PROCESSO TUTELAR CÍVEL
MEDIDA CAUTELAR
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário

I - O princípio do contraditório é uma das exigências do processo equitativo constitucionalmente consagrado no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, em consonância com o que decorre do nº 1 do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e com respaldo, em termos gerais, no artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil e, especificamente em matéria tutelar cível, no artigo 25º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
II - Em sede de justiça cautelar, tendo em conta a finalidade da providência a aplicar, prevê-se que o contraditório pode em certas circunstâncias ser diferido (vejam-se os artigos 366º, nº 1 do Código de Processo Civil e o nº 4 do artigo 28º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), nomeadamente quando a finalidade da providência possa ser seriamente colocada em risco pelo prévio contraditório.
III - Os princípios da privacidade, da intervenção mínima, da proporcionalidade, da atualidade e da prevalência da família enunciados nas alíneas b), d), e) e h) do artigo 4º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo são aplicáveis ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível por força do disposto no nº 1 do artigo 4º deste último regime.

Texto Integral

Proc. n.º 500/23.4T8MTS-B.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 500/23.4T8MTS-B.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

            1. Relatório

Em 13 de maio de 2016, na então Secção de Família de Família e Menores de Matosinhos, Comarca do Porto, AA instaurou contra BB providência tutelar cível de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais[1] relativa a CC, nascida em 21 de setembro de 2015 e filha da requerente e do requerido.

Em 29 de junho de 2016 realizou-se conferência com a intervenção de requerente e requerido, sendo homologado acordo parcial de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais na parte referente à guarda à requerente e aos alimentos à criança a cargo do requerido, tendo sido fixado um regime provisório quanto ao regime de visitas, declarando-se suspensa a instância por três meses, após o que seria reavaliado o regime provisório de visitas, designando-se logo dia para realização de conferência para esse efeito.

Em 11 de outubro de 2016 realizou-se conferência com a intervenção dos progenitores da criança, tomando-se-lhe declarações e solicitando-se ao ISS/CAFAP a realização de mediação das visitas, a ocorrer entre o progenitor e a menor, pelo período de dois meses, as quais ocorreriam duas vezes por semana, sendo uma delas ao sábado ou ao domingo e a outra durante a semana, devendo as mesmas decorrer com a duração a determinar pelo respetivo técnico, suspendendo-se a conferência e designando-se nova data para eventual reavaliação do regime de visitas.

Em 19 de dezembro de 2016 realizou-se nova conferência com a presença dos pais da criança, frustrando-se a tentativa de acordo entre os mesmos relativamente ao regime de visitas.

Por despacho proferido em 20 de março de 2017 foi prorrogado por mais três meses o regime de visitas no CAFAP.

Após variadas vicissitudes, em 11 de junho de 2018 realizou-se nova conferência na qual se frustrou o acordo entre os progenitores quanto ao regime de visitas à criança, fixando-se novo regime provisório de visitas, no exterior do CAFAP.

Em 16 de novembro de 2018, os Serviços da Segurança Social informaram ter sido concedido apoio judiciário à requerente na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

No dia 07 de fevereiro de 2019 realizou-se nova conferência, sendo tomadas declarações a ambos os progenitores.

Em 25 de fevereiro de 2019 foi proferido despacho alterando de novo o regime provisório de visitas à criança.

Em 14 de novembro de 2019 realizou-se nova conferência em que de novo se frustrou o acordo dos progenitores quanto ao regime de visitas, sendo ambos notificados para, querendo, alegarem o que tivessem por conveniente, oferecer provas e requerer as diligências que tivessem por conveniente.

 Em 05 de dezembro de 2019 conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes e designou-se dia para realização da audiência final e nesta data as partes chegaram a acordo relativamente ao regime de visitas, acordo que foi judicialmente homologado.

A requerente ofereceu requerimento alegando que o acordo exarado em ata enfermava de alguns lapsos e consequentemente requereu a sua retificação, pretensão que mereceu a oposição do requerido por alegada intempestividade do requerimento e ainda, se assim não se entendesse, por falta de fundamento das pretendidas retificações.

Ouviu-se a Sra. Oficial de Justiça para informar se os apontamentos da diligência em que foi obtido o acordo das partes ajudavam a esclarecer as dívidas suscitadas pelas partes.

Em 09 de março de 2020 foi proferido despacho a deferir parcialmente a retificação do acordo exarado em ata.

Arquivados estes autos, em 21 de setembro de 2020, o Digno Magistrado do Ministério Público instaurou ação para alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à criança CC no Juízo de Família e Menores de Faro, Comarca de Faro e em 26 de julho de 2022, foi nesses autos[2] proferida sentença que determinou que a criança passasse a estar à guarda e aos cuidados do pai, sentença que foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 13 de outubro de 2022 e já transitado em julgado.

Após variadas vicissitudes, nos autos antes referidos, em 24 de janeiro de 2023, AA, progenitora da criança CC, instaurou no Juízo de Família e Menores de Matosinhos, Comarca do Porto, providência tutelar cível para alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais vindo estes autos[3] a ser “reabertos” e sendo 28 de junho de 2023 proferido o seguinte despacho[4]

Da suspensão das visitas:

Importa atender aos seguintes factos:

1. CC, nascida a 21 de setembro de 2015, está registada como filha da requerente e de BB.

2. Por sentença proferida a 26 de julho de 2022[[5]], transitada em julgado (Ac. do TRE de 13.10.2022) foi decidido o Tribunal, alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança, CC, nos seguintes termos[[6]]:

«1. A residência da criança é fixada junto do seu pai no concelho de Matosinhos.

2. As questões de particular importância na vida da CC serão decididas de comum acordo entre os pais, salvo em caso de emergência manifesta, hipótese essa em que o progenitor que estiver com a criança poderá tomar a decisão sozinho, comunicando-a logo que possível ao outro progenitor.

