ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
DUPLICAÇÃO DE INDEMNIZAÇÕES
DANO BIOLÓGICO
Sumário


1 - Não pode afirmar-se que não foi produzida qualquer prova sobre determinado facto controvertido se sobre ele se pronunciou o autor em declarações de parte e a esposa ouvida como testemunha, tendo ainda sido apresentada prova documental, havendo apenas que decidir se a prova que foi produzida era ou não suficiente para que o facto alegado fosse considerado provado.
2 – Em acidente de viação que é simultaneamente acidente de trabalho, se a responsável civil nada pagou ao responsável laboral e este não teve qualquer intervenção na ação civil, não há que efetuar qualquer dedução nas quantias indemnizatórias que sejam devidas ao lesado.
3 – A pensão anual e vitalícia atribuída em sede de acidente de trabalho não tem a mesma natureza nem visa indemnizar o mesmo dano que é pressuposto na indemnização atribuída a título de dano biológico em matéria civil.
4 – Quando não seja possível apurar o montante do dano, se for ainda possível a sua demonstração, deverá proferir-se decisão que condene o réu no pagamento da quantia que se vier a liquidar em incidente ulterior, surgindo o critério da equidade apenas no âmbito deste incidente e caso tal valor continue a não ser demonstrado.
5 – Não existe perda da capacidade de ganho, mas apenas uma situação enquadrável no conceito de dano biológico, se o autor, sócio gerente de uma sociedade, continua a exercer esta atividade e a ser remunerado por ela, exercendo-a com esforços acrescidos, ainda que não possa exercer a atividade de pedreiro manual, que também exercia no âmbito da atividade daquela sociedade.

Texto Integral


Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira
2ª Adjunta: Maria Amália dos Santos

Processo 3322/21.0T8VCT.G1
Juízo Central Cível de Viana do Castelo – Juiz ... – Comarca de Viana do Castelo

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado com base no que foi efetuado na 1.ª Instância):

AA instaurou a presente ação, com processo comum, contra COMPANHIA DE SEGUROS EMP01..., S.A. pedindo que se condene a ré a pagar-lhe a indemnização global líquida de 499.082,89 euros, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efetivo pagamento; bem como a indemnização ilíquida que, por força dos factos alegados nos arts.ºs 313.º a 338.º da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior (art.º 564.º n.º 2, do C. Civil) ou vier a ser liquidada em execução de sentença (arts.º 358.º n.ºs 1 e 2 e 609.º n.º 2 e seguintes, do C. P. Civil).
Alegou, em resumo, que o acidente de trânsito que deu origem à presente ação se ficou a dever a culpa, única e exclusiva, de BB – condutor do motociclo de matrícula ..-CZ-.., seguro na ré, o qual, não respeitou o sinal de STOP e violou o disposto nos artigos 3.º, 13.º, n.º 1, 20.º n.º 1, 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, alínea c), 27.º n.º 1, 28.º, n.º 1, alínea b), do Código da Estrada.
A ré apresentou contestação, assumindo a responsabilidade relativa ao acidente, mas pugnando por uma decisão que reduza substancialmente o pedido.
Foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, proferindo-se sentença e decidindo-se:
“▪ Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido formulado na presente ação pelo A.
AA contra a R. EMP01..., condenando esta no pagamento àquele da quantia de 210.298,95 € (duzentos e dez mil, duzentos e noventa e oito euros e noventa e cinco cêntimos), sendo:
- 80.000,00 € (oitenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a prolação da presente decisão e até efetivo e integral pagamento;
- 130.000,00 € (cento e trinta mil euros) a título de défice funcional permanente da integridade física e psíquica, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento;
- 298,95 € (duzentos e noventa e oito euros e noventa e cinco cêntimos) a título de danos patrimoniais (diferenças salariais), acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento.
Custas a suportar pelas partes, na proporção dos respetivos decaimentos”.

*
Inconformadas, vieram ambas as partes apresentar recurso.

A ré apresentou as seguintes conclusões:

“1. Considerando a relevância do salário líquido para o cálculo da indemnização devida a título de dano biológico na vertente patrimonial e os recibos de remuneração e declarações que constam nos documentos ...8 a ...9 juntos com a petição inicial, é forçoso concluir que o salário líquido do A. à data do acidente era de Eur. 926,00, devendo, consequentemente, ser alterado o ponto 164 do elenco da matéria de facto dada como provada nos termos seguintes:
164. À data do acidente, o A. auferia um salário de 1200 € ilíquidos, correspondente a 926 € líquidos.
2. Considerando o depoimento da testemunha CC (supra transcrito e que aqui se dá integralmente por reproduzido por razões de síntese inerente às conclusões de recurso) e o documento junto aos autos em 11 de julho de 2023, é forçoso concluir que devem ser alterados os pontos 166, 167 e 178 do elenco da matéria de facto dada como provada, nos termos seguintes:
166. Mas, durante o referido período de tempo, o Autor recebeu da Companhia de Seguros “EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, através de acidente de trabalho, a quantia de 24.924,47 €.
167. Sofreu, assim, o Autor, a título de incapacidade temporária um prejuízo de (29.635, 12 € - 24.924,47 €)4 710,65 €.
178. No âmbito do processo de trabalho, o A. está a receber uma pensão anual e vitalícia de Eur. 10.409,00, tendo já recebido, com referência a 22 de maio de 2023, o montante de Eur. 20.894,01 a esse título, e já recebeu da R., a título de ITA, a quantia de 4.664,94 €.
3. Considerando que é a medida do salário líquido que traduz a perda de capacidade de ganho, e sendo essa a medida que tem obtido acolhimento na jurisprudência por ser a única medida compatível com um dano patrimonial efetivo, sempre se dirá que deve ser o salário líquido (e não o bruto) o considerado no cálculo da perda da capacidade de ganho.
4. É vasta a jurisprudência que efetua um desconto na indemnização pela perda da capacidade de ganho atento o seu recebimento imediato, uma vez que o capital recebido de uma só vez pode ser rentabilizado, pelo que torna-se necessário subtrair o benefício respeitante à receção antecipada de capital,
5. Considerando o salário líquido, o recebimento imediato da indemnização fixada, a percentagem de incapacidade de que ficou a padecer de 25%, e tomando como guia os sistemas de orientação maioritariamente seguidos na jurisprudência dominante e que balizam os montantes indemnizatórios dos danos corporais decorrentes de acidentes de viação, temos que o quantum indemnizatório da indemnização em apreço deve ser fixado em quantia não superior a Eur. 70.000,00.
6. Quanto ao dano biológico na vertente patrimonial e a pensão auferida pelo Recorrido ao abrigo da legislação laboral, considerou o Tribunal a quo que as mesmas não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo podendo, pois, ser pedidas as duas indemnizações (ao Tribunal do Trabalho uma, outra ao Tribunal comum), para depois ser feita a opção pela mais conveniente.
7. Sucede que, a decisão não reflete tal impossibilidade de cumulação, limitando-se a condenar a Recorrida no pagamento de 130.000,00 € (cento e trinta mil euros) a título de défice funcional permanente da integridade física e psíquica, acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento.
