidade de se aguardar pela decisão do competente tribunal do trabalho.
A recorrente discorda, alegando que o prazo de prescrição se conta a partir do momento em que a A. teve conhecimento do seu direito, isto é, desde a data em que foi emitido o relatório pericial que a A. refere na petição inicial, relatório esse em que se concluiu que o acidente sub judice ocorrera por culpa da R., que não observara as regras de segurança impostas pelo trabalho a realizar. Tal relatório data de 04.12.2012, pelo que, segundo a recorrente, a partir dessa data iniciou-se a contagem do prazo de prescrição de três anos. Assim, a A. deveria ter proposto a presente ação até 04.12.2015, data a partir da qual o direito da A. deveria ser considerado prescrito.
A recorrente fundamenta a sua tese nas razões justificativas do instituto da prescrição, “que radicam na proteção da certeza e da segurança do tráfico jurídico, na conveniência de se evitarem os riscos e inconvenientes de uma apreciação judicial a longa distância principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos – e, ainda, no fito da proteção do devedor evitando-se a onerosidade excessiva decorrente da exigência do pagamento a longo prazo, procurando-se assim obstar a situações de ruína económica – Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285”.
Pese embora o assim afirmado, a recorrente ainda admite que, em todo o caso, a exceção de prescrição seja julgada procedente “em relação a todos os pagamentos efetuados pela Autora até 15/07/2018”, tendo presente que a data da entrada da ação em juízo é a de 15/07/2021” (conclusão I) da revista) – o que salvaria da prescrição uma parte do crédito reclamado pela A..
Para fundamentar a sua posição a recorrente invocou, como acórdão-fundamento, o mencionado acórdão da Relação de Coimbra, proferido em 07.09.2010, no processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.
Este acórdão tem por objeto o pedido de reembolso deduzido por uma seguradora contra o responsável por acidente de viação, que havia conduzido sob o efeito do álcool. O sinistro ocorrera em março de 2003 e a seguradora propusera a ação contra o condutor em 06.9.2006, para obter o pagamento, por este, da quantia de € 70 492,52, que a demandante havia pago, em diversas parcelas, aos dois lesados. O R. arguiu a prescrição do direito de indemnização quanto aos montantes pagos pela A. até 04.9.2003, no valor de € 11 280,91. A A. respondeu alegando que tendo efetuado o último pagamento em 27.10.2005, só a partir dessa data se iniciara a contagem da prescrição, que assim fora atempadamente interrompida. Com base neste argumento, no despacho saneador julgou-se improcedente a arguida prescrição.
Deduzida apelação, que foi admitida com subida a final, a Relação veio a julgar procedente a exceção de prescrição arguida, relativamente aos pagamentos efetuados até 04.9.2003.
A Relação fundamentou essa conclusão pela seguinte forma, que se transcreve nos trechos mais relevantes:
“Salvo o devido respeito não se vê que a lei, ainda que com apelo ao disposto no art°. 9 do CC, consinta o entendimento de que, havendo pagamentos parciais ao lesado que se prolonguem no tempo, o prazo prescricional para pedir o reembolso ao obrigado de regresso só se inicie, quanto a todos eles, a partir da data em que ocorre o último pagamento.
A consentir-se esse entendimento estaria, na prática, aberto o campo para um alargamento injustificado do prazo normal da prescrição, nos casos em que, por exemplo, sendo paga, numa só “tranche”, a quase totalidade da indemnização ao lesado, se pagasse o pouco que restasse vários anos depois, só a partir dessa ocasião se contando o prazo - v.g., o de 3 anos - de prescrição para o exercício do direito de regresso.
O detentor do direito de regresso a partir do momento em que paga determinadas quantias ao lesado está habilitado a pedir o respectivo reembolso ao obrigado de regresso, sem que isso obste a que venha, depois, a exercer esse direito relativamente a outras quantias que posteriormente pague ao lesado.
