I - O meio prisional representa um microcosmos muito específico da vida em sociedade, onde as regras de conduta são essenciais à sobrevivência de todos os que ali se encontram, constituindo comportamento particularmente grave a detenção de instrumentos que possam ser utilizados como arma de agressão.
II - Mostra-se adequada a fixação da pena, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), da Lei 5/2006, de 23-02, em 12 meses de prisão efectiva numa situação em que o condenado, já com outros antecedentes criminais e em cumprimento de pena de 11 anos de prisão, é encontrado na posse, dentro da cela do E.P. onde cumpria esta pena, de um espeto de madeira com cerca de 17 cm, uma resistência artesanal, um bocado de lixa e uma chave de parafusos artesanal, tudo objectos susceptíveis de serem utilizados como arma de agressão.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo local Criminal de Paços de Ferreira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
Sumário:
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I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 213/22.4T9PFR, a correr termos no Juízo Local Criminal de Paços de Ferreira, por sentença de 01-11-2023, foi decidido, entre o demais:
«A) Condeno o arguido AA como autor material de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações sucessivamente introduzidas, a última pela Lei n.º 50/2019, de 24/07 na 12 (doze) meses de prisão;
B) Declaro a arma apreendida aludida em 2) -, perdida a favor do Estado (art. 109.º do Código Penal)»
«PRIMEIRA: O arguido/recorrente foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações sucessivas introduzidas, a última pela Lei n.º 50/2019, de 24/07
SEGUNDA: A douta sentença sob censura fez uma errada determinação da medida da pena, em violação do disposto no art. 71.º do Código Penal, motivo pelo qual o arguido/recorrente não concorda com a determinação da pena de 12 meses de prisão.
TERCEIRA: Ora se por um lado, o arguido/recorrente tem que aceitar e concordar com o Tribunal a quo quando optou pela pena de prisão efetiva, por outro lado, não pode este aceitar o quantitativo dessa pena de prisão.
QUARTA: Note-se que a pena a aplicar ao arguido será a resultante da concretização dos critérios do art. 71.º do Código Penal, ou seja, num primeiro momento apura-se a moldura abstrata de pena e num segundo momento a medida concreta da mesma.
QUINTA: Assim, no caso concreto e dentro da moldura penas abstratas da pena de prisão, há que atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra o arguido/ recorrente.
SEXTA: Ora, no que respeita à ilicitude e culpa não nos parece elevada, sendo que tal contexto em que foram praticados os factos pelo arguido embora não anule a conduta dolosa do arguido diminui a nosso ver de modo relevante, sem dúvida, a intensidade da culpa.
SÉTIMA: Já no que respeita às exigências/ necessidades de prevenção geral, entendidas como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal, não se revelam aqui especialmente acentuadas, merecendo especial destaque as necessidades de prevenção especial, na perspetiva da ressocialização do agente na sociedade.
OITAVA: Assim, uma pena excessiva, como in casu, não cumpre as finalidades de prevenção geral, porque é inadmissível pela sociedade em geral, e não realiza as funções de prevenção especial, porque o agente não a aceita e tem-na por injusta, não desempenhando assim uma função de emenda cívica.
NONA: Com devido respeito por opinião diversa, que o Tribunal a quo desvalorizou os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade das penas.
DÉCIMA: O arguido/ recorrente entende que, com base nos elementos constantes dos autos, a pena de prisão de 12 (doze) meses deverá ser alterada no sentido da sua desagravação, aplicando-se uma pena mais próxima do mínimo legalmente estatuído, estando assim em inteira consonância com os critérios legalmente aplicáveis
DÉCIMA PRIMEIRA: Posto que, o Tribunal a quo violou o disposto nos art. 71.º do C.P., por incorreta e imprecisa aplicação dos seus pressupostos, já que a pena aplicada se traduz numa pena demasiado severa e excessiva considerada toda a factualidade dada como provada.
