PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCA
DENOMINAÇÃO DE ORIGEM
REGULAMENTO (UE) N.º 1308/2013
Sumário

(da responsabilidade do Relator)
1. No que à proteção da Denominação de Origem Protegida “Vinho Verde” diz respeito, é aqui exclusivamente aplicável o Regulamento (UE) n.º 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CEE) n.º 922/72, (CEE) n.º 234/79, (CE) n.º 1037/2001 e (CE) n.º 1234/2007 do Conselho.
2. Assim sendo, nada há a apontar à decisão recorrida quando se foca no conceito de “evocação” presente no artigo 103.º, n.º 2, al. b), do Regulamento (UE) n.º 1308/2013.
3. Resulta do ponto 2 do Dispositivo do acórdão do TJUE de 9 de setembro de 2021, Comité Interprofessionnel du Vin de Champagne, C-783/19, que a «evocação» “fica demonstrada quando o uso de uma denominação cria no espírito de um consumidor europeu médio, normalmente informado e razoavelmente atento e sensato, uma ligação suficientemente direta e unívoca entre essa denominação e a DOP. A existência dessa ligação pode resultar de vários elementos, em especial, a incorporação parcial da indicação protegida, a semelhança fonética e visual entre as duas denominações e a similitude daí resultante, e, mesmo na falta desses elementos, da proximidade conceptual entre a DOP e a denominação em causa, ou ainda da semelhança entre os produtos abrangidos por essa mesma DOP e os produtos ou serviços abrangidos por essa mesma denominação”.
4. Aplicando tais critérios ao caso concreto, concluímos, tal como a decisão recorrida, pela efetiva evocação pela marca registanda VERDA BLANKA da DOP Vinhos Verdes, devendo o registo daquela marca ser, assim, recusado.

Texto Integral

Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

Índice
I. Relatório..........................................................................................2
CONCLUSÕES E PEDIDO (reprodução integral)......................... 3
II. Questão a decidir.......................................................................... 7
III. Fundamentação........................................................................... 7
“A) Os factos provados..................................................................... 7
IV. Do mérito do recurso.................................................................. 9
Deve ser recusado o registo da marca nacional pedido pela Recorrente - “VERDA BLANKA” para assinalar produtos da classe 33.º -, com base na proteção devida à Denominação de Origem Protegida “VINHO VERDE”? .......................................... 9
V. Decisão........................................................................................ 12
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I. Relatório

Recorrente: CAP - CASA AGRÍCOLA PORTUGAL UNIPESSOAL LDA (doravante Casa Agrícola, Recorrente ou Ré).
Recorrida: COMISSÃO DE VITICULTURA DA REGIÃO DOS VINHOS VERDES (doravante Comissão de Viticultura, Recorrida ou Autora)
1. A Comissão de Viticultura veio, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º, al. a) do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso no TPI, da decisão proferida pela Exma. Sr.ª Vogal do Conselho Diretivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que indeferiu o pedido de modificação da decisão de concessão do registo de marca nominativa, VERDA BLANKA, marca nacional n.º 684340 para a totalidade dos produtos a que a mesma se destina na classe 33ª.
2. A Comissão de Viticultura concluiu o recurso interposto no TPI, com um pedido de revogação do despacho recorrido, e respetiva substituição por decisão de recusa do registo da marca nacional n.º 684340.
3. Citada, a Casa Agrícola apresentou resposta ao recurso no TPI, pugnando pela manutenção do despacho de concessão da marca proferido pelo INPI.
4. O recurso perante o TPI foi julgado procedente, tendo-se, em consequência decidido revogar a decisão recorrida, recusando o registo da marca nacional n.º 684340, com o sinal VERDA BLANKA.