Efectivamente, como se entendeu no Acórdão da Relação do Porto de 16/09/2004 (Apelação nº 0434073), a expressão “a contar do cumprimento”, referida no nº 2 do artº 498º, CC, não tem como pressuposto o integral cumprimento da obrigação que dá origem ao direito de regresso, reportando-se tal “cumprimento” àquilo que o titular do direito de regresso for satisfazendo,
Efectivamente, a partir de então, satisfeitas tais quantias, fica o titular do direito de regresso a conhecer o direito que lhe assiste sobre as importâncias pagas, sendo despiciendo, para esse efeito, que por via de eventuais outros pagamentos que preveja ter ainda que fazer e cujo montante desconheça, não saiba qual o total do “quantum” indemnizatório que irá pagar ao lesado.
Essencial, como se diz nesse Acórdão da Relação do Porto, é que o titular do direito de regresso «…saiba que tem o direito de ser ressarcido pelos danos que suportou. A partir de então, corre (relativamente ao que já pagou) o aludido prazo de prescrição (de 3 anos).».
Por outro lado, nada obsta a que, não pretendendo exigir logo as quantias que já haja pago ao lesado, o titular do direito de regresso pratique os actos necessários à conservação desse seu direito de regresso, designadamente, promovendo a notificação judicial avulsa do obrigado ao regresso (art.º 323º do CC e Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº 3/98, publicado no DR 1ª série de 12/05/1998).
Acresce que o entendimento seguido na sentença gera injustificada incerteza da definição de direitos e obrigações, não se podendo olvidar que a prescrição funda-se, precisamente, na inércia do titular do direito durante certo lapso de tempo.
Como elemento coadjuvante a este nosso entendimento note-se que o legislador, no caso específico dos créditos das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados, teve necessidade de consagrar expressamente que a prescrição daqueles ocorria «… no prazo de cinco anos, contados da data em que cessou o tratamento.» (art.º 9º do DL n.º 194/92 de 8/9, com norma equivalente, embora alterando a duração do prazo, no art.º 3º do Dec-Lei 218/99 de 15/6)”.
E, citando o acórdão do STJ proferido em 28.10.2004, revista n.º 04B3385, no acórdão-fundamento frisa-se que “…resulta da lei o princípio geral no sentido de que o início do prazo de prescrição se inicia na data em que conheceu quem era o responsável ou a extensão do dano (artigos 498.º n.º 1 e 569.º do Código Civil).”
Vejamos.
A pretensão da recorrente, de que o prazo de prescrição se conte a partir da data em que a A. alegadamente teve conhecimento de que o acidente se devera a culpa da empregadora/R., não tem qualquer respaldo no acórdão-fundamento. Este tão-só defendeu que, no caso de pagamentos parciais de quantias indemnizatórias, o prazo de prescrição começava a correr, relativamente a cada uma dessas parcelas, a contar do respetivo pagamento. Em parte alguma a Relação sugeriu ou defendeu que o início da contagem do prazo de prescrição abrangeria prestações futuras, isto é, pagamentos ainda não efetuados.
A jurisprudência em que a recorrente se arrima é, salvo o devido respeito, já algo antiga, e não reflete o entendimento que atualmente vem prevalecendo neste Supremo Tribunal de Justiça.
O aresto que provavelmente está na base da jurisprudência que ora se nos afigura ser maioritária nesta matéria é o acórdão do STJ proferido em 07.4.2011, precisamente no processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.S1., incidindo sobre o acórdão-fundamento.
Nesse acórdão, o STJ começou por ponderar que numa “análise liminar”, “poderia supor-se que o regime que melhor corresponderia aos princípios gerais que regem em matéria de prescrição da obrigação de indemnizar - dos quais decorre que o prazo prescricional se inicia a partir do momento em que o direito pode ser exercido, na sequência do conhecimento do direito que compete ao credor, não dependendo o início do curso da prescrição, nem do conhecimento da pessoa do responsável, nem do conhecimento da extensão integral dos danos a ressarcir – consistiria em fazer iniciar a prescrição do direito de regresso no momento em que a seguradora satisfaz uma qualquer parcela da indemnização, sendo cognoscível que o acidente foi causalmente determinado pelo estado de alcoolemia que afectava o obrigado em via de regresso”.