POR FIM,
DÉCIMA SEGUNDA: Entende o arguido/recorrente, que deverá a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser alterada aplicando-se uma sanção mais próxima do mínimo legal.
DÉCIMA TERCEIRA: Da sentença sob censura resulta erro na determinação da medida da pena que deverá ser reparado e será justa e adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena até 7 meses de prisão.
TERMOS EM QUE DEVE SER ADMITIDO O PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, NA MEDIDA DAS ARTICULADAS MOTIVAÇÕES E CONCLUSÕES E PELO DOUTO SUPRIMENTO, REVOGANDO A SENTENÇA RECORRIDA E DECRETANDO O TRIBUNAL SUPERIOR A REDUÇÃO DA PENA PRISÃO APLICADA PARA UMA PENA MAIS PRÓXIMA DO MÍNIMO LEGAL (7 MESES DE PRISÃO).
FARÃO V. EXAS. SOBERANA JUSTIÇA!»
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
A única questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a da concreta medida da pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada, pugnando pela redução de 12 (doze) para 7 (sete) meses de prisão.
«II – Fundamentação de Facto
2.1 – Matéria de Facto Provada
Da audiência de julgamento resultou provado, com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que:
1. No dia 11/10/2021 o arguido encontrava-se recluso no E.P. ..., ocupando a cela nº ..., da Ala ....
2. No referido dia, pelas 08h05m no interior da referida cela, os srºs guardas prisionais BB, CC e DD encontraram, entre outras coisas, 1 espeto de madeira com cerca de 17 cm, uma resistência artesanal, 1 bocado de lixa e uma chave de parafusos artesanal, os quais estavam na posse do arguido.
3. Que apreenderam, não só porque a posse e tais objetos no interior do Estabelecimento Prisional é proibida, mas também porque tais objetos podem servir como arma para a concretização de ilícitos criminais, nomeadamente de agressão.
4. O arguido conhecia a referida proibição, bem assim como as características dos mesmos e a possibilidade da sua utilização na prática de ilícitos criminais.
5. E não obstante tal conhecimento, não se coibiu o arguido de possuir tais objetos no interior da sua cela.
6. Pelo que, agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente.
7. Com o conhecimento que a sua conduta lhe era proibida por Lei.
8. Conforme resulta do relatório social elaborado pela DGRS: “À data dos factos pelos quais se encontra acusado no presente processo, AA permanecia em cumprimento de pena de prisão no Estabelecimento Prisional ..., encontrando-se, à data, à ordem do processo n.º 599/16.0JACBR, em cumprimento de 11 anos de prisão, pela prática dos crimes de roubo tentado, ofensa à integridade física qualificada, violação agravada, sequestro coação agravada. O condenado tem revelado dificuldades de adaptação no decorrer do seu percurso institucional, consubstanciadas pelo comportamento irregular, traduzido no registo de várias sanções disciplinares. (…) AA deu entrada no Estabelecimento Prisional ... em 12.06.2019, oriundo do Estabelecimento Prisional 1..., permanecendo à ordem do processo supramencionado. A nível disciplinar tem averbado algumas sanções disciplinares a última das quais em abril 2023, por posse de objetos não autorizados, que resultou em 3 dias de permanência obrigatória no alojamento. Na data da entrevista para a elaboração do presente relatório, AA estava integrado em cela disciplinar. Atualmente encontra-se inativo por questões de saúde. Tal como supramencionado, não nos foi possível avaliar junto do arguido qual o impacto dos presentes autos nas diferentes vertentes do seu quotidiano. IV – Conclusão A impossibilidade de realização de entrevista a AA, tal como supra esclarecido, limita a nossa avaliação técnica da situação em apreço e a elaboração deste item.”
9. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
a) No âmbito do processo 129/06.1PECBR que correu termos na 2.ª Vara Competência Mista dos Juízos Criminais de Coimbra o arguido foi condenado a 14.5.2008 (transitada a 03.06.2008) pela prática de seis crimes de roubo praticados 06.12.2005 na pena de 3 anos de prisão suspensa por 3 anos e 10 meses
b) No âmbito do processo 51/05.9PECBR das Varas Mistas dos Juízos Criminais de Coimbra o arguido foi condenado a 17.3.2009 e transitada em 15.9.2009 pela prática de um crime de roubo praticado a 2005/06/15 na pena de 18 meses de prisão efectiva
c) No âmbito do processo 51/05.9PECBR das Varas Mistas dos Juízos Criminais de Coimbra o arguido foi condenado a 17.3.2009 e transitada em 15.9.2009 pela prática de um crime de roubo praticado a 2005/06/15 na pena de 18 meses de prisão efectiva a qual foi extinta pelo cumprimento a 2013/02/06
d) No âmbito do processo 2163/10.8TXCBR-A do Tribunal de Execução de Penas foi concedida a liberdade definitiva a 06.2.2013Criminais de Coimbra o arguido foi condenado a 17.3.2009 e transitada em 15.9.2009 pela prática de um crime de roubo praticado a 2005/06/15 na pena de 18 meses de prisão efectiva a qual foi extinta pelo cumprimento a 2013/02/06
e) No âmbito do processo 1502/09.9PCCBR das Varas Mistas dos Juízos Criminais de Coimbra o arguido foi condenado a 08.07.2011 e transitada em 23.9.2011 pela prática de um crime de detenção de arma proibida praticado a 2009/05/30 na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 5.00€ o qual foi convertido em prisão subsidiaria e extinto a 06.01.213.
f) No âmbito do processo 392/13.1PCCBR do JL Criminal de Coimbra o arguido foi condenado a 26.6.2014 e transitada em 06.05.2015 pela prática de um crime de roubo praticado a 13.3.2013 na pena de 20 meses de prisão efectiva
g) No âmbito do processo 239/14.1PECBR do JL Criminal de Coimbra o arguido foi condenado a 2014/11/17 e transitada em 2014/12/17 pela prática de um crime de trafico de quantidades diminutas na pena de 20 meses de prisão substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade o qual foi cumulado com o processo 392/13.1PCCBR na pena única de 3 anos de prisão praticado a 2005/06/15 na pena de 18 meses de prisão efectiva
h) No âmbito do processo 2069/14.1PCCBR do JL Criminal de Coimbra o arguido foi condenado a 08.06.2015 e transitada em 30.09.2015 pela prática de um crime de roubo praticado a 22.12.2014 na pena de 3 anos de prisão efectiva
i) No âmbito do processo 1163/14.3PCCBR do JL Criminal de Coimbra o arguido foi condenado a 2016/04/22 e transitada em 2016/05/23 pela prática de um crime de roubo praticado a 7.02.2014 na pena de 2 anos de prisão efectiva, o qual foi integrado no cúmulo com o processo referido em g) e em f) n na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão
j) No âmbito do processo 599/16.0JACBR do JL Criminal de Coimbra – Juiz 3 o arguido foi condenado a 2018/10/31 e transitada em 2020/07/09 pela prática de um crime de roubo na forma tentada, ofensa à integridade física qualificada, coação agravada e sequestro praticados a 4.12.2016 na pena de 11 anos de prisão efectiva.
2.2 – Matéria de Facto não provada
A) Que os objectos eram propriedade do arguido.»
Alega o recorrente que a pena que lhe foi aplicada se mostra excessiva, pois a ilicitude e a culpa não são elevadas, assim como o não são as exigências de prevenção geral, sendo que o «contexto em que foram praticados os factos pelo arguido embora não anule a conduta dolosa do arguido diminui a nosso ver de modo relevante, sem dúvida, a intensidade da culpa». Conclui que o Tribunal a quo violou os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, defendendo a aplicação de pena mais próxima dos limites legais, que fixa em 7 (sete) meses de prisão.
Vejamos.