3. De tal decisão apelou agora a Casa Agrícola, formulando as seguintes
CONCLUSÕES E PEDIDO (reprodução integral)
“1) A questão em apreciação nos presentes autos é a de determinar se deve ou não ser recusada proteção jurídica nacional à marca da ora RECORRENTE - “VERDA BLANKA” para assinalar o produto da classe 33.° apreciando se a marca da ora RECORRENTE “VERDA BLANKA” se confunde com a Denominação de Origem “VINHO VERDE”;
2) Decidiu o douto tribunal a quo pela revogação da decisão do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual - INPI - que aceitou os sinais da marca da ora RECORRENTE na submissão do pedido, considerando que estes não respeitam o conteúdo da proibição do art. 103.° n.°2 b) do Regulamento (EU) n.º 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17.12.2013;
3) A ora RECORRENTE pretende que este douto tribunal superior se digne apreciar a eventual confundibilidade dos sinais da marca requerida - VERDA BLANKA - e da Denominação de Origem Registada - VINHO VERDE;
4) Não se impugna a matéria de facto dada por provada na 1ª Instância pelo que o recurso, com a motivação que cede lugar agora às Conclusões, critica a subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis, designadamente, com um juízo silogístico injustificado com base em procedimentos lógico-intuitivos sem fundamento;
5) Versando o recurso sobre matéria de direito, dispõe o art. 639.° n.º 2 CPC que as Conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas e o sentido com que estas deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
6) Desde logo, a imperatividade do art. 306.º n.º 3 do Código da Propriedade Industrial, que proíbe o uso de denominação de origem para produtos sem identidade ou afinidade e, com isso, visam tirar partido indevido do prestígio da denominação de origem;
7) Impõe esse normativo, que deverá ser recusado o registo de uma marca que contenha em todos ou alguns dos seus elementos, sinais que sejam susceptíveis de induzir o público em erro, nomeadamente, sobre a proveniência geográfica do produto a que a marca se destina;
8) Depois, a norma contida legislação comunitária aplicável - Regulamento EU n.º 1151/2012 PE e do CE - que proíbe os actos que possam contribuir para a evocação - art. 103 do Regulamento EU 1308/2013 PE e CE, situação em que o consumidor, quando confrontado com um produto, perante o nome com que é apresentado, é levado a ter em mente, como imagem de referência, o produto que beneficia da denominação;
9) Refere o douto tribunal a quo que o julgador dever aferir se, perante uma reação presumida do consumidor, possa concluir que este associa o nome de um produto a uma área geográfica ou esse nome faça parte de uma denominação de origem;
10) E apoiando-se no Acórdão do TJUE de 02.05.2019 afirma que existe uma “evocação” quando a percepção de um consumidor médio - razoavelmente atento e cuidadoso - é de molde a presumir que um produto tem ligação a uma denominação de origem;
11) Contudo, tal como se refere nesse douto Acórdão do tribunal europeu, “(...) a evocação tem de ter um carácter suficientemente directo e unívoco”;
12) Revisitando o Despacho do INPI, foi considerado que que apesar do elo de identidade entre os produtos - marca e Denominação de Origem - o sinal que caracteriza a marca VERDA BLANKA não evoca o direito prioritário, considerando o facto de a componente fonética não apresentar uma acentuada proximidade e a componente conceptual não transmitir qualquer ideia concreta ou reconhecível;
13) Fundamentando a apreciação referindo: “[...) a expressão registanda “VERDA BLANKA” não apresenta qualquer conexão com a Denominação de Origem “VINHO VERDE” e que a oportunidade de confusão ou associação entre os direitos, nos consumidores, é um cenário improvável, pelo que cremos que a coexistência das mesmas no mercado será pacífica.”;
14) O tribunal a quo não secundou esta posição, aludindo na sua douta sentença que se critica, que é sobre a noção de “evocação” que deve centrar a apreciação judicial, afastando a possibilidade de a avaliação incidir sobre o risco de confusão ou associação e concentrando a apreciação sobre o (eventual) aproveitamento da imagem pelo ora RECORRENTE da denominação de origem da ora RECORRIDA;