Mas, de imediato se arredou essa visão das coisas, nos seguintes termos:
“Tal entendimento revela-se, porém, manifestamente colidente com a orientação jurisprudencial, há muito firmada, segundo a qual a sub-rogação – e, por identidade de razões, o direito de regresso – não se verifica relativamente a prestações futuras – Ac. de 9/11/77 : na verdade, o que justifica e legitima que se inicie a prescrição sem que o lesado tenha efectivo conhecimento de toda a extensão dos danos, emergentes do facto ilícito, é a possibilidade de, na acção logo intentada, formular pedido genérico, abrangendo danos ainda não inteiramente consumados, sem obrigatoriamente ter de especificar todos os danos cujo ressarcimento pretende obter, concretizando tal pedido no decurso do processo ou – não sendo possível a liquidação na fase declaratória que precedeu a sentença – obtendo condenação genérica do obrigado a indemnizar ; pelo contrário, não assiste tal possibilidade à seguradora que pretenda – quer pelo instituto da subrogação, quer pela via da acção de regresso – obter do beneficiário do seguro a restituição dos valores pecuniários que, em primeira linha, teve de assegurar perante os lesados, já que tal direito «novo» de regresso (tal como a transmissão do originário direito do lesado, operada por via subrogatória) só se constitui com o cumprimento da obrigação que impende sobre a seguradora – não lhe sendo, deste modo, possível exercitar, antecipadamente ao acto de cumprimento de cada prestação, um direito de regresso de que, afinal, ainda não é titular actual e efectiva.
Tais razões obstam a que se possa iniciar a prescrição a contar do primeiro dos pagamentos efectuados pela seguradora – restando, pois, determinar se a prescrição se deverá contar «atomisticamente», relativamente a cada parcela fraccionada do ressarcimento do lesado, ou se, pelo contrário, devendo antes reportar-se a prescrição à obrigação, tida por unitária, de ressarcimento da globalidade dos danos sofridos por cada lesado, o prazo prescricional do direito de regresso só se inicia no momento em que estiver cumprida pela seguradora tal obrigação global de indemnização”.
Assim, após arredar a hipótese de se considerar iniciado o prazo de prescrição do direito unitário de reembolso da seguradora a partir do primeiro pagamento, o STJ passou a apreciar se, então, o prazo de prescrição se aplicaria a cada um dos pagamentos efetuados, contando-se a partir da data da efetivação de cada uma das prestações, ou se a contagem da prescrição apenas se iniciaria no momento em que estivesse cumprida a obrigação global de indemnização, isto é, a partir do último pagamento.
E, sobre essa vexata quaestio, no dito acórdão expendeu-se o seguinte:
“Não sendo a letra da lei - ao reportar-se apenas ao «cumprimento», como momento inicial do curso da prescrição – suficiente para resolver, em termos cabais, esta questão jurídica, será indispensável proceder a um balanceamento ou ponderação dos interesses envolvidos : assim, importa reconhecer que a opção pela tese que, de um ponto de vista parcelar e atomístico, autonomiza, para efeitos de prescrição, cada um dos pagamentos parcelares efectuados ao longo do tempo pela seguradora acaba por reportar o funcionamento da prescrição, não propriamente à «obrigação de indemnizar», tal como está prevista e regulada na lei civil ( arts. 562º e segs.) mas a cada recibo ou factura apresentada pela seguradora no âmbito da acção de regresso, conduzindo a um - dificilmente compreensível –desdobramento, pulverização e proliferação das acções de regresso, no caso de pagamentos parcelares faseados ao longo de períodos temporais significativamente alongados.
Pelo contrário, a opção pela tese oposta – conduzindo a que apenas se inicie a prescrição do direito de regresso quando tudo estiver pago ao lesado - poderá consentir num excessivo retardamento no exercício da acção de regresso pela seguradora, manifestamente inconveniente para os interesses do demandado, que poderá ver-se obrigado a discutir as causas do acidente, de modo a apurar se o estado de alcoolemia verificado contribuiu ou não para o sinistro, muito tempo para além do prazo-regra dos 3 anos a que alude o nº 1 do art. 498º do CC”.