[3. Entendem-se por questões de particular importância, designadamente, as seguintes:

 - Mudança de residência da criança para fora de um raio de 30 quilómetros da sua residência junto do pai;

- Mudança do ensino público para o ensino privado ou vice-versa;

- Sujeição da criança a intervenções cirúrgicas dos quais resulte perigo grave para a sua vida ou integridade física;

- Prática de desportos perigosos da qual resulte perigo grave para a sua vida ou integridade física;

- A educação religiosa até aos 16 anos de idade;

- A participação da criança em programas televisivos;

- A administração de bens da criança que implique a sua alienação ou oneração;

- A autorização da criança para casamento a partir dos 16 anos de idade;

- A autorização para obtenção pela criança de licença de ciclomotores;

- A representação da criança em acções judiciais ou a apresentação de queixas criminais em nome da mesma.]

4. As questões da vida corrente da criança em matéria de educação e saúde serão decididas em exclusivo pelo progenitor, tendo a progenitora direito a ser informada das mesmas, caso o requeira. O pai exercerá o cargo de encarregado de educação na escola, tendo a progenitora direito a obter informações sobre a evolução escolar da filha da parte do novo estabelecimento de ensino por esta frequentado.

5. As demais questões da vida corrente da criança serão decididas pelo pai nos momentos em que esteja com a criança, sendo decididas pela mãe nos períodos em que a progenitora conviva com a filha, devendo esta respeitar as orientações educativas mais relevantes decididas pelo progenitor no que respeita ás rotinas de sono, alimentação e de estudos da criança.

6. Durante o primeiro mês subsequente à entrada em vigor do presente regime, serão suspensos nos termos do nº3 do artigo 40º do RGPTC os convívios da progenitora com a filha, sem prejuízo de a mãe poder contactar telefonicamente (ou por videochamada) com a criança 2 vezes por semana (na falta de acordo diverso dos pais, às quartas-feiras e aos sábados entre 18h30 e as 19h30).

7. Durante o referido primeiro mês subsequente à entrada em vigor do presente regime, o pai comparecerá com a filha em, pelo menos, 3 sessões no CAFAP ..., destinando-se tais sessões a refortalecer a relação entre o progenitor e a criança, bem como, e sobretudo, a elucidar a CC sobre o seu direito a ter uma relação saudável como ambos os pais e a reforçar o seu espírito crítico quanto aos comportamentos de alienação que põem em causa esse direito.

8. Findo o referido mês de suspensão dos convívios entre mãe e criança, a progenitora conviverá com a filha nos seguintes termos:

a) Em fins-de-semana alternados, recolhendo a criança na escola ou, em período de fecho do estabelecimento de ensino, em casa do pai às sextas-feiras no final do período escolar ou entre as 18h00 e as 20h00, e entregando a CC na residência do progenitor aos domingos entre as 17h00 e as 20h00.

b) Nas férias de Natal de 2022, convivendo com a criança na semana de 19/12, pelas 11h00, a 26/12, pelas 11h00, recolhendo a criança em casa do pai e entregando-a no mesmo local no final do convívio, sendo que a CC conviverá nesse ano com o pai na semana entre 26/12, pelas 11h00 e 2/1. No ano seguinte (2023), a criança conviverá com o pai na semana que inclui o Natal (de 19/12 a 26/12), convivendo com a mãe na semana que inclui o Ano Novo (de 26/12 a 2/1). E assim sucessivamente de forma alternada.

c) Nas férias da Páscoa de 2023, a criança conviverá com a mãe na semana de férias que inclui o Domingo de Páscoa, convivendo com o pai na outra semana de férias escolares, sendo ainda as recolhas e entregas efectuadas às 11h00 na residência do progenitor, respectivamente, nos dias de início e de termo do convívio. Caso as férias escolares da Páscoa sejam encurtadas ou alargadas, os pais dividirão ta período de férias de forma igual, respeitando-se o supra-referido quanto aos horários e locais de entrega e recolha.

d) Nas férias de Verão de 2023 e nos meses de Julho e Agosto, a criança conviverá com cada progenitor em quinzenas alternadas, sendo que, na falta de acordo, passará com a mãe as primeiras quinzenas de Julho e de Agosto, passando com o pai as segundas quinzenas desses meses. Para o efeito, as recolhas e entregas obedecerão ao previsto na alínea c) deste número.

e) No dia de aniversário da CC, cada progenitor fará uma refeição com a criança, alternando de ano para ano o progenitor que janta com a filha, sendo que em 2022 será o pai a jantar com a criança e, em 2023, será a mãe a fazê-lo. Para o efeito, os horários de almoço obedecerão ao horário escolar da criança e os horários de jantar serão entre as 18h00 e as 21h00, cabendo à progenitora, no caso da refeição que faça com a filha, recolher a criança na escola ou, não sendo possível, na residência do pai e entregando-a ou na escola (se se tratar de almoço) ou na residência do progenitor (no caso de se tratar de jantar).

f) No dia de aniversário dos pais, bem como no dia da Mãe ou no dia do Pai, o progenitor aniversariante ou a quem o dia de festa respeite passará o dia com a criança, pernoitando esta em casa do mesmo. Para o efeito, no caso de convívio com a mãe, a criança será recolhida, preferencialmente, na escola ou, não sendo possível, na casa do pai, no final do período escolar ou pelas 18h00, sendo entregue no dia seguinte na escola ou em casa do pai pelas 9h00. No caso de convívio do pai em período em que a criança esteja com a mãe, o pai recolherá a filha nos mesmos horários, preferencialmente, na escola ou, não sendo possível, na residência da progenitora.

9. A progenitora fica obrigada a comparecer, pelo menos, em 2 sessões no CAFAP da ... a fim de ser esclarecida sobre os efeitos da alienação parental nas crianças e o dever de respeitar o direito da CC em ter um bom relacionamento com o progenitor. Tais sessões terão início aquando do início dos convívios da progenitora com a criança previstos no ponto 8) desta decisão.

10. Findas as sessões referidas em 7) e 9), o CAFAP agendará ainda com os pais entre 2 a 4 sessões conjuntas com ambos os progenitores e, caso conveniente, com a criança a fim de reforçar o respeito mútuo entre pais e filha e estabelecer regras de funcionamento da família que privilegiem o bom relacionamento entre todos os membros.

11. As sessões previstas em 7), 9) e 10) serão agendadas pelo CAFAP em horário compatível com os horários dos pais e da criança, sendo a comparência dos progenitores obrigatória e sendo a ausência injustificada sancionável com multa até 3 UC por cada falta de comparência.

12. Caso o CAFAP ... não tenha disponibilidade para a realização das sessões previstas em 7), 9) e 10), as mesmas serão realizadas por outro CAFAP da área do Porto ou pelo Centro Distrital da Segurança Social local.

13. As despesas com deslocações da progenitora a Matosinhos para conviver com a filha nos termos previstos em 8) serão repartidas entre os pais mediante apresentação de recibo por parte da Requerida, não podendo o contributo do progenitor exceder o montante mensal de € 100,00 correspondente ao valor da prestação de alimentos a cargo da progenitora. Para o efeito, a progenitora comunicará a despesa por escrito (e-mail ou sms) no prazo de 10 dias após o seu pagamento, juntando recibo comprovativo. O progenitor deverá proceder ao pagamento de metade da despesa no prazo de 10 dias após tal comunicação. Caso a progenitora decida mudar de residência para Matosinhos ou local próximo, deixará de haver lugar a tal pagamento por parte do progenitor.

14. A progenitora pagará, a título de alimentos devidos à filha a quantia mensal de € 100,00, a qual será liquidada até ao dia 8 de cada mês com início em Agosto de 202239 [aliás 2022, seguindo-se ao ano “2022” a nota de rodapé nº 39, com o seguinte teor: “Sem prejuízo de se ter noção do entendimento jurisprudencial, segundo o qual a prestação de alimentos seria, mesmo em caso de alteração do seu montante, devida a partir da data da propositura da acção, certo se afigura que, no caso, tal significaria uma devolução dos montantes pagos pelo progenitor a esse título durante a pendência da acção e, nessa medida, uma repetição dos alimentos que a lei igualmente veda (cfr. Artigo 2006º nº1 do CC vs. artigo 2007º nº2 do mesmo diploma). Crê-se na medida que, havendo alteração da residência, os alimentos só devem ser considerados devidos a partir do momento da sua fixação e não do momento da propositura da acção.”] por transferência bancária para a conta do progenitor que este comunicará nos autos no prazo de 48 horas.

15. A prestação de alimentos será actualizada anualmente a partir de Janeiro de 2023 à razão de € 5,00 / ano, sendo assim o respectivo valor de € 105,00 a partir da referida data.

16. As despesas médicas, medicamentosas ou escolares que, na parte não comparticipada, atinjam o valor mínimo de € 25,00 serão repartidas entre os pais, devendo o progenitor credor comunicar ao outro tal despesa por escrito no prazo de 15 dias após o seu pagamento, juntando recibo comprovativo, e devendo o progenitor devedor liquidar metade do valor do encargo no prazo de 15 dias após tal comunicação.»

3. Na sentença proferida por este Tribunal [[7]] em 26/7/2022 e confirmada pelo Tribunal da Relação [[8]], bem como transitada em julgado, foi ainda decidido: «Ordenar a fiscalização, pelo prazo de 9 meses, do cumprimento do presente regime pela EMAT / ... nos termos do nº6 do artigo 40º do RGPTC, atento o risco evidente do seu incumprimento, considerando a matéria de facto dada como provada na presente sentença. Para o efeito, a EMAT / ... juntará nos autos relatórios de avaliação da execução do regime até 30/9/2022, 30/12/2022 e 15/4/2022. Por sua vez, o CAFAP juntará igualmente informações sobre o decurso das sessões estabelecidas no presente regime até 30/9/2022 e 30/12/2022.»

4. Por acordo dos pais homologado pelo Tribunal em 12/9/2022, foram introduzidas as seguintes

alterações no regime de regulação fixado na sentença de 26/7/2022:

1. Os pais declaram aceitar que as videochamadas entre a mãe e a filha previstas na sentença da qual tem interposto recurso sejam monitorizadas pelo CAFAP “Qualificar para Incluir”, no Porto, tal como sugerido por esta entidade. 2. Os pais declaram aceitar que a CC tenha acompanhamento psicológico no GEAV, da Faculdade ..., devendo o psicólogo que atender a CC articular a sua intervenção junto da criança com o CAFAP, bem como falar com ambos os pais no decurso de tal acompanhamento.3. Os pais declaram aceitar que as recolhas da CC aos domingos nos fins de semana em que está com a mãe sejam realizadas no CAFAP pelas 18:00 horas. 4. A mãe entregará ao pai através da sua Ilustre Mandatária os códigos do Cartão de Cidadão, bem como a documentação clinica da CC a fim de o pai poder tratar dos assuntos de saúde da criança. 5. Ambos os pais estão de acordo em que a criança possa estar com a avó materna, bem como tenha contactos telefónicos com esta na sequência de acordo nesse sentido entre a avó e o progenitor e fora dos períodos em que a criança conviva com a mãe. 6. No período de aulas, nos fins de semana em que a criança deva estar com a mãe, a mãe recolherá a criança na escola às sextas-feiras no final do período escolar.

5. Pode [Por?] decisão judicial proferida a 14 de dezembro de 2022 foi fixado o seguinte regime de visitas provisório: Pelo exposto, decide o Tribunal:

I. Reduzir, nos termos do nº2 do artigo 28º do RGPTC, os convívios da Requerida, AA, com a filha, CC, previstos na sentença de 26/7/2022 transitada em julgado, apenas aos seguintes convívios / contactos autorizados:

a) Convívios supervisionados pelo CAFAP (Qualificar Para Incluir) com periodicidade quinzenal, aos sábados ou domingos, em horário a agendar pelo CAFAP em articulação com a disponibilidade dos pais, tendo tais convívios duração mínima de 1 hora e máxima de 2 horas.

b) Contacto por videochamada monitorizados pelo referido CAFAP com periodicidade semanal em dia e horário a acordar pelo CAFAP com os pais de acordo com a disponibilidade destes.

II. Suspender, nos termos do nº3 do artigo 40º do RGPTC, os demais convívios e contactos da progenitora com a criança previstos na referida sentença de 26/7/2022.

III. Manter, naquilo que não respeita aos convívios / contactos da progenitora com a criança, o regime de regulação previsto na sentença de 26/7/2022.