15) Mais sentenciando que “(...) para apreciar a existência de uma “evocação” importa verificar se o consumidor, perante o nome do produto ou da marca em causa é levado a ter em mente, como imagem de referência, a mercadoria que beneficia da indicação geográfica protegida.";
16) Com a inerente subjectividade que a resposta comporta, não pode esta deixar de ter por base critérios objectivos, entre os quais a avaliação através da comparação dos sinais nominativos ou gráficos, sendo que o juízo sobre a similitude das marcas deve atender, desde logo, à existência de uma associação directa entre ambas;
17) Desde logo, o critério que o art. 16.º do Regulamento N.º 110/2008 apresenta, quando se refere ao conceito de “evocação” que “(…) para apreciar a existência de uma “evocação” importa verificar se o consumidor, perante o nome do produto ou da marca em causa é levado a ter em mente, como imagem de referência, a mercadoria que beneficia da indicação geográfica protegida.”;
18) Acrescentando-se que “(...) cabe ao juiz nacional apreciar, tendo em conta (...) a incorporação parcial de uma indicação geográfica protegida na denominação controvertida, um parentesco fonético e/ou visual entre esta denominação e essa indicação ou ainda uma proximidade conceptual entre aquela denominação e a referida indicação;
19) Não se considera que o douto julgador da 1ª Instância tenha julgado em conformidade com o direito aplicável e, concretamente, com o teor das normas aplicáveis, como sejam o art. 15.º (indicações geográficas) e 16.º (Protecção das indicações geográficas);
20) Efectivamente a protecção das indicações geográficas impõe que estas são protegidas contra utilização abusiva, imitação ou evocação;
21) Confirma a decisão sindicada (pág. 10 parág.4) “(...) que não está em causa o risco de confusão ou associação (...) mas o mero aproveitamento da imagem que beneficia a denominação de origem”, sendo entendimento deste que não há, nem imitação da marca, nem a utilização de um termo não idêntico, nem analogias visuais ou elementos figurativos, nem mesmo algum parentesco fonético e visual (pág. 8, parág. 3 parág. 5) (pág. 9, parág. 1);
22) Não subsistindo qualquer dúvida que o tribunal a quo considerou a não existência de imitação da marca, nem a utilização de termos idênticos ou a analogia visual ou parentesco fonético e visual ou mesmo a existência de elementos figurativos;
23) Entendendo, na senda da apreciação ao pedido feito ao INPI, que este não violava o disposto no art. 239.º al. m) do CPI;
24) Restando, por isso, apurar se existe concorrência desleal e, nos termos do art. 24.º n.º l al. d) CPI, a mesma é causa de recusa de registo ou fundamento para a revogação da decisão que admitiu a sua protecção;
25) Considerou o tribunal a quo, e a nosso ver mal, haver confundibilidade dos sinais em sufrágio com base nos conceitos delimitadores da figura de imitação, cuja apreciação o tribunal a quo considerou inexistir;
26) Falece o argumento que a incorporação de um vocábulo da denominação de origem “VERDE” uma vez que a ora RECORRENTE não incorpora esse vocábulo mas tão-somente ”VERDA”;
27) Sendo incongruente o argumento de que a expressão VERDA BLANKA é uma alusão ao vinho verde branco, como apresentado na douta sentença - pág. 11 parág. 4;
28) Não sendo, a nosso ver e da entidade reguladora - INPI - possível determinar que a marca da ora RECORRENTE demonstra um aproveitamento da imagem que beneficia da Denominação de Origem;
29) Não havendo a possibilidade de os consumidores caírem no erro grosseiro de atribuírem ao vinho comercializado pela ora RECORRENTE a proveniência na área geográfica protegia pela Denominação de Origem;
30) Nesse sentido, inexiste a possibilidade de se vir a verificar um desvio de clientela;
31) Não estando preenchido o requisito referente ao conceito de “evocação” na acepção do art. 16.º alínea b) do REG 110/2008, e que tem por critério determinante saber se o consumidor, perante a marca controvertida, é levado a ter directamente em mente, como imagem de referência, o vinho que beneficia da indicação protegida.