Na determinação da medida concreta da pena impõe-se ao julgador que tenha presente o disposto em três normas fundamentais nesta matéria, os arts. 40.º, 70.º e 71.º do CPenal.
Dispõe o primeiro dos indicados preceitos, com a epígrafe “Finalidades das penas e das medidas de segurança”, que:
«1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.»
Focando-se nestas finalidades, deve o julgador de seguida, na operação de escolha da pena, atender à regra ínsita no art. 70.º do CPenal, segundo o qual:
«Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
Por fim, especifica o terceiro dos indicados preceitos (art. 71.º do CPenal) que na determinação da medida concreta da pena deve o julgador ter em atenção que:
«1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.»
Nas palavras sempre actuais de Figueiredo Dias[2], «[a] exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.»
Para além destas indicações é preciso não perder de vista que «[a] necessidade, proporcionalidade e adequação são princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.»[3]
A medida concreta da pena tem, pois, de ser fixada de modo a permitir a satisfação das exigências de prevenção geral, salvaguardando as expectativas da comunidade na validade e manutenção/reforço da norma violada – o que constitui o seu limite mínimo, abaixo do qual não estão a ser cumpridas as finalidades da punição –, embora sem ultrapassar a medida da culpa – que funciona como limite máximo da medida da sanção, sob pena de ser posta em causa a dignidade da pessoa do delinquente –, devendo a concretização da pena, a fixar entre tais limites mínimo e máximo, corresponder ao necessário e suficiente para a reintegração do agente, aí sendo realizado o juízo de ponderação das exigências de prevenção especial.
São estes parâmetros de concretização da pena que é aplicada ao arguido condenado que devem estar explicitados na decisão condenatória, permitindo aos destinatários da mesma acompanhar o percurso decisório do julgador na 1.ª Instância.
Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo há muito que «[e]m matéria de medida concreta da pena, apesar de se mostrar hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar» substituída pela de autêntica aplicação do direito, aceitando-se a sindicabilidade da correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.»[4]
No mesmo sentido, entre outros, entendeu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 05-04-2017[5] que:
«I - No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
II - Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.»
Esta jurisprudência reflecte a ideia, que perfilhamos, de que a alteração da medida concreta da pena (principal ou acessória) em sede de recurso deve respeitar a zona de liberdade do julgador em 1.ª Instância ao fixar o quantum da pena, desde que se situe entre os referidos limites que satisfazem as necessidades de prevenção especial (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente) e não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada.
O Tribunal a quo fundamentou a pena aplicada ao arguido, aqui recorrente, e para o que aqui importa (sua concreta medida) nos seguintes termos:
«V. Escolha e determinação da medida da pena:
O ilícito aqui em apreço é punido com pena de prisão até a fixar entre um mês e os quatro anos ou com pena de multa a fixar entre os 10 (dez) e os 480 (quatrocentos e oitenta) dias (os limites mínimos são os resultantes da aplicação das regras gerais previstas nos artigos 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, ambos do CP).
Nos termos do artigo 71º, nº 1 do Código Penal, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Culpa e prevenção são, assim, os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de determinação concreta da pena.
Explicitando, e nas palavras de Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, 1993, págs. 227 a 231), “primordialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto (…)”. É que, “(…) quando se afirma que é função do direito penal tutelar bens jurídicos não se tem em vista só o momento da ameaça da pena, mas também – e de maneira igualmente essencial – o momento da sua aplicação. Aqui, pois, protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou prevenção de integração (…)”.
No entanto, a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. “A verdadeira função desta última, na doutrina da medida da pena, reside, efectivamente, numa incondicional proibição de excesso: a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (…)”.
“Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos”. A aplicação de penas visa, como resulta do artigo 40º, nº 1, do Código Penal, a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal, e a reintegração social do agente, sendo certo que, face ao preceituado no nº 2 do mesmo artigo, a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa, isto é, não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena.
Ou seja, e em suma, elege-se como comando da medida da pena a ideia de prevenção geral positiva ou de integração, com a qual hão-de inter-relacionar-se objectivos de prevenção especial de ressocialização e considerações de culpa; esta, desde logo, enquanto limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, aqueles enquanto caminho para a concretização da reintegração do agente na sociedade.
O nº 2 do artigo 71º manda, todavia, atender ainda, no caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente: “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
Uma vez que a referida norma admite, em alternativa, as penas principais de prisão e de multa, cumpre, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena a aplicar ao arguido.
Estipula o artigo 70.º do CP que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Segundo o critério geral de escolha da pena previsto no mencionado preceito, a opção por pena privativa de liberdade só deverá ser tomada por razões de prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência, e/ou por exigências irremediáveis de tutela do ordenamento jurídico ou “à defesa da ordem jurídica” no sentido do patamar mino das exigências prevenção geral positiva ou de integração, o desaconselhem, assim, Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, pg. 333 e Temas Básicos da Doutrina Penal, Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal, Sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pg. 105.
Apelando aos ensinamentos de Robalo Cordeiro, in Escolha e Medida da Pena, Jornadas de Direito recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta.
Estamos perante um ilícito que aparece cada vez com mais frequência nos nossos Tribunais.
Impõe-se a aplicação de uma pena que reafirme de forma eficaz a validade da norma violada. A par das exigências de prevenção geral devem fazer-se actuar as exigências de prevenção especial, seja na sua função positiva de socialização, seja em qualquer uma das funções negativas subordinadas, de advertência individual ou de segurança.
O arguido tem 34 anos de idade e está privado da liberdade no Estabelecimento Prisional à ordem do processo n.º 599/16.0JACBR, em cumprimento de 11 anos de prisão, pela prática dos crimes de roubo tentado, ofensa à integridade física qualificada, violação agravada, sequestro e coação agravada.
Por decisões, transitadas em julgado em momento anterior já foi condenado pela prática de vários ilícitos criminais pela prática de inúmeros crimes de roubo e inclusive por um crime de detenção de arma proibida ainda que por sentença proferida em 2011.
Apesar das várias condenações pena de multa, penas de prisão substituídas por multa, penas de prisão suspensas na sua execução, em penas de prisão privativas da liberdade ainda que pela prática de outros ilícitos, da concessão de liberdades condicionais, e ter sido restituído à liberdade em voltou a delinquir e ser preso em 2015 após ter tido contacto com novos ilícitos e lhe terem sido aplicadas penas não privativas da liberdade.
O arguido, às penas anteriores, reiterou na prática de ilícito criminal sem que as condenações anteriores, transitadas em julgado, embora por ilícitos distintos, o tenham consciencializado do desvalor da sua conduta e, sem por isso, tenha optado pelo comportamento lícito que se lhe impunha.
Paralelamente, ao nível das exigências de prevenção especial - quer na vertente de socialização, quer do ponto de vista admonitório - não pode deixar de concluir-se que as mesmas se manifestam de uma forma premente, nomeadamente pelo facto de o arguido revelar uma clara propensão para delinquir e um indesmentível desrespeito pelas solenes advertências contidas nas anteriores condenações proferidas, inclusive várias penas de prisão (embora pela prática de outros ilícitos), as quais não foram suficientes para o afastar da actividade delituosa.
Apenas a condenação do arguido numa pena de prisão é susceptível de o fazer reflectir sobre a gravidade e perigosidade da sua conduta.
Optar-se-á, pois, pela pena de prisão.
Cabe-nos, agora, fixar a sua medida art. 71.º do CP.
A) Contra o arguido milita:
É mediana a gravidade das suas consequências - o arguido era possuidor de uma arma, objecto particularmente perigoso/a perigosidade está nas suas características especificas e facilidade de manuseamento: releva por via da culpa e da prevenção;
A intensidade do dolo, na sua forma directa: releva por via da culpa;
O grau de violação dos deveres impostos ao arguido, que é considerável.
