I. A colação e a redução de liberalidades por inoficiosidade têm funções diferentes.
II. A colação também não se confunde com a imputação em si mesma.
III. A obrigação de conferir os bens doados recai sobre os donatários/descendentes que, à data da doação, “eram presuntivos herdeiros legitimários do doador” (artigo 2105.º do Código Civil).
IV. O cônjuge não está obrigado a conferir os bens que lhe tenham sido doados pelo outro cônjuge, mas beneficia da colação a que estiverem obrigados os descendentes.
V. Conferidos os valores ou bens doados e calculada a massa hereditária, se da imputação da doação na quota hereditária do donatário resultar que a doação excede esta quota hereditária, não há lugar à redução da doação, salvo se for inoficiosa.
VI. O valor dos bens doados que releva é o que tiverem “à data da abertura da sucessão” (n.º 1 do artigo 2109.º do Código Civil).
VII. O cálculo da legítima é disciplinado pelo artigo 2162.º do Código Civil. Conta-se, para o efeito, com o “valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte”, com o valor dos bens doados, com as despesas sujeitas a colação e com as dívidas da herança.
VIII. Se uma doação feita a um herdeiro legitimário for inoficiosa, por atingir a legítima dos demais herdeiros legitimários, os termos em que a redução se deverá processar dependem de os bens doados serem ou não divisíveis (artigo 2174.º do Código Civil).
IX. Respeitando as doações inoficiosas a bens indivisíveis, é aplicável o disposto no n.º 2 deste artigo 2174.º, havendo, portanto, que apurar se o valor da redução excede ou não metade do valor dos bens doados
Para o efeito, e em síntese, alegaram que as referidas doações foram efectuadas por escritura pública designada como partilha em vida, lavrada em 29 de Maio de 2003, na qual os inventariados “terão actuado” como seus gestores de negócios; que nunca consentiram, nem nas doações, nem na gestão de negócios, nem nunca as ratificaram; que as doações estão sujeitas a colação; que são inoficiosas.
A fls. 10-A, foi proferido despacho determinando a notificação dos requeridos para se pronunciarem, querendo, sobre o pedido de redução (artigo 1118.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
CC respondeu. Sustentou, por entre o mais, a extemporaneidade do pedido, impugnou diversos factos alegados pelos requerentes, afirmou ter cumprido o encargo que onerava as doações, o que limitou o valor da doação que lhe foi feita, ter havido partilha em vida, o que se traduz “numa renúncia em vida à colação, sempre que envolva os respectivos descendentes, o que é o caso”, e não ter sido afectada a legítima dos requerentes; que, de qualquer forma, será necessário apurar o valor dos bem à data da doação; e que os requerente litigam de má fé.
Os requerentes reponderam.
Pelo despacho de fls.29, foi julgada improcedente a excepção de caducidade, por se considerar que o momento relevante para o efeito é o da aceitação da herança; e foi ainda determinada a realização de prova pericial.
Pela sentença de fls. 64, foi julgado “procedente o presente incidente de redução das doações por inoficiosidade”, reconhecida “a inoficiosidade das doações feitas a CC e a DD” e condenados “os donatários a repor em substâncias os bens doados, restituindo-os na sua totalidade ao património hereditário”. Foi ainda decidido que os requerentes não litigaram de má fé.
Para assim julgar, entendeu-se na sentença o seguinte:
“Vejamos, então, no presente caso, se as doações feitas aos interessados CC e DD são necessárias e em que medida para compor as quotas hereditárias dos demais herdeiros.
IV- Os bens descritos na relação de bens (excluindo os bens doados) têm o valor global de € 4.658,90, correspondendo a meação do inventariado a € 2.329,45 (metade de € 4.658,90).
Para o cálculo do valor da herança do inventariado deverá levar-se ainda em conta metade do valor das doações efectuadas aos referidos interessados, ou seja, € 58.650,00 (€ 117.600/2), ascendendo o valor global a € 63.308,90 (artigo 2162.º, n.º 1, do Código Civil).