32) Somos - objectivamente - conduzidos a dizer que não e a criticar o tribunal a quo na apreciação feita e que fundamenta o presente recurso;
33) A denominação de origem do VINHO VERDE é tão forte e notória que, precisamente, o público consumidor habituado a adquirir este tipo de produto, não tem no produto comercializado pela ora RECORRENTE a constatação de que está perante um vinho verde;
34) Atrevendo-nos a dizer que o único consumidor - habituado a adquirir vinho verde - que pudesse confundir o VERDA BLANKA como um vinho integrando a denominação de origem do VINHO VERDE seria, efectivamente, o julgador do tribunal a quo;
35) Acresce ainda, que a douta decisão decide percorrer, em complemento aos argumentos aduzidos, que a expressão VERDA BLANKA corresponde à tradução literal de Verde Branco na língua Esperanto, reivindicado a possibilidade de tornar mais “viva” essa língua com base na possibilidade de ser feita a tradução na ferramenta electrónica - google tradutor
36) Não sendo aludido no rótulo a língua Esperanto mas a “Colecção Esperanto”, nem a aludida tradução de BLANKA VERDA de Esperanto para português não ser “verde branco” como referido na douta sentença, mas antes BRANCO VERDE;
37) Sendo que este argumento já é tão frágil que diminui o valor da discussão em causa;
38) Por fim, é aludido que a admissão do registo da marca da ora RECORRENTE, poderá constituir uma utilização dissimulada do nome de uma denominação de origem e poder lesar os interesses legítimos dos produtores, remetendo para o conceito de “utilização abusiva” previsto no REG 110/2008, art. 16.º b);
39) A concorrência desleal é, efectivamente, causa autónoma da recusa do registo (art. 24.º, n.º 1 al. d) do C.P.I.) mas em reforço do já supradito, a marca da ora RECORRENTE e a Denominação de Origem da RECORRIDA, sendo diferentes entre si, são diminutas as possibilidades de os consumidores atribuírem ao produto comercializado pela ora RECORRENTE se destinar a assinalar a mesma origem.
40) Não estando perante uma situação em que o registo da marca cause à ora RECORRIDA uma situação de concorrência desleal e, por conseguinte, não se verifica nenhuma duas situações previstas no art. 24.º, n.º 1 al. d) do C.P.I.
Nestes termos e nos mais de Direto aplicável, deverá ser proferido Acórdão que julgue procedente o presente recurso, dando sem efeito a revogação decidida no tribunal a quo por violação dos preceitos legais indicados na douta decisão em crítica.
Para essa apreciação deverá ser determinada a não confundibilidade dos sinais da marca requerida - VERDA BLANKA - e da Denominação de Origem Registada - VINHO VERDE - com errada subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis, designadamente, os artigos 16.º al. b) do REG eu 110/2008 e artigos 24.º n.º 1 al. d); 239.º al. m); 306.º todos do CPI, cuja interpretação pelo tribunal a quo revela um juízo silogístico injustificado com base em procedimentos lógico-intuitivos sem fundamento.”
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4. A Recorrida apresentou Resposta ao recurso de apelação, pugnando pela manutenção do decidido pelo TPI.
5. Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
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II. Questão a decidir
a) Deve ser recusado o registo da marca nacional pedido pela Recorrente - “VERDA BLANKA” para assinalar produtos da classe 33.º -, com base na proteção devida à Denominação de Origem Protegida “VINHO VERDE”?