8. A decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à exigibilidade simultânea de duas indemnizações não cumuláveis, deixando ao lesado uma eventual escolha quanto à indemnização, gerará uma situação de mora indevida e/ou de enriquecimento sem causa, com a possibilidade de contribuir para uma (ou mais) indesejável ação de enriquecimento sem causa. Isto porque:
9. Uma vez que no momento em que a sentença transitasse em julgado, a Recorrente ficaria em mora para com o Recorrente no valor de Eur. 130.000,00, com uma penalização diária a nível de juros de mora e uma eventual sanção pecuniária compulsória, nos termos do disposto no artigo 829.º-A n.º 4 do Código Civil, ficando o Recorrido com um título executivo para com a Recorrente, podendo a qualquer instante e sem mais, executar a Recorrente, com os custos inerentes a um processo executivo e aos inconvenientes derivados de uma penhora.
10. Por outro lado, caso a Recorrente efetue o pagamento da quantia de Eur. 130.000,00 definida pelo Tribunal a quo, tal geraria imediatamente uma situação contra legem, ao abrigo do enriquecimento sem causa, tornando a Recorrente credora do Recorrido pelo menos pelo montante de Eur. 20.894,01 (correspondente às pensões pagas entre o dia ../../2021 e o dia 28 de abril de 2023), acrescido das quantias pagas a título da pensão vitalícia devida ao abrigo da legislação de Direito de Trabalho, desde ../../2023 e até perfazer o montante de Eur. 130.000,00.
11. A Recorrente não põe em causa que cada um dos tribunais – o cível e o laboral – fixará as indemnizações segundo os critérios legais aplicáveis e com total independência.
12. Porém, com o devido respeito por opinião contrária, considera a Recorrente que o Tribunal que fixa uma indemnização com o conhecimento prévio de uma indemnização (não cumulável) já fixada, tem a responsabilidade de criar as condições necessárias para evitar que a sua decisão não crie uma situação de mora indevida e/ou enriquecimento sem causa.
13. Considerando a esperança média de vida do A. (77 anos), a sua idade à data do acidente (42 anos) e o valor da pensão auferida ao abrigo do acidente de trabalho (sem prejuízo da sua atualização para montantes superiores), o A. receberá, pelo menos, o montante de Eur. 350.000,00.
14. Pelo exposto, através da indemnização previamente fixada, a seguradora de acidentes de trabalho, concreta e coincidentemente, a aqui Recorrente, irá indemnizar o Recorrido pelo menos no montante de Eur. 350.000,00, montante que irá indemnizar o Recorrido em quantia superior ao fixado pelo Tribunal a quo.
15. Assim sendo, considerando os montantes já recebidos e a receber pelo A., é manifesto que o mesmo será integralmente ressarcido pela sua perda de capacidade de ganho através da pensão referida no ponto 178 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, pensão fixada de forma prévia à decisão proferida pelo Tribunal a quo, razão pela qual deve a indemnização fixada pelo Tribunal Civil ser compensada pela mesma e reduzida a zero.
16. Caso assim não se entenda, e se considere, como considerou o Tribunal a quo, que podem “ser pedidas as duas indemnizações (ao Tribunal do Trabalho uma, outra ao Tribunal comum), para depois ser feita a opção pela mais conveniente.”, é necessário assim impor essa escolha ao Recorrido antes de ser efetuado qualquer pagamento subsequente pela Recorrente, de modo a que o mesmo não receba em duplicado qualquer indemnização.
17. Assim, impõe-se ao Recorrido, de forma prévia a ter direito a receber o montante de Eur. 130.000,00 (ou outro que vier a ser fixado) que o mesmo escolha uma das seguintes opções:
(i) se pretende efetivamente ser indemnizado por esta indemnização pelo Tribunal Civil, caso em que devem ser descontados os montantes entretanto recebidos a título da pensão na vertente de acidente de trabalho até à data da escolha, bem como deve o Recorrido requerer junto do Tribunal de Trabalho a suspensão da pensão recebida por via do acidente de trabalho até a mesma perfazer o montante recebido ao abrigo da indemnização civil; ou
(ii) se pretende receber apenas a pensão devida pelo acidente de trabalho, caso em que não receberá qualquer indemnização por perda de capacidade de ganho ao abrigo da indemnização civil.
18. Só assim, com a escolha feita antes de existir um efetivo direito a receber a indemnização civil a título de perda de capacidade de ganho, é que não será gerada uma incompatibilidade entre as indemnizações fixadas pelo Tribunal de Trabalho e pelo Tribunal Civil, responsabilidade que, com o devido respeito, impõe-se ao Tribunal Civil, dado a fixação pelo Tribunal de Trabalho ter sido prévia.
19. Considerando a alteração que se peticiona quanto aos pontos 166 e 167 da matéria de facto dada como provada, a Recorrente pagou o montante de Eur. 24.924,47 a título de incapacidade temporária, pelo que sofreu a título de incapacidade temporária um prejuízo de (Eur. 29.635, 12 - Eur. 24.924,47) Eur. 4 710,65 €.
20. Conforme resulta da sentença recorrida, a tal quantia é deduzido o montante de Eur. 4.963,89, razão pela qual não é devida a quantia de Eur. 298,95 fixada pelo Tribunal a quo a título de perdas salariais.
21. Pelo exposto, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 483.º, 562.º, 563.º do Código Civil.
22. Sendo certo que com a devida aplicação das supra identificadas normas legais, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser alterada nos termos supra expostos”.
A este recurso respondeu o autor no sentido da total improcedência da apelação.
*
O autor apresentou também recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

(as conclusões 1 e 2 não têm relevo).
“3. O Recorrente discorda da douta decisão da matéria de facto, na parte em que deu como não provada a factualidade contida nos pontos IX e X dos factos não provados.
4. Entende que tal factualidade deveria ter sido dada como provada.
5. Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são o doc. n.º ...7, junto com a p.i., designadamente, a declaração médica emitida pela Exma. Senhora Dra. DD, médica psiquiatra, datado de 07/02/2020, as declarações de parte do Autor, no excerto de minutos 28:30 a 33:10 e o depoimento da testemunha EE, no excerto de minutos 23:30 a 25:40.
6. A apelação deverá proceder, alterando-se a decisão da matéria de facto, de modo a que os factos contidos nos pontos IX e X dos factos não provados passem para o leque dos factos provados.
7. O Recorrente discorda da douta decisão da matéria de facto, na parte em que deu como não provada a factualidade contida nos pontos XIV e XV dos factos não provados.
8. Entende que tal factualidade deveria ter sido dada como provada.
9. Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são as declarações de parte do Autor, no excerto de minutos 53:30 a 56:30, o depoimento da testemunha EE, no excerto de minutos 33:50 a 35:15 e os docs. n.º ...03 e ...04, juntos com a p.i.
10. Caso porventura se entenda que foi produzida prova quanto ao material danificado, mas já não quanto ao seu valor, requer-se a V. Exas. que, julgando procedente o recurso da decisão da matéria de facto, decidam incluir no leque dos factos provados a seguinte factualidade: “O Autor viu danificadas e inutilizadas as seguintes peças de vestuário e calçado, que trajava na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação: 1 blusão; 1 camisa; 1 Tshirt; 1 par de calças; 1 par de botas. XV. E viu, ainda, danificados e inutilizados os seguintes objetos de uso pessoal, que usava, na altura do acidente: 1 capacete de proteção; 1 relógio de pulso; 1 Telemóvel.”