A quota hereditária do cônjuge sobrevivo (agora inventariada) na herança do inventariado corresponde a € 15.827,225 (1/4 de € 63.308,90).
A quota hereditária dos filhos do inventariado corresponde a € 47.481,675, a dividir em seis partes iguais (de € 7.913,6125 cada uma).
A doação feita ao interessado CC tem o valor de € 53.300,00. Imputando metade do valor da doação (€ 26.650,00) à quota hereditária do donatário, verifica-se que a mesma é excedida em € 18.736,39.
A doação feita à interessada DD tem o valor de € 64.000,00. Imputando metade do valor da doação (€ 32.000,00) à quota hereditária da donatária, verifica-se que a mesma é excedida em € 24.086,387.
A meação da inventariada corresponde a € 2.329,45 e o valor herdado do inventariado a € 15.827,225, tudo somando € 18.156,675.
Para o cálculo do valor da herança da inventariada, deverá levar-se ainda em conta metade do valor das doações efectuadas aos referidos interessados, ou seja, € 60.350,00 (€ 120.700,00/2), ascendendo o valor global a € 78.506,675 (artigo 2162.º, n.º 1, do Código Civil).
A quota hereditária dos filhos da inventariada corresponde a € 78.506,675 a dividir em seis partes iguais (de € 13.084,445 cada uma).
A doação feita ao interessado CC tem o valor de € 54.700,00. Imputando metade do valor da doação (€ 27.350,00) à quota hereditária do donatário, verifica-se que a mesma é excedida em € 14.265,555.
A doação feita à interessada DD tem o valor de € 66.000,00. Imputando metade do valor da doação (€ 33.000,00) à quota hereditária da donatária, verifica-se que a mesma é excedida em € 19.915,555.
Por último, há que considerar que o interessado EE já recebeu, antecipadamente, € 20.000,00, a fim de compor o seu quinhão hereditário.
V- Em face dos descritos cálculos, as doações feitas aos interessados CC e DD ofendem as quotas hereditárias dos demais herdeiros, impondo-se a sua redução.
Havendo diversas liberalidades feitas no mesmo acto ou na mesma data, como é o presente caso, a redução será feita entre elas rateadamente (artigo 2173.º, n.º 2, do Código Civil).
Quanto aos termos em que se efectua a redução, estabelece o artigo 2.174.º que, sendo os bens indivisíveis, como é o caso dos presentes bens doados, “se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução.”
No caso de ambas as doações, a importância da redução excede metade do valor dos bens, motivo pelo qual os donatários estão obrigados a restituir os bens doados em substância à herança
Em consequência do exposto, deverão ambas as doações ser reduzidas rateadamente, sendo as mesmas restituídas em substância ao património hereditário.
Finalmente, em conformidade com o disposto no artigo 1. 119.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, abrir-se-á licitação sobre os bens doados entre os herdeiros, com atribuição aos donatários do valor pecuniário que têm direito a receber.»
CC recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que proferiu acórdão concedendo provimento ao recurso, revogando a sentença “na parte impugnada; isto é, na parte em que condenou os donatários a repor em substância os bens doados, restituindo-os na sua totalidade ao património hereditário”:
«(…), na situação presente, a legítima é sempre de 2/3 do valor da herança. Por morte do inventariado, porque há concurso entre o respetivo cônjuge sobrevivo e os filhos de ambos e, por óbito desse cônjuge, ou seja, a inventariada, porque lhes sobrevivem 6 filhos.
Vejamos, agora, a medida concreta dessa legítima (global).
Em primeiro lugar, em relação ao inventariado.