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III. Fundamentação
6. A decisão recorrida fixou a factualidade nos termos que se passa a expor.
“A) Os factos provados
1. Em 11.04.2022, a Recorrida pediu o registo da marca nominativa nacional nº 684340 “VERDA BLANKA”. (cf. processo INPI)
2. O pedido destinava-se a abranger os seguintes produtos da classe 33 da Classificação Internacional de Nice: vinho (cf. processo INPI)
3. O INPI concedeu o registo da marca referida em 1.º, por despacho do Diretor do Instituto, de 06.10.2022. (cf. processo INPI)
4. Em 19.12.2022, a recorrente apresentou um pedido de modificação da decisão, o qual foi indeferido por decisão da Vogal do Conselho Diretivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, de 17.04.2023. (cf. processo INPI)
5. A Recorrente COMISSÃO DE VITICULTURA DA REGIÃO DOS VINHOS VERDES, é uma associação regional, pessoa coletiva de direito privado sem fins lucrativos, que goza do estatuto de utilidade pública (Cfr. Doc nº 1 junto com o Recurso).
6. A Recorrente COMISSÃO DE VITICULTURA DA REGIÃO DOS VINHOS VERDES tem por objeto a representação dos interesses das profissões envolvidas na produção e comércio da Denominação de origem (DO) “Vinho Verde” e da indicação geográfica (IG) “Minho” e a defesa do património coletivo que as mesmas constituem, sendo sua atribuição a promoção e defesa da (DO) “Vinho Verde” e da indicação geográfica (IG) “Minho”, bem como o seu controlo, certificação e utilização. (Cfr. Doc nº 1 junto com o Recurso).
7. A expressão “VINHO VERDE” encontra-se protegida como denominação de origem pelo registo n.º 3, requerido em 19 de Janeiro de 1967 e concedido em 24 de Maio de 1971, que designa “vinhos comuns provenientes da respetiva região demarcada”, da classe 33ª. (Cfr. Doc. n.º 6 junto com o requerimento de 12.07.2023).
8. A Recorrente é, também, titular da Denominação de Origem n.º 10 “AGUARDENTE VÍNICA DA REGIÃO DOS VINHOS VERDES” e da Denominação de Origem n.º 11, “AGUARDENTE BAGACEIRA DE VINHO VERDE”, cujos registos foram concedidos em 1 de Março de 1993. (Cfr. Doc. n.º 7 A e Doc. n.º 7 B junto com o requerimento de 12.07.2023)
9. A denominação “VINHO VERDE” encontra-se, ainda, protegida como marca, através do registo da marca nacional n.º 140.300, concedido em 24 de Maio de 1971, destinando-se esta marca a assinalar “vinhos comuns provenientes da respetiva região demarcada”, da classe 33ª. (Cfr. Doc. n.º 8 junto com o requerimento de 12.07.2023).
10. O rótulo do vinho com a marca “VERDA BLANKA” que está em uso no mercado tem a seguinte imagem:


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IV. Do mérito do recurso
Deve ser recusado o registo da marca nacional pedido pela Recorrente - “VERDA BLANKA” para assinalar produtos da classe 33.º -, com base na proteção devida à Denominação de Origem Protegida “VINHO VERDE”?
7. Em causa nos autos está uma marca em confronto com uma Denominação de Origem Protegida (DOP), tendo sido recusado, pelo tribunal a quo, o registo da marca com fundamento na proteção devida ao DOP.
8. Inexiste controvérsia no que se refere à prioridade da denominação de origem e à identidade de produtos a assinalar.
9. A controvérsia emerge, num primeiro plano, do facto de a Recorrente pretender que “este douto tribunal superior se digne apreciar a eventual confundibilidade dos sinais da marca requerida - VERDA BLANKA - e da Denominação de Origem Registada - VINHO VERDE” (conclusão 3).
10. Isto porque o tribunal a quo entendeu que o que importava era “avaliar se a possibilidade de evocação da denominação de origem registada através do uso da expressão “VERDA BLANKA” é plausível e provável.” (p. 10 da decisão recorrida).