11. No ordenamento nacional, a indemnização pelo dano corporal passou a contempla as seguintes vertentes: indemnização por perda de capacidade de ganho, indemnização por dano biológico e indemnização por danos não patrimoniais.
12. O Tribunal recorrido fixou a indemnização devida ao Autor, para ressarcimento do parâmetro perda de capacidade de ganho, no montante de 130 000,00, valor que se afigura reduzido, face ao quadro factual acima transcrito.
13. O caso dos autos reveste-se de particularidades face aos casos clássicos de dano corporal, que convocam critérios distintos de fixação da indemnização por perda de capacidade de ganho.
14. Nos casos clássicos de dano corporal, o sinistrado tem uma profissão e, como consequência do sinistro, fica com défice funcional permanente ou incapacidade parcial permanente para o exercício dessa profissão, ou seja, fica parcialmente incapacitado para o exercício da mesma, mas ainda com capacidade para prosseguir com o seu desempenho (com ou sem esforços suplementares).
15. Em tais casos, tem sido interpretação reiterada da jurisprudência dos tribunais portugueses o de que a fixação da indemnização por perda de capacidade de ganho deve seguir fórmulas que consideram a idade do lesado, o grau de défice funcional permanente de que ficou a padecer e, por fim, o salário auferido à data do sinistro. A indemnização corresponderá, grosso modo, ao salário total que o sinistrado iria auferir no resto da vida, multiplicado pelo grau de incapacidade de que ficou a padecer.
16. Sem prejuízo do acerto de tal método, há casos em que o mesmo não se adapta, de todo, à especialidade que as circunstâncias do caso convocam, o que é notório em situações como a dos autos, em que a profissão do sinistrado tem duas componentes, mantendo o mesmo capacidade (parcial) para o exercício de uma delas, mas ficando totalmente impedido para o exercício da outra.
17. Em situações como a dos autos, em que o sinistrado fica totalmente incapaz para o exercício de uma parte das funções que desempenhava, o critério habitualmente seguido pela jurisprudência e acima referido não se revela idóneo a ressarcir cabalmente os danos sofridos pelo sinistrado, na medida em que o mesmo está pensado para situações em que a incapacidade parcial se aplica à totalidade das funções habituais do sinistrado, mas já não para outras, como a dos autos, em que o sinistrado fica totalmente incapacitado para o exercício de uma parte da sua profissão.
18. A seguir-se esse critério, a incapacidade de 100 % (IPATH) para o exercício de uma parte da sua profissão não estará a ser ressarcida nessa medida, mas apenas na medida do grau de incapacidade genericamente fixado (no caso, 25 %).
19. Casos como o dos autos convocam distintos critérios de fixação da indemnização por dano corporal, que deverão levar em conta, no entender do Recorrente: relativamente à parcela da profissão em que o sinistrado ficou parcialmente incapacitado, os métodos tradicionais de fixação da indemnização por dano corporal, ou seja, a indemnização corresponderá, grosso modo, ao salário que o sinistrado auferiria, nessa componente da sua profissão, no resto da sua vida, multiplicado pelo grau de incapacidade de que ficou a padecer; relativamente à parcela da profissão em que há incapacidade total, um método que deverá corresponder à totalidade do salário que o sinistrado auferiria, no resto da sua vida, nessa componente da sua profissão; por fim, não sendo possível determinar qual a medida da retribuição destinada a compensar cada umas das componentes da profissão do Autor, deverá recorrer-se à equidade para se fixar em 50 % o peso de cada componente na totalidade da retribuição.
20. Tendo presente a factualidade dada como provada, no que diz respeito à indemnização pela perda de capacidade de ganho, essa indemnização deveria ter sido fixada em montante não inferior a 315 000,00 €, conforme peticionado, em lugar dos 130 000,00 € fixados na douta sentença recorrida.
21. Nesta parte, a douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 562.º e 564.º, n.º 1, do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada, na parte em que condenou a Ré a pagar a quantia de 130 000,00 €, a título de défice permanente da integridade físico-psíquica, e substituída, nessa parte, por Douto Acórdão que condene a Ré a pagar ao Autor, a esse título, indemnização não inferior a 315 000,00 €.
22. A respeito da indemnização por dano biológico, o Autor parte do pressuposto da consagração do mesmo como um Tertium Genus, ao lado das vertentes tradicionais de indemnização pelo dano corporal, nos termos já expostos em parte prévia desta alegação.
23. A indemnização por dano biológico acresce à indemnização por perda de capacidade de ganho (ou seja, de retirar rendimento do trabalho, seja por efetiva perda salarial, seja pelo maior esforço despendido para alcançar o mesmo salário) e por danos não patrimoniais e corresponderá a um Tertium Genus, que abrange perda da disponibilidade do uso do corpo para os normais afazeres do dia-a-dia (que não os profissionais) e fixados numa incapacidade geral ou anátomo-funcional/fisiológica e um dano autónomo que não se confunde com o dano patrimonial futuro.
24. Estando em causa uma compensação para os atos da vida diária e pessoal não laborais (por estes estarem contemplados na indemnização por perda de capacidade de ganho), a componente dano biológico não deverá ser calculada por referência ao rendimento profissional e corresponderá, em tese, a uma compensação análoga para todos os sinistrados nas mesmas condições, independentemente do salário auferido.
25. O Tribunal recorrido não fixou ao Autor indemnização autónoma por dano biológico, incluindo toda a parcela indemnizatória relativamente à incapacidade parcial de que o Autor ficou a padecer numa única rúbrica, que designou como indemnização por défice funcional permanente da integridade física e psíquica, que fixou em 130 000,00 €.
26. O Recorrente entende, desde logo, que, como Tertium Genus e rúbrica indemnizatória autónoma da perda de capacidade para o trabalho, o dano biológico deveria dar origem a uma rúbrica indemnizatória autónoma.
27. Assim, tendo presente a factualidade dada como provada, no que diz respeito à indemnização por dano biológico, essa indemnização deveria ter sido fixada em montante não inferior a 75 000,00 €, perfazendo, assim, a soma das rúbricas indemnizatórias por perda de capacidade de ganho (315 000,00 €) e por dano biológico (75 000,00 €) um total de 390 000,00 € conforme montante peticionado na p.i.
28. Nesta parte, a douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 562.º e 564.º, n.º 1, do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada, na parte em que não fixou rúbrica indemnizatória autónoma para o dano biológico e substituída, nessa parte, por Douto Acórdão que condene a Ré a pagar ao Autor, a esse título, a quantia de 75 000,00 €, a qual, somada à indemnização por perda de capacidade de ganho referida no precedente capítulo desta alegação (315 000,00 €), perfaz o montante global indemnizatória, a título de dano biológico e perda de capacidade de ganho, de 390 000,00 €.
29. No quadro factual constante dos autos, a fixação da indemnização por danos de natureza não patrimonial em 80 000,00 € peca por defeito.
30. No que diz respeito aos danos de natureza não patrimonial (de elevada monta, como resulta da matéria de facto dada como provada), tendo sempre presente o limite do pedido formulado pelo Autor, deveria ter sido fixada indemnização de valor não inferior a 100 000,00 €.
31. A douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 496.º, n.º 1 e 562.º do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada, na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor quantia de 80 000,00 €, a título de danos de natureza não patrimonial, e substituída, nessa parte, por Douto Acórdão que condene a Ré a pagar ao Autor 100 000,00 €, a título de danos de natureza não patrimonial, acrescidos de juros moratórios.