Seguindo as regras enunciadas nos artigos 2108.º, 2109, n.º 1, 2117.º e 2162.º, n.º 1, do Código Civil, e sabendo nós que os bens doados estão sujeitos a colação, como já decidido no processo principal1, verificamos que, à data do óbito do inventariado (12/12/2018), o respetivo acervo hereditário era constituído pelos seguintes bens:
a) Metade do valor dos bens móveis, correspondente a 2.329,45€ (4.658,90€:2);
b) Metade do valor do imóvel relacionado como verba n.º 3, correspondente, então, a 26.650,00€ (53.300,00€:2); e,
c) Metade do valor do imóvel relacionado sob a verba n.º 4, correspondente, então, a 32,000,00€ (64.000€:2).
Ao todo, o património hereditário do inventariado tinha o valor de 60.979,45€. E dele, como se provou, doou previamente, em conjunto com a sua esposa, aos filhos, CC e DD, respetivamente, os imóveis antes mencionados. Quer isto dizer, que, da sua parte, lhes doou bens no valor global de 58.650,00€. Como, porém, só podia dispor, como vimos, de 1/3 do seu património global, ou seja, de 20.326,48€ (60.979,45€:3), é esta a redução a que essas doações, rateadamente (artigo 2173.º, n.º 2, do Código Civil), podem ser sujeitas.
Ora, tal redução fica aquém de metade do valor dos bens doados por este inventariado. Nessa medida, em razão do critério já aflorado, os herdeiros legitimários do inventariado (em que se incluem os Requerentes deste incidente) têm o direito a ver respeitada a sua legitima subjetiva, não através do produto da licitação daqueles bens, mas através de dinheiro pago pelos donatários (artigo 1119.º, n.º 4, do CPC).
Vejamos, agora, a solução a adotar quanto à inventariada.
À data do seu óbito (.../.../2019), a mesma deixou o seguinte acervo hereditário:
a) Metade do valor dos bens móveis, correspondente a € 2.329,45 (4.658,90€:2);
b) Metade do valor do imóvel relacionado como verba n.º 3, correspondente, então, a 27.350,00€ (54.700,00€:2);
c) Metade do valor do imóvel relacionado sob a verba n.º 4, correspondente, então, a 33,000,00€ (66.000€:2); e,
d) O quinhão hereditário por óbito do marido (inventariado), correspondente a ¼ do valor do património por este deixado (artigo 2139.º, n.º 1, do Código Civil), no montante de 15.244,86€ (60.979,45€ :4).
Ao todo, o património hereditário da inventariada tinha o valor de 77.924,31€. E dele, como se provou, doou previamente, em conjunto com o seu marido, aos seus filhos, CC e DD, os imóveis antes mencionados, nos termos já explicitados. Ou seja, da sua parte doou àqueles filhos bens no valor global de 60.350,00€. Como porém, também só podia dispor de 1/3 do seu património global, ou seja, de 25.974,77€ (77.924,31€:3), é esta a redução a que essas doações podem ser sujeitas, nos termos já explicitados.
Acontece que, também neste caso, essa redução fica aquém de metade do valor dos bens doados. Como tal, a solução deve ser igual à já antes indicada; isto é, os herdeiros legitimários do inventariada têm direito a ver respeitada a sua legitima, não através da licitação sobre aqueles bens, mas através do pagamento em dinheiro pelos inventariados.
Em resumo, mantendo-se embora a declaração de inoficiosidade das doações feitas a CC e a DD, proferida na sentença recorrida (que, nesta parte, como dissemos, não vem impugnada), já não se pode acompanhar a condenação dos donatários aí exarada, no sentido de aqueles reporem em substância os bens doados, condenação essa que, assim, deve ser revogada, procedendo, portanto, o presente recurso».
2. EE, AA e BB recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça.
Esclarecendo que pretendiam a apreciação da questão da “Redução das doações sujeitas à colação, reposição em substância dos bens doados, restituição na sua totalidade ao património hereditário”, nas alegações que apresentaram, formularam as seguintes conclusões:
«1ª- As doações feitas pelos inventariados foram sem dispensa de colação, ou seja, por conta da legítima dos donatários.
