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ARMA DE DEFESA
Sumário
A detenção de uma pistola com 6,35 milímetros de calibre, resultante de adaptação ou transformação de uma pistola de alarme, não estando manifestada ou registada, integra o crime do artigo 6 n.1 da Lei n.22/97, de 27 de Junho.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - O arguido A.........., identificado nos autos, foi julgado em processo comum e com intervenção do tribunal singular e, a final, foi condenado pelo crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo artº 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, na pena de 100 dias de multa, à razão de 4 euros por dia num total de 400 euros, com 66 dias de prisão subsidiária.
É desta sentença que o arguido interpõe o presente recurso, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1- Deveriam ter sido ouvidos os agentes da GNR, exibida a arma às testemunhas, confirmado pelos Srs. agentes como se tratando da mesma e até ouvido o arguido;
2- Haveria que apurar se a arma funcionava;
3- É diferente se a arma estivesse guardada mas pudesse ser usada ou se estivesse a fazer de adorno e como arma inutilizada;
4- Assim, a sentença padece de insuficiência e por isso deve ser revogada;
5- A arma apreendida é uma arma de alarme alterada que não pode equiparar-se a uma arma de defesa prevista no artº 1º da Lei nº 22/97, de 27/6, o que só poderia fazer-se com recurso à analogia ou à interpretação extensiva, não permitida pela lei penal.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a absolvição do arguido.
Na resposta, o Mº Pº pugna pela manutenção da sentença recorrida.
Nesta instância o Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de não dever ser equiparada uma arma de alarme adaptada a arma de defesa não manifestada nem registada, ficando, desse modo prejudicadas as demais questões suscitadas pelo recorrente.
Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do Cód. Proc. Penal, não houve qualquer resposta.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
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II - Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
No dia 8 de Janeiro de 2001, pelas 14 horas, em....., ....., Santa Maria da Feira, o arguido que se envolvera em contenda com B.........., empunhou uma das armas apreendidas a fls. 43 e 44, não se conseguindo concretizar qual delas, mas que apresentava todas as características aparentes de uma arma de fogo.
No dia 11 de Outubro de 2001, no cumprimento dos mandados de busca emitidos no âmbito destes autos, foi realizada busca à residência do arguido pelos elementos da GNR de Canedo, com vista à apreensão da arma utilizada pelo mesmo nas circunstâncias acima descritas.
Na sequência de tal diligência, foi encontrada ao arguido 1 pistola de alarme alterada para defesa com o nº 170 128, de calibre 8mm, alterado para 6,35mm, com o comprimento de cano de 5,5 cm, melhor descrita no auto de exame de fls. 43 e 44, além de uma caixa com 50 munições do mesmo calibre, entre outro tipo de armas e munições.
Porém, tal arma não se encontra manifestada nem registada nem o arguido possui qualquer tipo de licença para a sua posse e detenção.
O arguido A.......... agiu livre e conscientemente ao ter em seu poder a arma referida sem que, para o efeito, possuísse respectiva licença, detenção, manifestação ou registo.
Actuou com perfeito conhecimento do carácter criminoso do seu comportamento.
O arguido não tem antecedentes criminais.
Inexistem factos não provados.
Motivação:
O tribunal fundou a sua convicção:
- nos docs. de fls. 27 e 37;
- nos exames periciais de fls. 43 e 44.
- no depoimento das testemunhas B.......... e C.......... que depuseram afirmando que viram o arguido empunhar uma arma de fogo, embora não conseguissem descrever tal arma.
III - A Relação, no presente caso, conhece de facto e de direito uma vez que a prova produzida na audiência de julgamento ficou registada magnetofonicamente - artºs 364º, nº 1 e 428º nº 1 do Cód. Proc. Penal.
Como se sabe, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões, extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação - cfr. Ac. S.T.J. de 19.06.96, in BMJ 458, 98.
O recorrente alega que a sentença recorrida padece de insuficiência, devendo ser revogada.
Para tal, aduz os seguintes argumentos:
1º- Deveriam ter sido ouvidos os agentes da GNR, exibida a arma às testemunhas, confirmada pelos Srs. Agentes e até ouvido o arguido;
2º- Haveria que apurar se a arma funcionava;
3º- É diferente se a arma estivesse guardada mas pudesse ser usada ou se estivesse a fazer de adorno e inutilizada.
Com tal argumentação o arguido/recorrente está a imputar à sentença impugnada o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - al. a) do nº 2 do artº 410º do Cód. Proc. Penal.
Consiste tal vício em não bastarem os factos provados para justificarem a decisão proferida, por haver uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito - cfr. Acs. STJ de 3/10/96 (proc. nº 440/96-3ª Secção) e de 22/5/97 (proc. nº 1389/96-3ª Secção).
E este como os demais vícios enunciados no nº 2 do artº 410º do Cód. Proc. Penal para que possa ser validamente invocado como fundamento do recurso, terá de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Ora tal não sucede no caso subjudice.
Se ocorresse uma insuficiência ela teria que decorrer de uma omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa e fossem relevantes para a decisão, isto é, a omissão decorreria da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tivessem sido alegados ou resultado da discussão.
No caso dos autos, o Tribunal deu como provados todos os factos constantes da acusação pelo que não deixou de dar como provados nem deu como não provados factos relevantes para a decisão.
Na factualidade dada como provada contêm-se todos os factos suficientes para a decisão proferida.
Não se verifica, pois, o aludido vício nem, aliás, nenhum dos demais vícios referidos no artº 410º nº 2 do Cód. Proc. Penal.