32. A douta sentença recorrida fixou em 298,95 € a indemnização por danos patrimoniais.
33. Nesta parte, a douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 483.º, n.º 1 e 562.º do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada, na parte em que fixou a indemnização por danos patrimoniais em 298,95 €, e substituída por douto acórdão que fixe essa indemnização nos montantes de 1 688,77 € (diferenças remuneratórias) e 1 980,00 € (roupa e objetos de uso pessoal) ou, quanto a este último valor, caso não se apure o valor de tais bens, em indemnização a liquidar em execução de sentença, ao abrigo do disposto no art. 608.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil”.
A ré pugnou pela improcedência da apelação.
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Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se:

1 - existe fundamento para alterar a decisão da matéria de facto, nos termos propostos por autor e ré;
2 - o facto de o acidente os autos ser também acidente de trabalho tem relevância para o montante indemnizatório a fixar nos presentes autos;
3 - está devidamente calculada a indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais.
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III - Fundamentação de facto:

Os factos que foram dados como provados na decisão proferida foram os seguintes:

“1. O Autor – AA – era, à data de ../../2019, dono e legítimo proprietário do motociclo de matrícula ..-HD-...
2. No dia ../../2019, pelas 14h00m, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada ..., junto à casa de habitação com o número de polícia “...26”, ali existente, na ... da Estrada ..., tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-....
3. Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos:
– o motociclo de matrícula ..-HD-..;
– o motociclo de matrícula ..-CZ-...
4. O motociclo de matrícula ..-HD-.. era, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, conduzido pelo A.
5. A Estrada ..., no local da deflagração do sinistro, configura um traçado retilíneo.
6. Com um comprimento superior a trezentos metros.
7. Esse troço de reta é delimitado pelo lado Nascente – ou seja, pelo lado de ... – por uma curva que a Estrada ... ali configura.
8. Descrita para o lado direito.
9. Tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01- ....
10. Situada a uma distância superior a cem metros do preciso local onde eclodiu o acidente de trânsito.
11. A faixa de rodagem da Estrada ... tem uma largura de 5,70 metros.
12. O seu piso era pavimentado a asfalto.
13. O tempo estava bom e seco.
14. E o pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada ... encontra-se limpo, seco e em bom estado de conservação.
15. Pelas suas duas margens, a faixa de rodagem da Estrada ... apresentava bermas.
16. Pavimentadas a terra batida, sobre as quais cresciam ervas.
17. Com uma largura de:
a) de 2,00 metros, a situada na ... da referida via, tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-...;
b) 1,50 metros, a situada na margem esquerda da referida via, tendo em conta o mesmo indicado sentido de marcha: ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-....
18. O plano configurado pelo pavimento térreo dessas duas referidas bermas encontra-se situado sensivelmente ao mesmo nível do plano configurado pelo pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada ....
19. Pelo lado exterior da berma térrea situada na ... da Estrada ..., tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-..., existiam, de forma contínua, muros de vedação de logradouros de casas de habitação.
20. Ali existentes na ... da referida via – Estrada ... -, tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-....
21. Nomeadamente, das casas de habitação com os números de polícia “...20” e “...26”.
22. Esses muros de vedação dos logradouros das supra-referidas casas de habitação têm uma altura de 1,50 metros.
23. Pelo lado exterior da berma térrea situada na margem esquerda da Estrada ..., tendo em conta o sentido ..., existiam terrenos de cultivo marginais, em relação à referida via.
24. A visibilidade no local do sinistro era muito boa.
25. O local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação configura-se como uma localidade.
26. O local onde eclodiu o acidente de trânsito que está na génese da presente ação situa-se numa zona da Estrada ..., que se situa entre as placas, fixas em suporte vertical, que avisam e assinalam a existência e a presença do núcleo urbano, comercial, habitacional, freguesia e localidade de ..., concelho ...: SINAL N1a.
27. Para quem circula pela Estrada ..., no sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Estrada Nacional nº ...01, antes de chegar ao preciso local da deflagração do acidente de trânsito, deparava com um sinal, fixo em suporte vertical, de forma circular, com a sua orla pintada a cor vermelha, com o seu fundo branco, sobre o qual se encontrava, pintada a cor preta, a inscrição “50”: PROIBIÇÃO DE EXCEDER A VELOCIDADE MÁXIMA DE CINQUENTA (50,00) QUILÓMETROS POR HORA – SINAL C13.
28. A Estrada ... encontrava-se, à data do sinistro, aberta aos dois sentidos de trânsito.
29. A faixa de rodagem da Estrada ... apresentava-se subdividida em duas hemi-faixas de rodagem distintas.
30. Com uma largura de 2,85 metros, cada uma.
31. A hemi-faixa de rodagem, resultante da supra-referida subdivisão, situada do lado Norte, destina-se ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Estrada Nacional nº ...01.
32. A hemi-faixa de rodagem, resultante da supra-referida subdivisão, situada do lado Sul, destina-se ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-....
33. A uma distância de cinquenta metros a Nascente do local onde deflagrou o acidente de trânsito que deu origem à presente ação – do lado de ... -, a Estrada ... configura um entroncamento.
34. No topo da Rua ..., para quem circula no sentido convergente em relação à faixa de rodagem da Estrada ... – lugar de .../... - existia um sinal de forma octogonal, com a orla branca e com o fundo de cor vermelha, sobre o qual se encontrava pintada a cor branca, a inscrição “STOP”: Sinal B2 - Paragem Obrigatória na Intersecção.
35. No dia ../../2019, pelas 14h00m, o Autor conduzia o seu referido motociclo de matrícula ..-HD-.., pela Estrada ....
36. O motociclo de matrícula ..-HD-.. desenvolvia a sua marcha, no sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-....
37. O motociclo de matrícula ..-HD-.. – propriedade do Autor - circulava rigorosamente pela metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o seu indicado sentido de marcha.
38. Com os seus rodados a uma distância não superior a 0,20 metros do limite do lado direito da hemi-faixa de rodagem do lado direito da Estrada ..., tendo em conta o sentido ....
39. O A. não conduzia a mais de 40 kms/h.
40. Quando rodava nas circunstâncias atrás referidas e quando se encontrava a circular no sector de reta que a Estrada ... configura no preciso local da deflagração do acidente de trânsito, o Autor apercebeu-se de que, nesse preciso momento, surgiu um outro motociclo, a circular pela Rua ....
41. Esse motociclo circulava no sentido Norte-Sul, ou seja, lugar de .../....
42. Esse motociclo circulava a uma velocidade superior a oitenta quilómetros por hora.
43. Esse motociclo, de matrícula ..-CZ-.., era conduzido pelo seu proprietário BB.
44. Ao chegar ao topo da Rua ..., o condutor do motociclo de matrícula ..-CZ-.. – BB – não reduziu a velocidade que imprimia ao referido motociclo.
45. BB, ao chegar ao topo da Rua ..., no preciso local da sua confluência com a Estrada ..., não imobilizou a sua marcha.
46. Nem parou o motociclo que tripulava em obediência do Sinal “STOP” – Sinal B2 -, ali existente, fixo em suporte vertical.
47. BB penetrou com o motociclo na faixa de rodagem da Estrada ....
48. E levou, de imediato, a efeito a manobra de mudança de direção à sua direita.
49. BB passou, de imediato, a circular com o motociclo pela Estrada ..., no sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Estrada Nacional nº ...01, sempre animado de uma velocidade superior a oitenta quilómetros por hora.
50. BB não prestava qualquer atenção à atividade – condução – que executava.
51. Nem aos restantes motociclos que, na altura, transitavam pela Estrada ....
52. BB vinha a olhar para o seu lado esquerdo, em direção aos terrenos situados na margem esquerda da Estrada ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Estrada Nacional nº ...01.
53. Logo que penetrou na Estrada ..., BB transpôs, com o motociclo de matrícula ..-CZ-.., a linha correspondente ao eixo divisório da referida via: Estrada ....
54. BB passou de imediato a circular, com o motociclo de matrícula ..-CZ-.., totalmente sobre a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Estrada Nacional nº ...01.
55. Totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-..., que estava reservada à circulação do motociclo de matrícula ..-HD-.., conduzido pelo Autor.
56. O Autor travou, de imediato, o motociclo que tripulava.
57. Infletiu o motociclo que tripulava ainda mais para o seu lado direito.
58. Encostou os rodados do motociclo ao limite do lado direito da metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-....
59. Acionou, de forma insistente, o sinal acústico – “apito” – do motociclo de matrícula ..-HD-...
60. E imobilizou, completamente, o motociclo de matrícula ..-HD-...
61. Quando se encontrava assim, completamente parado e imobilizado, com os seus rodados totalmente encostados ao limite do lado direito da metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-....
62. O motociclo conduzido pelo Autor foi violentamente embatido pelo motociclo de matrícula ..-CZ-.., conduzido pelo BB.
63. BB prosseguiu totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-....
64. Que estava reservada à circulação do motociclo de matrícula ..-HD-.., propriedade do Autor AA e, na altura, por ele próprio conduzido, ao longo de uma distância de cinquenta metros.
65. Até que, sem sequer travar e sem reduzir a velocidade de que seguia animado – superior a oitenta quilómetros hora, BB embateu com o motociclo de matrícula ..-CZ-.. – por si tripulado, contra o motociclo de matrícula ..-HD-.., conduzido pelo A.
66. O embate ocorreu totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-....
67. Essa colisão verificou-se entre a parte frontal – roda da frente – do motociclo de matrícula ..-HD-.. – propriedade do Autor - e a parte frontal – roda da frente - do motociclo de matrícula ..-CZ-.., conduzido pelo BB.
68. E essa colisão ocorreu numa altura em que o motociclo de matrícula ..-HD-.., propriedade do Autor, estava já totalmente parado e imobilizado, totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-....
69. Com os seus rodados totalmente encostados ao limite do lado direito da metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido ....
70. Após a referida colisão, o motociclo de matrícula ..-HD-.., propriedade do Autor, foi projetado para o seu lado direito.
71. Até que ficou imobilizado totalmente sobre a berma térrea situada na ... da Estrada ..., tendo em conta o sentido ....
72. Totalmente encostado ao muro de vedação do logradouro da casa de habitação, com o número de polícia “...26”, propriedade de FF, ali existente, sita na ... da Estrada ..., tendo em conta o sentido ....
73. Com a sua parte frontal apontada no sentido Poente, em direção à Estrada Nacional nº ...01.
74. E com a sua parte traseira apontada no sentido Nascente, em direção a ....
75. O Autor ficou deitado no solo, também totalmente sobre a berma térrea situada na ... da Estrada ..., tendo em conta o sentido ....
76. Totalmente encostado ao muro de vedação do logradouro da casa de habitação, com o número de polícia “...26”.
77. Após a supra-referida colisão, o motociclo de matrícula ..-CZ-.., tripulado pelo BB, ficou imobilizado sobre a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente; sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido ..., ou seja, Estrada Nacional nº ...01-..., que estava reservada à circulação do motociclo de matrícula ..-HD-.. conduzido pelo A.
78. Com a sua parte frontal apontada no sentido Poente, em direção à Estrada Nacional nº...01.
79. E com a sua parte traseira apontada no sentido Nascente, em direção a ....
80. Logo após a deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, a Ré Companhia de Seguros “EMP01..., S.A.”, através dos seus serviços técnicos, levou a efeito as pertinentes averiguações tendentes ao apuramento das causas que estão na génese do acidente do sinistro dos presentes autos.
81. Concluiu que a culpa na produção do acidente de trânsito que deu origem à presente ação é, única e exclusivamente, imputável ao condutor do motociclo de matrícula ..-CZ-.. – BB.
82. Assumiu a responsabilidade pelas consequências danosas do acidente de trânsito que está na origem da presente ação.
83. E pagou já, ao Autor – AA – a quantia de 7.423,00 €, correspondente ao valor do motociclo de matrícula ..-HD-...
84. Como consequência direta e necessária do acidente, resultaram, para o Autor traumatismo crânio-encefálico – da queda no solo -, traumatismo abalamento do embate - da coluna lombar, dorsal e cervical, traumatismo do ombro esquerdo, traumatismo do membro superior esquerdo, traumatismo da mão esquerda, feridas nos nódulos dos dedos – indicador e máximo – da mão esquerda, escoriações na mão esquerda, rotura/esmagamento do plexo braquial esquerdo, axonotmesis grave (total?) do tronco primário superior do plexo braquial esquerdo, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo.
85. Logo após a deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, o Autor ficou prostrado no solo cerca de quarenta e cinco minutos a aguardar a chegada do I.N.E.M.
86. O Autor foi transportado na ambulância do I.N.E.M., para o Hospital ..., de ..., EPE, em maca.
87. O Autor foi recebido no Hospital ..., de ....
88. Onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respetivo Serviço de Urgência.
89. Foram-lhe, aí, efetuados exames radiológicos – R.X. – à coluna cervical, ao ombro esquerdo e ao membro superior esquerdo.
90. Foram-lhe, aí, efetuadas Tomografias Computorizadas – TACs, à coluna cervical, ao ombro esquerdo e ao membro superior esquerdo.
91. Foram-lhe, aí, efetuadas Ecografias ao ombro esquerdo e ao membro superior esquerdo.
92. Foi-lhe, aí, efetuada desinfeção às feridas sofridas, nos nódulos dos dedos da mão esquerdo – dedo indicador e dedo máximo.
93. Foi-lhe, aí, efetuada sutura das referidas feridas sofridas.
94. O Autor manteve-se, no Serviço de Urgência, do Hospital ..., de ..., EPE, até às 02h00m da madrugada do dia 26 de Maio de 2019.
95. O Autor apresentava parestesias (paralisia) do membro superior esquerdo.
96. O Autor foi internado, no Serviço de Ortopedia – Piso ... -, do Hospital ..., de ....
97. Onde se manteve, ao longo de um período de tempo de seis dias, até dia 30 de Maio de 2019.
98. Durante esse período de tempo de internamento, no Hospital ..., de ..., EPE, o Autor manteve-se retido no leito.
99. O Autor apenas se ausentou do Hospital ..., de ..., EPE, no dia 29 de Maio de 2019.
100. Para se deslocar ao Hospital ....
101. Para ser submetido a uma consulta da Especialidade de Cirurgia Plástica.
102. O Autor passou a frequentar a Consulta da Especialidade de Cirurgia Plástica, do Hospital ....
103. No dia 30 de Maio de 2019, o Autor obteve alta hospitalar do Hospital ..., de ..., EPE.
104. E regressou à sua casa de habitação, sita no Caminho ..., ..., freguesia ..., concelho ....
105. Onde se manteve, doente, combalido e retido no leito.
106. Ao longo de um período de tempo de três meses.
107. Sempre dependente da presença, da ajuda e do auxílio da sua esposa.
108. A qual fez a companhia de que o Autor carecia.
109. Administrava-lhe os medicamentos para debelar as dores de que o Autor era acometido.
110. Preparava-lhe e servia-lhe as refeições.
111. Fazia-lhe a higiene pessoal.
112. Vestia-o, sempre que necessário.
113. Despia-o.
114. E auxiliava-o a fazer as suas necessidades.
115. A “EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” pagou à esposa do A. os salários respetivos, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho.