2ª- Os inventariados não fizeram nenhuma liberalidade por conta das suas quotas disponíveis.
3ª- Não pretenderam os inventariados beneficiar nenhum dos seus filhos.
4ª- A colação visa a igualação da partilha entre todos os herdeiros legitimários.
5ª- As doações feitas pelos inventariados estão sujeitas à colação, para igualação da partilha entre todos os herdeiros legitimários.
6ª – Tais doações são inoficiosas e têm de ser reduzidas na medida do necessário para preencher a legítima dos restantes herdeiros.
7ª- Para esse efeito, é necessário apurar o valor global do património hereditário de cada um dos inventariados, determinar o quinhão de cada herdeiro, e sabendo o valor dos bens doados imputar metade do valor da doação em cada uma das heranças, para se achar o valor em que é excedido o quinhão dos donatários, ou seja, a importância da redução.
8ª- Encontrado o valor em que a doação excede a quota legitimária do donatário, a redução é feita nos termos do artigo 2174º, n.º 2 do Código Civil.
9ª - Os bens doados são indivisíveis.
10ª – O património hereditário do Inventariado é de 60.979,45€
11ª- O quinhão hereditário da inventariada, cônjuge sobrevivo, é de 15.244,86€
12ª- O valor do quinhão hereditário de cada filho é de 7.622,43€.
13ª – O quinhão hereditário do interessado CC na herança aberta por óbito do inventariado é de 7.622,43€.
14ª – O valor do bem doado ao filho CC, à morte do inventariado é de 53.300€, imputando-se metade do valor da doação na herança do inventariado, ou seja 26.650,00€, à quota hereditária do donatário, a mesma é excedida em 19.027,57€.
15ª- A quota hereditária do donatário CC é excedida em 19.027,57€.
16ª- A importância da redução da doação, 19.027,57€, é superior a metade do valor do bem doado (26.650,00€:2 = 13.325,00€)
17ª- O quinhão hereditário da interessada DD na herança aberta por óbito do inventariado é de 7.622,43€
18ª- O valor do bem doado à filha DD, à morte do inventariado é de 64.000,00€, imputando-se metade do valor da doação na herança do inventariado, 32.000,00€, à quota hereditária da donatária, a mesma é excedida em 24.377,57€.
19ª- A quota hereditária da donatária DD é excedida em 24.377,57€.
20ª A importância da redução da doação, 24.377,57€, é superior a metade do valor do bem doado: (32.000,00€:2= 16.000,00€.)
21ª- O valor global do património da inventariada é de 77.924,31€, sendo o quinhão de cada filho de 12.987,39€
22ª O valor do bem doado ao filho CC, à data do óbito da inventariada é de 54.700,00€, imputando-se metade do valor da doação 27.350,00€, à quota hereditária do donatário, a mesma é excedida em 14.362,61€.
23ª- A quota hereditária do donatário CC é excedida em 14.362,61€.
24ª- A importância da redução da doação, 14.362,61€ é superior a metade do valor do bem doado: (27.350,00€:2= 13.675,00€).
25ª- O valor do bem doado à filha DD, à data do óbito da inventariada é de 66.000,00€, imputando-se metade do valor da doação, 33.000,00€, à quota hereditária da donatária, a mesma é excedida em 20.012,61€.
26ª A quota hereditária da DD é excedida em 20.012,61€.
27ª- A importância da redução da doação, 20.012,61€ é superior a metade do valor do bem doado: (33.000,00€:2=16.500,00€).
28º- Em ambas as doações, a importância da redução é superior a metade do valor dos bens.
29ª – Pelo que os donatários têm que repor em substância os bens doados, restituindo-os na sua totalidade ao património hereditário.
30ª- As doações deverão ser reduzidas rateadamente, sendo as mesmas restituídas em substância ao património hereditário.
31ª- O acórdão recorrido ao decidir como decidiu, violou, por erro de interpretação e aplicação, designadamente as disposições dos artigos 2104º, 2108º, 2109º n. º1, 2117º, 2156º, 2169º, 2173, n.º 2 e 2174º todos do Código Civil.
Nestes termos, e com o mui douto suprimento de V.Exas, deve o douto Acórdão ser revogado, substituindo por outro que decida nos moldes apontados, conforme conclusões supra, confirmando a sentença proferida na 1ª Instância, ou seja, que sejam os donatários condenados a repor os bens doados em substância, restituindo-os na sua totalidade ao património hereditário, uma vez que a importância da redução em ambas as doações excede metade do valor dos bens, em conformidade com as alegações e conclusões do presente recurso, com o que se fará oportuna e, acima de tudo JUSTIÇA!!!!»
Não houve contra-alegações.
3. Como se recorda na sentença, vem assente que “os inventariados doaram em 2003 ao filho CC o prédio urbano composto de casa de rés do chão e andar, quinta e logradouro, descrito na Conservatória de ... com o n.º .83 ..., inscrito na matriz sob o art. 829 ..., com reserva de usufruto simultâneo e sucessivo a favor dos inventariados, e com a obrigação de tomar conta dos mesmos na saúde e na doença, com o valor patrimonial de € 51 135, 70”; que este imóvel “foi avaliado em € 53.300,00, reportando-se ao ano de 2018 (o ano do óbito do inventariado), e em € 54.700,00, reportando-se ao ano de 2019 (o ano do óbito da inventariada)”; que este imóvel “corresponde à verba n.º 3 da relação de bens”.
Igualmente vem assente que “os inventariados doaram ainda em 2003 à filha DD o prédio urbano composto de casa de rés do chão e andar com duas habitações independentes, e quintal, descrito na Conservatória de ... dos o n.º .. .63 ..., inscrito na matriz sob o art. 303 / ..., com reserva de usufruto simultâneo e sucessivo a favor dos inventariados, com o valor patrimonial de € 7612, 50”; que “foi avaliado em € 64.000,00, reportando-se ao ano de 2018 (o ano do óbito do inventariado), e em € 66.000,00, reportando-se ao ano de 2019 (o ano do óbito da inventariada)”; que “corresponde à verba n.º 4 da relação de bens.”
As doações foram realizadas no mesmo acto.
A inventariada e o inventariado eram casados em regime de comunhão geral de bens.
À morte do inventariado, sucedeu-lhe a mulher e os seis filhos do casal; à morte da inventariada, sucederam os mesmos seis filhos do casal.
Vem ainda provado e não provado o seguinte (transcreve-se também da sentença, sendo certo que não houve alterações na apelação):
Provado:
1º “Tendo em conta os valores constantes da relação de bens de fls.134 e verso, as licitações e as alterações introduzidas pela avaliação realizada, as verbas descritas na relação de bens apresentam os seguintes valores:
a) Depósitos bancários
- Verba n.º 1: € 2.680,65;
- Verba n.º 2: € 10,00;
- Verba n.º 3: € 93,20;
- Verba n.º 4: 675,05.
b) Bens móveis:
- Verba n.º 5: € 50,00;
- Verba n.º 6: € 300,00;
- Verba n.º 7: € 200,00;
- Verba n.º 8: € 150,00.
c) Sepultura:
- Verba n.º 9: € 500,00.
d) Imóveis (doados):
- Verba n.º 3: € 53.300,00 em 2018 e € 54.700,00 em 2019.
- Verba n.º 4: € 64.000,00 em 2018 e € 66.000,00 em 2019.
2.º. O donatário CC prestou assistência aos doadores, agora inventariados, a qualquer dia ou da noite, acompanhando-os em todos os momentos da vida, garantido as suas condições de segurança, higiene e saúde até ao dia dos respectivos falecimentos, tendo-se ainda ocupado dos funerais de ambos.