Improcedem assim as conclusões 1 a 4 do recurso.
O recorrente argumenta também que não pode equiparar-se ou considerar-se que uma arma de alarme alterada é uma arma de defesa previsto no nº 1 da Lei nº 22/97, de 27/6, conclusão só possível com uma interpretação analógica ou mesmo extensiva, não permitida pela lei penal.
Vejamos.
Decorre dos factos provados que o arguido detinha uma pistola de alarme alterada para defesa com o nº 170 128, de calibre 8mm, alterado para 6,35mm, com o cumprimento de cano de 5,5cm, além de uma caixa com 50 munições do mesmo calibre, a qual não se encontrava manifestada nem registada, não possuindo o arguido qualquer tipo de licença para a sua posse e detenção.
Provado ainda ficou que o arguido agiu livre e conscientemente ao ter em seu poder a arma referida sem que possuísse a respectiva licença, manifestação ou registo.
O arguido foi condenado como autor material pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa p. e p. pelo artº 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho.
O Ac. S.T.J. nº 1/2002, uniformizador de jurisprudência, publicado na I Série-A do DR de 5/11/2002, veio fixar jurisprudência no seguinte sentido:
"Uma arma de fogo com 6,35mm de calibre resultante de adaptação ou transformação, mesmo que clandestina, de uma arma de gás ou de alarme não constitui uma arma proibida, para efeito de poder considerar-se abrangida pela previsão do artº 275º, nº 2 do Cód. Penal na versão de 1995".
Afastada a incriminação pelo artº 275º nº 2 do Cód. Penal, a questão que se põe é a de saber a factualidade provada é passível de subsunção à previsão do artº 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho.
Ora, adiantando já a solução que temos por correcta, diremos que uma arma de alarme, posteriormente alterada para arma de defesa, com o calibre de 6,35mm, tem de considerar-se, para todos os efeitos, como uma arma de defesa.
E, não estando tal arma manifestada ou registada e não possuindo o seu detentor qualquer licença para ter consigo a mesma incorre na previsão do artº 6º, nº 1 da Lei nº 22/97.
Isto pelas seguintes razões:
- O legislador, quando alterou o regime de uso e porte de arma (citada Lei nº 22/97) não distinguiu entre as armas que originariamente foram concebidas e fabricadas com as características de armas de defesa e as armas que apresentam as mesmas características, mas resultantes de uma posterior transformação ou adaptação;
- O facto de uma arma de alarme alterada para arma de defesa não poder ser, em princípio, manifestada ou registada, não obsta à equiparação.
É que não sendo, em princípio, passíveis de manifesto ou registo tais armas nada nos diz que uma eventual impugnação da decisão da autoridade policial não obtivesse provimento.
- A Lei nº 22/97, no artº 1º nº 1, elenca o que considera armas de defesa.
Assim, diz:
"Consideram-se armas de defesa:
a) as pistolas até calibre 7,65mm, inclusive, cujo cano não exceda 10 cm;
b) as pistolas até calibre 6,35mm, inclusive, cujo cano não exceda 8 cm;
c) os revólveres de calibre não superior a 7,75mm, cujo cano não exceda 10 cm;
d) os revólveres de calibre não superior a 9mm, cujo cano não exceda 5 cm".
Não é hoje permitido o recurso à interpretação analógica - artº 1º nº 3 do Cód. Penal.
Já a interpretação extensiva (vedada pela 2ª parte do artº 18º do Cód. Penal de 1886) é hoje permitida pela lei penal, devendo, no entanto, ser utilizada com prudência. Além de ter um mínimo de correspondência na lei, não deve exceder o sentido possível das palavras da lei - cfr. Maia Gonçalves, in "Código Penal Português", Anotado e Comentado, 8ª edição, 1995, Almedina, pág. 176.
O Prof. Germano Marques da Silva esclarece que estamos perante uma interpretação extensiva "quando o intérprete conclui que a letra do texto da lei fica aquém do seu espírito, que a fórmula verbal adoptada diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. O intérprete estende então o texto fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se trata de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra da lei são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei. A interpretação extensiva assume normalmente a forma de extensão teleológica: a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei, mas são abrangidos pela finalidade da mesma" - "Direito Penal Português", pág. 269, I vol., Verbo, Lisboa, 2001.
Atento o teor da al. b) do nº 1 do artº 1º da Lei nº 27/97, supra transcrito, a lei exige (para o caso que ora interessa) que:
- se trate de uma pistola;
- o calibre não ultrapasse 6,35mm;
- o cano não exceda 8 cm.
Face às características da pistola em causa, não há dúvidas que a mesma se integra na previsão legal: trata-se de uma pistola, de calibre 6,35mm, com o cumprimento de 5,5 cm.
Não há que indagar outras características.
Por isso, julgamos mesmo que com esta interpretação não estamos a lançar mão da interpretação extensiva. A letra da lei abrange directamente a arma em causa nos autos.
Aliás, no sentido que se defende se pronunciou também o referido Ac. S.T.J. nº 1/2002 ao esclarecer na nota 8 que "...o sentido da jurisprudência agora fixado não afasta, atento o disposto no citado artº 1º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, a incriminação do uso e porte das armas referidas, desde que não manifestadas ou registadas".
DECISÃO
Em conformidade, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso.
O recorrente pagará 4 Ucs de taxa de justiça.
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Porto, 5 de Maio de 2004
Arlindo Manuel Teixeira Pinto
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro