I - O interesse do mandatário que releva para afastar a livre revogabilidade do mandato é independente de o mandato ser ou não retribuído.
II - O referido interesse, seja do mandatário, seja do terceiro, tem que estar integrado numa relação jurídica vinculativa, nos termos da qual o mandante lhes tenha prometido uma prestação, visando precisamente o mandato prosseguir o direito correspondente (tipicamente, um direito subjetivo).
III - Não estando verificada uma situação em que o mandatário seja titular de um interesse integrado numa relação jurídica vinculativa, nos termos da qual o mandante lhes tenha prometido uma prestação, visando precisamente o mandato prosseguir o direito correspondente (tipicamente, um direito subjetivo), o mandato não foi conferido no interesse de ambos os outorgantes e, por isso, existindo uma denúncia-revogação por parte do mandante, este não está obrigado a indemnizar o mandatário considerando o disposto na alínea c), do artº 1172º, do CC.
IV - A cláusula inserida num denominado “ Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio” que estabelece que,” sem prejuízo da invocação da resolução do contrato, a mesma importará para a parte que a invocar a obrigação de indemnizar a outra parte com o seguinte o valor de 22.000,00 €, “independente do facto de se tratar de um inadimplemento contratual e, portanto, de um facto ilícito, estatuída pelas partes abstraindo de eventuais danos decorrentes do incumprimento do contrato pela contra-parte e independentemente da (in)existência e do montante de tais danos, tem a natureza de cláusula penitencial, porquanto, na prática, visa apenas compelir a parte ao cumprimento integral do contrato, impedindo-a, na prática, de exercer o direito de resolver o contrato.
V - E uma cláusula desta natureza não é autorizada pela lei, porquanto, existem limites inultrapassáveis no exercício da autonomia privada, prevista no art 405º do CC, sendo que uma cláusula com esta redacção visa dificultar-obstar que a parte que se sente lesada durante a execução do contrato exercite o livre direito de resolução do contrato por incumprimento, o qual, está abrangido pelos direitos protegidos no artigo 809º do CC que tendo natureza injuntiva consagra o princípio geral de proibição da renúncia antecipada de direitos pelo credor.
VI - Essa cláusula traduz um condicionamento intolerável do direito do credor à livre resolução do contrato por incumprimento, visando anular a natureza vinculativa da obrigação, traduzindo, por isso, uma ofensa intolerável a um direito dos direitos protegidos pelo artigo 809º do CC.
VII - Assim, por considerar que as razões que determinaram a consagração da sanção da nulidade para as cláusulas de renúncia antecipada de direitos pelo credor estão verificadas relativamente à cláusula em apreço, ponderando que a lei destitui de eficácia jurídica essas cláusulas, impõe-se o afastamento dessa cláusula por ser violadora dos direitos protegidos pelo artigo 809º do CC.
VIII - Essa cláusula é nula, por contender com valores fundamentais do direito defendidos pela ordem pública nos termos do artigo 281º do CC, estando destituída por isso de eficácia jurídica.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo Local Cível de Valongo - Juiz 1
ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I – RELATÓRIO
1.A..., LDA., NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ..., Penafiel, instaurou a presente ação declarativa que segue a forma de processo comum contra CONDOMÍNIO ..., sito na Rua ..., n.º ... e ... e Rua ... n.ºs ... e ..., ..., Valongo, representado pela respetiva Administração, pedindo que, julgando-se a ação totalmente provada e procedente,
a) [se declare] ilícita a rescisão do contrato efetuada pelo Réu, por falta de fundamento para a mesma, assim como extemporânea a denúncia operada;
b) [se condene] o Réu a pagar à Autora a quantia global de 2 032,24€ (dois mil e trinta e dois euros e vinte e quatro cêntimos) a título das faturas dos valores mensais de administração, vencidos e não 9pagos do período de Dezembro/2018 a Maio/2019 inclusive – prestação efetiva dos serviços de administração;
c) [se condene] o Réu a pagar à Autora a quantia global de 5 516,02€ (cinco mil quinhentos e dezasseis euros e dois cêntimos) a título da Fatura ..., referente aos valores mensais de administração do período de Junho/2019 a Dezembro/2020 – dado o não cumprimento do aviso prévio de 90 dias;
d) [se condene] o Réu a pagar à Autora a quantia global de 22 000,00€ (vinte e dois mil euros) a título da fatura ..., referente à clausula penal compulsória aceite pelas partes –dado o fim do contrato antecipado de forma unilateral pelo Réu;
e) [se condene] o Réu a pagar à Autora a quantia global de 5 702,22€ (cinco mil setecentos e dois euros e vinte e dois cêntimos) a título de juros de mora, calculados à taxa legal anual, contados desde a data de vencimento das faturas até ao seu integral pagamento, sendo que nesta data, os vencidos totalizam este montante;
f) [se condene] o Réu a pagar à Autora os juros moratórios vincendos, calculados à taxa legal anual, contados da data da citação até efetivo e integral pagamento dos montantes peticionados;
g) [se condene] o Réu no pagamento das custas de parte, procuradoria condigna e demais encargos legais.
2.Alega, para tanto e em síntese, que, no exercício da sua atividade, celebrou com o Réu um “Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio”, pelo prazo de trinta e seis meses, bem como, um aditamento ao mesmo contrato com efeitos a partir de 1 de agosto de 2015, para a prestação de serviços de administração do condomínio. Por força desse contrato, a Autora estava obrigada a proceder à administração do condomínio do aqui Réu e este, por seu turno, estava obrigado ao pagamento mensal do serviço de administração contratado. Em execução do contrato assim celebrado, a Autora prestou os serviços contratados. Porém, o Réu não procedeu ao pagamento de todas as remunerações mensais, mostrando-se assim em dívida as quantias tituladas pelas faturas que elenca. Para além disso, o Réu decidiu pôr termo ao contrato, o que fez violando a necessária antecedência prevista no contrato, o que, nos termos do mesmo contrato, permite à Autora exigir ao Réu o pagamento de uma cláusula penal no valor de 22.000,00 € a ainda o valor correspondente à remuneração devida durante todos os meses em que o contrato ainda deveria vigorar entre as partes (19 meses), por força da renovação automática acordada.
3.O Réu, regularmente citado, deduziu contestação, alegando que das atas das assembleias de condóminos do condomínio Réu nada consta sobre o alegado conteúdo do contrato de prestação de serviço de administração do condomínio, não existindo qualquer referência ao valor da prestação do serviço, à renovação automática do contrato, ao aviso prévio para a resolução do contrato, nem à cláusula penal no valor de 22.000€ em caso de resolução do presente contrato, nunca tendo o Réu tomado conhecimento real do conteúdo de tais cláusulas, as quais, aliás, são extremamente onerosas, penosas e até abusivas para os condóminos.
Alega também que tal contrato é anulável por se tratar de negócio celebrado consigo mesmo, porque o legal representante da Autora era, em simultâneo, o legal representante da administradora de condomínio do Réu.
Alega ainda que a invocada cláusula penal de 22.000,00 € é usurária, pois o Autor explorou a ligeireza como os condóminos olham para as assembleias para obter um benefício excessivo.
Finalmente, alega que não se compreende como podem estar em dívida valores de faturas de remuneração dos serviços contratados atinentes a um período em que cabia à Autora realizar os respetivos pagamentos.
4. A Autora por requerimento de 23.05.2022 respondeu às exceções arguidas na contestação.
5.Foram proferidos despacho saneador e despachos subsequentes.
6.Após conclusão da prova pericial requerida pelo Réu condomínio, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com cumprimento das formalidades legais, no decurso da qual, em cumprimento do princípio do contraditório, as partes foram convidadas a pronunciar-se acerca da eventual condenação à luz do instituto da litigância de má fé.
7.Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e decidiu:
“1.Condenar o Réu CONDOMÍNIO ... a pagar à Autora A..., LDA. o valor global de 2.032,24 € (dois mil e trinta e dois euros e vinte e quatro cêntimos), titulado pelas seguintes faturas:
Fatura ... emitida em 30.11.2018, vencida em 30.12.2018, no valor de 290,32 €,
Fatura ... emitida em 28.12.2018, vencida em 27.01.2019, no valor de 290,32 €,
Fatura ... emitida em 31.01.2019, vencida em 02.03.2019, no valor de 290,32 €,
Fatura ... emitida em 28.02.2019, vencida em 30.03.2019, no valor de 290,32 €,
Fatura ... emitida em 29.03.2019, vencida em 28.04.2019, no valor de 290,32 €,
Fatura ... emitida em 30.04.2019, vencida em 30.05.2019, no valor de 290,32 €,
Fatura ... emitida em 30.05.2019, vencida em 29.06.2019, no valor de 290,32 €,
acrescido de juros de mora à taxa civil legalmente prevista contados desde o vencimento de cada uma das faturas sobre o valor nelas titulado e até efetivo e integral pagamento.
2.Absolver o Réu dos restantes pedidos deduzidos pela Autora;
3.Condenar Autora e Réu nas custas e encargos do presente processo na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 93% para a primeira e em 7% para o segundo;
4.Condenar a Autora A..., LDA. como litigante de má fé e, em consequência, no pagamento de uma multa no valor de 4 (quatro) UC, ou seja, 408,00 € (quatrocentos e oito euros) e de indemnização ao Réu CONDOMÍNIO ... que se fixa em 1 000,00 € (mil euros).
5. Absolver o Réu do pedido de condenação como litigante de má fé.”
8.Inconformada, a autora apelou, reproduzindo-se aqui as conclusões recursórias:
1 – Devem ser revogados os factos não provados n.º 1; n.º 2; n.º 3; n.º 4; n.º 5; n.º 6; n.º 7; n.º 8; n.º 9 e n.º 10; para provados – na medida e como supra expôs o Tribunal “a quo” entre em total contradição, e a prova produzida exige que tal decisão seja revertida, - o que se requer com todas as consequências legais.
2 – Como se provou o Contrato de Prestação de Serviços de Administração de Condomínio, (documento junto com a PI sob o DOC n.º 1):
2.1 - Foi celebrado de acordo com a deliberação da assembleia de condóminos – Ata n.º ...;
2.2 – Foi deliberado e aprovada a modificação das suas clausulas, com a deliberação de condóminos – Ata n.º ... ponto C);
2.3 – O mesmo faz parte integrante e na mesma se considera por integralmente reproduzido, da Ata n.º ... – assembleia de condóminos de 30-03-2016;
2.4 – O mesmo foi novamente lido, deliberado, aprovado, assinado e rubricado na assembleia de condóminos de 11-04-2017, da qual resultou a ata n.º ... e na mesma se considera por integralmente reproduzido;
2.5 – As atas e seus documentos integrantes, sempre foram remetidas para todos os condóminos por carta registada (quer presentes quer ausentes) pelo que o mesmo ao fazer parte integrante das atas, como não podia deixar de o ser também foi enviado;
2.6 – As assembleias, das quais resultaram as atas juntas aos autos, a saber: Ata n.º ...; Ata n.º ...; ata n.º...; ata n.º ...; ata n.º ... e ata n.º ... – nunca foram impugnadas, pelo que são válidas, eficazes e vinculam as partes nos seus precisos termos;
2.7 - Contrato de Prestação de Serviços de Administração de Condomínio, (documento junto com a PI sob o DOC n.º 1), como se provou, é válido e vincula aas partes nos seus precisos termos;
2.8 - Contrato de Prestação de Serviços de Administração de Condomínio, (documento junto com a PI sob o DOC n.º 1), é uno pelo que todas as suas cláusulas são aplicáveis a ambas as partes;
2.9 – O mesmo não foi impugnado, quanto à sua letra e/ou assinatura, nem foi invocada a sua falsidade, logo mais uma vez
2.10 – O instituto do negócio consigo mesmo, não encontra os seus requisitos verificados, pelo que a sua aplicabilidade nunca pode ser efetivada;
2.11 – Mesmo, que o fosse aplicável, e por mera cautela de patrocínio, o Reu já tinha visto precludir o prazo para arguir tal exceção, o que se invoca e requer com todas as suas consequências.
3 – Logo o prazo de vigência do mesmo Contrato de Prestação de Serviços de Administração de Condomínio, (documento junto com a PI sob o DOC n.º 1) é de 36 meses, o qual se encontrava em vigor até 31-12-2020;
4 - À data da exoneração da aqui Autora – Resolução do mesmo por parte do Reu (22-05-2019) – ainda faltavam decorrer até término – 19 meses – Junho de 2019 a Dezembro de 2020 inclusive;
5 - À data da exoneração da aqui Autora – Resolução do mesmo por parte do Reu (22-05-2019) – o Reu devia as faturas constantes da PI – a saber – …; …; …; …; …; …; … –pelo valor unitário de cada – 290,32€ - conforme clausula 1.ª n.º 1 do Contrato de Prestação de Serviços de Administração de Condomínio,(documento junto com a PI sob o DOC n.º 1) – tudo num total de 2032,24€;
6 - Com a Resolução efetuada pelo Reu – (22-05-2019) com efeitos imediatos e sem justa causa – foi imputado ao mesmo a clausula 7.ª e 8.ª do Contrato de Prestação de Serviços de Administração de Condomínio, (documento junto com a PI sob o DOC n.º 1).
6.1 - “Clausula 7.ª – Qualquer das partes contratantes pode resolver o presente contrato de prestação de serviços de administração desde que a resolução revista a forma escrita e seja efetuada com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias, por meio de carta registada com aviso de receção, para as moradas constantes no introito deste contrato.”
6.2 - “Clausula 8.ª – A falta de aviso prévio estabelecido na Clausula anterior obriga a parte faltosa ao pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, da contrapartida remuneratória respeitante ao período de vigência do contrato ainda não decorrido.”
7 – Quer isto dizer que ao não conceder o Reu o prazo de 90 (noventa) dias para a resolução, vê recair sobre si esta sanção.
8 – A Autora perante tal conduta remete ao Reu por carta registada com AR a sua factura ... pelo valor de 5516,02€. Factura esta que o Reu recebeu e nunca devolveu e ou solicitou qualquer pedido de esclarecimento ou retificação.
8.1 – Tal factura é o resultado da aplicação – 290,32€ * 19 meses = 5516,02€.
9 - Com a Resolução efetuada pelo Reu – (22-05-2019) dentro do horizonte temporal do contrato – foi imputado ao mesmo a clausula 9.ª do Contrato de Prestação de Serviços de Administração de Condomínio, (documento junto com a PI sob o DOC n.º 1).
9.1 - “Clausula 9.ª – Sem prejuízo, da invocação da resolução do presente contrato, a mesma importará para a parte que a invocar a obrigação de indemnizar a outra parte com o seguinte valor a título de cláusula penal: 1. – 22000,00€ (vinte e dois mil euros)”
10 – A autora perante tal conduta remete ao Reu por carta registada com AR a sua factura ... pelo valor de 22000,00€. Factura esta que o Reu recebeu e nunca devolveu e ou solicitou qualquer pedido de esclarecimento ou retificação.
10.1 – Tal factura é o resultado da aplicação – da cláusula penal compulsória fixada e aceite pelas partes – em 22000,00€.
11 – Dúvidas não podem restar, que não existiu Justa Causa ao Reu para resolver desta forma o contrato, pelo que terá que aceitar as suas consequências legais.
12 – A assembleia ao exonerar, não está apenas a eleger uma nova administração, o que mais uma vez, prova que o Reu conhecia todas as cláusulas do contrato que o unia à aqui Autora.
13 – Ao não existir justa causa, fica o Reu no dever de pagar à aqui Autora os montantes até final do contrato.
14 – O ónus da prova da justa causa, impelia ao Reu, o qual não logrou provar, pelo que deve ser revertida a decisão nesta questão também do Tribunal “a quo”, pois que não pode referir e sem demais o mesmo “não temos quaisquer dúvidas em afirmar que tal factualidade configura justa causa porquanto indubitavelmente violadora dos deveres de correção, lealdade e de fidelidade na relação estabelecida entre as partes.”
15 - A cláusula penal, não depende da invocação de qualquer motivo,pelo que a resolução a ocorrer dentro do horizonte temporal docontrato sempre será aplicada à parte que a invocar, neste caso o Reu.
16 – Não estão reunidos os pressupostos para a condenação da Autora como litigante de má, como supra se expos, pelo que deve ser a Autora ABSOLVIDA, com todas as consequências legais que se requererem:
16.1 – Assim a multa de 4 UCs deve ser revertida totalmente, ou caso assim não se entenda e por mera cautela de patrocínio reduzida ao mínimo legal de 2 UC;
16.2 – Mais ainda, a Autora, deve ser ABSOLVIDA do pedido de indemnização de litigância de má-fé, que foi fixado em 1 000,00€ a favor do Reu, – por violação do disposto do artigo 615.º n.º 1 b) do CPC
– violação do princípio da justificação, da proporcionalidade, da equidade e da proibição do excesso.
17 – Deve assim ser Julgado por procedente e provado o presente recurso e consequentemente:
17.1 – Condenar o Reu no pagamento dos 2 32,24€ (valores mensais de administração de Novembro de 2018 a Maio de 2019 inclusive);
17.2 – Condenar o Reu no pagamento do valor de 5 516,02€ (valores mensais de administração de Junho de 2019 a Dezembro de 2020 inclusive);
17.3 – Condenar o Reu no pagamento do valor de 22 000,00€ (clausula penal);
17.4 – Ser Absolvida a Autora da condenação de Litigante de mé fé, (multa e da indemnização);
17.5 – Condenar o Reu nos juros comerciais à taxa legal em vigor desde o vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento;
17.6 – Condenar o Reu no pagamento das custas processuais.
9.Foram apresentadas contra-alegações.
10. Recebidos os autos neste tribunal da Relação do Porto, por despachos proferidos pela relatora as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a eventual convocação das normas vertidas nos artigos 268º e 269º do Código Civil para a decisão a proferir, bem como, para, querendo, se pronunciarem sobre a conformidade das cláusulas 8ª e 9ª que integram o conteúdo do denominado contrato de prestação de serviços de administração de condomínio, junto como documento nº1 à petição inicial, cujo incumprimento fundamenta os créditos alegados, com o princípio da boa fé, enquanto princípio estruturante das relações contratuais.
11. As partes pronunciaram-se.
12.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.As questões colocadas no recurso são as seguintes:
.Da impugnação da decisão de facto.
.Do mérito da sentença recorrida.
.Do mérito do segmento condenatório que condenou a autora como litigante de má –fé em multa e indemnização.
III.FUNDAMENTAÇÃO.
3.1. Da decisão sobre os factos provados e não provados:
Na primeira instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos.
Factos provados
1.A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica com fins lucrativos, entre outras, à prestação de serviços de gestão e administração de condomínios.
2.No exercício da sua atividade, a Autora celebrou com o Réu, em 12 de março de 2015, um contrato através do qual a primeira se obrigou a prestar ao segundo serviços de administração do condomínio e, em contrapartida, o segundo se obrigou ao pagamento mensal do serviço de administração contratado, uma vez que foi eleita administradora do condomínio na assembleia de condóminos realizada nessa data.
3.Os serviços de administração foram sendo prestados e a respetiva fatura era emitida no último dia de cada mês a que respeitavam os referidos serviços.
4.Por força desse contrato, o preço mensal a pagar pelo Réu à Autora era de 190,31 € (cento e noventa euros e trinta e um cêntimos).
5.As partes acordaram na alteração do contrato no que concerne ao preço mensal a pagar pelo Réu à Autora.
6.Assim, a partir de 1 de agosto de 2015, o preço mensal passou para 290,31 € (duzentos e noventa euros e trinta e um cêntimos).
7.Em execução do contrato assim celebrado, a Autora passou a desempenhar as funções de administradora do aqui Réu, designadamente, convocar as assembleias de condóminos, elaborar o orçamento das receitas espesas relativas a cada ano e os submeter à Assembleia de condóminos, a fim de ser deliberado pelos senhores condóminos; verificar a existência do seguro comum; cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns; exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas; realizar os atos conservatórios dos direitos relativos a bens comuns; regular o uso das coisas comuns e a prestação de serviços de interesse comum; executar as deliberações da Assembleia de condóminos; representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas; prestar contas à Assembleia de condóminos; assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio; guardar e manter os documentos que digam respeito ao condomínio.
8.Por força desse contrato, a Autora iniciou a prestação desses serviços ao Réu desde a data da celebração do contrato.
9.Por força da prestação desses serviços, a Autora procedeu à emissão, entre outras, das seguintes faturas: Fatura ... emitida em 30.11.2018, vencida em 30.12.2018, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de novembro/2018; Fatura ... emitida em 28.12.2018, vencida em 27.01.2019, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de dezembro/2018; Fatura ... emitida em 31.01.2019, vencida em 02.03.2019, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de janeiro/2019; Fatura ... emitida em 28.02.2019, vencida em 30.03.2019, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de fevereiro/2019; Fatura ... emitida em 29.03.2019, vencida em 28.04.2019, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de março/2019; Fatura ... emitida em 30.04.2019, vencida em 30.05.2019, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de abril/2019; Fatura ... emitida em 30.05.2019, vencida em 29.06.2019, no valor de 290,32 €, por serviços de Administração referentes ao mês de maio/2019,
10.Faturas essas que perfazem o valor global de 2.032,24 € (dois mil e trinta e dois euros e vinte e quatro cêntimos).
11.E que foram remetidas ao Réu por carta registada, foram recebidas e não devolvidas.
12.Tais faturas foram aceites e lançadas nas contas do Réu.
13.Os relatórios e contas foram aprovadas anualmente pela Assembleia de Condóminos, convocada para o efeito.
14.As atas das referidas assembleias foram remetidas para todos os condóminos, quer presentes quer ausentes, por carta registada.
15.Sem que tenham sido objeto de impugnação judicial.
16.A Autora interpelou o Réu para o pagamento de tais faturas.
17.Por carta registada com A/R, recebida pela Autora em 29.05.2019, o Réu, alegando justa causa, pôs fim ao contrato que vigorava entre as partes com efeitos imediatos.
18.Nessa carta, o Réu invocou que (…) a atual administração do Condomínio, tem faltado culposamente e, quiçá com dolo, a muitas das funções que lhe são atribuídas pelo artigo 1436.º do CC, nomeadamente as alíneas d), e) f), g), j) e l), sendo respetivamente, “cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns”, “exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas”, “realizar atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns”, “regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum”, “prestar contas à assembleia” e “assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativamente ao condomínio.
Faltou a administração nomeadamente com a prestação de contas de forma correta, informado a assembleia e os condóminos sobre, como, quando e em que circunstâncias o seu dinheiro foi usado; falha em manutenções, tais como avaria na autoclave/bombas da cisterna de abastecimento aos prédios que levaram mais de um mês para serem resolvidas, falha durante semanas de lâmpadas nos patamares, manutenção do portão da garagem que não é feita, limpeza das garagens não efetuada; higienização não feita da cisterna de abastecimento aos prédios; valores elevados em débito e não foram feitas cobranças pela via judicial; o serviço de jardineiro só é feito pela metade em uma das entradas sendo que nas outras, segundo o mesmo não há autorização para tratar o jardim, não cumprimento do contrato da manutenção dos elevadores da entrada ......; processo intentado por abuso de confiança contra um condómino e que as despesas desnecessárias que irão ser pagas pelos Condóminos; lajetas exteriores da entrada ...... que se encontram soltas e deterioradas que não são reparadas e em mau estado há cerca de 4 anos e que têm vindo a piorar, sendo que de inverno é impossível passar…
Estas “pequenas” coisas que foram informadas por diversas vezes por telefone junto da empresa de administração e/ou até através de contacto direto com as funcionárias de limpeza e que servem como justificação para alegar a justa causa na exoneração da atual administração e eleição de uma nova.
19.Na sequência, a Autora dirigiu à nova administração do Réu, B... Unipessoal, Lda., titular do NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... Valongo, carta registada c/ AR, impugnando expressamente todos os factos elencados na referida carta.
20.O referido contrato foi celebrado entre as partes pelo período de 36 (trinta e seis) meses, com início a 01.01.2015 e termo a 31.12.2017.
21.Quando o Réu pôs termo ao contrato, em 22.05.2019, a Autora continuava a prestar ao Réu os mesmos serviços de administração do condomínio.
22.Com base nas cláusulas 6.ª, 7.ª e 8.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...), a Autora emitiu a Fatura ... em 30.05.2019, no valor de 5.516,02 €, a título de serviços de administração referentes aos meses de junho de 2019 a dezembro de 2020.
23.Tal fatura foi remetida ao Réu por carta registada ......, em 30.05.2019, e por este foi recebida e não devolvida.
24.Com base na cláusula 9.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...), a Autora emitiu a fatura ..., em 30.05.2019, no valor de 22.000,00 €, a título de claúsula penal.
25.Tal fatura foi remetida ao Réu por carta registada ......, em 30.05.2019, e por este recebida e não devolvida.
26.Da ata número ..., de 12 de março de 2015, consta, como segundo ponto da ordem de trabalhos, b) Reeleição da empresa administradora do Edifício para o Biénio 2015/2017.
27.Dessa mesma ata consta o seguinte: No que ao Ponto B) da ordem de trabalhos concerne, foram abordados os seguintes assuntos: Foi informado pelo representante da administração que o mandato da mesma como todos sabem havia terminado a 31/12/2014, razão pela qual é necessário proceder à sua reeleição ou porventura terminar a assembleia neste ponto, obterem novas propostas e se convocar outra assembleia para eleição de nova administração. Após estes esclarecimentos, estabeleceu-se um diálogo entre os presentes, findo o qual foi reeleita para a administração do condomínio para o período de 2015/2017 a sociedade comercial por quotas, C..., Lda. NPC ..., representada neste acto pelo seu sócio-gerente AA. Assim a reeleição tem o seu início em 01/01/2015 e término a 31/12/2017. Proposta aprovada por maioria, visto que a maioria dos presentes votaram a favor da reeleição desta empresa como administradora do edifício.
28.Nessa data, o representante legal da Autora e o representante legal da sociedade que administrava o Réu era o Sr. AA, NIF ....
29.Na referida assembleia de condóminos (de 12 de março de 2015) nada consta sobre o conteúdo do contrato de prestação de serviço de administração do condomínio no que concerne ao valor da prestação do serviço, à renovação automática do contrato, ao aviso prévio para a resolução do contrato, nem à cláusula penal no valor de 22.000,00 € em caso de resolução do presente contrato.
30.Na ordem de trabalho dessa mesma ata consta a indicação da reeleição da empresa administradora do Edifício para o Biénio 2015/2017, mas a reeleição teve lugar para 36 meses, ou seja, para três anos, com início em 01/01/2015 e término a 31/12/2017.
31.Na ata número ..., de 2 de julho de 2015, consta que os condóminos deliberaram dar poderes à administração para poder modificar o contrato de administração existente com a C..., Lda., e de limpezas e de jardinagem existentes com a empresa D..., Lda. – apenas nas cláusulas que dizem respeito aos valores mensais cobrados pelas mesmas, sem que se faça menção ao valor desse aumento.
32.As atas eram redigidas em momento posterior à referida assembleia.
33.Os condomínios não assinavam a respetiva ata.
34.O teor documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...) não foi discutido nem analisado em assembleia de condóminos.
35.A Autora aproveitou a ligeireza com que os condóminos olham para as assembleias para tentar vincular o Réu às cláusulas inscritas no documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...).
36.O prédio do Réu tem 77 frações.
37.A Autora, através do seu sócio-gerente, tinha consciência de que estava a tirar proveito do desconhecimento do conteúdo das cláusulas do contrato de prestação de serviços de administração de condomínio, uma vez que as mesmas não tinham sido negociadas ou discutidas na assembleia de condóminos de 12 de março de 2015.
38.Após a exoneração, a Autora recusou a entrega de documentação contabilística do Réu Condomínio que tinha em seu poder por força do exercício das funções de administradora do condomínio.
39.Da consulta do balancete e da conciliação bancária resulta que existem valores de transferências bancárias não identificadas.
40.Pelo menos um dos condóminos que na conta corrente apresentada pela Autora se apresentava como devedor, quando confrontados pela nova administração para liquidarem os valores em dívida, apresentaram os comprovativos de pagamento das suas quotas.
41.De acordo com o relatório de contas de 2018, o Réu condomínio dispunha de saldo em contas bancárias que permitia o pagamento das remunerações da prestação de serviços de administração da Autora atinentes aos meses de novembro e dezembro de 2018.
Factos não provados
Dos factos alegados, ficaram por provar os seguintes factos atinentes ao objeto dos presentes autos:
1.O contrato descrito nos factos provados foi celebrado no dia 13 de março de 2015.
2.No âmbito da relação contratual estabelecida entre as partes, descrita nos factos provados, as partes acordaram a renovação automática do contrato, por iguais e sucessivos períodos de tempo (3 anos), salvo se tal renovação for impedida por qualquer uma das partes com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias [cláusula 6.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)].
3.No âmbito da relação contratual estabelecida entre as partes, descrita nos factos provados, as partes acordaram que as partes podem resolver o contrato de prestação de serviços de administração desde que a resolução revista a forma escrita e seja efetuada com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias, por meio de carta registada com aviso de receção [cláusula 7.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)].
4.No âmbito da relação contratual estabelecida entre as partes, descrita nos factos provados, as partes acordaram que a falta do referido aviso prévio de 90 (noventa) dias para resolver o contrato obriga a parte faltosa ao pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, da contrapartida remuneratória respeitante ao período de vigência do contrato ainda não decorrido [cláusula 8.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)].
5.No âmbito da relação contratual estabelecida entre as partes, descrita nos factos provados, as partes acordaram que, sem prejuízo da invocação da resolução do contrato, a mesma importará para a parte que a invocar a obrigação de indemnizar a outra parte com o seguinte o valor de 22.000,00 € a título de cláusula penal [cláusula 9.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)].
6.Quando o Réu pôs termo ao contrato, ainda faltavam decorrer 19 meses até ao seu termo, que ocorreria em 31.12.2020.
7.Em 25.03.2019, todos os condóminos estavam satisfeitos com a administração a cargo da Autora.
8.Nunca, em momento algum, à Autora foi comunicada, pelo Réu ou por qualquer condómino, qualquer irregularidade, qualquer falta de cumprimento de suas funções, qualquer reclamação acerca da prestação de serviços.
9.Sempre a Autora prestou os seus serviços com zelo, correção, verdade, lealdade e boa-fé.
10.Todos os atos que a Autora teve e decisões que tomou na qualidade de administradora do Réu, fê-lo tendo por base as deliberações dos senhores condóminos em Assembleia.
11.Os condóminos da entrada ......, em 2014, pagaram uma quota extra, no valor de € 1.200 (mil e duzentos euros) destinada a obras de cobertura e impermeabilização da parede, (agora tapada com o novo edifício) que nunca ocorreram.
À restante matéria alegada não se responde por se tratar de considerações jurídicas, considerações de natureza conclusiva ou matéria alheia à questão a decidir ou por força das regras do ónus da prova.
3.2 Da impugnação da decisão sobre a questão de facto:
Relativamente aos factos impugnados mostram-se cumpridos os requisitos da impugnação da decisão, consagrados no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando ao seu conhecimento.
Neste segmento do recurso, a apelante impugna os factos julgados não provados n.º 1; n.º 2; n.º 3; n.º 4; n.º 5; n.º 6; n.º 7; n.º 8; n.º 9 e n.º 10 e pretende que sejam julgados provados.
Para tanto, e no essencial, concluiu que o Tribunal “a quo” entra em total contradição, e a prova produzida exige que tal decisão seja revertida, - o que se requer com todas as consequências legais.
E nas alegações, no essencial, alegou que o réu aceitou a existência do documento nº1 junto à petição inicial, no qual, são outorgantes a autora, ali representada pelo respectivo representante legal, e o Condomínio, ali representado pela sociedade autora, sendo que ambos, o Condomínio, ali representado pela sociedade, e a autora por si, estavam organicamente representados pela mesma pessoa física.
Que o denominado “Contrato de Prestação de Serviços de Administração de Condomínio, (documento junto com a PI sob o doc. n.º 1), foi celebrado de acordo com a deliberação da assembleia de condóminos – Ata n.º ... - que na contestação o réu não impugnou de forma eficaz esse documento, que o teor desse contrato foi ratificado nas atas das assembleia de condóminos que identifica.
Apreciando e decidindo:
Da análise da Ata nº ... [1] resulta que o que foi objecto de deliberação foi, entre o mais, a reeleição da sociedade autora para desempenhar as funções de administradora do condomínio para o biénio 2015 /2017, concretamente, para o período de 01.01.2015 até 31.12.2017, portanto, por período superior a dois anos.
Da análise da ata nº...[2], datada de 02.07.2015, na al C) resulta que, embora não fizesse parte dos assuntos a submeter à Assembleia, os condóminos deram poderes à administração para modificar o “contrato de administração” celebrado entre a Autora e o Condomínio apenas nas cláusulas que dizem respeito aos valores mensais cobrados pelas mesmas- Ata n.º ... ponto C);
Assim, nesta parte, desde já se assinala que desta ata resulta que os condóminos tomaram conhecimento do documento junto à petição como documento nº1, denominado “ contrato de prestação de serviços de administração condomínio”, pese embora, formalmente não tenha existido até à data da realização da assembleia a que se reporta a ata nº..., qualquer deliberação dos condóminos que conferisse poderes à administradora para celebrar qualquer contrato de administração. Até essa data apenas temos a ata nº... da qual resulta a reeleição da autora como administradora do condomínio.
E quanto à Ata nº...[3] , relativa à assembleia de condóminos de 30.03.2017, verificamos que da ordem de trabalhos não consta qualquer alusão a “um contrato de prestação de serviços de administração condomínio”, e apenas no ponto B é feita referência aos contratos existentes em que era parte o condomínio e aí é feita alusão a um contrato de administração de condomínio celebrado com a ora autora, constando da ata que foram remetidas aos condóminos cópias dos contratos.
E resulta da folha de votação do ponto a) da assembleia ordinária de condóminos da qual resultou a ata n.º ... – 11-04-2017 - junta com a PI, a qual, está devidamente assinada por cada condómino presente e aí inscrita pelo próprio o seu sentido de voto, que os senhores condóminos para além de concederem poderes para a celebração do contrato e seu aditamento aqui em crise, são perfeitos conhecedores de todas as suas cláusulas, uma vez que na ata consta que “as cláusulas foram devidamente explicadas e aceites por eles e o rubricaram e o assinaram.”
Perante tudo o exposto, resulta para nós que a assembleia de condóminos em data posterior à data da celebração do contrato de prestação de serviços junto como documento nº1 da petição, 13-03.2015, e ao aditamento posterior, ratificou esses atos, isto é, recuperou o negócio jurídico concluído em seu nome, tornando-o doravante plenamente eficaz, tendo a ratificação eficácia rectroativa- nº2, 2ª parte do art 268ºdo CCivil.
Assim, por meio de um acto posterior ao negócio, por parte do representado-Condomínio, os efeitos do negócio, antes como que suspensos, passam a produzir-se na esfera deste, como se o representante tivesse sempre poderes. Mas, a produção dos efeitos negociais na esfera do dominus não resulta deste “passar a dar, desde a ratificação os poderes que faltavam ao representant”e, mas antes assumir os efeitos suspensos do negócio. E, operada que seja a ratificação, o terceiro já não poderá revogar ou rejeitar o negócio invocando a sua ineficácia.
A ratificação é, “a declaração de vontade pela qual alguém faz seu um acto jurídico celebrado por outrem em seu nome”. [4]
Significa, “que o dono do negócio quer encabeçar o acto jurídico praticado em nome dele, ficando com os respectivos direitos e obrigações”[5].
Trata-se, portanto, de uma declaração unilateral de vontade pela qual alguém assume como seu um acto jurídico celebrado por outrem em seu nome, sem poderes de representação, sendo que com a declaração de ratificação, que tem eficácia retroactiva, o negócio passa a ser plenamente eficaz, produzindo efeitos desde a data da sua conclusão.
Assim, reportando-nos ao caso dos autos, a assembleia de condóminos através da ratificação do contrato aqui em crise e seu aditamento (análise das suas cláusulas, discussão e aceitação das mesmas por ambas as partes, com rubrica e assinatura dos condóminos do REU – assembleia de 11-04-2017 – Ata ...), recuperou o negócio jurídico concluído em seu nome, tornando-o doravante plenamente eficaz, tendo a ratificação eficácia rectroativa - nº2, 2ª parte do art 268ºdo CCivil.
De resto, relativamente ao documento nº1 junto com a petição inicial, resulta que o Reu na sua contestação não logrou colocar em causa / impugnar quer o Contrato e respectivo Aditamento, quer todos os demais documentos juntos com a PI, pois, que se limita no seu artigo 59.º a escrever :“Assim como o R. impugna, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 444.º do CPC, o teor, conteúdo e assinaturas de todos os documentos juntos com a Petição inicial em tudo o que contrariem o alegado nesta contestação, salvo os documentos enviados pelo ora R.”
Ora, a impugnação dos documentos está especificadamente associada à genuinidade do documento, ou seja, à autoria da assinatura de determinado documento e à exatidão da reprodução mecânica, quando não tenha sido apresentado o original, nos termos e para o efeito dos artigos 368.º, 374.º e 387.º do CC e artigo 444.º do NCPC.
Para se considerar impugnados os documentos juntos com a PI por parte da aqui Autora, tinha o Réu que se pronunciar expressa e especificamente sobre esse ou esses documentos, afirmando-se alguma destas posições: - A letra do documento não pertence à pessoa que dele consta como sendo o seu autor ; a assinatura / assinaturas do documento (s) não pertence à pessoa (s) que dele consta (am) como sendo seu subscritor; no caso de a letra e/ou assinatura não serem imputadas à parte contrária é desconhecido para a parte se a letra e/ou assinatura são do autor que consta do documento; a reprodução mecânica não traduz o documento original.
O que, o réu não efetuou.
Ora, a propósito, dispõe o artigo 368.º do CC, que as reproduções mecânicas de documentos escritos fazem prova plena do que representam, ou seja, do seu original, só assim não sucedendo se a parte contra a qual é apresentada impugnar a sua exatidão, de acordo com o disposto no artigo 444.º n.º 1 e 3 do NCPC.
Mais resultando que para ser eficaz a impugnação, não basta alegar o desconhecimento, exigindo-se o pedido de confronto da reprodução com o original.
A revelar que a parte contra quem sejam apresentadas as cópias digitalizadas de um ou mais documentos, para que o mesmo (os) se considere(m) eficazmente impugnado(s) , não se pode bastar com a mera alegação de que, por se tratar de mera cópia, não se sabe se o mesmo reproduz com exatidão o original, mas antes se impõe que se afirme expressamente a sua inexatidão, ou pelo menos, que, caso pretenda dissipar dúvidas legítimas que tenha, requeira o prévio confronto com o original, nos termos do artigo 444.º n.º 1 e 3 do NCPC.[6]
A propósito, decidiu o Ac. RL de 26.06.2018 (processo 4710/12.1TBFUN, em www.dgsi.pt), “tendo a fotocópia a mesma força do original, independentemente de a impugnar (com vista à junção do original para confronto), tem o opoente de impugnar, logo no RI de embargos, a genuinidade do documento, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 444.º do CPC…” sendo que, mesmo arguindo a inexatidão da cópia, face ao original, a parte deve sempre requerer o confronto com o original, sob pena de irrelevância da arguição.
Concluindo:
No que concerne à impugnação do teor dos documentos juntos com a PI, associando-se tal alegação a uma invocação do desconhecimento sobre se o teor dos documentos corresponde à realidade, ou seja, desconhecimento se os documentos traduzem fielmente o que visam documentar, isto é, se os mesmos foram emitidos, serviços prestados, enviados, lançados, contabilizadas, pagos, não pagos etc, a impugnação do Reu é mais uma vez totalmente inócua.
De resto, a eventual desconformidade entre o teor dos documentos juntos com a PI e a realidade que visam / visaram os mesmos documentar, registar, não é processualmente tratada como impugnação da genuinidade do documento, nos termos do 444.º do NCPC, mas quando muito, por via da arguição da falsidade do documento / documentos, nos termos do artigo 446.º do NCPC.
Ora, nesta parte estando em causa a ilisão da veracidade do conteúdo dos documentos, (ou seja, a demonstração do que os documentos, contrato, faturas, correspondência, atas, relatório e contas, etc, não correspondem à realidade dos factos, por eventualmente não terem ocorrido ou terem ocorrido de forma diversa), incumbe à parte que pretenda tal ilisão a alegação expressa da falsidade do documento / documentos, entre outros vícios possíveis previstos neste ultimo preceito legal, não bastando a mera invocação de desconhecimento sobre a dita veracidade.
Assim, no caso em apreço, a atitude assumida pelo Réu na contestação relativamente aos documentos juntos com a petição não traduz arguição de falsidade de documentos juntos com a PI ao abrigo do artigo 446.º do NCPC, a significar que todos os documentos juntos na petição inicial foram aceites pelo Réu com todas as consequências em direito, concretamente o denominado contrato de prestação de serviços de administração condomínio e cópias das atas nºs 5,6,7 e 8 , as quais, não foram impugnadas na sede própria.
Por último, no tocante ao documento nº1 junto com a petição inicial, resulta dos autos que a também a nova administradora do aqui Réu, E... Unipessoal, Lda. NIPC..., foi notificada do referido em 31-05-2019 conforme documento nº 23 da PI e nunca o impugnou, se insurgiu contra o mesmo ou solicitou qualquer pedido de esclarecimento, e já lá vão mais de 35 meses.
Logo também o aceitou nos seus precisos termos.
Depois, como já referimos, da parte final da ata n.º ... – 11-04-2017 – (junta com a PI e reproduzida parcialmente) – até ficou a fazer parte integrante de tal ata o contrato e seu aditamento aqui em crise, o que se passa a transcrever:
“Ficam a fazer parte integrante desta acta, considerando-se integralmente reproduzidos os seguintes documentos: “Convocatória Assembleia”; “Lista de Presenças da Assembleia”; “Duas Procurações”; “Balancete Razão – Financeira Acumulado Fecho 2016 – Resumo Contas 2016 – Aprovado – Rubricado - 1 página”; “Balancete Geral – Financeira Acumulado Fecho 2016 – Detalhe de Contas 2016 – Aprovado – Rubricadas - 7 páginas”; “Extractos de Conta Corrente de todas as Frações”; “Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio – Aceite e Ratificado – Rubricado e Assinado - 4 páginas”; “Aditamento Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio – Aceite e Ratificado – Rubricado - 1 páginas” e “Orçamento Administração 2017 – 19 926,20€ - Aprovado – Rubricadas - 3 páginas”.
Aqui chegados, reapreciados que foram os documentos juntos aos autos pela autora, concretamente, contrato de prestação de serviços de administração de condomínio e atas nº5, 6, 7 e 8 da Assembleia de Condóminos do Edifício ..., sito na Rua ..., n.º ... e ... e Rua ... n.ºs ... e ..., ..., Valongo, concluímos que se impõe julgar provados os seguintes factos:
.No dia 12 de março de 2015 na em Assembleia Ordinária de condóminos do Edifício ..., sito na Rua ..., n.º ... e ... e Rua ... n.ºs ... e ..., ..., Valongo, , entre o mais, foi deliberada a reeleição da sociedade “A..., LDA”, para o período de 2017/2017, tendo a reeleição o seu inicio a 01.01.2015 e o seu término a 31.12.2017, conforme da Ata consta.
.No exercício da sua atividade, a sociedade “A..., LDA”, representada pelo seu sócio e gerente AA e o Réu, CONDOMÍNIO ..., sito na Rua ..., n.º ... e ... e Rua ... n.ºs ... e ..., ..., Valongo, representado pelo seu administrador “A..., LDA”, este organicamente representado pelo seu sócio gerente atrás identificado, em 12 de março de 2015, subscreveram no dia 13 de março de 2015, nessas qualidades, um documento denominado “ Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio” contrato através do qual a primeira se obrigou a prestar ao segundo serviços de administração do condomínio e, em contrapartida, o segundo se obrigou ao pagamento mensal do serviço de administração contratado, uma vez que foi eleita administradora do condomínio na assembleia de condóminos realizada nessa data.
.Os serviços de administração foram sendo prestados e a respetiva fatura era emitida no último dia de cada mês a que respeitavam os referidos serviços.
.Por força desse contrato, o preço mensal a pagar pelo Réu à Autora era de 190,31 € (cento e noventa euros e trinta e um cêntimos).
As partes acordaram na alteração do contrato no que concerne ao preço mensal a pagar pelo Réu à Autora.
.Assim, a partir de 1 de agosto de 2015, o preço mensal passou para 290,31 € (duzentos e noventa euros e trinta e um cêntimos).
.Em execução do contrato assim celebrado, a Autora passou a desempenhar as funções de administradora do aqui Réu, designadamente, convocar as assembleias de condóminos, elaborar o orçamento das receitas despesas relativas a cada ano e os submeter à Assembleia de condóminos, a fim de ser deliberado pelos senhores condóminos; verificar a existência do seguro comum; cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns; exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas; realizar os atos conservatórios dos direitos relativos a bens comuns; regular o uso das coisas comuns e a prestação de serviços de interesse comum; executar as deliberações da Assembleia de condóminos; representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas; prestar contas à Assembleia de condóminos; assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio; guardar e manter os documentos que digam respeito ao condomínio.
.Por força desse contrato, a Autora iniciou a prestação desses serviços desde 01.01.2015.
.No documento subscrito no dia 13.03.2015 as partes acordaram a renovação automática do contrato, por iguais e sucessivos períodos de tempo (3 anos), salvo se tal renovação for impedida por qualquer uma das partes com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias [cláusula 6.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)].
Mais acordaram:
. que as partes podem resolver o contrato de prestação de serviços de administração desde que a resolução revista a forma escrita e seja efetuada com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias, por meio de carta registada com aviso de receção, (conforme cláusula 7.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)).
. que a falta do referido aviso prévio de 90 (noventa) dias para resolver o contrato obriga a parte faltosa ao pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, da contrapartida remuneratória respeitante ao período de vigência do contrato ainda não decorrido [conforme cláusula 8.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)].
. que, sem prejuízo da invocação da resolução do contrato, a mesma importará para a parte que a invocar a obrigação de indemnizar a outra parte com o seguinte o valor de 22.000,00 € a título de cláusula penal [cláusula 9.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)].
.Quando o Réu pôs termo ao contrato, ainda faltavam decorrer 19 meses até ao seu termo, que ocorreria em 31.12.2020.
Eliminando assim os itens 1º a 6º, dos factos julgados não provados, bem como os itens 2º e 34ºdos factos provados, mantendo os restantes itens dos factos julgados provados, agora com referencia ao teor do contrato nº1 junto com a Petição inicial celebrado a 13.05.2015.
Todavia, no tocante aos fatos vertidos nos itens 7º a 9º dos factos não provados, porque os meios de prova convocados para reapreciação que foram objecto de análise não sustentam a pretensão da apelante nesta parte, este colectivo de juízes, decide manter esses itens nos factos julgados não provados, improcedendo nesta parte a impugnação da decisão de facto, a significar o provimento parcial da impugnação da decisão de facto.
E no tocante ao item 10º dos factos não provados, porque a reapreciação dos meios de prova efectuada teve por objecto apenas os documentos convocados pela apelante para o efeito de ser alterada a decisão relativamente aos concretos atos a que se refere a petição inicial, celebração do contrato a que se refere o documento nº1 da petição e atas da assembleias de condóminos que ratificaram esse documento e suas alterações, porque a redacção do item 10º é genérica, ignorando este tribunal a que atos e decisões da autora se refere, decidimos, eliminar esse item da matéria de facto julgada não provada.
.Por último, ao abrigo do art 607º, nº2 e 3 CPC, aplicável ao tribunal da Relação, ex vi art 663º, nº2, do mesmo diploma, porque foi alegado pela autora , e não está impugnado pelo réu, um facto essencial para a decisão da causa, considerando o teor do documento nº23 junto com a petição, datado de 31.05.2029, relativo a uma missiva enviada pela autora à sociedade que actualmente exerce as funções de administradora de condomínio, oficiosamente, julgamos provado o seguinte facto:
.A nova administradora do aqui REU, E... Unipessoal, Lda. NIPC..., foi notificada do teor do contrato denominado “prestação de serviços de administração de condomínio” de 13.05.2015 em 31-05-2019 conforme DOC 23 da PI e nunca o impugnou, se insurgiu contra o mesmo ou solicitou qualquer pedido de esclarecimento.
3.3. Decisão definitiva sobre a factualidade julgada provada e não provada:
Fatos Provados:
1.A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica com fins lucrativos, entre outras, à prestação de serviços de gestão e administração de condomínios.
2.No dia 12 de março de 2015 na Assembleia Ordinária de condóminos do Edifício ..., sito na Rua ..., n.º ... e ... e Rua ... n.ºs ... e ..., ..., Valongo, , entre o mais, foi deliberada a reeleição da sociedade “A..., LDA”, para o período de 2017/2017, tendo a reeleição o seu inicio a 01.01.2015 e o seu término a 31.12.2017, conforme da Ata consta.
3..No exercício da sua atividade, a sociedade “A..., LDA”, representada pelo seu sócio e gerente AA e o Réu, CONDOMÍNIO ..., sito na Rua ..., n.º ... e ... e Rua ... n.ºs ... e ..., ..., Valongo, representado pelo seu administrador “A..., LDA”, este organicamente representado pelo seu sócio gerente atrás identificado, em 12 de março de 2015, subscreveram no dia 13 de março de 2015, nessas qualidades, um documento denominado “ Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio” contrato através do qual a primeira se obrigou a prestar ao segundo serviços de administração do condomínio e, em contrapartida, o segundo se obrigou ao pagamento mensal do serviço de administração contratado, uma vez que foi eleita administradora do condomínio na assembleia de condóminos realizada nessa data.
4.Por força desse contrato, a Autora iniciou a prestação desses serviços desde 01.01.2015.;
5.Por força desse contrato, o preço mensal a pagar pelo Réu à Autora era de 190,31 € (cento e noventa euros e trinta e um cêntimos).
6.Em execução do contrato assim celebrado, a Autora passou a desempenhar as funções de administradora do aqui Réu, designadamente, convocar as assembleias de condóminos, elaborar o orçamento das receitas despesas relativas a cada ano e os submeter à Assembleia de condóminos, a fim de ser deliberado pelos senhores condóminos; verificar a existência do seguro comum; cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns; exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas; realizar os atos conservatórios dos direitos relativos a bens comuns; regular o uso das coisas comuns e a prestação de serviços de interesse comum; executar as deliberações da Assembleia de condóminos; representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas; prestar contas à Assembleia de condóminos; assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio; guardar e manter os documentos que digam respeito ao condomínio.
7. Os serviços de administração foram sendo prestados e a respetiva fatura era emitida no último dia de cada mês a que respeitavam os referidos serviços.
8.As partes acordaram na alteração do contrato no que concerne ao preço mensal a pagar pelo Réu à Autora.
9.Assim, a partir de 1 de agosto de 2015, o preço mensal passou para 290,31 € (duzentos e noventa euros e trinta e um cêntimos).
10.No documento subscrito no dia 13.03.2015 as partes acordaram a renovação automática do contrato, por iguais e sucessivos períodos de tempo (3 anos), salvo se tal renovação for impedida por qualquer uma das partes com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias [cláusula 6.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)].
11.Mais acordaram nesse contrato:
. que as partes podem resolver o contrato de prestação de serviços de administração desde que a resolução revista a forma escrita e seja efetuada com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias, por meio de carta registada com aviso de receção, (conforme cláusula 7.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)).
. que a falta do referido aviso prévio de 90 (noventa) dias para resolver o contrato obriga a parte faltosa ao pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, da contrapartida remuneratória respeitante ao período de vigência do contrato ainda não decorrido [conforme cláusula 8.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)].
. que, sem prejuízo da invocação da resolução do contrato, a mesma importará para a parte que a invocar a obrigação de indemnizar a outra parte com o seguinte o valor de 22.000,00 € a título de cláusula penal [cláusula 9.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...)].
12.O referido contrato foi celebrado entre as partes pelo período de 36 (trinta e seis) meses, com início a 01.01.2015 e termo a 31.12.2017.
13. Por força da prestação desses serviços, a Autora procedeu à emissão, entre outras, das seguintes faturas: Fatura ... emitida em 30.11.2018, vencida em 30.12.2018, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de novembro/2018; Fatura ... emitida em 28.12.2018, vencida em 27.01.2019, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de dezembro/2018; Fatura ... emitida em 31.01.2019, vencida em 02.03.2019, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de janeiro/2019; Fatura ... emitida em 28.02.2019, vencida em 30.03.2019, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de fevereiro/2019; Fatura ... emitida em 29.03.2019, vencida em 28.04.2019, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de março/2019; Fatura ... emitida em 30.04.2019, vencida em 30.05.2019, no valor de 290,32 €, por Serviços de Administração referentes ao mês de abril/2019; Fatura ... emitida em 30.05.2019, vencida em 29.06.2019, no valor de 290,32 €, por serviços de Administração referentes ao mês de maio/2019,
14.Faturas essas que perfazem o valor global de 2.032,24 € (dois mil e trinta e dois euros e vinte e quatro cêntimos).
15.E que foram remetidas ao Réu por carta registada, foram recebidas e não devolvidas.
16.Tais faturas foram aceites e lançadas nas contas do Réu.
17.Os relatórios e contas foram aprovadas anualmente pela Assembleia de Condóminos, convocada para o efeito.
18.As atas das referidas assembleias foram remetidas para todos os condóminos, quer presentes quer ausentes, por carta registada.
19.Sem que tenham sido objeto de impugnação judicial.
20.A Autora interpelou o Réu para o pagamento de tais faturas.
21.Por carta registada com A/R, recebida pela Autora em 29.05.2019, o Réu, alegando justa causa, pôs fim ao contrato que vigorava entre as partes com efeitos imediatos.
22.Nessa carta, o Réu invocou que (…) a atual administração do Condomínio, tem faltado culposamente e, quiçá com dolo, a muitas das funções que lhe são atribuídas pelo artigo 1436.º do CC, nomeadamente as alíneas d), e) f), g), j) e l), sendo respetivamente, “cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns”, “exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas”, “realizar atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns”, “regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum”, “prestar contas à assembleia” e “assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativamente ao condomínio.
Faltou a administração nomeadamente com a prestação de contas de forma correta, informado a assembleia e os condóminos sobre, como, quando e em que circunstâncias o seu dinheiro foi usado; falha em manutenções, tais como avaria na autoclave/bombas da cisterna de abastecimento aos prédios que levaram mais de um mês para serem resolvidas, falha durante semanas de lâmpadas nos patamares, manutenção do portão da garagem que não é feita, limpeza das garagens não efetuada; higienização não feita da cisterna de abastecimento aos prédios; valores elevados em débito e não foram feitas cobranças pela via judicial; o serviço de jardineiro só é feito pela metade em uma das entradas sendo que nas outras, segundo o mesmo não há autorização para tratar o jardim, não cumprimento do contrato da manutenção dos elevadores da entrada ......; processo intentado por abuso de confiança contra um condómino e que as despesas desnecessárias que irão ser pagas pelos Condóminos; lajetas exteriores da entrada ...... que se encontram soltas e deterioradas que não são reparadas e em mau estado há cerca de 4 anos e que têm vindo a piorar, sendo que de inverno é impossível passar…
Estas “pequenas” coisas que foram informadas por diversas vezes por telefone junto da empresa de administração e/ou até através de contacto direto com as funcionárias de limpeza e que servem como justificação para alegar a justa causa na exoneração da atual administração e eleição de uma nova.
23.Na sequência, a Autora dirigiu à nova administração do Réu, B... Unipessoal, Lda., titular do NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... Valongo, carta registada c/ AR, impugnando expressamente todos os factos elencados na referida carta.
24.Quando o Réu pôs termo ao contrato, ainda faltavam decorrer 19 meses até ao seu termo, que ocorreria em 31.12.2020.;
25.Quando o Réu pôs termo ao contrato, em 22.05.2019, a Autora continuava a prestar ao Réu os mesmos serviços de administração do condomínio.
26.Com base nas cláusulas 6.ª, 7.ª e 8.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...), a Autora emitiu a Fatura ... em 30.05.2019, no valor de 5.516,02 €, a título de serviços de administração referentes aos meses de junho de 2019 a dezembro de 2020.
27.Tal fatura foi remetida ao Réu por carta registada ......, em 30.05.2019, e por este foi recebida e não devolvida.
28.Com base na cláusula 9.ª do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...), a Autora emitiu a fatura ..., em 30.05.2019, no valor de 22.000,00 €, a título de claúsula penal.
29.Tal fatura foi remetida ao Réu por carta registada ......, em 30.05.2019, e por este recebida e não devolvida.
30.Da ata número ..., de 12 de março de 2015, consta, como segundo ponto da ordem de trabalhos, b) Reeleição da empresa administradora do Edifício para o Biénio 2015/2017.
31.Dessa mesma ata consta o seguinte: No que ao Ponto B) da ordem de trabalhos concerne, foram abordados os seguintes assuntos: Foi informado pelo representante da administração que o mandato da mesma como todos sabem havia terminado a 31/12/2014, razão pela qual é necessário proceder à sua reeleição ou porventura terminar a assembleia neste ponto, obterem novas propostas e se convocar outra assembleia para eleição de nova administração. Após estes esclarecimentos, estabeleceu-se um diálogo entre os presentes, findo o qual foi reeleita para a administração do condomínio para o período de 2015/2017 a sociedade comercial por quotas, C..., Lda. NPC ..., representada neste acto pelo seu sócio-gerente AA. Assim a reeleição tem o seu início em 01/01/2015 e término a 31/12/2017. Proposta aprovada por maioria, visto que a maioria dos presentes votaram a favor da reeleição desta empresa como administradora do edifício.
32.Nessa data, o representante legal da Autora e o representante legal da sociedade que administrava o Réu era o Sr. AA, NIF ....
33.Na referida assembleia de condóminos (de 12 de março de 2015) nada consta sobre o conteúdo do contrato de prestação de serviço de administração do condomínio no que concerne ao valor da prestação do serviço, à renovação automática do contrato, ao aviso prévio para a resolução do contrato, nem à cláusula penal no valor de 22.000,00 € em caso de resolução do presente contrato.
34.Na ordem de trabalho dessa mesma ata consta a indicação da reeleição da empresa administradora do Edifício para o Biénio 2015/2017, mas a reeleição teve lugar para 36 meses, ou seja, para três anos, com início em 01/01/2015 e término a 31/12/2017.
35.Na ata número ..., de 2 de julho de 2015, consta que os condóminos deliberaram dar poderes à administração para poder modificar o contrato de administração existente com a C..., Lda., e de limpezas e de jardinagem existentes com a empresa D..., Lda. – apenas nas cláusulas que dizem respeito aos valores mensais cobrados pelas mesmas, sem que se faça menção ao valor desse aumento.
36.As atas eram redigidas em momento posterior à referida assembleia.
37.Os condomínios não assinavam a respetiva ata.
38.A Autora aproveitou a ligeireza com que os condóminos olham para as assembleias para tentar vincular o Réu às cláusulas inscritas no documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...).
39.O prédio do Réu tem 77 frações.
40.A Autora, através do seu sócio-gerente, tinha consciência de que estava a tirar proveito do desconhecimento do conteúdo das cláusulas do contrato de prestação de serviços de administração de condomínio, uma vez que as mesmas não tinham sido negociadas ou discutidas na assembleia de condóminos de 12 de março de 2015.
41.Após a exoneração, a Autora recusou a entrega de documentação contabilística do Réu Condomínio que tinha em seu poder por força do exercício das funções de administradora do condomínio.
42.Da consulta do balancete e da conciliação bancária resulta que existem valores de transferências bancárias não identificadas.
43.Pelo menos um dos condóminos que na conta corrente apresentada pela Autora se apresentava como devedor, quando confrontados pela nova administração para liquidarem os valores em dívida, apresentaram os comprovativos de pagamento das suas quotas.
44.De acordo com o relatório de contas de 2018, o Réu condomínio dispunha de saldo em contas bancárias que permitia o pagamento das remunerações da prestação de serviços de administração da Autora atinentes aos meses de novembro e dezembro de 2018.
45. A nova administradora do aqui REU, E... Unipessoal, Lda. NIPC..., foi notificada do teor do contrato denominado “prestação de serviços de administração de condomínio” de 13.05.2015 em 31-05-2019 conforme DOC 23 da PI e nunca o impugnou, se insurgiu contra o mesmo ou solicitou qualquer pedido de esclarecimento.
Factos não provados
Dos factos alegados, ficaram por provar os seguintes factos atinentes ao objeto dos presentes autos:
1.Em 25.03.2019, todos os condóminos estavam satisfeitos com a administração a cargo da Autora.
2.Nunca, em momento algum, à Autora foi comunicada, pelo Réu ou por qualquer condómino, qualquer irregularidade, qualquer falta de cumprimento de suas funções, qualquer reclamação acerca da prestação de serviços.
3.Sempre a Autora prestou os seus serviços com zelo, correção, verdade, lealdade e boa-fé.
4.O teor documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...) não foi discutido nem analisado em assembleia de condóminos.
5. Os condóminos da entrada ......, em 2014, pagaram uma quota extra, no valor de € 1.200 (mil e duzentos euros) destinada a obras de cobertura e impermeabilização da parede, (agora tapada com o novo edifício) que nunca ocorreram.
3..4 Do Mérito da Sentença recorrida.
3.4.1
Resulta das conclusões recursórias que o apelante não se conforma com a parte da sentença recorrida que julgou improcedentes o pedido deduzido pelo Autor para que o Tribunal declare ilícita a rescisão do contrato celebrado entre as partes efetuada pelo Réu, por falta de fundamento para a mesma, assim como, extemporânea a denúncia operada, bem como, os pedidos da Autora de condenação do Réu condomínio no pagamento do valores de 5.516,02€ (cinco mil quinhentos e dezasseis euros e dois cêntimos), por força do não cumprimento do aviso prévio de 90 dias para pôr termo ao contrato que vigorava entre as partes e ainda no pagamento da quantia de 22.000,00€ (vinte e dois mil euros) a título de cláusula penal compulsória por força do fim do contrato antecipado de forma unilateral pelo Réu e respetivos juros de mora.
E pese embora a apelante nas alegações e conclusões recursórias pugne pela condenação do réu no pagamento do valor de 2 032,24€ (dois mil e trinta e dois euros e vinte e quatro cêntimos) a título das faturas dos valores mensais de administração, vencidos e não pagos do período de Dezembro/2018 a Maio/2019 inclusive – prestação efetiva dos serviços de administração), da análise da fundamentação e do dispositivo da sentença recorrida resulta que essa pretensão obteve total procedência, a revelar, que nessa parte a apelante não ficou vencida e, por isso, carece de interesse para recorrer, o que se declara para todos os efeitos legais-artihgo631º CPC, ficando prejudicado esse segmento do recurso.
3.4.2.Prosseguindo:
Como referido, no ato decisório sob censura as concretas pretensões de tutela jurisdicional aduzidas pela demandante não obtiverem total provimento, tendo o tribunal a quo, condenado o réu no pagamento de faturas relativas a serviços prestados pela autora ao réu por ter considerado, em face da prova dos autos, que os comportamentos revelados pela autora e pelo réu, concretamente, reeleição da autora como administradora de condomínio por 36 meses, emissão de facturas, aprovação das facturas na assembleia de condóminos, pagamento de remuneração à autora, revelavam a celebração entre a autora e a assembleia de condóminos de um contrato por força do qual emergiram créditos pecuniários a favor da autora, desconsiderando assim o documento nº1 junto à petição inicial.
E como vimos a impugnação da decisão de facto obteve provimento, estando assim, alterada a base factual da decisão proferida na primeira instância, revelando a alteração que no essencial foi julgada provada a factualidade alegada pela autora relativamente ao contrato de prestação de serviços de administração de condomínio cujo alegado incumprimento constitui a causa de pedir desta ação, o qual, o tribunal de 1ª instância tinha julgado não provado.
A significar, considerando que este Tribunal da Relação julgou provada a subscrição pela autora e pelo Réu do documento nº1 junto com a petição inicial, que a decisão sobre a matéria de facto sofreu alterações significativas que implicam que este Tribunal da Relação aprecie e assuma posição sobre as exceções arguidas pelo Réu Condomínio relativamente a esse contrato, a saber:
1.anulabilidade desse negócio por configurar um negócio consigo mesmo, nos termos do art 261º CC;
2. falta de aprovação em assembleia de condóminos desse contrato, a revelar, a falta de consentimento do condomínio;
3. a excessiva onerosidade das cláusulas penais e carácter abusivo das mesmas;
4.a natureza usurária da cláusula nona do contrato ao estipular que” sem prejuízo da invocação de resolução do …contrato, ( acrescentando nós, independentemente do motivo da resolução) a mesma importará para a parte que a invocar a obrigação de indemnizar a outra parte na quantia de € 22 000,00” alegando que a autora explorou a ligeireza como os condóminos olham para as assembleias para obter benefício ilegítimo, sendo que o edifício tem 79 fracções;
5. bem como, a alegação vertida na resposta às exceções feita a 18.05.2002, na qual, a autora alega que o Réu concedeu poderes à autora para a celebração daquele contrato e respectivo aditamento, bem como ratificou o contrato e respectivo aditamento, arguiu a caducidade para a arguição da anulabilidade, implicando a extinção do direito pelo seu não exercício, alegou que o valor da cláusula nona do contrato não é excessivo visando apenas impelir as partes ao cumprimento do contrato.
Assim, em primeiro lugar importa afirmar que estamos perante um litígio diretamente relacionado com o funcionamento e a gestão do condomínio.
Como emana do disposto no nº1, do art. 1420º, do C. Civil, a propriedade horizontal constitui uma figura jurídica distinta da contitularidade do domínio. Na propriedade horizontal cada condómino detém, por força do seu estatuto legal, uma dupla posição jurídica, sendo proprietário exclusivo da sua fracção e comproprietário das partes comuns do prédio.
Mas, enquanto a administração da fracção autónoma compete, nos termos do art. 1305º, do C. Civil, em exclusivo, ao condómino titular do respetivo direito de propriedade, a administração das partes comuns cabe, de harmonia com o disposto no art. 1430º, nº1 do mesmo código, à assembleia dos condóminos e ao administrador.
À assembleia dos condóminos, órgão deliberativo composto por todos os condóminos, compete decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, encontrando soluções para os resolver, delegando no administrador a sua execução e controlando a atividade deste.
Ao administrador, órgão executivo do condomínio, cabe o desempenho das funções referidas no art. 1436º do CC, próprias do seu cargo, bem como as que lhe forem delegadas pela assembleia ou cometidas por outros preceitos legais, competindo-lhe a função de representação orgânica, ex necessário, do condomínio[7]e ainda, nos termos dos arts. 12º, al. e) do CPC e 1437º do CC, a função da sua representação processual.
E, de harmonia com o disposto no nº 4, do art. 1435º, do CC, este cargo de administrador pode ser desempenhado por um ou mais condóminos ou por um terceiro.
Do carácter orgânico da figura do administrador resulta que, no exercício das suas funções de gestão do condomínio, o administrador tem uma certa autonomia e discricionariedade e as suas medidas, enquanto se mantenham no âmbito dos seus poderes, têm a caraterística de serem obrigatórias para os condóminos[8]
Assim a tarefa deste tribunal traduz-se em apreciar e decidir sobre se foi efectivamene celebrado entre as partes o contrato corporizado no documento nº1 junto com a petição e em que data, proceder à respectiva qualificação e apreciar e decidir sobre a validade desse contrato, designadamente sobre se o mesmo configura um negócio consigo próprio, nos termos do art 261º CC e por isso anulável, se esse contrato e respectivo aditamento foram celebrados pela autora agindo sem poderes para o efeito, se existiu e de que forma ratificação desse contrato e respectivo aditamento.
E porque releva importa enfatizar o seguinte:
Em face do preceituado no n.º 1 do artigo 1435.º do CC, é à assembleia dos condóminos, enquanto órgão deliberativo da propriedade horizontal, que normalmente incumbe tanto a nomeação como a exoneração do administrador, podendo este ser excecionalmente nomeado e exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino.
A exoneração da Administração do Condomínio é matéria que vem prevista no artigo 1435.º do Código Civil, o qual refere que:
1- O administrador é eleito e exonerado pela assembleia.
2- Se a assembleia não eleger administrador, será este nomeado pelo tribunal a requerimento de qualquer dos condóminos.
3- O administrador pode ser exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções.
4- O cargo de administrador é remunerável, e tanto pode ser desempenhado por um dos condóminos como por terceiro; o período de funções é, salvo disposição em contrário, de um ano, renovável.
5- O administrador mantém-se em funções até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor.
O Administrador quando é eleito, é-o por um determinado período de tempo.
Apenas poderá ser exonerado legalmente, antes do período decorrido para o qual foi eleito, quando não cumpra as suas funções, as quais constam das diversas alíneas do artigo 1436.º do Código Civil, como segue:
“São funções do administrador, além de outras que lhe sejam, atribuídas pela assembleia:
a) Convocar a assembleia dos condóminos;
b) Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano;
c) Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro;
d) Cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns;
e) Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas,
f) Realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns;
g) Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum;
h) Executar as deliberações da assembleia;
i) Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas;
j) Prestar contas à assembleia;
k) Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativa ao condomínio;
l) Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio.”
A título exemplificativo, podemos citar alguns motivos de exoneração: a não convocação da Assembleia Ordinária ou, até mesmo Extraordinária; a apropriação de valores e importâncias provenientes das quotas pagas pelos condóminos; o não cumprimento das ordens da Assembleia de Condóminos; a falta de prestação de contas; o incumprimento pelo Administrador do dever de informar o Condomínio das notificações que lhe são feitas, etc.
.Posto isto, resulta das citadas disposições legais que existe determinação ex lege , mais ou menos rígida, dos poderes do Administrador de Condomínio, uma vez que estão em causa interesses que não são meramente individuais, existindo um conjunto de normas imperativas na propriedade horizontal que naturalmente se reflectem em qualquer contrato em que sejam partes os condóminos e/ou o administrador do condomínio.[9]
É a chamada “ordem pública contratual” que tem natureza proibitiva e dispositiva na medida em que modelam o conteúdo do contrato. ( Almeida Costa, in Direito das Obrigações, pags 199-200 citado na nota 497, por Sandra Passinhas, in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª edição, pag. 202.)
E como tem sido assinalado pela doutrina e jurisprudência o administrador do condomínio, é um órgão da propriedade horizontal, órgão executivo do condomínio e que representa os condóminos perante as várias entidades administrativas e judiciais. Pires de Lima/ Antunes Varela, in CC Anotado, anotação ao art 1435º.pgs 451, 2 podendo e devendo nessa qualidade representar e gerir interesses dos condóminos.
E com base nas normas citadas e considerações expostas afigura-se-nos que a celebração pela autora do denominado contrato de prestação de serviços de administração de condomínio junto como documento nº1, anexo à petição inicial, pelo qual, a autora, na qualidade de administradora do condomínio dos autos celebra com ela própria, o referido contrato de administração de condomínio não se insere no âmbito das funções do administrador de condomínio referidas no art 1436 do CC, carecendo, por isso, a autora, enquanto administradora de condomínio de poderes para contratar -se a si própria para exercer as funções para as quais fora eleita pela assembleia de condóminos
Assim, ao celebrar o dito contrato de administração de condomínio a autora, na qualidade de administradora de condomínio carecia de poderes para celebrar esse contrato.
Todavia, porque resulta dos factos apurados que a assembleia de condóminos em data posterior à data da celebração do contrato de prestação de serviços junto como documento nº1 da petição e ao aditamento posterior, ratificou esses atos, isto é, recuperou o negócio jurídico concluído em seu nome, tornando-os doravante plenamente eficazes, tendo a ratificação eficácia rectroativa- nº2, 2ª parte do art 268ºdo CCivil- resulta para nós que a assembleia assumiu os efeitos suspensos daquele negócio.
Assim, por meio de um acto posterior ao negócio, por parte do representado-Condomínio, os efeitos do negócio, antes como que suspensos, passam a produzir-se na esfera deste, como se o representante tivesse sempre poderes. Mas, a produção dos efeitos negociais na esfera do dominus não resulta deste passar a dar, desde a ratificação, os poderes que faltavam ao representante, mas antes assumir os efeitos suspensos do negócio. E, operada que seja a ratificação, o terceiro já não poderá revogar ou rejeitar o negócio invocando a sua ineficácia.
E repetindo-nos: A ratificação é, “a declaração de vontade pela qual alguém faz seu um acto jurídico celebrado por outrem em seu nome”. [10]
Significa, “que o dono do negócio quer encabeçar o acto jurídico praticado em nome dele, ficando com os respectivos direitos e obrigações”[11].
Trata-se, portanto, de uma declaração unilateral de vontade pela qual alguém assume como seu um acto jurídico celebrado por outrem em seu nome, sem poderes de representação, sendo que com a declaração de ratificação, que tem eficácia retroactiva, o negócio passa a ser plenamente eficaz, produzindo efeitos desde a data da sua conclusão.
Assim, reportando-nos ao caso dos autos, a assembleia de condóminos através da ratificação do contrato aqui em crise e seu aditamento (análise das suas clausulas, discussão e aceitação das mesmas por ambas as partes, com rubrica e assinatura dos condóminos do REU – assembleia de 11-04-2017 – Ata ...), recuperou o negócio jurídico concluído em seu nome, tornando-o doravante plenamente eficaz, tendo a ratificação eficácia rectroativa- nº2, 2ª parte do art 268ºdo CCivil.
De resto, na hipótese de não ter ocorrido qualquer ratificação daquele contrato e respectivo aditamento, a arguição da invalidade do negócio com fundamento na respectiva anulabilidade por violação da proibição de negócio consigo mesmo, ou usura, seria julgada improcedente, por se verificar a caducidade do direito de arguir esse vício, atento o decurso do prazo de um ano previsto no art . 287º, nº1 do C.Civil, a contar de 31.05.2019- data em que a nova administradora do Réu, F..., Unipessoal, Lda- foi notificada do contrato junto como documento nº1 com a petição inicial e a contestação- 18.05.2022.
Em consequência do exposto, ratificado pela assembleia de condóminos o contrato de administração de condomínio e respectivo aditamento, necessariamente que fica prejudicada a apreciação da arguida invalidade do contrato com fundamento na alegação de traduzir um negócio consigo próprio, bem como, a alegação desse contrato traduzir uma situação de representação sem poderes e/ou abuso de representação, às quais , seriam aplicáves os artigos 268º e 269º do CCivil, respectivamente, e ainda, a alegada anulabilidade desse contrato por alegada usura.
3.4.3..Da Qualificação do Contrato denominado” Contrato de Prestação de Serviços de Administração de Condomínio” junto como documento nº1 anexo à petição inicial:
No tocante à qualificação jurídica desse contrato, não obstante não se ignorar que o administrador de condomínio é, um órgão do condomínio, simultaneamente, gestor e representante do condomínio em certos domínios, sobre cuja actividade a assembleia tem poderes de controlo, afigura-se-nos que nada obsta , antes resulta adequado perante o respectivo clausulado, que o contrato celebrado entre as partes no dia 13.05.2015 deva subsumir-se à fattispecie do artigo 1154º, do Código Civil, nos termos do qual o “contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
É que , resulta do clausulado do contrato referido nos factos provados, ao qual as partes atribuíram a denominação de “ Contrato de Prestação de Serviços Administração de Condomínio”, que, através dele, a autora obrigou-se a proporcionar ao réu certo resultado do seu trabalho (a administração do condomínio do edifício dos autos, como empresa que é especializada na administração de condomínios), ficando por sua vez o réu vinculado a , como contrapartida do referido resultado, retribuir a autora através de uma quantia mensal , inicialmente de € 190,31 + IVA ( portanto um contrato bilateral oneroso ).
De resto, não se olvidando o disposto no artº 664º do CPC, as partes não suscitaram nas alegações e contra alegações questões sobre esta qualificação jurídica ao acordo negocial celebrado inter-partes , um efectivo contrato - inominado – de prestação de serviços e com um período de validade de três anos com início a 01.01.2015 e término a 31.12.2017.
3.4.4.Aqui chegados, importa apreciar e decidir as pretensões da autora julgadas improcedentes, a saber:
. pedido deduzido pela Autora para que o Tribunal declare ilícita a rescisão do contrato celebrado entre as partes efetuada pelo Réu, por falta de fundamento para a mesma, assim como extemporânea a denúncia operada, bem como, os pedidos da Autora de condenação do Réu condomínio no pagamento do valores de 5.516,02€ (cinco mil quinhentos e dezasseis euros e dois cêntimos), por força do não cumprimento do aviso prévio de 90 dias para pôr termo ao contrato que vigorava entre as partes e ainda no pagamento da quantia de 22.000,00€ (vinte e dois mil euros) a título de cláusula penal compulsória por força do fim do contrato antecipado de forma unilateral pelo Réu e respetivos juros de mora.
Assim, impõe-se agora perguntar se ao réu assistia o direito de , unilateralmente, pôr termo ao contrato que o vinculava à autora, como o fez, ou , pelo contrario, porque tal direito não lhe assistia, assiste à autora, ora recorrente , o direito de receber do Réu, o valor da totalidade das prestações-retribuições mensais, no total de 19 prestações mensais previstas até ao termo do prazo contratado ( in casu no valor total de 5 516,02.€), conforme cláusula oitava, bem como, o direito de accionar a clausula penal vertida na cláusula nona, atenta cessação antecipada unilateral pelo Réu do contrato, no valor de 22 000,00€ (vinte e dois mil euros), conforme fatura ....
3.4.4.1.Apreciando:
Resulta do clausulado do contrato em análise, que ambas as partes acordaram que se considerava o contrato automaticamente renovado por iguais e sucessivos períodos de tempo, salvo se tal renovação for impedida por qualquer das pares com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias- cláusula sexta).
Mais acordado ficou que (cfr. cláusula sétima): “Qualquer das partes pode resolver o presente contrato de prestação de serviços de Administração desde que a resolução revista a forma escrita e seja efectuada com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias- cláusula sexta), por meio de carta registada com aviso de receção, para as moradas constantes do introito do contrato”
Na cláusula oitava as partes acordaram: “A falta de aviso prévio estabelecido na Cláusula anterior obriga a parte faltosa ao pagamento da sanção pecuniária compulsória, da contrapartida remuneratória respeitante ao período de vigência do contrato ainda não decorrido.
E a cláusula nona do contrato dispõe: “Sem prejuízo, da invocação da resolução do presente contrato, a mesma importará para a parte que a invocar a obrigação de indemnizar a outra parte com o seguinte valor da cláusula penal: 22 000,00€.”
Feita esta referência às cláusulas contratuais nas quais a apelante suporta a pretensão recursória, verificamos que não obstante o período de validade do contrato em análise (3 anos e com conclusão a 31.12.2017, seguidos de renovação automática a 1.01.2018 até 31.12.2020) , a verdade é que o mesmo veio a cessar no dia 22 de maio de 2019, o que sucedeu por iniciativa unilateral do réu e através da comunicação referida nos itens 21º e 22º dos fatos provados,[12] justificando o réu que a resolução do contrato se ficava a dever ao facto da Autora -apelante ter faltado culposamente e, quiçá com dolo, a muitas das funções que lhe são atribuídas pelo artigo 1436.º do CC, nomeadamente as alíneas d), e) f), g), j) e l), tendo “(…)o prédio dois elevadores, só um funciona, mantendo-se o mesmo vício desde a montagem dos controles de peso, situação essa inqualificável .
Vejamos.
Ao contrato de prestação de serviço, como resulta expressamente do artº 1156º do CC, são aplicáveis as disposições sobre o mandato.
O Art. 1170º/1estabelece a livre revogabilidade do mandato por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
A faculdade de livre revogação unilateral configura um direito potestativo que pode ser exercido sem dependência de forma especial; tratando-se de uma declaração receptícia, o efeito extintivo fica na dependência do conhecimento (ou mera receção) pelo declaratário (art. 224º/1).
Esta solução, aplica-se apenas às hipóteses típicas de o mandato veicular exclusivamente o interesse do mandante, atendendo a que o art. 1170º/2, introduz um regime oposto quando o mandato for também conferido no interesse do mandatário ou de terceiro.
Como a revogação dos contratos exige, em regra, acordo das partes (art. 406º/1), o conceito de revogação está utilizado de forma anómala ou atípica pelo art. 1170º/1.
Assim, quando se trate de mandato duradouro, este direito de livre desvinculação unilateral que assiste a qualquer das partes identifica-se antes com a denúncia que, no quadro geral de extinção dos vínculos obrigacionais, constitui precisamente o modo típico de cessação das relações duradouras, visando salvaguardar a liberdade jurídica dos contraentes, de forma e evitar vinculações por tempo indeterminado e que se caracteriza por ser livre, discricionária e não retroativa, podendo ter lugar por iniciativa de qualquer dos contraentes.
Quando se trata da prática de um ato instantâneo ou sujeito a termo fixo: neste caso, a liberdade de desvinculação atribuída pelo art. 1170º/1 insere-se no âmbito da ressalva final do art. 406º/1 parte final, sendo um dos casos excecionais de revogação unilateral legalmente admitidos.
A liberdade de revogação pode justificar-se, por parte do mandante, com base no facto do mandato ter por objeto a prática de um ato que apenas defende o seu interesse pressupondo o mandato uma relação de confiança permanente entre as partes, a qual, se deve extinguir quando um dos contraentes perde essa confiança.
Por parte do mandatário a liberdade de revogação pode justificar-se unicamente em razões de reciprocidade com a posição do mandante, embora também se possa invocar em seu favor a importância de se preservar a liberdade jurídica do prestador de serviço e o paralelo com a renúncia no contexto da procuração.
Posto isto, embora permitida pelo art. 1170º/1, a revogação unilateral pode dar origem ao dever de indemnizar nos casos previstos no art. 1172º, a que se aplicam as regras gerais dos arts. 562º e ss:
a)Se as partes assim o tiverem convencionado (corolário normal da autonomia privada);
b)Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou houver renúncia do direito de revogação (não impedem a livre revogação unilateral, mas têm eficácia indireta, porque vinculam o autor da revogação a reparar os danos sofridos pela contraparte que, face ao teor do acordado, confiou fundadamente na subsistência do mandato);
c)Se a revogação provier do mandante e disser respeito a mandato oneroso conferido por certo tempo ou para certo assunto (o mandatário contava receber a retribuição estipulada pelo que a revogação antecipada frustra esse direito à remuneração, justificando assim a indemnização);
d)Se o mandante ou o mandatário revogarem sem a antecedência conveniente. Esta figura está reservada aos mandatos de duração indefinida, em que a inobservância da antecedência conveniente configura uma violação da boa fé objetiva, a averiguar segundo as circunstâncias do caso concreto, tendo nomeadamente em conta o tempo de duração do contrato. Em contrapartida, nos mandatos com prazo, apenas se justifica a indemnização se o termo não for respeitado, não tendo cabimento, pela própria natureza das coisas, trabalhar com o conceito de “antecedência conveniente”.
Das disposições legais acabadas de citar, maxime do nº1, do artº 1170º, do CC, manifesto é que ao réu, como mandante, assistia o direito de proceder à revogação unilateral do contrato em apreço não estando sequer obrigado a justificar tal decisão.
É que, como referem Pires de Lima e Antunes Varela ( in CC anotado, 2 dª Edição), a possibilidade de revogação unilateral do mandato, que não corresponde à figura da resolução do contrato, limitando-se a fazer cessar o contrato com eficácia ex nunc (aproximando-se nesse aspecto da denúncia) , tem natureza imperativa (daí que os pactos de irrevogabilidade sejam ineficazes em relação ao exercício do direito potestativo de operar a extinção do vínculo), não sendo sequer permitido convenção em contrário, e outrossim , admitida a renúncia ao direito de revogação .
A apontada livre revogabilidade ou desistência ad nutum do contrato[13], explica-se pela configuração do mandato como contrato de gestão, em que a actividade gestória do mandatário é programada pelo mandante, com a consequente alienidade da actividade desenvolvida, da operação económica no seu conjunto e, logo dos seus resultados, ou seja, a livre revogabilidade tem por fundamento o interesse das partes.
E não obstante resultar do disposto no nº 2, do artº 1170º do CC[14], uma forte restrição à livre revogabilidade do contrato, o que sucede quando tenha sido ele outorgado , também, no interesse do mandatário ( in rem propriam ) ou de terceiro ,caso em que o mandante apenas o poderá revogar ocorrendo justa causa, certo é que, para que seja lícito concluir que o mandato foi conferido também no interesse do mandatário, não basta que seja ele oneroso, isto é, retribuído[15] .
Conforme entendimento uniforme da jurisprudência[16], antes deve tal interesse ser suficientemente relevante a ponto de justificar a grave medida da irrevogabilidade do contrato, o que tudo só será alcançável quando deste último resulte um direito subjectivo do mandatário, ou seja, um direito próprio a fazer valer, conexionado com o próprio encargo , e o mandato seja a condição, ou o modo de execução do direito que lhe pertence .
“O mandato terá sido conferido também no interesse do mandatário quando este seja titular de um direito, o qual é exercido, ou por qualquer forma actuado, através do mandato e, mais especificamente, através do cumprimento do acto gestório.”[17]
A propósito do referido interesse do mandatário que releva legalmente para afastar a livre revogabilidade do mandato, impõe-se assinalar que, em tese, o interesse do mandatário é independente de o mandato ser ou não retribuído. O referido interesse, seja do mandatário, seja do terceiro, tem que estar integrado numa relação jurídica vinculativa, nos termos da qual o mandante lhes tenha prometido uma prestação, visando precisamente o mandato prosseguir o direito correspondente (tipicamente, um direito subjetivo). Mandato no interesse do mandatário verifica-se, por exemplo, se alguém der poderes ao seu credor para lhe vender uma coisa, podendo este último pagar-se com o preço da alienação (é o caso da ação em cumprimento, prevista no art. 840º) e mandato no interesse de terceiro acontece quando, por hipótese, o mandatário é instruído no sentido de vender um bem do mandante e doar o preço à pessoa por ele indicada ou servir-se do produto da alienação para pagar uma dívida desse mandante a um terceiro. [18]
No caso em presença, analisado porém todo o clausulado do contrato e compulsada toda a factualidade assente, o certo é que tal interesse e/ou direito subjectivo da autora não transparece.
Na situação que nos é presente, e quanto à autora concerne, não se configura uma tal diversidade de relações jurídicas, tudo se passando no seio da mesma relação contratual submetida hipoteticamente ao regime do mandato.
Ora, o regime do mandato aplica-se ao contrato de prestação de serviço em apreço, nos termos do artigo 1156.º, com as necessárias adaptações. E isto significa, por um lado, que nem todas as normas integradoras do regime objecto da remissão se tornam necessariamente aplicáveis, e, por outro lado, que a sua aplicação, sendo caso disso, não tem lugar qua tale, mas com os cuidados devidos, de forma a evitar equiparações inadequadas que deixem no esquecimento, nomeadamente, especificidades imanentes à situação a regular.
Eis assim que em face dos condicionalismos do caso sub iudicio, não tem aplicação o n.º 2 do artigo 1170.º do Código Civil.
Em consequência, nada impedia, portanto, que o réu tivesse posto termo (isto é, revogado), de forma expressa, e unilateralmente ( ao arrepio da regra geral do artº 406º,nº1, do CC ) ao contrato referido no item 2 dos factos provados.
E, por isso, no caso dos autos, porque não está verificada uma situação em que o mandatário seja titular de um interesse integrado numa relação jurídica vinculativa, nos termos da qual o mandante lhes tenha prometido uma prestação, visando precisamente o mandato prosseguir o direito correspondente (tipicamente, um direito subjetivo), concluímos que o mandato não foi conferido no interesse de ambos os outorgantes.
Mais.
E, ainda se tivesse existido uma denúncia-revogação unilateral (a figura da denúncia encontra-se englobada na previsão da revogação feita no nº1, do artº 1170, do CC como decorre da parte final da alínea c) do artº 1172º CC) do contrato por parte do réu[19] , e não existiu como adiante iremos expor, in casu o réu não estava obrigado a indemnizar a autora considerando o disposto na alínea c), do artº 1172º, do CC.
É que, como é sabido, a exoneração, a denúncia e a resolução contratuais são figuras diferentes.
A denúncia corresponde à vontade negocial de um dos contraentes em fazer cessar o contrato ou para o termo do prazo estipulado quando há renovação automática, ou - se não houver prazo - para a data indicada pelo denunciante.
Trata-se, pois, de uma vontade motivada por razões de oportunidade ou interesse do contraente e que não precisa de ser justificada; a denúncia é, por isso, uma manifestação de vontade unilateral, receptícia, de extinção contratual.
Precisamente, porque este acto está na disponibilidade potestativa do denunciante é que a lei fixa um tempo de espera findo o qual os efeitos se produzem, como meio adequado de protecção da contra-parte pode, assim, preparar-se para o termo do contrato.
A denúncia do contrato não dá em regra direito a indemnização porque, consoante se viu, trata-se de facto lícito. Aliás, neste tipo contratual a denúncia pressupõe a existência de um negócio sem prazo já que, havendo prazo, o decurso deste faz eclodir outro factor de extinção contratual (a caducidade).
Na denúncia, a existência de direito indemnizatório da contraparte está indexada ao não cumprimento dos requisitos do pré-aviso. Ou seja, na denúncia não se indemniza porque o denunciante quis fazer cessar o contrato, mas tão-só porque não pré-avisou a contraparte a tempo.
Daí que os danos indemnizáveis estejam correlacionados com a ilicitude do pré-aviso e não com a denúncia em si.
Por seu lado, a exoneração da Administração do Condomínio é matéria que vem prevista no artigo 1435.º do Código Civil, norma atras referida
Em face do preceituado no n.º 1 do artigo 1435.º do CC, é à assembleia dos condóminos, enquanto órgão deliberativo da propriedade horizontal, que normalmente incumbe tanto a nomeação como a exoneração do administrador, podendo este ser excecionalmente nomeado e exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino.
E o período de duração do cargo de administrador não impede que o administrador possa ser destituído a todo o tempo, quer por decisão judicial, nos termos do n.º 3 do artigo 1435.º, quer mesmo por deliberação da assembleia, de acordo com o disposto no n.º 1 do mesmo artigo, em princípio sem direito a nenhuma indemnização, mesmo que a exoneração careça de causa justificativa.
Decorre deste regime que o Administrador pode ser exonerado, mas a sua exoneração, deve ser fundamentada, ou porque praticou irregularidades, ou porque o desempenho da sua função de Administrador não foi realizado com a diligência com que deveria sê-lo. Mas mais do que isso, é necessário que tenha existido dolo, ou pelo menos, negligência, no desempenho do seu cargo, enquanto representante das partes comuns do prédio.
É importante, através de exemplos, definir o que se entende como justa causa para exoneração do Administrador, para os efeitos do n.º 3 do artigo 1435.º do Código Civil.
Assim, terá justa causa para promover a exoneração a Assembleia do Condomínio em que o Administrador violar as obrigações que tem enquanto Administrador, nomeadamente, não convocando a Assembleia, não apresentando as contas, não pagando determinadas despesas essenciais, enfim, colocando em causa o vínculo de confiança estabelecido.
Neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/12/2004, que refere que “No campo do direito civil, a doutrina e a jurisprudência vêm tentando definir o conceito de “justa causa”, colocando o assento tónico quer nos elementos subjetivos, a relação de confiança e de lealdade que devem existir na vigência do contrato, quer nos elementos objetivos, a concretização do resultado visado pelo contrato. Constitui “justa causa”, todo o facto, subjetivo ou objetivo que ponha em crise a continuação do vínculo contratual ou que torne inexigível a um dos contraentes a sua permanência na relação contratual.”
Na exoneração a fixação do direito indemnizatório faz-se de modo diverso relativamente à denúncia.
Se a Assembleia exonera o administrador de condomínio motivadamente porque a outra parte o incumpriu, tem direito à indemnização "nos termos gerais pelos danos resultantes do não cumprimento”.
E se a assembleia de condóminos exonera do cargo de administradora do condomínio a pessoa nomeada alegando justa causa, a pessoa que desempenha essas funções, se e na medida em que se alegue e prove que não existia motivo justo, o Réu-condomínio teria praticado um ilícito civil que atingiu a posição contratual da outra parte . Daí que, nessa hipótese quem exerce as funções de administradora do condomínio teria direito a ser indemnizada pelos danos sofridos na sequência de uma exoneração não motivada e, por isso, ilícita.
Todavia, outros princípios do ordenamento jurídico, designadamente da liberdade contratual, eficácia dos contratos e boa fé, interpelam a uma interpretação que não se contenha dentro da literalidade do artigo 1435º CC e se adeque às distintas situações em presença, tratando de forma diversa o que é efetivamente diferente.
.In casu, configurando a eleição da sociedade autora que leva a cabo a administração de condomínios profissionalmente, a concomitante celebração de um contrato de prestação de serviços, ao qual se aplicam, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o contrato de mandato, na modalidade de mandato oneroso, com representação (artigos 1154.º a 1156.º, 1158.º, n.º 2, todos do CC), contrato que estava vigente à data em que, por carta de 17.06.2019, o condomínio ora recorrido, comunicou à empresa ora recorrente, que por deliberação da assembleia extraordinária de condóminos, reunida no dia 18 de maio de 2019, havia deliberado a exoneração da autora da qualidade de administradora do condomínio, para a qual havia sido eleita pela assembleia de condóminos que teve lugar no dia 14 de dezembro de 2017, para exercer as referidas funções pelo período de cinco anos, com início no dia 1 de janeiro de 2018 e termo a 31 de dezembro de 2021, dúvidas não existem que com aquela exoneração fez cessar o contrato que vinculava ambas as partes unilateralmente antes do respetivo termo.
Consequentemente, tal como precisa o Conselheiro ARAGÃO SEIA[20] nestas circunstâncias, “a exoneração pode ditar a obrigação de indemnização por parte do condomínio, pelo prejuízo que o terceiro vier a sofrer, nos termos do artigo 1172.º”, mais concretamente da sua alínea d), aplicável se a revogação proceder do mandante, e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que seja revogado sem a antecedência conveniente, salvo ocorrendo justa causa, conforme decorre do n.º 2 do artigo 1170.º, ambos do CC.»
Todavia, no caso , a autora deduziu na alínea c) a pretensão de lhe serem pagas pelo condomínio- réu todas as retribuições que a mesma receberia se continuasse a exercer as suas funções até ao final do mandato, invocando apenas nesta parte a falta de cumprimento do pré-aviso e no pressuposto do réu ter operado uma denúncia do contrato.
E como já verificamos, a cessação do contrato operada pela autora não é reconduzível a uma denúncia mas sim a uma exoneração deliberada em assembleia de condóminos, a qual, foi seguida de resolução contratual comunicada e recebida pela autora-apelante.
Assim sendo, como nos parece que é, uma vez que por força do princípio do dispositivo e do limite do pedido ,- arts 3º, nº1 e 609º, ambos do CPC- a sentença e o acórdão devem conter-se dentro dos limites objectivo e subjectivo da pretensão deduzida , não sendo lícito ao juiz desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo , afigura-se-nos, que a pretensão formulada pelo autor na al c) não merece provimento, uma vez que a factualidade apurada nos fatos apurados não permite afirmar que o Réu procedeu à denúncia do contrato em apreço, fattispecie prevista nas cláusulas 6º 7º e 8º do contrato, mas sim a uma resolução contratual, com os fundamentos vertidos na ata de assembleia de condóminos que foram comunicados à autora, que não é suscetível de ser enquadrada nessas cláusulas, convocando antes as disposições legais que dizem respeito à figura da resolução contratual e respectivos efeitos.
Assim, relativamente à al c) o recurso improcede, devendo a autora, querendo ser indemnizada da exoneração operada pela réu, pretensão a ser formulada noutra ação.
Pelo que, não tendo ocorrido uma denúncia do contrato, mas uma resolução, fica prejudicada a apreciação e decisão sobre a cláusula penal fixada pelas partes na cláusula oitava e que seria devida pelo Réu caso este procedesse à denúncia antecipada do contrato.
Sem conceder, sempre se dirá, a propósito da cláusula oitava, que se trata uma cláusula penal em sentido estrito, abrangida no art 810º CC ao qual adiante nos iremos referir com uma função tendencialmente compulsória e também sancionatória, já que estatuída pelas partes abstraindo de eventuais danos decorrentes do incumprimento do dever acessório de pré-aviso imposto pela cláusula 6.ª, ou seja, independentemente da (in)existência e do montante de tais danos (não se está com isto a afirmar a inexistência de prejuízos que possam ter resultado - numa relação de causalidade adequada - do facto de a cessação do contrato não ter sido antecipadamente comunicada, pois tal não se discute no presente processo, já que não constituem a causa de pedir da quantia peticionada).
Como refere o Prof. Galvão Telles (Direito das Obrigações, Coimbra Editora Lda, 4ª edição, pág. 352 e ss.) qualquer cláusula penal supõe sempre inexecução de uma obrigação e culpa do devedor.
Ora, a denúncia no contexto do contrato não pode ser vista como um incumprimento do contrato. Em caso de denúncia, o contrato cessa legalmente.
Esta cláusula que impõe a obrigação de pagar as prestações vincendas visa assim não o cumprimento do contrato mas apenas o sancionamento da denúncia antes do termo do contrato. Visa, como se disse, compelir a parte ao cumprimento do prazo integral do contrato, ao pagamento das rendas, impedindo-a de denunciar antes do termo do contrato. E, por isso, esta cláusula tem mais a natureza de uma cláusula penitencial, na medida em que é independente do facto de se tratar de um inadimplemento contratual e, portanto, de um facto ilícito (Ana Filipa Morais Antunes, ob. cit., pág. 1165) “Este tipo de estipulação- com natureza afim, mas distinta da clausula penal – pode ser autorizada no exercício da autonomia privada. Procura-se, por esta via, conjugar, por um lado, o princípio da estabilidade – donde resultaria necessidade de cumprir o contrato até ao seu termo (cfr. Artigo 406º, nº 1) - e, por outro lado, a faculdade de “arrependimento” e de desvinculação unilateral. (…). Com efeito, o desiderato destas cláusulas é precisamente dificultar a cessação antecipada do contrato e independente de um incumprimento contratual “(loc.cit.). Todavia” … justifica-se aplicar o regime jurídico previsto para a cláusula penal em matéria de configuração, conteúdo e limites de admissibilidade, tendo presente que ambas as figuras comungam das mesmas funções e têm uma natureza consensual (ob.cit., 1165). (cfr. Pinto Monteiro, Sobre o Controlo da Cláusula Penal, em Comemorações dos 35 Anos do Código Civil….; Volume III, pág. 194; Ana Filipa Morais Antunes, em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, ed. Universidade Católica, pág. 1162).
Ou seja: à semelhança do que sucede com as cláusulas penais, para além do controlo das situações em que a pena se mostra ofensiva dos bons costumes, sendo, portanto, nula, nos termos do art. 280º, nº 2 do Código Civil (nulidade que a Relação arredou) e do controlo exercido através da redução da cláusula penal, nos termos do art. 812º do mesmo diploma (Pinto Monteiro, ob. cit., pág. 197 e segs), também aqui se justifica o controlo da legitimidade do exercício do direito à pena, nos termos do art. 334º (Pinto Monteiro, ob. cit., pág. 199).
Por último, mas não menos essencial, importa afirmar que é incompreensível e inadmissível, que a autora recorrente reclame a aplicação simultânea para o mesmo facto, cessação do contrato pelo réu, de duas cláusulas penais, sendo que uma está prevista para situações de falta de cumprimento do prazo de pré-aviso no caso de revogação unilateral (denúncia) do contrato e outra prevista para os casos de resolução contratual.
.Feita esta referência à hipótese de ter ocorrido uma denúncia, hipótese não verificada, importa atentar que no caso, resulta dos autos que o réu colocou termo ao contrato operando a cessação desse contrato, conforme factos provados, através da resolução do contrato, a qual, foi precedida da exoneração da autora do cargo de administradora do condomínio.
Assim, no caso dos autos, porque o réu procedeu à cessação do contrato através da exoneração da autora do cargo de administradora do condomínio, seguida da resolução contratual comunicada nos termos que constam dos fatos provados, e porque, a pretensão indemnizatória da autora está suportada na cláusula nona (9ª) do contrato, importa apreciar e decidir sobre esta pretensão pecuniária.
Logo, no caso dos autos a questão colocada relaciona-se com a obrigação de indemnizar a autora-recorrente do prejuízo por esta sofrido em consequência da revogação-resolução unilateral do contrato de mandato, obrigação essa prevista no artigo 1172º do CCivil.
E resulta da cláusula nona que as partes estipularam uma cláusula penal, conforme previsto no art.º 810.º, n.º 1, do CC.
( sem prejuízo da invocação da resolução do contrato, a mesma importará para a parte que a invocar a obrigação de indemnizar a outra parte com o seguinte o valor de 22.000,00 € a título de cláusula penal).
Parece-nos importante lembrar, a este propósito, as palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume II, 3.ª edição, Coimbra Editora, págs. 74-75, em anotação ao art.º 810.º do CC, designadamente a seguinte passagem:
“O principal objectivo da cláusula penal é evitar dúvidas futuras e litígios entre as partes quanto à determinação do montante da indemnização. Muitas vezes, porém, ela é fixada com o carácter de verdadeira penalidade, ou, ao contrário, com o intuito de pôr um limite à responsabilidade, nos casos em que os danos possam atingir proporções exageradas em relação às previsões normais dos contraentes. Também pode servir para atribuir carácter patrimonial a prestações que o não têm. (…)
Apesar do carácter acessório que normalmente reveste, nada obsta a que a cláusula penal seja assumida como penalidade para a não realização de determinado acto, sem que a parte se obrigue propriamente à realização desse acto. A, dono da casa de praia, obriga-se a pagar certa quantia ao amigo, como pena ou sanção, se não lhe arrendar a casa no próximo verão, mas sem se obrigar a arrendar-lha (…) Dir-se-á, com Lindacher (cit. por Larenz), que o estabelecimento da sanção para a não realização do acto converte desde o acto em objecto dum dever jurídico, num acto de algum modo prometido. Mas não é inteiramente assim. Se a pessoa se não obrigar à realização do acto, não pode ser condenada a praticá-lo, nem muito menos poderá haver execução específica do acto”.
A problemática das diferentes finalidades ou funções das cláusulas penais é tratada na tese de doutoramento de António Joaquim de Matos Pinto Monteiro (“Cláusula penal e indemnização”), explicando este ilustre Professor a importância de proceder à distinção entre várias espécies de cláusulas penais, consoante o escopo das partes. A sua posição é assim resumida em https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/419?mode=full:
“À tradicional redução da cláusula penal (tout court) a um modelo único, Pinto Monteiro contrapõe três diversas espécies de cláusulas penais: cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita; cláusula de fixação antecipada da indemnização; cláusula penal exclusivamente compulsória. O autor rejeita, em conformidade, a doutrina tradicional, que perspectiva a cláusula penal como figura unitária, com uma dupla função e uma natureza mista. Esta perspectiva, no entender de Pinto Monteiro, enferma de vários vícios, não dá resposta satisfatória a importantes problemas de regime - entre os quais o de saber se a pena é exigível ainda que o devedor prove a inexistência de danos - e não atende à diversa finalidade visada pelos contraentes ao recorrerem, em cada caso, à cláusula penal”.
Também a jurisprudência trata com frequência desta problemátia.[21].
Como escreve Nuno Manuel Pinto Oliveira (in “Cláusulas Acessórias Ao Contrato – Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar, Cláusulas Penais – 2ª. ed., Almedina, pág. 63.”), “A cláusula penal define-se como estipulação por que o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir ou de não cumprir perfeitamente a obrigação. (Cfr. ainda o prof. Vaz Serra, “Pena Convencional”, in “BMJ, nº. 67, págs. 185 – 243”).
Nas expressivas palavras do prof. Pinto Monteiro (in “Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, pág. 86”):
“A cláusula penal, como já vimos, pressupõe a existência de uma obrigação — provindo, em regra, de contrato -, que é costume designar por obrigação principal, a fim de acentuar melhor a acessoriedade da referida cláusula, a sua dependência relativamente à obrigação cujo inadimplemento sanciona. Compreende-se que seja assim: a cláusula penal, em qualquer das suas modalidades, é uma estipulação mediante a qual um dos contraentes se obriga a efectuar uma prestação, diferente da devida, no caso de não cumprir ou de não cumprir nos seus precisos termos a obrigação. Trata-se de simples promessa a cumprir no futuro, com carácter eventual, visto que o compromisso assumido só se efectivará - a pena só será exigível - se e na medida em que o devedor não realize, por culpa sua, a prestação a que está vinculado e a que a cláusula se reporta.
(…) Ao estipular uma cláusula penal, visa-se incentivar o respeito devido à obrigação, de fonte negocial ou imposta por lei, estabelecendo, desde logo, para o efeito, a respectiva sanção, prevenindo a hipótese do seu incumprimento; ou pode ser escopo das partes, tão-só, o de fixar antecipadamente o quantum indemnizatório a que haverá lugar. Seja como for. a existência de uma obrigação surge, assim, via de regra, como pressuposto objectivo da cláusula penal. (…).”
Ainda nas palavras deste último autor (“Sobre a Cláusula Penal”, in Scientia Jurídica, Julho-Dezembro, 1993, pág. 257”) “chamamos cláusula de fixação antecipada do montante da indemnização àquela que as partes, ao estipulá-la visam, tão-só liquidar antecipadamente, de modo ne varietur, o dano futuro. (…). Numa palavra, acordando-se num montante indemnizatório predeterminado, as vantagens e os inconvenientes que daí poderão advir são partilhados pelos dois contraentes: ambos conhecem, de antemão, as consequências de um eventual inadimplemento, e um e outro se submetem ao risco de o prejuízo efectivo ser consideravelmente menor ou maior do que a soma prevista”. (…)
Por sua vez, como é também sabido, as cláusulas penais podem revestir-se em várias modalidades/espécies, e das quais, ressaltamos, no seu sentido amplo, as chamadas cláusulas penais indemnizatórias e as cláusulas penais compulsórias.
No que concerne às primeiras, têm “por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso”, enquanto as segundas têm “por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o incumprimento.” [22]
E como refere o Prof. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 4ª edição, pag. 352 e ss), “qualquer cláusula penal supõe sempre a inexecução de uma obrigação e culpa do devedor”
Em sentido mais concreto, e introduzindo um tertio genus, distendeu-se no Ac. do STJ de 27/09/2011 (proc. nº. 81/1998.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt) que “cláusula penal pode revestir-se de três modalidades: a) cláusula com função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; b) a cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhum deles, c) e cláusula penal de natureza compulsória, em que há uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, sendo a finalidade das partes, nesta última hipótese, a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização.”[23]
Refira-se que, conforme vem sendo defendido pela doutrina e pela jurisprudência mais recente, as partes, à luz do princípio da liberdade contratual (art.º 405º do C. Civil) tanto podem atribuir à cláusula ou cláusulas penais fixadas no contrato várias daquelas funções, como inclusive que ela só desempenhe uma delas. [24]
.Transpondo estas considerações para o caso dos autos, atentando no teor do contrato e, em particular, no teor da sua cláusula 9.ª, parece-nos ter sido aí convencionada pelas partes, não propriamente uma cláusula penal compensatória ou indemnização, mas uma penalidade, que na prática, desincentiva a parte de resolver o contrato.
Como é sabido, o direito de resolução, previsto nos artºs. 432º a 436º do Código Civil, é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, a revelar, que em regra precisa de se verificar um facto que crie este direito, ou melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo.
Em regra, tal fundamento, é o incumprimento da outra parte, apesar do legislador ter optado por não estabelecer o incumprimento da prestação recíproca como causa geral de resolução e só se ocupar desta matéria na regulamentação dedicada à impossibilidade do cumprimento ( arts 801º e ss CC), revelando as normas do CC que a culpa e o juízo de censurabilidade do devedor pode ter relevo essencial para se apurar o grau de gravidade que o incumprimento há-de ter para fazer nascer o direito à resolução.
E resulta dessas normas que o juízo de inadimplemento permite averiguar se existe, ou não, uma desconformidade entre a execução e o conteúdo do contrato, verificando-se o incumprimento apurado que seja o desvio.E esse incumprimento só pode ser fundamento de resolução se, como referimos, tiver suficiente gravodade para desencadear tal efeito, devendo o julgador ter como referência o interesse do credor ( cfr. os arts 792º, nº2, 793ç, nº2 e 808º, n1, todos do CC).[25]
Primeiro ponto a averiguar, portanto, é se existe ou não um inadimplemento por parte da recorrida.
Este juízo de inadimplemento é, como sabemos, orientado e informado pelo critério de conformidade ou desconformidade entre a execução e o conteúdo do contrato. Qualquer desvio entre a execução do contrato e o programa negocial constitui um inadimplemento.
Como, porém, não basta qualquer inadimplemento para fundar um direito de resolução, importa depois averiguar se o inadimplemento tem suficiente gravidade (importância) para desencadear tal efeito. Ora, dado que a importância ou grau de gravidade do inadimplemento capaz de fundar um direito de resolução varia conforme tal incumprimento seja ou não culposo, no caso de ser discutida entre as partes a licitude da resolução importa em tese averiguar e formular em consequência um juízo de responsabilidade (neste sentido, cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 8/5/2012, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Todavia, casos há casos, como o dos autos, em que o demandante, perante uma declaração de resolução do contrato operada pela contraparte, além do mais, designadamente a impugnação das razões comunicadas para a resolução, sustenta a pretensão pecuniária com base numa cláusula penal de natureza punitiva prevista para o simples acionamento desse direito potestativo de resolução.
E porque , na prática, essa cláusula nona prevista no contrato em apreço, traduz-se, na prática, em dificultar-obstar que a parte que se sente lesada durante a execução do contrato exercite o livre direito de resolução do contrato por incumprimento, está colocada nos autos, a montante da apreciação e decisão sobre a verificação de justa causa da resolução contratual operada pelo réu, isto é, antes de ser apreciado e decidido se os factos permitem afirmar que está constituído a favor do réu o direito de resolução do contrato, a grande questão:” Apreciação da legalidade da cláusula nona do contrato por grave condicionamento do direito de resolução do contrato, questão.”
E sobre essa questão este Tribunal facultou às partes o exercício do contraditório.
Posto isto, como já assinalado, olhando para a cláusula em apreço, não parece que a mesma se possa reduzir a uma cláusula meramente indemnizatória, que tenha em vista o incumprimento contratual.
Também a sua estipulação não parece subsumir-se no tipo de cláusula em sentido estrito e substituir o cumprimento ou a indemnização, que não irá acrescer a qualquer outra indemnização porque contempla já a satisfação do interesse do credor.
Finalmente, não se surpreende também aqui uma verdadeira cláusula penal compulsória. É verdade que, aparentemente não visa reparar o credor, que se destina apenas a pressionar a outra outorgante ao cumprimento integral do prazo do contrato.
Esta cláusula que impõe a qualquer das partes que resolver o contrato, independentemente das razões invocadas, a sanção de pagar a quantia de € 22 000,00 visa apenas compelir essa parte ao cumprimento integral do contrato, impedindo-a, na prática, de exercer o direito de resolver o contrato.
Portanto, estamos perante uma cláusula penal em sentido estrito, com uma função punitiva, já que estatuída pelas partes abstraindo de eventuais danos decorrentes do incumprimento do contrato pela contra-parte e independentemente da (in)existência e do montante de tais danos (não se está com isto a afirmar a inexistência de prejuízos que possam ter resultado - numa relação de causalidade adequada - do facto de a cessação do contrato não ter sido antecipadamente comunicada, pois tal não se discute no presente processo, já que não constituem a causa de pedir da quantia peticionada).
Ora, este tipo de cláusula, que tem a natureza de uma cláusula penitencial, na medida em que é independente do facto de se tratar de um inadimplemento contratual e, portanto, de um facto ilícito, não é autorizada pela lei, porquanto, existem limites inultrapassáveis no exercício da autonomia privada, prevista no art 405º do CC.
E, assim, à semelhança do que sucede com as cláusulas penais, para além do controlo das situações em que a pena se mostra ofensiva dos bons costumes, sendo, portanto, nula, nos termos do art. 280º, nº 2 do Código Civil, do controlo exercido através da redução da cláusula penal, nos termos do art. 812º do mesmo diploma (Pinto Monteiro, ob. cit., pág. 197 e segs), também aqui se justifica ajuizar da validade dessa cláusula.
Não se ignora que o princípio da autonomia privada reconduz-se a uma permissão genérica de conduta a todos os sujeitos da ordem jurídica, possibilitando-lhes estabelecer os efeitos jurídicos que se irão repercutir na sua esfera jurídica, através da liberdade de celebração do contrato e de fixação de conteúdo do mesmo.
Porém, a constatação de ter havido um abuso ou um aproveitamento excessivo da autonomia privada implica o reconhecimento de que o contrato não assentou numa igualdade jurídico-económica, ou seja, afinal, em tal autonomia, o que conduz à contenção da liberdade contratual, mediante a intervenção do Estado, no interesse colectivo, munido dos comandos resultantes, tanto da falada cláusula da “ordem pública”, como dos da boa-fé e dos “bons costumes”[26]
E a propósito do conceito de ordem pública, Menezes Cordeiro («Tratado de Direito Civil Português», I, Parte Geral, Tomo I, pags. 507-508.) refere que a ordem pública constitui um factor sistemático de limitação da autonomia privada; sendo esta limitada por normas jurídicas imperativas, o sistema abrange, também, princípios a construir pela Ciência Jurídica, correspondentes a vectores não expressamente legislados, mas de funcionamento importante, podendo ser injuntivos. Exemplifica como sendo contrários à ordem pública contratos que exijam esforços desmesurados ao devedor ou que restrinjam demasiado a sua liberdade pessoal ou económica, também sendo contrários à ordem pública negócios que atinjam valores constitucionais importantes ou dados estruturantes do sistema.
Acresce que de entre os princípios que integram a ordem pública, se contam os princípios patrimoniais que vedam cláusulas penais excessivas, manutenção de contratos ruinosos e similares.
Também Mota Pinto ( «Teoria Geral do Direito Civil», pag. 434.) define a ordem pública como «o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas», princípios esses que não são susceptíveis de uma catalogação exaustiva, até porque a ordem pública é variável com os tempos.
Por seu lado, Manuel de Andrade ( «Teoria Geral da Relação Jurídica», vol. II, pags. 334-335.) reconduz a ordem pública «aos interesses fundamentais que o nosso sistema jurídico procura tutelar e aos princípios correspondentes que constituem como que um substrato desse sistema».
Como se entendeu nos Acórdãos de 1/10/2019 (Revista n.º 1254/17.9YRLSB.S1) e de 7/09/2020 (Revista n.º 1714/18.4YRLSB.S1), a “ordem pública” pode ser definida, nas palavras de Baptista Machado citado nesses Acórdãos (Do princípio da liberdade contratual, em Obra Dispersa, Vol. I, pág. 642), como o “conjunto dos princípios fundamentais imanentes ao ordenamento jurídico e formando as traves-mestras em que se alicerça a ordem económica e social”.
E no reduto normativo constituído pelas regras ou princípios de ordem pública de direito material, há que integrar, entre outros, os seguintes princípios: i. “o princípio pacta sunt servanda;ii. o princípio da boa-fé;iii. a proibição do abuso do direito; iv. o princípio da proporcionalidade; v. a proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras; vi. a protecção dos civilmente incapazes; vii. a proibição das vinculações perpétuas; viii. a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível; ix. as normas legais destinadas a proteger os contratantes mais fracos.
Ora , como resulta das considerações feitas o Cód. Civil regula a cláusula penal na divisão referente à fixação contratual dos direitos do credor, nos seus arts. 810º a 812º.
E da análise da cláusula nona resulta que o clausulado contratual conduz, na prática, a desincentivar o poder jurídico de fazer cessar o contrato resolvendo-o.
E como assinalado por nós, a cláusula penal -tenha natureza acessória ou independente-tem de ser estipulada com respeito pelos limites da lei (cfr.art 405º CC).
Assim, tem, nos termos gerais, de observar os parâmetros de validade fixados pelos artigos 280º, 281º e 294º do CC, pelo que, o objecto tem de ser possível, determinável e lícito e uma finalidade lícita, não podendo ofender um preceito legal imperativo.
E, como qualquer outra estipulação acordada entre as partes, está sujeita a um controlo geral, havendo que apurar, designadamente, se o consentimento foi prestado na forma devida, se não há qualquer vício da vontade, se não é ofensiva da ordem pública ou dos bons costumes, etc, sem olvidar naturalmente, o controlo específico consagrado no art. 812.º, através do qual se permite a redução equitativa da pena, quando verificados certos pressupostos, que assume maior importância e significado no combate a cláusulas penais abusivas.
Todavia, no caso, independentemente de não ignorarmos que é controversa na doutrina e na jurisprudência, a possibilidade de redução oficiosa da clausula penal prevista no art 812º do CC[27] e independentemente de apreciar e decidir se no processo foram alegados e provados factos que demonstrem esse excesso, não se excluindo, no entanto, que o excesso seja de tal dimensão que possa ser manifesto em qualquer circunstância, o que será uma situação excepcional, entendemos que previamente a essa questão, está colocada nos autos a validade dessa cláusula, por traduzir na prática um condicionamento proibido ao livre exercício do direito de resolver o contrato.
De resto, Pinto Monteiro na anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.09.2011, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 141.º, pág. 196, acentua que «(…) o poder de redução judicial não esgota os meios de controlo a que o devedor pode recorrer, estando a cláusula penal sujeita, como qualquer outra estipulação acordada entre as partes, a um controlo geral, havendo que apurar, designadamente, se o consentimento foi prestado na forma devida, se não há qualquer vício da vontade, se não é ofensiva da ordem pública ou dos bons costumes, etc.
.Ora, procedendo à análise da cláusula nona do contrato, a qual, tem como objecto penalizar a resolução contratual, independentemente da natureza licita ou ílicita desta, e, independentemente, da parte que a invoca, afigura-se-nos que a mesma traduz uma composição de interesses desequilibrada feita no exercício da liberdade contratual, porquanto, no essencial, ao estipular que o contraente que resolva o contrato tem de pagar à outra parte o valor de € 22 000,00, está a condicionar de forma negativa, dificultando, o livre exercício do direito de resolução de contrato, o qual, está abrangido pelos direitos protegidos no artigo 809º do CC que tendo natureza injuntiva consagra o princípio geral de proibição da renúncia antecipada de direitos pelo credor.
E a cláusula nona traduz, um condicionamento intolerável do direito do credor à livre resolução do contrato por incumprimento, visando anular a natureza vinculativa da obrigação, traduzindo, por isso, uma ofensa intolerável a um direito dos direitos protegidos pelo artigo 809º do CC.
Assim, por considerar que as razões que determinaram a consagração da sanção da nulidade para as cláusulas de renúncia antecipada de direitos pelo credor estão verificadas relativamente à cláusula nona do contrato dos autos, ponderando que a lei destitui de eficácia jurídica essas cláusulas, impõe-se o afastamento dessa cláusula por ser violadora dos direitos protegidos pelo artigo 809º do CC.
No caso dos autos ao resolver o contrato celebrado com a autora o réu agiu no exercício de um direito que lhe é atribuído pela lei, isto é, o Réu não incumpriu, total ou parcialmente qualquer dever; a sua hipotética responsabilização por via de uma pena convencional equivaleria à negação daquele direito (cf. Ac. Relação de Coimbra de 22.11.2005, P. 299/05).
Não havendo lugar à aplicação de uma cláusula penal, não se coloca a questão da sua redução equitativa (art. 812º do CC), como pretendido pela Recorrente nas conclusões O) e P).
A solução a que chegamos é a que decorre do princípio da liberdade contratual (art. 405º do CC), traduzida na liberdade de as pessoas singulares ou colectivas auto-regularem (definirem e alterarem) as suas relações jurídicas, os seus interesses, desde que o façam no respeito das regras legais, no quadro da boa fé negocial.
Ou seja, em concreto, o condicionamento num contexto negocial do direito de resolução do contrato com fundamento no incumprimento do contrato pela outra parte, previsto no artigo 432º e ss do CC , compreendido no direito geral de ação e de tutela judicial previsto e reconhecido no art 20º da CRP e concretizado na lei ordinária, no artigo 2º do CPC, viola de forma ostensiva, a proibição contida no art 809º do CC e ainda a ordem publica, que pode ser definida, nas palavras de Baptista Machado (Do princípio da liberdade contratual, em Obra Dispersa, Vol. I, pág. 642), como o “conjunto dos princípios fundamentais imanentes ao ordenamento jurídico e formando as traves-mestras em que se alicerça a ordem económica e social”.
É assim proibida, por violar princípios fundamentais do direito, que integram a ordem pública, (tais como: i“o princípio pacta sunt servanda; ii. o princípio da boa-fé; iii. a proibição do abuso do direito; iv. o princípio da proporcionalidade; v. a proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras; vi. a protecção dos civilmente incapazes; vii. a proibição das vinculações perpétuas; viii. a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível; ix. as normas legais destinadas a proteger os contratantes mais fracos), concretamente, o princípio da boa-fé, do abuso de direito, uma vez que cria um desequilíbrio na relação contratual estabelecida entre as partes, colocando o contraente que tenha razões após a celebração do contrato para fazer cessar o contrato, à mercê da outra parte, perante a possibilidade conferida por esta cláusula desta exercer o direito à cláusula penal em análise.
Concluímos, assim que a cláusula nona é nula, por contender com valores fundamentais do direito defendidos pela ordem pública nos termos do artigo 281º do CC, estando destituída por isso de eficácia jurídica.
Em consequência do exposto, isto é, na medida em que este Tribunal de forma fundamentada atras exposta, afastou a aplicação ao caso em apreço das cláusulas oitava e nona que constituíam o segmento contratual nas quais, a autora-apelante, alicerçou as suas pretensões, não existe fundamento para a procedência das pretensões formuladas por aplicação das citadas cláusulas, revelando-se, por isso, inútil, a apreciação e decisão sobre se a resolução contratual operada pelo réu estava destituída de justa causa.
Assim, concluímos pela improcedência do recurso interposto, confirmando a sentença impugnada na parte impugnada, ainda que por distintos fundamentos.
3.4.5.Da Litigância por Má Fé.
A recorrente alega que «não estão reunidos os pressupostos para a condenação da autora como litigante de má (fé)».
Vejamos.
A propósito, o tribunal recorrido escreveu:
“Passando à análise do caso concreto, verificamos que a Autora instaurou a presente ação deduzindo diferentes pedidos, sendo dois deles com base em alegadas cláusulas contratuais que se veio a demonstrar que não integravam o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes.
Efetivamente, resultou provado que as atas eram redigidas em momento posterior à referida assembleia e que os condomínios não assinavam a respetiva ata; que o teor do documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que a Autora elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...) não foi discutido nem analisado em assembleia de condóminos; que a Autora aproveitou a ligeireza com que os condóminos olham para as assembleias para tentar vincular o Réu às cláusulas inscritas no documento intitulado Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio que elaborou e apresentou, para aposição de assinatura, aos condóminos presentes da assembleia de condóminos que teve lugar no dia 11.04.2017 (ata n.º ...) e que a Autora, através do seu sócio-gerente, tinha consciência de que estava a tirar proveito do desconhecimento do conteúdo das cláusulas do contrato de prestação de serviços de administração de condomínio, uma vez que as mesmas não tinham sido negociadas ou discutidas na assembleia de condóminos de 12 de março de 2015. Para além disso, findo o contrato celebrado entre as partes, a Autora ainda recusou a entrega de documentação contabilística do Réu Condomínio que tinha em seu poder por força do exercício das funções de administradora do condomínio, o que, necessariamente, condicionava a atuação da nova administração, em prejuízo dos interesses do Réu Condomínio, inclusive no que concerne à defesa a apresentar perante as faturas emitidas com fundamento em cláusulas do contrato alegadamente celebrado entre as partes.
Os factos assim provados permitem, em nosso entendimento, afirmar que era expectável e exigível à Autora que não tivesse deduzido tais pedidos nesta ação nos moldes em que o fez, pois não podia deixar de saber que inexistia fundamento contratual para a responsabilização do Réu nos moldes descritos na petição inicial, tanto mais que alegou factos que se vieram a revelar falsos, nos termos expostos.
Tendo instaurado a ação alegado tal factualidade, que sabia, necessariamente, não corresponder à verdade, dúvidas não temos em afirmar que a Autora atuou adotando um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito (acórdão do STJ de 12.11.2020, proferido no âmbito do processo n.º 279/17.9T8MNC-A.G1.S1 disponível no sítio da internet da dgsi).
Nessa medida, deve a Autora ser condenada como litigante de má fé, ao abrigo do disposto nos artigos 542.º, n.os 1 e 2 alíneas a) e b), e 543.º do CPC, em multa e indemnização.
A multa deverá ser fixada em 4 UC (408,00 € – quatrocentos e oito euros), atenta a conduta da litigante de má fé e o facto de se tratar de uma pessoa coletiva.
Relativamente ao valor da indemnização, a fixar nos termos do disposto no artigo 543.º do Código de Processo Civil, de acordo com a experiência advinda do exercício das nossas funções, considerando a forma comum desta ação, o desenvolvimento da lide, o tempo decorrido entre a sua instauração e a prolação da decisão final, entendemos que o valor da indemnização deverá ser fixado em 1.000,00 € (mil euros).”
Quid Iuris?
Da fundamentação atrás exposta, resulta que este Tribunal da Relação alterou de forma significativa a factualidade julgada provada, julgando provada a subscrição do documento nº1 junto com a petição e respectivo aditamento, concluindo que o Réu, posteriormente à celebração desse contrato, ratificou o mesmo, bem como, o aditamento respectivo.
Todavia, como resulta da argumentação exposta este Tribunal concluiu pela improcedência da pretensão recursória.
Assim, nesta fase não podemos acompanhar o tribunal a quo quando escreveu :” Passando à análise do caso concreto, verificamos que a Autora instaurou a presente ação deduzindo diferentes pedidos, sendo dois deles com base em alegadas cláusulas contratuais que se veio a demonstrar que não integravam o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes.”
E a questão que agora se coloca é apreciar e decidir se da improcedência da açção na parte impugnada, se pode continuar a concluir, que a apelante-autora, vencida, litigou de má fé.
Ora, é consensual na doutrina e na jurisprudência que não basta a improcedência para concluir que o vencido litigou de má fé.
Mas isso não impede que a improcedência da acção tenha na sua origem uma litigância de má fé, isto é, a alegação de factos falsos ou adulterados ou a dedução de um direito que o vencido sabia ou tinha a obrigação de saber que não era titular.
Por conseguinte, é perfeitamente possível usar a improcedência da ação para demonstrar que a parte litigou de má fé.
O artigo 20.º da Constituição de República Portuguesa e o artigo 2.º do Código de Processo Civil consagram o direito de acesso aos tribunais, dizendo que a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente. O direito de acesso à justiça é por isso um direito constitucionalmente garantido, dotado da tutela que é própria dos direitos fundamentais.
Contudo, nos processos judiciais as partes estão vinculadas ao dever de boa-fé processual que emana do princípio da cooperação, do qual decorre um verdadeiro dever jurídico de verdade, isto é, de apresentar os factos tal como, em sua opinião, eles ocorreram. A litigância de má-fé sanciona a violação desse dever de verdade.
Daí que as partes de uma acção tenham a obrigação (cívica e) legal de não deduzir pretensões cuja falta de fundamento não deviam ignorar, de não alterarem a verdade dos factos, de não omitirem factos relevantes, de não prosseguirem objectivos ilegais, não impedirem a descoberta da verdade. Por isso, ao intervir nos autos têm a obrigação estrita de se certificar que não incorrem nesses vícios, sem prejuízo de não se ignorar que toda a lide importa um risco, uma aléa, a hipótese de não se lograr o reconhecimento que não se têm ou não se obter o reconhecimento de direitos legítimos.
Ora, no caso dos autos, como tivemos oportunidade de evidenciar a cláusula nona inserida no contrato, teve por finalidade penalizar a resolução contratual, independentemente da natureza licita ou ílicita desta, e, independentemente, da parte que a invoca, e, por isso, revelou-se manifesto pela simples leitura dessa cláusula que a mesma traduz uma composição de interesses manifestamente desequilibrada feita no exercício da liberdade contratual, porquanto, no essencial, ao estipular que o contraente que resolva o contrato tem de pagar à outra parte o valor de € 22000,00, está a condicionar de forma negativa, dificultando, o livre exercício do direito de resolução de contrato, o qual, está abrangido pelos direitos protegidos no artigo 809º do CC que tendo natureza injuntiva consagra o princípio geral da renúncia antecipada de direitos pelo credor.
Esta cláusula traduz, um condicionamento intolerável do direito do credor à livre resolução do contrato por incumprimento, visando anular a natureza vinculativa da obrigação, traduzindo, por isso, uma ofensa intolerável a um direito dos direitos protegidos pelo artigo 809º do CC , sendo que, o princípio da liberdade contratual não é absoluto, cedendo a norma expressa e devendo conjugar-se com outros princípios fundamentais, como os princípios da confiança e da justiça comutativa e, em geral, com o princípio da boa fé, enquanto directriz nuclear a impor às partes uma conduta honesta, correcta e leal.
A revelar que o desvalor jurídico dessa cláusula era conhecido pela autora, como o é, em face do critério de qualquer homem médio, colocado na posição dos outorgantes, concluindo nós que a autora sabia e sabe que as pretensões em causa que pretende retirar dessa cláusula não tem fundamento jurídico por violarem de forma manifesta os princípios gerais acima assinalados que devem ser respeitados na preparação , execução e cessação dos contratos.
Assim, a autora apelante, nesta ação e neste recurso ao pretender accionar um direito que em abstracto lhe é facultado por essa cláusula, assumiu um comportamento processual, ostensivamente violador dos mais elementares princípios jurídicos de lisura, boa -fé e justiça que devem presidir aos fundamentos do instituto (princípio da cooperação e dever de boa fé processual), e dos interesses que através dele se pretende afirmar (respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça) e finalidades que se visam alcançar , designadamente, a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.
Acresce, como resulta dos factos provados, a autora sabe que aproveitou a ligeireza com que os condóminos olham para as assembleias para tentar vincular o Réu às cláusulas inscritas no documento que titula o contrato no qual está inserida a claúsula nona cuja legalidade foi por nós apreciada.
Mais.
Nesta sede importa reafirmar que a autora-apelante relativamente à verificada cessação do contrato operada pelo réu -recorrido, pretendeu ilicitamente convocar a aplicação de duas claúsulas, oitava e nona, sendo que cada uma destas tem um campo de aplicação distinto, denúncia e resolução, o que, reflecte de forma manifesta, a falta de lisura procedimental da autora-apelante.
Em face do exposto, confirmamos, ainda que com distinta fundamentação, o juízo de censura que o tribunal recorrido formulou a propósito da litigância com má-fé da autora-apelante.
A litigância de má fé, com efeito, não penaliza apenas condutas cometidas com dolo, sendo suficiente para o efeito a negligência grave, ou seja, a imprudência grosseira, que é manifesta aos olhos de qualquer um, que foi resultado da não adopção daquele mínimo de diligência que era possível e que permitiria dar conta da falta de fundamento para o acto. Só a negligência comum, desculpável, não basta para qualificar a litigância.
Em consequência do exposto, afigura-se-nos que pese embora este tribunal tenha alterado de forma essencial a decisão de facto, facto é que para nós continua a ser merecedora de juízo de censura a atitude processual da autora-apelante.
Nessa medida, somos de opinião que bem andou o tribunal a quo ao condenar a autora como litigante de má fé, não vislumbrando este colectivo de juízes razões para alterar os valores da multa e da indemnização que foram aplicados.
Improcede assim o recurso.
Sumário.
………………………………
………………………………
………………………………
IV. DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
Porto, 18 de Abril de 2024.
Francisca da Mota Vieira.
Isabel Ferreira
Manuela Machado.
___________________
[1] Que se passa a transcrever:
“No que ao Ponto B) da Ordem de Trabalhos concerne, foram abordados os seguintes assuntos: ---Foi informado pelo representante da administração que o mandato da mesma como todos sabem havia terminado a 31/12/2014, razão pela qual é necessário proceder à sua reeleição ou porventura terminar a assembleia neste ponto, obterem novas propostas e se convocar outra assembleia para eleição de nova administração. ---------Após estes esclarecimentos, estabeleceu-se um diálogo entre os presentes, findo o qual foi reeleita para a Administração do Condomínio para o período de 2015 / 2017 a sociedade comercial por quotas, C..., LDA NIPC ..., representada neste acto pelo seu sócio gerente AA. Assim a reeleição tem o seu início em 01/01/2015 e término a 31/12/2017. ---------------------------------------------------
Proposta aprovada por maioria, visto que a maioria dos presentes votaram a favor da reeleição desta empresa como administradora do edifício. -----Mais aqui foi aprovada por maioria também a alteração das condições de movimentação de todas as contas bancárias do presente edifício, uma vez que a condómina BB, comunicou a sua indisponibilidade para continuar a fazer parte das contas do edifício. Aqui foi perguntado se algum dos presentes se voluntariava para substituir a condómina BB ao que não se obteve resposta favorável. Assim e por maioria ficou deliberado que a partir desta data todas as contas bancárias do edifício sejam movimentadas apenas pelos representantes da administração, ou seja as mesmas condições de movimentação da empresa C..., LDA NIPC .... ------
Votos Contra: 89,48% -A saber – fracções O (31,42); P (29,37) e V (28,69). --------------------------Votos Abstenção: 45,08% - A saber – fracções BA (22,54) e BF (22,54). --------------------------------Votos a Favor: 403,51% – A saber - todos os restantes presentes. “
[2] “Relativamente ao Ponto C) da Ordem de Trabalhos: Foi entregue pela administração aos condóminos presentes o Orçamento de administração para o exercício 2015 com o mapa de imputação já com as permilagens associadas as fracções rectificadas conforme aprovação no ponto A). Ora aqui o que se pretende é alterar as permilagens das fracções, e por conseguinte incluir no mesmo as fracções que não estavam contempladas. ----
Também e de acordo com tal alteração os mesmos deram poderes á administração para poder modificar o contrato de administração existente com a C..., Lda.--------------------------------------------------------------------------------Assim fica toda a situação regularizada, bem como o novo orçamento, ou seja, a nova forma de imputação, a qual entra em vigor a partir de 01/08/2015 inclusive, logo o valor mensal das quotas a partir deste mês de Agosto irá sofrer um decréscimo face aos meses anteriores. -------------Orçamento de 2015 e poderes para a alteração aos contratos aprovados por maioria. --------------Votos Contra: 86,00% - A saber – fracções AU (16,50); BA (16,5); BB (16,50); BE (16,50); BI (16,50);BN (0,30); BS (0,30); CC (1,50) e CD (1,40); Votos Abstenção: 268,00% - A saber – fracções X (16,00); Z (12,00); AA (14,00); AB (18,00); AC (20,00); AD (15,50); AE (16,50); AF (20,00); AG (15,50); AH (16,50); AI (20,00); AJ (15,50); AL (16,50); AM (20,00); A N (15,50) e AO (16,50); Votos a Favor: 457,90% – A saber - todos os restantes presentes e representados
Votos Abstenção: 268,00% - A saber – fracções X (16,00); Z (12,00); AA (14,00); AB (18,00); AC (20,00); AD (15,50); AE (16,50); AF (20,00); AG (15,50); AH (16,50); AI (20,00); AJ (15,50); AL (16,50); AM (20,00); A N (15,50) e AO (16,50);Votos a Favor: 457,90% – A saber - todos os restantes presentes e representados.
[3] Junta sob o doc.18, o qual, se passa a transcrever: “No que ao Ponto B) da Ordem de Trabalhos concerne, foram abordados os seguintes assuntos:Foi entregue pela administração aos condóminos presentes o Orçamento de Administração para o ano 2016, pelo montante total de 19 926,20€ (dezanove mil novecentos e vinte e seis euros e vinte cêntimos). Mais aqui foram informados os presentes que o orçamento supra, sofre uma ligeira redução face ao exercício anterior, uma vez que durante o mesmo os gastos ficaram controlados, esperando desde já que tal trajectória de mantenha este ano.
Também foi questionado por um condómino, o representante da administração, acerca dos contratos existentes no prédio ao que a administração informou que todas as empresas prestadoras de serviços, trabalham para o condómino com contratos de prestação de serviços, ou seja, há contrato com a D..., Lda. NIPC ... para os serviços de limpeza, para os serviços de apoio técnico ao edifício (mudança de lâmpadas, desentupimentos de canos, de caixas de esgotos, pequenas reparações, limpezas de caleiras, etc.), bem como para a realização de serviços de jardinagem / tratamento de espaço envolvente ao prédio.
Existe contrato de administração do condomínio com a empresa administradora, como é óbvio, C..., Lda. NIPC ....
Existe contrato de contabilidade/fornecimento de material de expediente (capas, separadores, folhas, fotocópias, lançamento e apuramento de resultados, etc.) com a empresa G... Unipessoal, Lda. NIPC .... ------------------Existem contratos de fornecimento de energia eléctrica ao prédio com a H... SA e com a I... SA. Existem dois contratos de fornecimento de manutenção de elevadores, um com a J... e outro com a K....
Existe um contrato de fornecimento de linha telefónica para o elevador da entrada ......, com a L....Existem dois contratos de fornecimento de água com as M... SA. Aliás contratos dos quais já foram remetidas cópias para os condóminos, bem como, os poderes para a sua aceitação e assinatura foram concedidos em assembleias de condóminos à administração, cujas cláusulas depois de devidamente analisadas e discutidas foram aceites na íntegra.
Após todos estes esclarecimentos e do diálogo entre os presentes, pôs-se a implementação deste Orçamento e de tudo o supra referenciado à votação, o qual, foi aprovado por unanimidade. Assim o presente orçamento entra em vigor a partir de 01/05/2016. Votos Contra: 0,00%. Votos Abstenção: 0,00%Votos a Favor: 379,10% – A saber - todos os presentes e representados.
[4] Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 177,
[5] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 453
[6] No Ac. RL de 26.06.2018 (processo 4710/12.1TBFUN, em www.dgsi.pt), escreveu-se : “A impugnação generalizada dos documentos juntos à PI … não tem o mesmo sentido, nem vale como impugnação da genuinidade do documento, prevista no n.º 1 do artigo 444.º do NCPC”; no mesmo sentido, no Ac. RE de 21.04.2016 (processo 1004/14.1T8FAR, em www.dgsi.pt) , “A simples afirmação de que se impugna um documento apresentado pela parte não é impugnação da letra ou assinatura … nem arguição da sua falsidade …” muito menos o sendo a afirmação genérica de que se impugnam todos os documentos quanto ao seu teor, conteúdo, assinaturas e efeitos.
[7] Cfr. Francisco Rodrigues Pardal e Manuel Batista Dias da Fonseca, in “Da Propriedade Horizontal no Código Civil e legislação complementar”, 5ª ed., Coimbra Editora, 1988, pág. 277.
[8] Cfr. Sandra Passinhas, in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2ª ed, Almedina, pág. 314.
[9] Cfr. Sandra Passinhas, in Assembleia de Condóminos, pags 199.
[10] Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 177,
[11] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 453
[12] Aqui reproduzidos:
“21.Por carta registada com A/R, recebida pela Autora em 29.05.2019, o Réu, alegando justa causa, pôs fim ao contrato que vigorava entre as partes com efeitos imediatos.
22.Nessa carta, o Réu invocou que (…) a atual administração do Condomínio, tem faltado culposamente e, quiçá com dolo, a muitas das funções que lhe são atribuídas pelo artigo 1436.º do CC, nomeadamente as alíneas d), e) f), g), j) e l), sendo respetivamente, “cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns”, “exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas”, “realizar atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns”, “regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum”, “prestar contas à assembleia” e “assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativamente ao condomínio.
Faltou a administração nomeadamente com a prestação de contas de forma correta, informado a assembleia e os condóminos sobre, como, quando e em que circunstâncias o seu dinheiro foi usado; falha em manutenções, tais como avaria na autoclave/bombas da cisterna de abastecimento aos prédios que levaram mais de um mês para serem resolvidas, falha durante semanas de lâmpadas nos patamares, manutenção do portão da garagem que não é feita, limpeza das garagens não efetuada; higienização não feita da cisterna de abastecimento aos prédios; valores elevados em débito e não foram feitas cobranças pela via judicial; o serviço de jardineiro só é feito pela metade em uma das entradas sendo que nas outras, segundo o mesmo não há autorização para tratar o jardim, não cumprimento do contrato da manutenção dos elevadores da entrada ......; processo intentado por abuso de confiança contra um condómino e que as despesas desnecessárias que irão ser pagas pelos Condóminos; lajetas exteriores da entrada ...... que se encontram soltas e deterioradas que não são reparadas e em mau estado há cerca de 4 anos e que têm vindo a piorar, sendo que de inverno é impossível passar…
Estas “pequenas” coisas que foram informadas por diversas vezes por telefone junto da empresa de administração e/ou até através de contacto direto com as funcionárias de limpeza e que servem como justificação para alegar a justa causa na exoneração da atual administração e eleição de uma nova.
[13] Cfr. Manuel Januário da Costa Gomes In “Contrato de Mandato”, 1990, AAFDL, pág. 120
[14] Aqui reproduzido: “se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa”
[15] Cfr. vaz serra, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, e Manuel Januário da Costa Gomes in “Em tema de revogação do mandato civil“, págs. 146 e segs., almedina 1989.
[16] Entre outros, v.g. , o Ac. STJ de 15/4/2010 - in www.dgsi.pt – : “ Para haver mandato de interesse comum não basta que o mandatário ou o terceiro tenham um interesse qualquer, é necessário que esse interesse se integre numa relação jurídica vinculativa, isto é, que o mandante, tendo o mandatário o poder de praticar actos cujos efeitos se produzem na esfera jurídica daquele, queira vincular-se a uma prestação a que o mandatário ou o terceiro tenham direito.»
[17] Manuel Januário da Costa Gomes, in Em Tema de Revogação do Mandato Civil “, pág.s 46 e segs., Almedina 1989),
[18] Como se escreveu no Ac. STJ de 11.12.2003, in processo nº 03B3634,
«Posto que, em razão da sua causa ou função económico-social, acolhida na tipificação do contrato delineada pelo artigo 1157.º do Código Civil, o mandato é um negócio mediante o qual o mandatário se obriga a praticar actos jurídicos por conta do mandante, obviamente que a tipicidade legal resultaria subvertida a admitir-se um mandato por conta de outra pessoa diferente dele.
Aliás, tanto o n.º 2 do artigo 1170.º do Código português, como o artigo 1723.º do Código italiano são expressos em prescrever que o mandato deve ser conferido também (anche) no interesse do mandatário, formulação que exclui, por um lado, a possibilidade da prossecução exclusiva de um interesse do mandatário, implicando, do mesmo passo, necessariamente, uma actuação por conta do mandante (17).
Depurado, neste conspecto, de peculiares escolhos o acesso ao conteúdo do interesse do mandatário que pode justificar a irrevogabilidade do mandato, propende-se doutrinariamente a considerar que o critério de aferição do interesse juridicamente relevante «passa necessariamente pelo desenvolvimento da actividade objecto do mandato, pelo cumprimento do acto (ou da actividade) gestório» (18).
Isto é, existirá o interesse em questão, acrescendo ao interesse próprio do mandante, «quando o mandatário tenha um direito próprio a fazer valer conexionado com o próprio encargo e o mandato seja a condição, ou a consequência ou o modo de execução do direito que lhe pertence, ou represente então para o mandatário uma garantia do próprio direito» (19).
O interesse ou direito do mandatário in rem suam «não tem a sua génese na relação gestória», antes «decorre duma outra relação entre o mandante e o mandatário», que «determina amiúde a constituição do mandato ou que, não a determinando embora, pode vir a condicionar ou a regular significativamente os termos do ‘agir por conta’, nomeadamente quanto ao seu aspecto consequencial, traduzido na repercussão (destinação) dos efeitos na esfera do mandante» - v. g., A, devedor de 500 contos a B, celebra com este um mandato para cobrar um crédito seu sobre C, do mesmo montante, dando B pagamento ao débito de A com a respectiva quantia.
A definição, por outras palavras, do interesse do mandatário na relação de mandato in rem propriam «passa pela identificação de uma outra relação, normalmente de tipo contratual, entre as partes, relação essa que conforma ou até determina aquele contrato».
E se assim é com respeito ao interesse de uma das partes, «por maioria de razão o será - como temos deixado entender - quando se questiona sobre a existência de um interesse externo à relação, pertencente a terceiro».
Em sintonia aduzem justamente os autores face ao artigo 1723.º do Codice Civile, que a «irrevogabilidade absoluta» aí prevista, «no caso de mandato conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro», ocorre, na falta de justa causa, «quando entre mandante e mandatário, ou entre mandante e terceiro, existe uma outra relação na base da qual o mandatário ou o terceiro é credor do mandante» (20).
E a Cassação italiana (21) precisa também que a situação hipotizada na referida norma se caracteriza «pela concomitância de uma diversa relação intercedente entre o mandante e o mandatário (ou um terceiro) que imprime à outorga do mandato o carácter de um acto obrigacional, essencial à realização de um interesse do mandatário (ou do terceiro) diverso do que vai estritamente implicado na execução do mandato».
[19] Como refere Januário da Costa Gomes, in Contrato de Mandato, pág. 119, a figura da denúncia encontra-se englobada na previsão da revogação feita no nº1, do artº 1170, do CC como decorre da parte final da alínea c) do artº 1172º
[20] In Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, 2.ª Edição Revista e Atualizada, ALMEDINA, março de 2002, pág. 189.
[21] A este propósito, destacamos, a título exemplificativo, três acórdãos do STJ, disponíveis em www.dgsi.pt:
- de 12-09-2019, no proc. n.º 9018/16.0T8LSB.L1.S2, afirmando-se precisamente no respetivo sumário que:
“I. Na cláusula penal em sentido estrito não há nexo de dependência entre o valor da pena convencionada e o montante dos danos sofridos.
II. O preceituado no n.º 3 do artigo 811.º do CC é aplicável apenas na hipótese prevista no n.º 2 da mesma norma, isto é, na hipótese de as partes terem convencionado uma indemnização pelo dano excedente.
III. A redução (equitativa) prevista no artigo 812.º do CC exige que a pena convencionada seja “manifestamente excessiva”, o que significa uma desproporção substancial e uma desproporção ostensiva.
IV. Na ponderação do excesso manifesto devem ser ponderados vários índices e não apenas o da existência e da extensão dos prejuízos efectivos.”
- de 12-01-2021, no proc. n.º 1939/15.4T8CSC.L1.S1, de que citamos, pelo seu interesse, o respetivo sumário:
“I - Por cláusula penal entende-se a estipulação em que alguma das partes se obriga perante a outra, antecipadamente a realizar certa prestação para o caso de vir a não cumprir (ou cumprir retardadamente, ou cumprir de forma imperfeita) a prestação principal a que se vinculou.
II - Pese embora os art.ºs 810.º a 812.º do CC conotarem a cláusula penal com uma função puramente ressarcitória (compensatória ou moratória), nada se encontra definitivamente na lei que impeça as partes, no exercício da sua liberdade contratual, de criarem uma cláusula com uma outra função, como seja (i) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma pena ou sanção (cláusula penal compulsória) e que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento, ou (ii) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma obrigação de substituição da execução específica da prestação ou da indemnização pelo não cumprimento, valendo essa obrigação de substituição como a forma de satisfação do interesse do credor.
III - Para efeitos da interpretação da declaração negocial releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia.
IV - (i) Se a letra da cláusula é expressa ao qualificar como quantia indemnizatória a prestação pecuniária devida em caso de incumprimento do contrato; (ii) se o escopo subjacente à vontade de contratar se logra alcançar através dessa quantia; (iii) se a quantia determinada na estipulação coincide normalmente com o valor do dano expectável, (iv) então é de interpretar a declaração negocial no sentido de se estar perante uma cláusula penal com função meramente indemnizatória (fixação do montante da indemnização exigível), e não perante uma pena destinada a pressionar ao cumprimento.”
- e de 18-01-2022, no proc. n.º 889/18.7T8EPS.P1.S1, com abundantes referências de doutrina e jurisprudência, que aqui citamos para melhor compreensão da figura em apreço: «Como é sabido, a cláusula penal tem a natureza de cláusula acessória da chamada obrigação principal assumida no contrato pela parte devedora, tendo essa figura entre nós a sua consagração legal e disciplina nos art.ºs 810º a 812º do Código Civil (cfr., por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil, Anotado, Vol. II, 2ª. ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 63”).
[22] Nuno Manuel Pinto Oliveira (in “Cláusulas Acessórias Ao Contrato – Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar, Cláusulas Penais – 2ª. ed., Almedina, pág. 63-65.”),
[23] A propósito,escreveu-se no Ac STJ de 28.10.2018
“Como tem sido sustentado pela doutrina, constituindo a cláusula penal uma verdadeira «cláusula sobre responsabilidade» (cfr. Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, 1968, III vol., 345), é sua finalidade, em princípio, a de proceder a um reforço dos direitos do credor que lhe já são cometidos pelas disposições anteriores à Divisão IV da Secção II do Capítulo VII do Livro II do Código Civil, as mais das vezes estabelecendo, como se refere em Carlos Alberto Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, elaborada por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 590) “uma forma de liquidação prévia do dano, segundo as estimativas dos próprios contraentes”, assim se superando “dificuldades e incertezas várias, mormente a prova do dano e da sua extensão” – pois que, em circunstâncias normais, é sobre o credor que impende o ónus de alegar e provar a existência e quantificação do dano resultante do incumprimento ou do cumprimento defeituoso da obrigação –, ficando-se a conhecer “de antemão as consequências que advirão de um incumprimento do contrato e evitando-se litígios judiciais sobre o montante do dano”.
Mas, como se adverte na citada obra, para além dessa função, não pode passar em claro “uma outra, para que esta figura está especialmente vocacionada: uma função sancionatória ou compulsória, de pressão sobre o devedor em ordem à execução correcta do contrato, sobretudo quando a pena é de montante elevado”.
É aceite pela doutrina, no que tange às denominadas cláusulas penais – cuja formulação constante do nº 1 do artº 810º do Código Civil tem, aliás, sofrido contestação – que, tendo em vista a dupla função inerente ao seu conceito amplo, isso levará à necessidade de distinguir várias espécies ou «tipos».
Assim, v.g. Pinto Monteiro (Cláusula penal e indemnização, 1999, 497 e segs.) distingue as cláusulas destinadas a fixar antecipadamente o montante indemnizatório pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, as cláusulas penais em sentido estrito e as cláusulas penais puramente ou exclusivamente compulsórias.
Às primeiras corresponderiam os acordos negociais estipulados que intentavam, e tão-só, liquidar antecipadamente, sem variação, o eventual e futuro dano (cfr., especialmente, Pinto Monteiro, Sobre a cláusula penal, na Scientia Iuridica, 1993, 244 a 246, pág. 257).
No campo aplicativo deste «tipo» de cláusulas, e atenta a sua função já acima enunciada, decerto que o devedor, para se eximir ao pagamento do quantum indemnizatur estipulado – o qual não poderá ser fixado em montante superior, ainda que, pelas normas gerais regentes da indemnização, o dano comportasse quantitativo superior (cfr. a proibição de opção constante dos números 2 e 3 do artº 811º do Código Civil) – terá de provar, quer que não ocorreu o incumprimento (ou o não cumprimento pontual, se isso for abarcado pelo clausulado), quer que não foi provocado qualquer dano (o que não se deverá confundir com a prova de um dano muito inferior ao pré-determinado na cláusula), quer, ainda, que o incumprimento se não deveu a sua culpa.
Ao segundo «tipo» de cláusulas – as cláusulas penais, ditas «em sentido estrito» –, é seu escopo o de obrigar o devedor (recte, a parte a quem incumbe o cumprimento de obrigações advenientes do negócio jurídico firmado) a efectuar esse cumprimento e, do mesmo passo, a estabelecer, ousamo-lo dizer, um modo «alternativo» de cumprimento da inicial obrigação (ou, mais propriamente, uma obrigação com faculdade alternativa do credor advinda do acordo de consagração desse tipo de cláusula) justamente aquele que consiste na prestação da sanção (correntemente pecuniária e mais gravosa), cumprimento esse com o qual o credor vê satisfeito o seu interesse, não podendo este último vir, em caso de recusa do cumprimento pelo devedor, a pedir o cumprimento da obrigação inicial.
Neste «tipo» descortinam-se, assim, pontos de semelhança com as cláusulas do terceiro «tipo» – as denominadas cláusulas penais puramente compulsórias –, já que o seu desiderato é o de compelir o devedor a cumprir.
Na verdade, as cláusulas penais em sentido estrito, conquanto não tenham por escopo directo, contrariamente às cláusulas ditas de «fixação antecipada da indemnização», fixar, ex ante, o montante indemnizatório, com as vantagens a que acima nos reportámos, tendo por finalidade obrigar o devedor ao cumprimento da obrigação que sobre si impende, sob pena de, não o fazendo, «transmutar» esse cumprimento por intermédio da prestação da sanção estabelecida, a qual vai, «alternativamente» (nos termos acima expostos), «substituir» (perante aquele não cumprimento e perante, também, o acordado) a obrigação primitivamente devida, não deixam de possuir igualmente aquilo que Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil cit. supra, 594) descortina como uma aproximação às cláusulas penais de indemnização predeterminada. E, sequentemente, não sendo conferida à «pena» propriamente o cariz indemnizatório, não pode, por outro lado, solicitar o credor a execução específica da prestação.
Já as cláusulas do terceiro «tipo» – cláusulas penais puramente compulsórias – detêm uma razão de ser meramente compulsória, ou seja, visam obrigar o devedor ao cumprimento da prestação negocial a que se encontra obrigado, sendo que o «pagamento» da sanção estipulada não é obstativo, em tese e perante o seu desenho, quer da indemnização a processar em termos gerais, quer da execução específica da obrigação incumprida.
Nessa definição tripartida, está bem de ver que nos dois últimos «tipos» a «sanção» estabelecida ou vai poder «acrescer» ao débito indemnizatório pelo incumprimento (tomado este no seu sentido amplo) – caso das cláusulas penais exclusivamente compulsivo-sancionatórias – ou vai «substituir» a incumprida obrigação (mais propriamente, funcionando como «alternativa» à obrigação primitiva que não foi cumprida, legitimando, assim, o credor a reclamar o pagamento da «pena») – caso das cláusulas penais em sentido estrito.
Em face desta diferente «tipologia», tem-se sustentado que, perante o teor do artº 811º, só deve atender-se às cláusulas de fixação antecipada da indemnização, repousando a legitimidade na estipulação dos outros «tipos» no princípio da liberdade contratual, conquanto, na falta de específicos normativos que os contemplem, poderão os abusos decorrentes da sua fixação ser combatidos pelo recurso aos princípios gerais ou, analogicamente, convocando-se o próprio artº 812º.
[24] Cfr., entre outros, o prof. Pinto Monteiro, in “O duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão, RLJ, Ano 146º, págs. 308/310” - Acs. do STJ de 27/09/2011 (proc. nº. 81/1998.C1.S1 – já acima citado – e de 27/01/2015, proc. 3938/12.9TBPRD-A.P1.S1, disponíveis em www.dgs.pt).»
[25] Cfr. Comentário ao CC- direito das obrigações, U Católica, anotação ao art 432º CC de Daniela farto Batista.
[26] Neste sentido, Ac STJ de 14.03.2017, in Proc nº 103/13.1YRLSB.S1; também no Ac. do STJ 2/12/2013 (p. 306/10.0TCGMR.G1.S1 - Clara Sottomayor), citado naquele , aludindo ao novo paradigma sobre o contrato, resultante da crise do pensamento liberal, escreveu-se: «A moderna teoria dos contratos defende uma mudança de orientação no direito dos contratos, traduzida na passagem do paradigma do liberalismo económico, em que o contrato era visto como o resultado de interesses antagónicos negociados com dureza e egoísmo, para um nova concepção de contrato baseada num princípio de respeito pelos interesses do outro e numa ética de cooperação e de solidariedade».
[27] A doutrina e a jurisprudência dominantes que entendem que a redução equitativa da cláusula penal com fundamento no artigo 812.º não pode ser decretada oficiosamente pelo tribunal, dependendo sempre de pedido do devedor nesse sentido, ainda que implícito, entendem que tendo a cláusula sido acordadas pelas partes e incluída no contrato, a sua redução deve exigir ao menos que uma das partes se insurja contra a aplicação da cláusula no contexto do incumprimento ocorrido por daí resultar uma pena manifestamente excessiva com a qual não contava e não tinha de contar aquando da sua aceitação no contrato e invocam que o mecanismo da redução equitativa da cláusula manifestamente excessiva se filia no controlo da usura negocial e da alteração anormal das circunstâncias, pelo que o regime do seu conhecimento deve ser equiparado ao regime dos artigos 282.º e 283.º (negócios usurários) e 437.º-neste sentido, entre outros, Ac deste Tribunal da Relação de 03.03.2016, in Proc nº 1709/15.4T8PRT.P1, relatado por Aristides R. de Almeida.