IV. Ordenar a extracção de certidão da sentença e do acórdão proferidos nos autos em 26/7/2022 e 13/10/2022, bem como da presente decisão, dos relatórios do CAFAP juntos a partir de 4/8/2022, da gravação dos depoimentos da progenitora e do seu filho, DD, no dia 12/12/2022, bem como das gravações ilícitas juntas pela progenitora de conversas entre si e a criança e entre esta e o seu irmão, DD, para ser remetida ao DIAP do Porto, tendo em vista a investigação da prática, pela Requerida, de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152º nº1 alíneas d) e e) do CP, bem como de um crime de gravações ilícitas previsto e punível pelo artigo 199º nº1 alínea a) do mesmo diploma, bem como da prática, pelo depoente, DD, de um crime de gravações ilícitas, previsto e punível pelo artigo 199º nº1 alínea a) do CP. »

6. O regime de visitas fixado pelas decisões judiciais de 26 de julho alterado pela decisao de 14 de dezembro de 2022 está em período de fiscalização, com termo previsto para o dia 15 de abril de 2023 (vide ainda informação de fls. 594 no apenso de ARERP).


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O CAFAP juntou relatório do qual consta:

Vimos por este meio informar Vª Exª que a visita supervisionada entre a CC e a mãe, Dª AA

..., de 10/03/2023, foi terminada antecipadamente por orientação da técnica gestora do processo, dado não estarem reunidas as condições de segurança emocional para CC poder conviver com a mãe.

Após o envio do relatório deste CAFAP ao Douto Tribunal em 08/05/2023 o comportamento da Dª AA na visita seguinte alterou-se, passando a ser desagradavelmente inquisitória, colocando a menina em múltiplas situações de desconforto e cobrando-lhe a veracidade das afirmações expressas no relatório.

Nessa visita de 13/05/2023, a CC apresentou-se com dois livros e os presentes do dia da mãe.

Depois da fase amorosa dos presentes e das palavras de amor, a mãe passou ao discurso do "temos que parar para falar, coisas muito, muito sérias...a mamã hoje não quer ficar muito tempo...(entre suspiros e juras de amor eterno)...vou afastar-me CC, mas tens que ser muito forte, sabes que a mamã te ama muito, muito muito...porque todas as técnicas dizem que a mamã te faz mal, que ficas muito nervosa e até vomitas...que tens medo da mãe...e há muita mentira, muita, muita mentira...vamos conversar porque hoje a mamã não vai ficar muito tempo"(sic)

A CC, num esforço desmedido para gerir as emoções e sair daquele momento, insistiu para ler a

história para a mãe. Leu com muito cuidado e prazer e deu para perceber que havia ensaiado aquele momento. Mal terminou a história a mãe quis voltar à conversa, mas a CC continuou a desviar e passou a dançar. Percebendo a necessidade da menina escapar ao mau estar, a técnica interveio e procurou no youtube e tiktok músicas e danças que a CC sugeriu.

Durante esse tempo a mãe foi lançando algumas afirmações alusivas ao relatório em jeito de provocação..."e sim CC vou ficar sentada no sofá...o piano, pois é cuidado com o barulho...pelos

vistos está sempre bem mas eu vejo-te sempre constipada, doente..."(sic)

No final das danças e dramatizações a Dª AA voltou à sua missão e aí já foi mais diretiva, mas sempre muito doce na voz e acarinhando a CC, perguntando se alguma vez a tinha mandado para a cama sem comer, se alguma vez lhe bateu, se a CC alguma vez disse que não queria ir à visita, se não gostou que os amigos tivessem feito a viagem com ela no TukTuk. Algumas questões a CC não conseguiu enfrentar, outras, encheu-se de coragem e começou a dizer "lembras-te mummy houve uma vez que eu e a avó nos zangamos e tu mandaste-me para cama sem comer, às vezes zangavas-te um bocadinho e eu ficava sem comer"(sic)...nesses momentos a mãe não a deixava nunca terminar e induzia as respostas da CC..."diz a verdade não podes fazer isso tens que contar tudo... CC tu e a vovó estavam a brigar como sempre e eu até mandei cada uma para o seu quarto...depois fui fazer o jantar e adormeceste"(sic)...quando a CC a tentava corrigir, a mãe não permitia, acrescentava e induzia dizendo "lembra-te do que mamã sempre te disse"(sic) e a CC repetia "nunca mentir".

O final da visita foi um misto de culpabilização da CC e palavras doces de amor e frases bonitas como "CC...amar é desprender e é isso que a mamã vai fazer, porque é melhor para ti"(sic)...ou seja, dando indicação que iria desaparecer, subentendendo-se que a responsabilidade era da CC porque não fez e não disse o que devia, plantando na mente e coração da menina dúvida sobre as afirmações que ao longo de todo o processo foi começando a relatar. Com muita valentia, mas começando a não conter o sentimento, a CC pedia à mãe para não desaparecer, que gostava muito dela e tinha saudades, mas a Dª AA insistiu que seria melhor e que um dia tudo se resolveria. A CC saiu da visita emocionalmente destruída. A 20/05/2023 a Dª AA enviou um email (em anexo) afirmando que não iria à visita seguinte de 27/05/2023, pelo que o pai da CC foi avisado do cancelamento. No dia seguinte, a Dª AA informou que já pretendia ir à visita, no entanto, o Sr. BB não acedeu afirmando já ter informado a CC da não comparência e combinado com ela atividades para a ocupar nesse dia e ainda expressando o quanto as inconstâncias da mãe e inquirições feitas à CC prejudicam o bem estar emocional da menina. A Dª AA respondeu (ver email em anexo) deixando claro que não iria mudar o seu comportamento perante a filha.

Na visita de 10/06/2023 a Dª AA cumpriu com o que havia expresso no email e desde que a CC entrou passou a dizer que ia gravar a conversa para colocar em evidência as mentiras do relatório e que faria todas as perguntas que entendesse à filha, mostrando à técnica e à CC que o telemóvel já estava a gravar. A CC tentou ir buscar um jogo, mas a Dª AA afirmou que iriam fazer o que ela dissesse tirando uma caneta da bolsa e dizendo à CC para pedir um papel à técnica. A técnica viu-se obrigada a intervir alertando a Dª AA para o facto de não ser permitido gravar as visitas nem fazer gravações da CC, recordando-a do processo crime que se encontra a correr a esse propósito. Após vários pedidos a Dª AA afirmou veementemente que iria gravar, sendo que a técnica afirmou que a mesma deveria parar a gravação e colocar os telemóveis na recepção, caso contrário daria por terminada a visita. A Dª AA recusou-se a parar a gravação pelo que a técnica contactou o pai da CC para a ir buscar. Após a técnica ter informado a CC que a visita nesse dia teria que terminar mais cedo, a Dª AA afirmou que já não estava a gravar, mas permaneceu a fazer interrogatório à CC sobre as afirmações que constavam no relatório. A CC tentou mudar o assunto e dizer à mãe que havia uma competição na escola para a qual não tinha sido selecionada, mas que estava muito nervosa pois as amigas iam concorrer e queria que a escola dela ganhasse. Não atendendo à filha a Dª AA voltou a questioná-la, sendo que a técnica a alertou para necessidade de ouvir e atender à vontade da CC. Não acedeu e dirigiu-se à CC dizendo "vês está-te a retirar o direito à visita e só sais daqui se tu quiseres...vês... ela está-te a forçar..."(sic) mais uma vez não atendendo ao sofrimento que esse momento estava a causar na CC e colocando nela o enorme peso de decidir ir embora ou não. A Técnica explicou à CC que não havia condições para continuar e retirou a CC da sala, que saiu de mão dada com técnica, muito triste, mas sem resistir, embora ao mesmo tempo a mãe falasse para o telemóvel dizendo "neste momento está a tirar a menina à força...(sic).

Pelo acima descrito, consideramos não estarem reunidas as condições de segurança emocional para que a CC possa desfrutar de visitas com a mãe, mesmo que supervisionadas. A Dª AA demonstra repetidamente que o seu foco não é o bem estar da filha, mas o de provar, custe o que custar, a sua tese de que o pai da CC é um agressor e os técnicos envolvidos no processo, sobretudo a técnica gestora do processo deste CAFAP, mentem nos relatórios enviados ao Tribunal.

Dado avaliarmos, como muito elevado, o risco dos maus tratos emocionais perpetrados pela Dª AA à CC permanecerem e até escalarem, consideramos suspensas as visitas até nova orientação do Douto Tribunal.

O MP promoveu a suspensão das visitas.

Cumpre decidir:

Ora, o direito de visita é um direito-dever, um direito-função, um direito a ser exercido não no interesse exclusivo do seu titular mas, sobretudo, no interesse da criança.

Não é um direito subjetivo propriamente dito, não tem carácter absoluto, e está subordinado ao interesse do menor.

Pode, por isso, ser limitado ou excluído quando o seu exercício for incompatível com a saúde psíquica do menor.

Contudo as responsabilidades parentais também não visam unicamente e a nosso ver, como assinalam alguns autores, tutelar o interesse do menor, mas visam também o interesse da auto-realização dos pais enquanto pais, constituindo a relação entre este e os seus filhos um direito fundamental daquele, que goza de protecção constitucional face a terceiros e ao Estado.

Por isso a negação ou supressão do direito de visita do progenitor sem a guarda dos filhos apenas é legítima - e como última ratio - no quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito do progenitor. Ac do TRP de 8 de maio de 2008».

Resulta do Princípio 2 do Anexo à Recomendação nº R (84) 4, adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de Setembro de 1984, que em sede de responsabilidades parentais, “qualquer decisão da autoridade competente relativa à atribuição das responsabilidades parentais ou ao modo como estas responsabilidades são exercidas, deve basear-se, antes de mais, nos interesses dos filhos”.

O interesse dos filhos deve ser entendido com o “direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (In: Almiro Rodrigues, Interesse do Menor -  Contributo para uma definição).

Dos autos resulta que em dezembro de 2022 foi pelo tribunal reduzido o tempo de visita da mae com a filha fixado em julho de 2022 dado o comportamento que a mesma vinha assumindo nos períodos em que estava com a filha,. Foi ainda fixada a supervisão de todo os convívios inclusive os contactos telefónicos.

Não obstante a mae manteve a postura persecutória inadequada e ao invés de aproveitar o tempo para estar com a filha, fa-lo tentando obter provas da firmem [?] a sua versão, que manteve desde o inicio do processo e surgiu como sureg [?] agora desapoiada de quaisquer outros elementos que a suportem.

Mais a sua conduta alem de manipuladora da vontade da filha, ao impor-lhe que diga que o pai lhe bate e que não quer estar com o pai, é ostensivamente violenta da sua liberdade, causando-lhe mau estar e sofrimento.

As visitas são estabelecidas sempre e unicamente no interesse das crianças.

Quando este interesse não for prosseguido, seja porque razão for, devem ser suspensas e ser imediatamente suspensas sempre que causem sofrimento à criança, como sucede no caso da CC.

As visitas não se podem manter.

Assim, e considerando o supra referido determino a suspensão imediata das visitas e mantendo os contactos telefónicos supervisionados tal como defindidos por decisao de dezembro de 2022.

Os factos supra descritos são suscetíveis de configurar um crime de violência domestica.

Extraia certidão deste despacho, das decisões proferidas nos autos de rerp de julho e de dezembro de 2022 e dos relatórios do CAFP e remeta aos serviços do MP.

Remeta igual certidão à CPCJ a fim de instaurar PPP dada a situaçao de perigo da criança por exposição a actos de violência doemstca perpetrados pela pessoa da sua mae.

Com a decisão de 15 de abril de 2022 findaram os autos.

Desentranhe os requerimentos que se seguiram, relatórios juntos e bem assim este despacho e incopore no apenso da RERP.

            Em 17 de julho de 2023, inconformada com a decisão que precede, AA interpôs recurso de apelação pedindo que “o despacho ora recorrido seja substituído por outro, que respeitando os princípios elencados e direitos fundamentais da menor, determine a alteração do regime em vigor, no sentido de restabelecer os convívios entre mãe e filha, no sentido da reorganização urgente do seio familiar, mediante a previsão da realização de convívios da menor com a Recorrente em ambiente famíliar” e terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) A menor, CC, desde o seu nascimento sempre viveu com a mãe, aqui apelante;

2) Aos sete anos de idade a menor, por ordem do Tribunal de Família e Menores de Faro - Juiz 1, processo nº 2303/20.9T8FAR, foi separada da mãe sem que, até à data, se tivesse comprovado

que a Recorrente não tem condições para exercer a parentalidade;

3) Também não se provou a existência do Síndrome de Alienação Parental, o qual é rejeitado pela Organização Mundial de Saúde por não ter validade científica, tal como a equipa do Instituto de Medicina Legal de Lisboa já alertou, classificando-a como um constructo sociológico operacional que escapa à ciência jurídica e à ciência médica-psicológica e não goza de qualquer

áurea cientifica nem miraculosa na resolução dos conflitos parentais;

4) Por despacho de 28/06/2023, proferido no processo nº 500/23.4T8MTS, do Tribunal de Família e Menores de Matosinhos - Juiz 1, foi decidido a suspensão das visitas da ora Recorrente com a sua filha, por resultar dos relatórios do CAFAP que tais convívios acarretam o risco de maus tratos emocionais perpetrados pela Recorrente à criança;

5) Porém, não se poderá descurar que a técnica do CAFAP nunca permitiu que fosse cumprido o regime de visitas tal como se encontra plasmado na sentença do Tribunal de Família e Menores

de Faro, ou seja, visitas entre mãe e filha com a duração nunca inferior a uma hora e não superior a duas horas;

6) Por outro lado, o Ac. do TRE proferido a 13/10/2022, não aponta no sentido da suspensão dos

convívios entre mãe e filha;

7) Aliás a obstaculização dos convívios entre mãe e filha, decorrem, unicamente, dos relatórios elaborados e apresentados pelo CAFAP sem que a Recorrente tenha tido a hipótese de exercer o contraditório, e consequentemente fazer prova das inveracidades mencionadas nesses relatórios;

8) Honestamente, a intervenção deste CAFAP, em específico, não conseguiu dar continuidade aos convívios, nem favorecer, de forma consistente e empenhada, a aproximação entre a progenitora e a criança;

9) Razão, pela qual, as visitas entre mãe e filha devem ocorrer num espaço seguro, tranquilo e salutar, que permita construir uma relação consistente no decurso do tempo, de modo a um desenvolvimento harmonioso de vínculos afectivos estáveis e duradouros entre ambas, podendo ocorrer sob o acompanhamento de uma intervenção terapêutica em contexto familiar;

10) Pois, não se pode negligenciar a parentalidade biológica na medida que tem um valor inigualável;

11) O despacho recorrido ao não permitir que a Recorrente se pronunciasse violou o principio do contraditório (art. 3º, nº 3 do C.P.C.), bem como o principio da tutela jurisprudencial efectiva

(art. 20º C.R.P.);

12) Ora, o despacho sob recurso, ao determinar a suspensão das visitas entre a Recorrente e a criança, viola de forma inilidível o direito ao respeito da vida familiar e protecção da família consagrados e garantidos nos artigos 36º, nº 6; 67º; 68º e 69º todos da C.R.P. e art. 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;

13) O despacho aqui recorrido viola, também, o princípio da privacidade, intervenção mínima, proporcionalidade, actualidade de prevalência da família, a que deve obedecer a intervenção para a promoção dos direitos das crianças (art. 4º da LPCJP aplicável ex vi do art. 4.o do RGPTC);

14) Para além de ser contrário ao evidenciado pelo TEDH, segundo o qual a manutenção da relação pais/filhos é intrínseco ao superior interesse da criança, e só em situação muito excepcionais poderá ser restringido, e na medida do estritamente necessário;

15) Aqui chegados, sabemos todos que o direito de visita corresponde ao direito que assiste ao progenitor (com quem a criança não reside habitualmente) e à criança de se relacionarem afectivamente e de conviverem entre si, correspondendo o exercício deste direito ao meio que é conferido ao progenitor não guardião de manifestar a sua afectividade pela criança;

16) Como é consabido é do superior interesse da criança manter laços afectivos com ambos os progenitores, pelo que o Juiz nas suas decisões, deve nortear-se pela preocupação de salvaguardar e fomentar a existência e desenvolvimento de uma relação de grande proximidade entre o progenitor não guardião e a criança, de modo a possibilitar e aprofundar o contacto entre os dois;

17) Considerando, que é dever do próprio Estado agir de modo a proteger a relação familiar, pugnando pela reunião dos filhos com os pais;

18) Aliás, como chama a atenção o Ac. do TRP, de 20/06/2017, proferido no processo 313/14.4T8GDM-D.P1, disponível em www.dgsi.pt, independentemente da existência de claras fragilidades comunicacionais entre a progenitora e a criança, certo é que numa perspectiva de crescimento e de longo prazo, ao tribunal cabe, acima do mais, não impossibilitar a convivência, ainda que vaga e remota, de um vinculo tão fundante como o que existe entre mãe e filha, exigindo-se-lhe neste âmbito uma orientação concreta que potencie a abertura de portas comunicacionais e afectivas que tornem o desenvolvimento psíquico e emocional da criança o mais alargado e variado quanto possível.

19) Ao que, ainda segundo o mesmo Acórdão, se existe uma hipótese, por menor que seja, de o menor poder vir a manter uma relação minimamente positiva com a sua progenitora, esta deve ser aprofundada.

20) Por fim, diga-se que neste caso se vê:

Uma mulher que sempre viveu com a sua filha;

Uma mulher que sempre cuidou e tratou da filha com zelo;

Uma mulher que foi vitima de maus tratos pelo pai da sua filha e que se viu obrigada a sair de

casa;

Uma mulher que refez a sua vida, mantendo a filha consigo;

Uma mulher com emprego e economicamente independente;

Uma mulher que não padece de problemas cognitivos, psiquiátricos ou psicopatológicos;

Uma mulher, injustamente, espoliada da possibilidade de poder ser uma figura de referencia na vida da filha, como sempre o foi;

Porém, uma mulher que não se coíbe de abraçar; beijar; amar e mostrar sentimentos de alegria e tristeza perante a filha;

Uma mulher que por lhe ter sido retirado o direito de conhecer a vida da sua filha não se reprime em perguntar acerca da vida da filha, porque não quer ver negligenciada a saúde e educação da criança.