3.º. O interessado EE recebeu em 7 de Abril de 2003 € 37.500,00 dos inventariados como contrapartida de rescisão de contrato de arrendamento habitacional e partilha em vida, correspondendo € 20.000,00 de tal montante às suas tornas.”
Não provado:
“A. A interessada AA recebeu as suas tornas e em numerário.
B. Para cumprimento do encargo descrito em 1 da secção anterior, CC realizou despesas à custa do seu património pessoal que ascendem ao valor do imóvel doado à data da abertura da sucessão. “
4. O presente recurso é admissível (n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil), pois o acórdão recorrido conheceu de mérito, e tem como objecto a questão de saber como deve operar a redução das doações feitas a AA e BB, não se questionando, nem que não houve dispensa de colação, nem a inoficiosidade das doações.
5. Cumpre começar por recordar que:
– A colação e a redução de liberalidades por inoficiosidade têm funções diferentes (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 2007, www.dgsi.pt, proc. n.º 07A295): a colação destina-se a igualar a partilha “do descendente donatário com os demais descendentes do autor da herança” (Código Civil Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, VI, Coimbra, 1998, pág. 173), beneficiando também (mas não onerando) o cônjuge (Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., págs. 181-182) e obriga os descendentes a restituir à massa da herança os valores ou bens que lhes foram doados (n.º 1 do artigo 2104.º e 2108.º do Código Civil); a redução por inoficiosidade tem como objectivo proteger “a integridade da legítima” (Francisco Pereira Coelho, Direito das Sucessões, Coimbra, 1992, pág. 289). “A colação não se confunde com a restituição fictícia de bens doados, referida no artigo 2162.º (…). Esta restituição é fictícia, não real, e não importa por isso, como a colação, um efectivo aumento da massa hereditária. Além disso abrange todas as doações, feitas aos descendentes ou a quaisquer outras pessoas. E não visa a igualação da partilha entre os herdeiros legitimários, mas o cálculo da legítima – ou da quota indisponível – e a protecção dos legitimários em geral” (Francisco Pereira Coelho, op. cit, págs. 287-288);
– A colação também não se confunde com a imputação em si mesma, ou seja, com “a atribuição de qualquer liberalidade do de cuius a uma das duas quotas – a quota disponível ou a indisponível – em que se divide a herança que tem herdeiros legitimários.” A imputação em si mesma “abrange todas as liberalidades, não só as doações inter vivos, mas também as disposições mortis causa. E não visa, como a colação, a igualação da partilha entre os legitimários entre si: ao obrigar os herdeiros legitimários a imputar na sua legítima, em certos termos, as liberalidades com que o autor da sucessão os tenha beneficiado, o interesse que a lei defende é a liberdade de dispor do de cuius e o respeito das liberalidades que ele tenha feito, aos seus herdeiros ou a estranhos, por conta da quota disponível. Repare-se ainda que, havendo um único herdeiro, o problema da colação não se põe, obviamente, mas pode continuar a pôr-se o problema da imputação” (Francisco Pereira Coelho, op. cit., págs. 288-289);
– A obrigação de conferir os bens doados recai sobre os donatários/descendentes que, à data da doação, “eram presuntivos herdeiros legitimários do doador” (artigo 2105.º do Código Civil). A redução por inoficiosidade não tem essa limitação subjectiva; pode, assim, haver herdeiros legitimários obrigados a conferir os bens que lhe tiverem sido doados (os filhos, por exemplo) e herdeiros legitimários sobre os quais não recai tal obrigação (o cônjuge, por exemplo, embora na doutrina esta exclusão seja controversa, os netos a quem foram feitas doações sendo vivo o progenitor que for filho do doador/autor da sucessão). Não se coloca a questão de doações feitas fora do círculo dos herdeiros legitimários porque não tem interesse para a presente acção;
– Entende-se que o cônjuge não está obrigado a conferir os bens que lhe tenham sido doados pelo outro cônjuge, mas beneficia da colação a que estiverem obrigados os descendentes (assim, por exemplo, também Luís Menezes Leitão, Direito das Sucessões, Coimbra, pág. 316 e segs.);
– Conferidos os valores ou bens doados e calculada a massa hereditária, se da imputação da doação na quota hereditária do donatário resultar que a doação excede esta quota hereditária, não há lugar à redução da doação, salvo se for inoficiosa (se afectar a legítima dos demais herdeiros legitimários) – n.º 2 do artigo 2108.º do Código Civil. A obrigação de conferir existe “até onde haja na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros” (Francisco Pereira Coelho, op. cit., pág. 294);
– O valor dos bens doados que releva é o que tiverem “à data da abertura da sucessão” (n.º 1 do artigo 2109.º do Código Civil);
– O cálculo da legítima é disciplinado pelo artigo 2162.º do Código Civil. Conta-se, para o efeito, com o “valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte”, com o valor dos bens doados, com as despesas sujeitas a colação e com as dívidas da herança (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2020, www.dgsi.pt, proc. n.º 361/14.4T8VLG.P1.S1;
– Para saber se uma doação feita a um herdeiro legitimário é inoficiosa, por atingir a legítima dos demais herdeiros legitimários, cumpre começar por ter em conta que só há que reduzir uma doação feita em vida pelo autor da sucessão “quando o (…) valor” da doação “ultrapasse o valor da legítima do herdeiro, acrescentado do valor da quota disponível. Só assim haverá verdadeira inoficiosidade, ou seja, prejuízo para os outros herdeiros legitimários” (Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pág. 281). Isto não significa que os descendentes que eram presumivelmente herdeiros legitimários à data da doação, como se disse, não tenham de conferir os bens doados até ao limite em que a herança comporte bens para igualar todos os herdeiros;
– Se essa doação, feito o cálculo, for inoficiosa, os termos em que a redução se deverá processar dependem de os bens doados serem ou não divisíveis (artigo 2174.º do Código Civil);
– Respeitando a bens indivisíveis as doações que agora estão em causa, é aplicável o disposto no n.º 2 deste artigo 2174.º, havendo, portanto, que apurar se o valor da redução excede ou não metade do valor dos bens doados.
6. A questão que constitui o objecto do presente recurso traduz-se, apenas, em determinar como deve ser feita a redução das doações feitas em conjunto pelos inventariados, em 2003, aos filhos CC (verba n.º 3 dos imóveis) e DD (verba n.º 4 dos imóveis).
Os valores dos imóveis doados a considerar (n.º 1 do artigo 2109.º do Código Civil) são, relativamente à sucessão do inventariado, os apurados para 2018, € 53.300,00 e € 64.000,00; quanto à sucessão da inventariada, os estabelecidos para 2019, € 54.700,00 e € 66.000,00.
Relativamente a ambas as sucessões, a legítima global – que, no caso, se obtém somando o valor “dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte” com o valor dos imóveis doados, n.º 1 do artigo 2162.º do Código Civil – corresponde a 2/3 da herança (artigo 2159.º do Código Civil), uma vez que, relativamente ao inventariado, são herdeiros legitimários o cônjuge e os seis filhos de ambos e, relativamente à inventariada, são estes mesmos seis filhos.
Verificando-se a hipótese prevista no n.º 2 do artigo 2173.º, primeira parte, do Código Civil, a eventual redução das doações far-se-á rateadamente; e sendo indivisíveis os bens doados, os termos dessa redução dependem da relação entre a importância da redução e o valor dos bens (de metade desse valor) – n.º 2 do artigo 2174.º do Código Civil.
Estas circunstâncias permitem considerar em conjunto, relativamente à sucessão de cada inventariado, ambas as doações e ambas as legítimas dos donatários, uma vez que o que está em causa é a defesa da legítima dos demais filhos, e, quanto à sucessão do inventariado, também a legítima do cônjuge.