O arguido já foi condenado, em momento anterior ao dia 11/10/2021, pela prática de vários crimes de roubo e por um crime de arma proibida, crime de sequestro, ofenda à integridade física qualificada e violação agravada.
Apesar das várias condenações pena de multa, penas de prisão substituídas por multa, penas de prisão suspensas na sua execução, em penas de prisão privativas da liberdade ainda que pela prática de outros ilícitos (com restituição à liberdade), da concessão de liberdades condicionais voltou a praticar um ilícito criminal.
O arguido patenteia propensão para praticar actividades delituosas da mesma e de outra natureza a que já foi condenado e um claro desrespeito pelas solenes advertências contidas nas anteriores condenações, com manutenção da permeabilidade às influências, aos contextos e às oportunidades criminais: releva por via da culpa e da prevenção;
B) Em favor do arguido milita:
No contexto prisional AA evidenciou maior estabilidade comportamental, evidenciando motivação para prosseguir com os estudos, tendo frequentado o 9º ano de escolaridade bem como solicitado ocupação laboral. Usufruiu de visitas do padrasto e também da namorada, relacionamento que terá tido o seu início quando trabalhou na zona da ..., figura afetiva que terá tido algum impacto positivo nas suas condutas, destacando-se o facto de ter abandonado os consumos de estupefacientes por alguma pressão por parte dessa namorada.
As exigências de prevenção geral muito são elevadas, considerando a necessidade de punir este género de comportamentos que são cada vez mais frequentes na nossa sociedade.
Em termos de prevenção especial, atendendo às aludidas condições económicas e pessoais e à existência de antecedentes criminais, impõe-se medidas elevadas de reeducação.
Ora a moldura penal abstracta, na opção de pena de prisão, como é o caso dos autos, é fixada entre um mês e os quatro anos.
Ponderadas todas as circunstâncias referidas supra, julgo adequada uma pena de doze meses (um ano).»
Compulsado o recurso apresentado, verificamos que o recorrente salienta em especial que «[r]esultou que, arguido/ Recorrente admitiu a posse dos objetos e explicou o contexto em que os mesmos ocorreram, sendo que tal contexto embora não anule a conduta dolosa do arguido diminui a nosso ver de modo relevante, sem dúvida, a intensidade da culpa» e que, por isso, «era determinante no momento da fixação da pena de prisão, olhar com especial cuidado ao contexto no qual impossibilitava o arguido de negar a posse- medo de represálias, e dar especial atenção às fragilidades que o sistema prisional apresenta na convivência/ hierarquia entre reclusos.
(…)
Nesta senda, na ótica do Arguido/Recorrente tais circunstâncias deveriam ter sido especialmente valoradas pelo Tribunal a quo.»
Porém, esta alegação não tem correspondência com a matéria de facto provada, onde não está descrito o invocado contexto, nem com a motivação do Tribunal a quo, que não se convenceu com as explicações do arguido, afirmando-se na sentença simplesmente que «[o] Tribunal teve em consideração as declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de julgamento, que admitiu deter na sua cela todos os objectos referidos no ponto 2) dos factos provados, ainda que haja referido que não era o dono do espeto de madeira. A este propósito referiu que lhe fora pedido por outro recluso – que não podia identificar – que guardasse o dito objecto, o que aceitou por receio de represálias, descrevendo, em abastrato, o ambiente prisional e os códigos de sobrevivência entre reclusos.
Assim sendo, o arguido admitiu a detenção de todos os objectos – inclusive o especto – mas negou a propriedade deste, apresentando um argumento que apesar de ao tribunal parecer falacioso, determinou a falta de prova do facto descrito em A), sendo certo que a resposta negativa ao mesmo não altera a consumação do facto pelo qual o arguido vem acusado.»
Não tendo sido requerida a alteração da matéria de facto provada e não estando enunciado nesta o alegado contexto, não pode o mesmo ser ponderado para efeito de fixação da pena.