11. Ou seja, o tribunal a quo centrou a sua análise não no conceito de confundibilidade mas “em torno da noção de “evocação”, já que não está em causa o risco de confusão ou associação (requisito da imitação), mas o mero aproveitamento da imagem que beneficia a denominação de origem.” (local cit.).
12. Vejamos.
13. Antes de mais, há que esclarecer qual a legislação aqui aplicável.
14. Resulta de jurisprudência do TJUE que, no âmbito de produtos vitivinícolas, estando em causa “a proteção de uma DOP, o órgão jurisdicional de reenvio tem de aplicar exclusivamente a legislação da União aplicável na matéria” (Ac. TJUE de 9 de setembro de 2021, Comité Interprofessionnel du Vin de Champagne, C-783/19, ECLI:EU:C:2021:713, n.º 28)[1].
15. Ou seja, no que à proteção da DOP “Vinho Verde” diz respeito, é aqui exclusivamente aplicável o Regulamento (UE) n.º 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CEE) n.º 922/72, (CEE) n.º 234/79, (CE) n.º 1037/2001 e (CE) n.º 1234/2007 do Conselho.
16. Note-se que, nem o Regulamento n.º 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, é aqui aplicável, porquanto do respetivo artigo 2.º, n.º 2, são excluídos do seu âmbito de aplicação os produtos vitivinícolas.
17. Nem o Regulamento 110/2008, repetidamente invocado pela Recorrente (conclusões 17, 31 e 38) se encontra em vigor, tendo sido revogado pelo Regulamento (UE) 2019/787 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019.
18. Acresce que, diferentemente do que entende a Recorrente, também não é aqui aplicável o Código de Propriedade Industrial, em especial, o artigo 306.º invocado na conclusão 6.
19. Nem se compreende a reiterada alusão aos artigos 24.º, n.º 1, al. d) e 239.º, al. m), do Código de Propriedade Industrial (v. conclusões 23, 24, 39, 40 e respetivo Pedido), porquanto, se por um lado este diploma não é aqui aplicável, por outro, tais alíneas nem sequer existem.
20. Em suma, nada há a apontar à decisão recorrida quando se foca no conceito de “evocação” presente no artigo 103.º, n.º 2, al. b), do Regulamento (UE) n.º 1308/2013.
21. Segundo o aludido preceito, “[a]s denominações de origem protegidas e as indicações geográficas protegidas, bem como os vinhos que utilizem esses nomes protegidos em conformidade com o caderno de especificações, são protegidos contra: [q]ualquer utilização abusiva, imitação ou evocação, mesmo que a verdadeira origem do produto ou serviço seja indicada ou que o nome protegido seja traduzido, transcrito ou transliterado ou acompanhado de termos tais como "género", "tipo", "método", "estilo", "imitação", "sabor", "modo" ou similares”.
22. Mais resulta, conforme sublinhado na resposta ao recurso da Comissão de Viticultura (conclusão 8), que da conjugação do artigo 107.º, n.º 1 do Regulamento (UE) n.º 1308/2013 e respetivo Apêndice I – Zonas Vitícolas (página L347/823) que relativamente a Portugal e às superfícies plantadas com vinha na parte da região Norte bem como os concelhos de Bombarral, Lourinhã, Mafra, Torres Vedras (com exceção das freguesias da Carvoeira e dois Portos), pertencentes à região vitícola da Estremadura, “corresponde à região vitícola demarcada dos Vinhos Verdes”.
23. Por sua vez, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de “evocação” abrange a hipótese de um sinal utilizado para designar um produto incorporar uma parte de uma DOP, de modo que, perante o nome do produto em causa, o consumidor é levado a ter em mente, como imagem de referência, a mercadoria que beneficia dessa indicação ou dessa denominação (Ac. TJUE, C-783/19, supra citado, n.º 55).
24. De acordo com a mesma jurisprudência, pode ainda haver evocação de uma DOP quando, relativamente a produtos de aparência análoga, existe uma semelhança fonética e visual entre a indicação geográfica protegida ou a DOP e o sinal contestado.
25. Por último, a evocação também pode resultar de uma proximidade conceptual entre a denominação protegida e o sinal em causa.
26. De qualquer modo, conforme resulta do ponto 2 do Dispositivo do acórdão do TJUE em referência, a «evocação» “fica demonstrada quando o uso de uma denominação cria no espírito de um consumidor europeu médio, normalmente informado e razoavelmente atento e sensato, uma ligação suficientemente direta e unívoca entre essa denominação e a DOP. A existência dessa ligação pode resultar de vários elementos, em especial, a incorporação parcial da indicação protegida, a semelhança fonética e visual entre as duas denominações e a similitude daí resultante, e, mesmo na falta desses elementos, da proximidade conceptual entre a DOP e a denominação em causa, ou ainda da semelhança entre os produtos abrangidos por essa mesma DOP e os produtos ou serviços abrangidos por essa mesma denominação”.
27. Mais resulta do ponto 3 do Dispositivo daquele acórdão que a «evocação» “não depende da verificação da existência de um ato de concorrência desleal, uma vez que esta disposição [artigo 103.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento n.º 1308/2013] institui uma proteção específica e própria que se aplica independentemente das disposições de direito nacional relativas à concorrência desleal”.
28. Feitos estes esclarecimentos, importa comparar os sinais VINHO VERDE e VERDA BLANKA para ajuizar se o conceito de evocação se mostra ou não preenchido no caso concreto, tal como fez a decisão recorrida.
29. Aqui, o tribunal a quo considerou, desde logo, que existia entre os sinais um elemento gramatical coincidente consubstanciado pelo  vocábulo VERDE, salientado que este “na marca registanda aparece convertido para o género feminino (que na realidade não existe, e que se destina a conferir originalidade ao sinal)” (p. 11 da decisão recorrida).
30. Mais considerou que no plano conceptual “VERDA BLANKA é uma adaptação da expressão VERDE BRANCO”. Neste ponto, a decisão recorrida não deixou de frisar que “[n]ão concordamos, pois, salvo o devido respeito, com a posição sufragada na decisão recorrida de que a expressão VERDA BLANKA não transmite nenhuma ideia. A expressão “VERDA BLANKA” é uma alusão direta ao vinho verde branco, que é uma das variações da denominação de origem “vinho verde”. A expressão “vinho verde branco” ou “vinho verde tinto” é, aliás, a forma usual de referenciação do vinho verde pelo público consumidor.”.
31. Neste contexto, concluiu a decisão recorrida ser provável, pela incorporação parcial da denominação de origem na marca controvertida, a que acresce o parentesco fonético e visual e proximidade conceptual, que o consumidor, perante a marca “verda blanka” seja levado a ter diretamente em mente, como imagem de referência, a mercadoria que beneficia da indicação geográfica protegida, isto é, o vinho verde.
32. Nada há a apontar à fundamentação do tribunal a quo, que se mostra em sintonia com a jurisprudência do TJUE aqui citada.
33. Assim sendo, por verificar-se no caso concreto, a efetiva evocação da DOP Vinhos Verdes, pela marca registanda Verda Blanka, resta-nos julgar o recurso improcedente.
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V. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar o presente recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente (art. 527.º n.º1 e 2 do Código de Processo Civil)
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Lisboa, 20-05-2024
Alexandre Au-Yong Oliveira
Armando Manuel da Luz Cordeiro
Eleonora Viegas
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[1] As decisões do TJUE, em sede de reenvios prejudiciais, são vinculativas não só para o respetivo tribunal requerente, mas para todos os tribunais dos Estados Membros, sob pena de inviabilizar-se o primado do direito da EU e o corolário da respetiva uniformidade (sobre estes pontos, veja-se, Fausto de Quadros, Direito da União Europeia, Almedina, 2015, 3.º ed., p. 608-611).