7. No que toca à sucessão do inventariado, cumpre ter conta:
– Que deixou bens no valor de € 2.329,45 (1/2 de € 4.658,90);
– Que doou aos filhos CC e DD, respectivamente, ½ do imóvel relacionado como verba n.º 3, cujo valor, para 2018, foi de € 53.300,00, e ½ do imóvel relacionado como verba n.º 4, cujo valor, também para 2018, foi de € 64.000,00; metade da soma destes dois montantes (€ 117.300,00) é € 58.650,00;
– O valor relevante para calcular a legítima global e a legítima de cada herdeiro legitimário é de € 60.979,45 (€ 2.329,45 + € 58.650,00);
– 2/3 (legítima global) correspondem a € 40.652,9667; o inventariado só podia dispor, globalmente, de € 20.326,4833 (quota disponível);
– No entanto, tendo em conta que as doações foram feitas a dois filhos, para efeitos de inoficiosidade, só deve relevar a soma da legítima do cônjuge (1/4 da legítima global, ou seja, € 10.163,2417) com a legítima dos quatro filhos não donatários (€ 5.081,62084 x 4 = € 20.326,48336), € 30.489,72506. É este o valor da legítima a proteger, no caso presente;
– Os bens deixados têm o valor de € 2.329,45; a redução que tem de ser efectuada nas doações (artigo 2169.º do Código Civil) é de € 28.160,27506 (€ 30.489,72506 - € 2.329,45);
– Esse montante não excede metade do valor das doações (€ 29.325,00); sendo indivisíveis, “os bens pertencem integralmente ao(s) (…) donatário(s), tendo este(s) de pagar ao(s) herdeiro(s) legitimário(s)” – aos quatro irmãos – “a importância da redução” (n.º 3 do artigo 2174.º do Código Civil), na proporção da doação que cada um recebeu.
8. No que respeita à sucessão da inventariada:
– Deixou bens no valor de € 2.329,45 (1/2 de € 4.658,90) + € 10.163,2417 (legítima da herança do marido, ¼ de 2/3 de € de € 60.979,45), ou seja, € 12.492,6917. Recorde-se que a colação não provoca a redução das doações, só a inoficiosidade;
– Doou aos filhos CC e DD, respectivamente, ½ do imóvel relacionado como verba n.º 3, cujo valor, para 2019, foi fixado em € 54.700,00 e ½ do imóvel relacionado como verba n.º 4, cujo valor, para 2019, foi estabelecido em € 66.000,00. Ou seja: o valor das doações é de € 60.350,00;
– O valor a ter em conta para calcular a legítima global e a legítima de cada herdeiro legitimário, relativamente à sucessão da inventariada, é de 72.842,6917 (€ 12.492,6917 + € 60.350,00);
– 2/3 deste valor (legítima global) correspondem a € 48.561,7945; a inventariada só podia dispor, globalmente, de € 24.280,8972;
– A legítima de cada um dos seis filhos é de € 8.093,63242 (1/6 de € 48.561,7945);
– No entanto, tendo em conta que as doações foram feitas a dois filhos, para efeitos de inoficiosidade só deve relevar a legítima dos quatro filhos não donatários (€ 8.093,63241 x 4 = € 32.374,5296. É este o valor da legítima a proteger, no caso presente;
– Os bens deixados têm o valor de € 12.492,6917. A redução que tem de ser feita nas doações é de 19,881,8379;
– Esse montante não excede metade do valor das doações (€ 30.175,00); sendo indivisíveis, “os bens pertencem integralmente ao(s) (…) donatário(s), tendo este(s) de pagar ao(s) herdeiro(s) legitimário(s)” – aos quatro irmãos – “a importância da redução” (n.º 3 do artigo 2174.º do Código Civil), na proporção da doação que cada um recebeu (“rateadamente”).
9. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas deste recurso pelos recorrentes.
Lisboa, 28 de Maio de 2024
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)
Fátima Gomes
António Barateiro Martins
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1. Cfr. Acórdão proferido por este Tribunal da Relação no dia 28/03/2023.