Fica, assim, praticamente esvaziado de conteúdo o recurso do arguido, salvo o que se argumenta nos pontos 19.º a 21.º das alegações, ou seja:
«19.º
Atente-se ainda que, neste período de reclusão e conforme o ponto V alínea b) da douta sentença o arguido «evidenciou maior estabilidade comportamental, evidenciando motivação para prosseguir os estudos tendo frequentado o 9.ºano de escolaridade bem como solicitado ocupação laboral».
20.º
Fácil é assim de concluir que o arguido/recorrente vem a melhorar o seu comportamento e as suas competências profissionais.
21.º
Assim, as necessidades de prevenção geral, entendidas como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal, não parecem revelarem-se aqui especialmente acentuadas, merecendo especial destaque as necessidades de prevenção especial, na perspetiva da reintegração do agente na sociedade.»
Ora, como se constata do invocado ponto V. B) da sentença, a melhoria de comportamento do arguido foi ponderada a seu favor, não podendo deixar se se notar que foi alcançada em meio prisional, contexto que se revelou favorável à recuperação do arguido no sentido da sua futura reintegração, ao contrário da sua vivência em liberdade.
Por outro lado, não podemos deixar de discordar em absoluto com o nível de exigências de prevenção geral que o recorrente admite.
O meio prisional representa um microcosmos muito específico da vida em sociedade, onde as regras de conduta são essenciais à sobrevivência de todos quanto ali se encontram, constituindo comportamento particularmente grave a detenção de instrumentos que possam ser utilizados como arma de agressão.
Nesse sentido, as exigências de prevenção geral são infinitamente superiores às que se revelam na sociedade em geral, já de si elevadas.
Assim, na falta de outros elementos específicos de crítica, resta perceber se a ponderação realizada pelo Tribunal a quo salvaguardou o princípio da proporcionalidade.
Conforme resulta da transcrição supra, o Tribunal a quo, na apreciação que levou a cabo, cumpriu formalmente com as exigências de fundamentação decorrentes dos preceitos indicados e todos os factores invocados pelo recorrente foram tidos em consideração na decisão tomada, pelo que não está em causa a omissão de ponderação de qualquer circunstância que milite a favor do recorrente, mas antes uma diferente ponderação dos factos que compõem a materialidade subjacente, avaliados à luz dos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação.
O crime pelo qual o recorrente foi condenado e suscitou a pretensão de redução da medida concreta da pena é punido com uma moldura penal abstracta de 1 (um) mês a 4 (quatro) anos de prisão.
A pretensão do recorrente é a de que a pena concreta seja fixada em 7 (sete) meses de prisão.
Contudo, face à gravidade da conduta em causa e às elevadas exigências de prevenção geral e especial já enunciadas, não vemos que a fixação da medida concreta da pena perto do limite de ¼ da moldura abstracta seja excessiva, mostrando-se perfeitamente razoável como resposta às legítimas expectativas de sociedade na reposição da norma violada e necessidade de dissuasão de cometimento de idêntico crime em meio prisional, bem como relevantes necessidades de prevenção especial, vistos os antecedentes criminais do arguido e a circunstância de o cometimento do crime ter ocorrido durante o cumprimento de pena de 11 anos de prisão, mostrando-se tal medida totalmente abarcada pela culpa do recorrente.
É, pois, de manter a medida concreta da pena aplicada, não se observando na sua fixação a violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada.
Improcede, pois, o recurso do arguido.
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs. 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
Porto, 08 de Maio de 2024
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Pedro Vaz Pato
Paulo Costa
________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 215.
[3] Acórdão do STJ de 22-11-2017, Proc. n.º 731/15.0JABRG.G1.S1 - 3.ª secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[4] Cf., entre muitos outros, acórdão de 11-10-2007, Proc. n.º 07P3171, acessível in www.dgsi.pt.
[5] Cf. Proc. n.º 47/15.2IDLRA.C1, acessível in www.dgsi.pt.