E, face aos sérios inconvenientes da opção limitada a um dos termos da mencionada alternativa, o STJ concluiu que “…se não parece aceitável a autonomização do início de prazos prescricionais, aplicáveis ao direito de regresso da seguradora, em função de circunstâncias puramente aleatórias, ligadas apenas ao momento em que foi adiantada determinada verba pela seguradora, já poderá ser justificável tal autonomização quando ela tenha subjacente um critério funcional, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados, com o consequente ónus de a seguradora exercitar o direito de regresso referentemente a cada núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, de modo a não diferir excessivamente o contraditório com o demandado, relativamente à causalidade e dinâmica do acidente, em função da pendência do apuramento e liquidação de outros núcleos indemnizatórios, claramente cindíveis do primeiro”.
E, assim ajuizando, o STJ induziu que “… nesta perspectiva, incumbirá ao R. que suscita a prescrição o ónus de alegar e demonstrar que o conjunto de recibos ou facturas pagas pela seguradora até ao limite do período temporal de 3 anos que precederam a citação na acção de regresso corresponderam a um núcleo indemnizatório, autónomo e bem diferenciado, relativamente aos restantes valores indemnizatórios peticionados na causa – não lhe bastando, consequentemente, alegar, como fundamento da prescrição que invoca, a data constante desses documentos”.
Expostos estes princípios, no caso a que se reporta o acórdão-fundamento o STJ considerou não demonstrada a ocorrência da prescrição, seja porque o R. não procedera a qualquer análise do objeto das faturas, limitando-se a apontar a respetiva data, como também porque, analisados esses documentos, era manifesto que, uma vez que respeitavam a “reparação dos períodos de incapacidade temporária, despesas médicas e de tratamentos clínicos, custo das deslocações para o estabelecimento em que tais tratamentos se verificavam”, que estava em causa “apenas o ressarcimento antecipado de danos ligados às lesões físicas sofridas pelo sinistrado”, pelo que era evidente que tais pagamentos parcelares eram “insusceptíveis de integrar um núcleo indemnizatório, autónomo e juridicamente diferenciado, relativamente ao qual pudesse iniciar-se e correr, de modo também autónomo, um prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora/A.”.
Em suma, neste acórdão, o STJ, embora desse prevalência à conceção de que o cumprimento a que se refere o n.º 2 do art.º 498.º do Código Civil coincide com a completa prestação da obrigação global de indemnização, temperou essa visão do conceito com a possibilidade de autonomização, para o efeito de contagem da prescrição, de núcleos de danos normativamente individualizáveis, suscetíveis de autónomas contagens do prazo de prescrição a partir do último pagamento respeitante a cada um desses segmentos indemnizatórios unitários.
Em relação a indemnizações sob a forma de renda (a que, dizemos nós, se equiparam as pensões vitalícias), no dito acórdão o STJ defendeu, em linha com o acórdão do STJ de 04.11.2010, processo n.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1, que citou, “que a prescrição se tem de iniciar antes do cumprimento global da obrigação de indemnizar – sob pena de, se assim não for, o direito de regresso ser pouco menos que «imprescritível», nos casos de renda vitalícia, ao revelar-se exercitável pela totalidade das rendas no momento em que cessasse a obrigação, a cargo da seguradora, de as pagar”.
A ideia de prevalência da unidade da obrigação indemnizatória, contando-se a prescrição a partir do último pagamento efetuado, preside aos acórdãos do STJ de 21.9.2017, processo n.º 900/13.8TBSLV.E1.S1 e de 05.6.2018, processo n.º 4095/07.8TVLSB.L1.S1.