21) Perante o exposto, não é possível que uma técnica em meia dúzia de visitas por si supervisionadas, ocorridas em situação de stress e com cerca de 10/20 minutos de duração (por imposição da mesma técnica), lhe seja possível avaliar a relação entre mãe e filha, concluindo que a recorrente não é boa cuidadora, quer em termos funcionais quer afectivos.

BB ofereceu contra-alegações pugnando pela total improcedência do recurso.

A Digna Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência.

Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir[9] tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da inexistência de alienação parental;

2.2 Da violação do princípio do contraditório, do princípio da tutela jurisdicional efetiva, dos artigos 36º, nº 6, 67º, 68º e 69º, todos da Constituição da República Portuguesa e do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e ainda dos princípios da privacidade, da intervenção mínima, da proporcionalidade, da atualidade e da prevalência da família.

3. Fundamentos de facto

Os factos necessários e pertinentes para conhecimento do objeto do recurso constam do relatório deste acórdão e resultam destes autos bem como dos processo nºs 503/20.4T8MTS e 503/20.4T8MTS-A a que se acedeu mediante a funcionalidade “Processos seguidos” do sistema citius, autos que nesta vertente adjetiva têm força probatória plena, não se reproduzindo de novo nesta sede os aludidos factos por evidentes razões de economia e concisão processual.

4. Fundamentos de direito

4.1 Da inexistência de alienação parental

A recorrente insurge-se contra a decisão recorrida afirmando que não se provou a existência de alienação parental, negando valia científica a tal figura[10].

Cumpre apreciar e decidir.

A decisão judicial que concluiu pela existência de uma situação de alienação parental por parte da ora recorrente e que determinou que a criança CC passasse a estar à guarda e aos cuidados do pai foi proferida em 26 de julho de 2022 no Juízo de Família e Menores de Faro, Comarca de Faro, no processo nº 2303/20.9T8FAR, sentença confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13 de outubro de 2022, já transitado em julgado.

Neste contexto, em que tão-só se cura da execução da referida decisão proferida em 26 de julho de 2022, já transitada em julgado, com as alterações que em 12 de setembro de 2022 e de 14 de dezembro de 2022 lhe foram introduzidas é, salvo melhor opinião, deslocado o propósito de tentar colocar em causa os seus fundamentos, pois que nestes autos não se cura da determinação do progenitor a quem a criança há de ficar à guarda e muito menos das razões por que essa guarda assim deve ser definida.

A recorrente recorreu da sentença que alterou a guarda da criança CC, recurso que foi julgado improcedente por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13 de outubro de 2022.

Pelo exposto, improcede esta questão recursória.

4.2 Da violação do princípio do contraditório, do princípio da tutela jurisdicional efetiva, dos artigos 36º, nº 6, 67º, 68º e 69º, todos da Constituição da República Portuguesa e do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e ainda dos princípios da privacidade, da intervenção mínima, da proporcionalidade, da atualidade e da prevalência da família

A recorrente pretende a revogação da decisão recorrida porque a mesma, alegadamente, viola o princípio do contraditório, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, os artigos 36º, nº 6, 67º, 68º e 69º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e ainda os princípios da privacidade, da intervenção mínima, da proporcionalidade, da atualidade e da prevalência da família.

Cumpre apreciar e decidir.

O princípio do contraditório é uma das exigências do processo equitativo constitucionalmente consagrado no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, em consonância com o que decorre do nº 1 do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e com respaldo, em termos gerais, no artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil e, especificamente em matéria tutelar cível, no artigo 25º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

Porém, isso não significa que toda e qualquer decisão deva obrigatoriamente e em todos os casos ser sempre precedida do contraditório das partes.

Por exemplo, em sede de justiça cautelar, tendo em conta a finalidade da providência a aplicar, prevê-se que o contraditório possa em certas circunstâncias ser diferido (vejam-se os artigos 366º, nº 1 do Código de Processo Civil e o nº 4 do artigo 28º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).

A nosso ver, é o que sucede no caso dos autos pois está em causa uma decisão provisória de suspensão de visitas supervisionadas da recorrente à sua filha CC, decisão tomada com a finalidade de proteger a criança, finalidade que o prévio contraditório iria prejudicar, permitindo o prolongamento e porventura o agravamento da vitimização da criança e violando o princípio da intervenção precoce (artigo 4º, alínea c) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo ex vi nº 1 do artigo 4º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).

Neste contexto, a não audição prévia da recorrente antes do decretamento da suspensão das visitas tem suficiente guarida legal no disposto no nº 4 do artigo 28º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, estando justificada a inexistência de contraditório prévio.

No que respeita à violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no nº 5 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, afigura-se-nos que o presente recurso constitui instrumento adequado para tutela dos direitos pessoais que a recorrente afirma terem sido violados pela decisão recorrida, não se podendo, em tal contexto, dizer-se violado esse princípio.

De acordo com o disposto no nº 6 do artigo 36º da Constituição da República Portuguesa, “[o]s filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”

No caso dos autos, a suspensão do direito de visitas da recorrente à sua filha CC decorre da forte indiciação de que a ora recorrente aquando das visitas supervisionadas à sua filha punha em causa a segurança e a saúde psíquica desta, violando assim com a sua conduta parte do núcleo essencial do conteúdo das responsabilidades parentais (artigo 1878º, nº 1 do Código Civil).

Ainda que se admita que a suspensão do direito de visitas presencial deva ser equiparada a uma separação dos progenitores dos filhos, certo é que essa situação jurídica decorre de decisão judicial e fundamenta-se na violação do dever de proporcionar segurança e saúde à sua filha por parte da progenitora não guardiã e ora recorrente.

Por isso, não se mostra violado o nº 6 do artigo 36º da Constituição da República Portuguesa.

A recorrente imputa à decisão recorrida a violação dos artigos 67º, 68º e 69º, todos da Constituição da República Portuguesa, sem curar minimamente de concretizar em que consistem essas alegadas violações.