116. No mês de Setembro de 2019, o Autor passou a frequentar os Serviços Clínicos da Companhia de Seguros “EMP01..., S.A.”, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho.
117. No Hospital ..., da cidade ..., nas Especialidades de:
a) Ortopedia - Dr. GG;
b) Cirurgia Plástica – Dr. HH.
118. Aonde o Autor se dirigiu por trinta e cinco vezes.
119. O Autor manteve-se a frequentar os Serviços Clínicos da Companhia de Seguros “EMP01..., S.A.” – acidentes de trabalho, no Hospital ..., da cidade ... mensalmente e, às vezes, duas vezes, por mês.
120. Desde o mês de Setembro de 2019, Até ao dia ../../2021.
121. Para consultas médicas.
122. E para a realização de Exames de Diagnóstico – Ressonâncias Magnéticas e Eletromiografias.
123. No dia 11 de Novembro de 2019, o Autor foi internado no Hospital ..., da cidade ....
124. Onde se manteve – internado, ao longo de um período de tempo de cinco dias – entre o dia 11 de Novembro de 2019 e o dia 15 de Novembro de 2019.
125. O Autor fez análises clínicas.
126. Fez um eletromiograma.
127. Foi-lhe administrada uma anestesia geral.
128. E foi submetido a uma intervenção cirúrgica.
129. À região do ombro esquerdo – Plexo Braquial Esquerdo.
130. Consubstanciada na “união” das extremidades do Plexo Braquial Esquerdo, na zona da rotura/esmagamento.
131. Após o que foram aplicados cerca de quarenta pontos de sutura, na incisão cirúrgica.
132. Após o que o Autor continuou a frequentar a consulta das Especialidades de Ortopedia e de Cirurgia Plástica, no Hospital ..., da cidade ....
133. Pelo menos, uma vez por mês.
134. Até ao dia ../../2021.
135. Durante o referido período de tempo de internamento de cinco dias, no Hospital ..., da cidade ..., o Autor manteve-se permanentemente retido no leito.
136. Com o membro superior esquerdo imobilizado, com um artefacto ortopédico e pendurado ao peito.
137. No mês de Junho de 2019, o Autor passou a frequentar Tratamento de Medicina Física e Reabilitação (MFR) – Fisioterapia.
138. Por conta e a expensas da Companhia de Seguros “EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” - acidente de trabalho.
139. Até ao mês de Março de 2021.
140. Em sessões diárias, de segunda-feira a sexta-feira, desde o dia 31 de Maio de 2019, até ao dia 9 de Março de 2021.
141. Num total de (276,00 + 20,00) duzentas e noventa e seis (296,00) sessões.
142. Na “EMP02...”, com sede em ....
143. Consubstanciadas em:
a) massagens;
b) choques elétricos;
c) movimentação do membro superior esquerdo;
d) movimentos do cotovelo esquerdo;
e) ginásio – máquinas;
f) movimento da mão esquerda – abrir e fechar a mão.
144. O médico da seguradora não prescreveu a fisioterapia.
145. O A. toma antidepressivos.
146. No Hospital ..., da cidade do Porto – Serviços Clínicos da Companhia de Seguros “EMP01..., S.A.”, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho, o Autor frequentou a consulta da Especialidade de Psiquiatria, da Dra. II.
147. O A. sofreu um enorme susto.
148. O A. sofreu a privação da sua liberdade pessoal, inerente aos períodos de acamamento, na sua casa de habitação e aos períodos de acamamento, nos hospitais – Hospital ..., de ..., EPE – Hospital ..., da cidade ..., neste caso, aquando da intervenção cirúrgica a que foi submetido.
149. Como queixas, o A. apresenta:
A nível funcional:
- Manipulação e Preensão: impossibilidade de manusear e posicionar MSE;
- Outras queixas a nível funcional: acentuada limitação funcional do membro superior esquerdo;
- refere perda de sensibilidade na face externa de todo o membro superior esquerdo;
A nível situacional:
- Atos da vida diária:
Refere dificuldade para vestir algumas peças de vestuário e tomar banho.
Refere que apenas consegue conduzir carro automático em trajetos curtos mas evita.
Medicado com cymbalta (após o acidente); Pantoc, broncodilatador e cpap, desde antes do acidente. Nega toma de analgésicos.
- Vida afetiva, social e familiar: Não pratica qualquer desporto por falta de iniciativa.
- Vida profissional ou de formação: não consegue pegar em pesos e elevá-los com a mão esquerda, tendo dificuldades na atividade de pedreiro.
150. Como sequelas das lesões sofridas, o A. apresenta:
- Membro superior esquerdo: presença de cicatriz em forma de V de 9x9 cm na região supraclavicular esquerda e compatível com os antecedentes cirúrgicos. Atrofia muscular deltoide e músculos da região proximal do braço e cintura escapular.
Ausência de mobilidade ativa do ombro, abdução e supinação do braço e flexão do cotovelo.
Extensão do cotovelo e força da mão, dedos e punho preservadas.
Portanto, sequelas de lesão do plexo branquial.
Calosidades presentes na palma da mão simétricas com o lado contralateral.
151. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/05/2021.
152. O período de repercussão temporária na atividade profissional parcial é fixável em 659 dias e o período de défice funcional temporário total é fixável em 9 dias.
153. O quantum doloris é fixável no grau 5/7.
154. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do A. é de 25 pontos.
155. As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
156. Dada a profissão do A., sócio gerente/pedreiro, é de admitir que consiga desempenhar as suas funções de sócio gerente com esforços suplementares na medida do défice atribuído mas, se formos a considerar unicamente a profissão de pedreiro, admite-se a IPATH.
157. O dano estético permanente do A. é fixável no grau 3/7.
158. O A., à data do acidente de viação, tinha quarenta e dois anos.
159. As sequelas decorrentes do acidente de viação causam ao A. um profundo desgosto.
160. O Autor era, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, como é, na presente data, sócio-gerente da sociedade comercial “EMP03..., LDA.”, com sede no lugar ..., ... ..., ....
161. Cujo objeto social é a extração, fabrico, comércio, importação e exportação de artigos de granito, designadamente soleiras e pavimentos.
162. Além das funções de sócio-gerente da referida sociedade comercial, o Autor desempenhava, na prática, a profissão de pedreiro manual.
163. Por conta da referida sociedade comercial “EMP03..., LDA.
164. À data do acidente, o A. auferia um salário de 1200 € ilíquidos.
165. Durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho, a sua entidade patronal nada lhe pagou.
166. Mas, durante o referido período de tempo, o Autor recebeu da Companhia de Seguros “EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, através de acidente de trabalho, a quantia de 24.671,23 €.