A mesma ideia, mas temperada pela admissibilidade da destrinça, para a contagem do prazo de prescrição, de núcleos indemnizatórios autonomizáveis ou parcelas indemnizatórias correspondentes a danos normativamente diferenciados, foi expressada pelo STJ nos acórdãos de 19.5.2016, processo n.º 645/12.6TVLSB.L1.S1; de 07.02.2017, processo n.º 3115/13.1TBLLE.E1.S1; de 18.01.2018, processo n.º 1195/08.0TVLSB.L1.S1; de 03.7.2018, processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1; de 02.4.2019, processo n.º 2142/16.1T8PTM-A; de 04.7.2019, processo n.º 1977/15.7T8VIS.C2.S1; de 26.11.2020, processo n.º 2325/18-0T8VRL.G1.S1; de 26.11.2020, processo n.º 1946/16.0T8CSC-A.L1.L1.S1; de 10.10.2023, processo n.º 239/21.5T8FAR.E1.S1.
De entre os acórdãos acima citados, o proferido pelo STJ em 19.5.2016 (processo n.º 645/12.6TVLSB.L1.S1) procede à aplicação concreta desta doutrina, sufragando a discriminação a que a Relação, na sequência do alegado pela R./recorrente, fizera entre vários núcleos indemnizatórios que considerou serem autonomizáveis para o efeito de contagem da prescrição. Quanto às pensões vitalícias fixadas (embora in casu se tivessem iniciado na pendência da ação, “escapando” ao obstáculo da prescrição), nesse aresto não se deixou, em obiter dictum, de reproduzir o teor do acórdão da Relação aí recorrido (acórdão de 02.7.2015, processo n.º 645/12.6TVLSB.LA.L1-6), no qual se exarou que “mesmo que se considerasse que o capital de remição e a pensão vitalícia integram um único núcleo indemnizatório, sempre seria de entender que, à semelhança dos casos de renda vitalícia, o prazo de prescrição do direito de regresso inicia-se e corre autonomamente em relação a cada pagamento parcelar, sob pena de ser quase imprescritível o direito da seguradora”.
Tudo ponderado, atendendo às razões expostas, adere-se, na matéria em questão, às seguintes proposições:
- Prevalece a unidade da obrigação indemnizatória, contando-se, em princípio, a prescrição do direito ao reembolso a partir do último pagamento efetuado;
- É admissível a destrinça, para a contagem do prazo de prescrição, de núcleos indemnizatórios autonomizáveis correspondentes a danos normativamente diferenciados, contando-se o prazo de prescrição a partir do último pagamento inserido no mesmo núcleo;
- No que concerne a núcleos indemnizatórios compostos por rendas ou pensões vitalícias o prazo de prescrição do direito ao reembolso inicia-se e corre autonomamente em relação a cada pagamento parcelar;
- Recai sobre o arguente da prescrição o ónus da demonstração da ocorrência de núcleos indemnizatórios autónomos, suscetíveis de desencadearem a antecipação da contagem da prescrição face ao último pagamento efetuado.
Revertendo ao caso sub judice, constata-se que na petição inicial a A. enunciou o destino dado a cada pagamento parcelar efetuado e, na contestação, a R. procedeu a uma tentativa de discriminação de núcleos da indemnização autonomizáveis para o efeito da contagem do prazo de prescrição (cfr. artigos 11.º a 15.º da contestação). A R. impugnou os pagamentos alegados, tendo todos sido enunciados como tema da prova (cfr. despacho datado de 04.5.2022). Nos autos ainda não foi realizada audiência final, estando o processo, como se depreende do seu exame, a aguardar o julgamento deste recurso.
Assim, o julgamento da arguida prescrição é prematuro, dependendo do desfecho da audiência final.
Nestes termos, a revista procede, devendo revogar-se o acórdão recorrido.
III. DECISÃO
Pelo exposto, concede-se provimento à revista e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se que a prescrição arguida seja julgada a final, nos termos acima expostos.
As custas da revista e da apelação, na modalidade de custas de parte, são a cargo da recorrida, que em ambas decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).
Lx, 15.5.2024
Jorge Leal (Relator)
Pedro de Lima Gonçalves
Henrique Antunes