Sublinhe-se que estes preceitos que se enquadram nos direitos e deveres sociais têm em boa parte caráter programático dirigindo-se por isso essencialmente ao legislador que os há de implementar e não ao mero aplicador do direito.

Apesar destas imputações genéricas da recorrente que dificultam a precisa apreensão das imputadas violações e do caráter essencialmente programático dos referidos normativos, tendo em atenção o disposto no nº 3 do artigo 5º do Código de Processo Civil, aplicável a estes autos ex vi artigo 33º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, sempre se dirá que a decisão recorrida não envolve a violação dos direitos sociais da Família e da Paternidade e Maternidade, tal como definidos nos artigos 67º e 68º, ambos da Constituição da República Portuguesa e, por outro lado, insere-se no dever de o Estado proteger as crianças tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).

Invoca a recorrente a violação do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, preceito que no seu nº 1 prevê que qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da correspondência.

Por outro lado, prescreve o nº 2 do mesmo artigo que não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.

Ora, no caso em apreço, a suspensão do direito de visitas tem cobertura legal, como já se viu anteriormente, e destina-se à proteção da segurança e saúde psíquica da filha da recorrente.

Por isso, não ocorre a alegada violação do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Vejamos agora se decorre da decisão sob censura a violação dos princípios da privacidade, da intervenção mínima, da proporcionalidade, da atualidade e da prevalência da família.

Estes princípios enunciados nas alíneas b), d), e) e h) do artigo 4º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo são aplicáveis ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível por força do disposto no nº 1 do artigo 4º deste último regime.

Assim, de acordo com a alínea b), do artigo 4º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo o princípio da privacidade significa que a promoção e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada.

O princípio da intervenção mínima determina que a mesma deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo (alínea d), do artigo 4º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo).

Já de acordo com os princípios da proporcionalidade[11] e atualidade, a intervenção deve ser necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (alínea e), do artigo 4º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo).

Finalmente, de acordo com o disposto no artigo 4º, alínea g), da LPCJP, a prevalência da família na promoção de direitos e na proteção da criança e do jovem implica a prevalência das medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adoção. Deste princípio resulta uma clara e compreensível preferência do legislador por medidas de promoção e proteção que facultem a integração das crianças e jovens em ambientes familiares, quer assentem na família natural ou em família adotiva.

Ora, salvo melhor opinião, tendo em conta os pressupostos factuais subjacentes à decisão recorrida, não se vê como tais princípios tenham sido violados e nem a recorrente cuida minimamente de o demonstrar.

De facto, resulta do relatório do CAFAP que o tribunal recorrido relevou para fundamentar a sua decisão de suspensão das visitas que a ora recorrente, insatisfeita com o conteúdo dos relatórios da instituição que supervisiona as suas visitas à filha CC, pressionou esta no sentido de se retratar de afirmações relativas à conduta da recorrente e tentou desequilibrá-la emocionalmente aludindo ao seu desaparecimento da vida da criança, sem curar minimamente dos interesses desta.

Estas condutas da recorrente, tendo como alvo uma criança que completou oito anos de idade em setembro do ano passado e que desde a mais tenra idade tem estado envolvida em constantes conflitos entre os progenitores no que respeita às visitas do progenitor não guardião[12], são aptas a desencadear grande sofrimento e insegurança psíquicas na criança e devem ser evitadas com sacrifício dos interesses do progenitor não guardião, pois que a tanto obriga o princípio do superior interesse da criança e do jovem, e até que de novo se mostrem reunidas as condições para que as visitas à criança sejam retomadas.

Pelo exposto conclui-se que a decisão recorrida proferida em 28 de junho de 2023 não enferma de nenhuma das ilegalidades que lhe são imputadas e, pelo contrário, deve ser confirmada nos segmentos impugnados, improcedendo consequentemente o recurso de apelação interposto por AA em 17 de julho de 2023.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente pois que todas as suas pretensões recursórias improcederam (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto em 17 de julho de 2023 por AA e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida proferida em 28 de junho de 2023.

Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a recorrente.


***


O presente acórdão compõe-se de dezoito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 06 de maio de 2024
Carlos Gil
Manuel Domingos Fernandes
Ana Olívia Loureiro
__________________
[1] A que foi atribuído o nº 2496/16.0T8MTS.
[2] Processo nº 2303/20.9T8FAR.
[3] Processo nº 2496/16.0T8MTS.
[4] Não consta do processo eletrónico destes autos a data em que terá sido elaborado o expediente eletrónico para notificação das partes desta decisão. No entanto, consultado o processo nº 500/23.4T8MTS foi possível constatar que esse despacho foi notificado mediante expediente eletrónico elaborado em 29 de junho de 2023.
[5] No processo nº 2303/20.9T8FAR, do Juízo de Família e Menores de Faro, Juiz 3.
[6] Aditam-se entre parênteses retos dizeres que constam na decisão original e que estão omissos na decisão recorrida.
[7] Aliás pelo Juízo de Família e Menores de Faro, Juiz 3, Comarca de Faro, no processo nº 2303/20.9T8FAR.
[8] De Évora.
[9] Embora a recorrente se insurja contra as conclusões do relatório que constituiu o esteio probatório da decisão sob censura, não procede verdadeiramente a uma impugnação da decisão da matéria de facto pois não oferece quaisquer meios de prova que possam colocar em crise o conteúdo do dito relatório, especialmente na parte em que são descritas condutas da ora recorrente que contendem com a segurança e saúde psíquica da criança. Por isso, a base factual deste tribunal ad quem é a que utilizou o tribunal a quo.
[10] Sublinhe-se que na sentença proferida em 26 de julho de 2022 foi dado como provado no ponto 131 que a ora recorrente é doutorada em psicologia e que exerceu funções na CPCJ de Matosinhos em 2015.
[11] O princípio da proporcionalidade é na realidade um princípio geral em matéria de restrições dos direitos fundamentais, como decorre do nº 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa.
[12] Recorde-se que o primeiro processo para Regulação do Exercício das Responsabilidade Parentais relativas à criança CC foi instaurado em 13 de maio de 2016, numa altura em que a criança ainda não tinha um ano de idade, já que nasceu em 21 de setembro de 2015.