167. Sofreu, assim, o Autor, a título de incapacidade temporária um prejuízo de (29.635, 12 € - 24.671,23 €) 4.963,89 €.
168. Antes do acidente em discussão, o A. era forte, ágil, dinâmico e robusto e desempenhava facilmente todas as tarefas inerentes à profissão de pedreiro manual, por conta da “EMP03..., LDA.”, com sede no lugar ..., freguesia ..., concelho ....
169.Sopesava, manuseava, transportava e carregava todas as ferramentas indispensáveis ao exercício daquela sua profissão de pedreiro, tais como:
a) picos para trabalhar a pedra;
b) rebarbadeiras elétricas;
c) jatos de areia;
d) bujardas – máquinas de picar a pedra;
e) ferramentas ligeiras, com 5 a 8 quilogramas cada uma.
170. Conduzia e manobrava Empilhadores/Monta Cargas, Retroescavadoras, Tratores e pás carregadoras.
171. Antes do acidente, o A. adubava e tratava do jardim e da relva, num espaço à volta da sua casa de habitação.
172. Desde que sofreu o acidente, o A. já não consegue cortar a relva.
173. O A. já não consegue manusear as máquinas e ferramentas que manuseava antes do acidente necessárias ao trabalho de pedreiro.
174. Os Serviços Clínicos da Companhia de Seguros “EMP01..., S.A.”, no âmbito de acidentes de trabalho, em 26 de Maio de 2021, deram alta, ao Autor, com Incapacidade para a Profissão Habitual – IPH.
175. Para propor a presente ação, o Autor efetuou as seguintes despesas:
. obtenção do Relatório junto aos autos 610,00 €;
. deslocações diversas de táxi 1.225,00 €;
. 2 certidões da Conservatória do Registo Automóvel 34,00 €;
. 1 certidão de nascimento/Conservatória do Registo Civil 20,00 €.
176. Antes do acidente de viação em causa nos autos, o A. já conduzia um veículo automático.
177. Estava transferida para a Ré, Companhia de Seguros “EMP01..., S.A.”, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo motociclo de matrícula ..-CZ-.., através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº ...33, em vigor à data da ocorrência dos factos que estão na origem da presente ação.
178. No âmbito do processo de trabalho, o A. está a receber uma pensão, e já recebeu da R., a título de ITA, a quantia de 4.664,94 €”.

Não se provou, com relevo para a decisão da causa:
“I. O Autor viu-se na necessidade de recorrer à presença, ajuda e auxílio de uma terceira pessoa – sua esposa -, ao longo de um período de um ano, desde o dia 26 de Maio de 2019, até ao dia ../../2020.
II. O Autor andou com o membro superior esquerdo, imobilizado e pendurado ao peito, ao longo de um período de tempo de um mês.
III. Regressado à sua casa de habitação, o Autor permaneceu retido no leito ao longo de um período de tempo de um mês.
IV. Apenas retirava o artefacto ortopédico para tomar banho.
V. O Autor viu-se na necessidade de suportar esse artefacto ortopédico, desde o mês de Novembro de 2019 até ao mês de Maio de 2020.
VI. Após o mês de Maio de 2020, o Autor passou a ter necessidade de apoiar a mão esquerda no bolso das calças.
VII. Até ao mês de Setembro de 2020.
VIII. Ao mesmo tempo que frequentava a “EMP02...”, em ..., o Autor repetia os exercícios de movimentação do membro superior esquerdo e os movimentos de abertura e fecho da mão esquerda, com bola, na sua casa de habitação, com o auxílio da sua esposa e da sua filha.
IX. No mês de Agosto de 2019, o Autor foi vítima de estado ansioso-depressivo, como consequência direta e necessária do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes.
X. Por isso, o Autor consultou a Médica Psiquiatra Dra. DD, com consultório na Praça ..., na cidade ..., ao longo de três consultas.
XI. O A. receou pela própria vida.
XII. O Autor ficou a carecer de dependências (despesas) futuras, ao longo de toda a sua vida, nomeadamente:
a) necessidade de ingestão e toma de medicamentos analgésicos, anti-inflamatórios, ansiolíticos e antidepressivos;
b) necessidade de Tratamentos de Medicina Física e Reabilitação (MFR) – Fisioterapia, nas regiões do membro superior esquerdo e do ombro esquerdo, além de outras, que, no futuro, vão passar a ser afetadas pela insuficiência do ombro e membro superior esquerdo;
c) necessidade de veículo automóvel com caixa de velocidades automática e comandos manuais adaptados à sua insuficiência funcional do membro superior esquerdo;
d) necessidade da presença, da ajuda e do auxílio de terceira pessoa – ajuda humana, para a ajuda e execução de determinadas tarefas do seu dia-a-dia, tais como, vestir-se, despir-se, preparar e tomar os alimentos/levar os alimentos à boca – carne, peixe, legumes, além de outros, no mínimo, ao longo de uma hora por dia.
XIII.O A. ficou absoluta, total e irreversivelmente incapaz para o exercício de qualquer profissão.
XIV. O Autor viu danificadas e inutilizadas as seguintes peças de vestuário e calçado, que trajava na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação:
. 1 blusão de 300,00 €;
. 1 camisa de 50,00 €;
. 1 Tshirt de 30,00 €;
. 1 par de calças de 100,00 €;
. 1 par de botas de 150,00 €.
XV.E viu, ainda, danificados e inutilizados os seguintes objetos de uso pessoal, que usava, na altura do acidente:
. 1 capacete de proteção de 500,00 €;
. 1 relógio de pulso de 250,00 €;
. 1 Telemóvel de 600,00 €.
XVI. O Autor não se encontra, ainda, completamente curado, nem clinicamente estabilizado.
XVII. No futuro, em consequência do acidente de trânsito que deu origem aos presentes autos, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, o Autor vai necessitar de obter consultas médicas da Especialidade de Medicina, Ortopedia, Fisiatria, Psiquiatria e de Cirurgia, além de outras, ao longo de toda a sua vida.
XVIII. Vai ter necessidade de obter análises clínicas, de efetuar exames radiológicos, TACs, ECOS, RMNs, EMGs e outros exames complementares e meios de diagnóstico, ao longo de toda a sua vida.
XIX. Vai necessitar de se submeter a uma ou mais intervenções cirúrgicas, ao Plexo Braquial Esquerdo, ao longo de toda a sua vida.
XX. Vai necessitar de se sujeitar a um ou mais períodos de internamento hospitalar.
XXI. Vai necessitar de tomar medicamentos vários.
XXII. Vai sofrer os períodos de internamento hospitalar, inerentes a essas intervenções cirúrgicas.
XXIII. Vai sofrer os riscos e os perigos, que sempre acompanham essas operações.
XXIV. Vai sofrer os incómodos e a privação da sua liberdade pessoal, correspondentes aos períodos de internamento hospitalar.
XXV. Vai sofrer um ou mais períodos de doença, com Incapacidade Temporária Absoluta, para o trabalho – Períodos de Repercussão da Atividade Profissional Total.
XXVI. E, a final, vai ver a Incapacidade Parcial Permanente para o trabalho – Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica - de que se encontra afetado, ainda mais agravada.
XXVII. O A. necessita já e vai continuar a necessitar da presença, da ajuda e do auxílio de uma terceira pessoa, durante uma hora por dia, ao longo de toda a sua vida.
XXVIII. Para o vestir, despir, fazer a higiene pessoal e auxiliar na preparação e toma dos alimentos.
XXIX. O Autor, também, em consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, deixou de poder conduzir um veículo automóvel de comandos manuais convencionais.
XXX. Necessita, assim, de um veículo automóvel equipado com caixa de velocidades automática.
XXXI. O Autor vai ter necessidade de adquirir, por compra, um veículo automóvel ligeiro de passageiros equipado com caixa de velocidades automática e com os comandos manuais, nomeadamente à sua esquerda adaptados à sua condição de deficiente físico e motor.
XXXII. E vai ter necessidade de substituir, por compra, esse veículo automóvel, de cinco em cinco anos, periodicamente, até ao fim da sua vida.
XXXIII. O A. apresenta um défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 45 pontos”.
***
IV - Do objeto do recurso:
1.1. Em sede de recurso, os apelantes ambos os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo, de poder proceder à transcrição do excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide, por todos, Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Analisadas as alegações apresentadas, ambos os recorrentes indicam de forma correta os factos que pretendem sejam decididos de forma diversa, fundamentando a sua alegação em concretos meios probatórios que entendem permitir concluir no sentido por si proposto, fazendo menção aos específicos momentos da gravação dos depoimentos, quando aplicável, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
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1.2. Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Margarida Gomes, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
1.2.1. Vejamos a impugnação da matéria de facto apresentada pelo autor.
O autor insurge-se contra a não prova dos factos IX e X e XIV e XV.
No primeiro conjunto de facto estão as sequelas (temporárias) do foro psiquiátrico que o autor alegava ter sofrido.
Sobre os factos que elencou como não provados na sentença, referiu o Tribunal a quo “os factos não provados resultaram da total ausência de prova relativamente aos mesmos”.
O autor recorrente indica como meios de prova que permitiriam a prova dos factos IX e X o documento nº...7 e as declarações prestadas pelo autor e pela esposa, ouvida como testemunha.
Analisados os meios de prova indicados, não pode naturalmente afirmar-se que houve ausência de prova sobre tais factos (poderia, quando muito, considerar-se a prova produzida insuficiente)
O documento em causa (n.º 26 e não 27) é uma declaração da médica psiquiatra DD que afirma que o autor está a ser seguido na sua consulta desde ../../2020 (sendo a declaração de fevereiro de 2020, pensamos existir lapso na data e estar em causa a data de dezembro de 2019), à data da declaração com diagnóstico compatível com síndrome ansioso depressivo enquadrado num quadro de stress pós traumático na sequência de acidente do qual resultou uma lesão do plexo braquial com muita limitação funcional do membro superior esquerdo. Mais declara a médica que por causa desta limitação o autor teria começado a evidenciar sintomas de angústia, desânimo, irritabilidade e revolta, crises de ansiedade recorrentes desde ../../2019, cefaleias e insónia, quer fosse pelas queixas álgicas, quer emocionais. Revela que foi iniciado tratamento antidepressivo com vista ao alívio da sua sintomatologia depressiva e ansiosa, que deveria manter pelo menos durante os próximos 6 a 12 meses.
Não foi indicado o número de consultas a que o autor foi com esta médica.
Ouvidas as declarações do autor e da esposa, facilmente se percebe que ambos descrevem a mesma situação, referindo que com a melhoria da dor física, o autor ficou mais consciente das suas limitações para o futuro, sentindo-se um inútil, um estorvo, dependente da esposa para as tarefas mais básicas, tendo o autor, por sugestão da esposa, recorrido à médica psiquiatra que emitiu a declaração.
Referem ambos a mesma toma de medicação.
Nenhum indicou o número de consultas mantidas com esta médica.
Mas a esposa disse mais. Disse que o autor foi também a uma consulta com a médica do “seguro”, pelas mesmas queixas, que achou que ele estava bem medicado. Ora, esta necessidade de uma consulta de psiquiatria está evidenciada no registo clínico do autor na companhia de seguros EMP01... (no âmbito do seguro de acidentes de trabalho), como resulta de fls. 212 dos autos físicos (documento 27, 3ª parte, junto em 15/11/2021), referindo-se que o autor foi visto em consulta de psiquiatria com a Drª II no dia 03/01/2020 e que teria então declarado ter tido em 30 de agosto crise de ansiedade, tendo feito reiki e melhorado, voltando a ter novas crises de ansiedade por se sentir dependente e limitado, tendo, em 13/12/2019, sido observado em consulta privada de psiquiatria (daí que não haja dúvida que a data a considerar na declaração da médica psiquiatra DD seja de dezembro de 2019), que o teria medicado para a ansiedade, com melhoria, sem necessidade de nova medicação, com indicação de revisão daí a 2 meses, ficando logo agendada nova consulta, que se realizou, mantendo-se a medicação, com agendamento de nova consulta e assim sucessivamente, até que lhe foi dada alta dessa consulta de psiquiatria em 17/07/2020.
O próprio Tribunal a quo, quando refere o depoimento da esposa do autor, refere que a mesma explicou todas as “dificuldades vividas e todos os problemas físicos, mas também psicológicos despoletados pelo sinistro”, referindo que os depoimentos das testemunhas “mereceram a credibilidade do tribunal”.
É certo que, como refere a ré, do relatório pericial resulta a existência de “patologia psiquiátrica antes do acidente em causa, seguido em consultas particulares com Dra DD”.
Esta afirmação, contudo (que não surge fundamentada em nenhum elemento documental dos autos), não permite que se considere não provado, considerando os meios de prova referidos, o que está alegado pelo autor e que se reporta, apenas, a sequelas temporárias de natureza psiquiátrica, como consequência das lesões e sequelas sofridas com o acidente.
E não pode dizer-se que não tenha relevo para os autos, como refere a ré nas suas contra-alegações, apesar de estarem em causa sequelas temporárias, se é também objeto do recurso o valor fixado a título de danos não patrimoniais (e ainda que possa vir a concluir-se não ser de alterar o montante fixado), pois que aqueles danos, apesar de não terem dado origem a qualquer autónoma desvalorização, precisamente por serem temporários, podem e devem ser indemnizados.
 Existe, pois, prova abundante nos autos para se dar como provada parte da factualidade que, nos factos IX e X, foi considerada não provada.
Assim, em face da prova produzida, e julgando procedente a impugnação da matéria de facto apresentada pelo autor, o Tribunal adita à matéria de facto provada os seguintes factos:
179 – A partir do mês de agosto de 2019 o autor sentiu crises de ansiedade recorrentes e um estado depressivo, na sequência das lesões e sequelas resultantes do acidente em causa nos autos.
180 – Por isso, consultou a médica psiquiatra Drª DD, tendo com esta e com a médica psiquiatra indicada pela companhia de seguros no âmbito do seguro de acidente de trabalho, mantido pelo menos três consultas.
Assim, apenas não pode afirmar-se que foram três as consultas com a Drª DD, pois que esse número não está referido em nenhum elemento probatório.
 No que se reporta aos factos XIV e XV, a Mm.ª Juiz a quo limitou-se também a referir não ter sido produzida qualquer prova sobre a matéria.
Para prova destes factos, indica o autor recorrente os depoimentos também do autor e da esposa, bem como os documentos ...03 e ...04 juntos com a petição inicial.
Mais uma vez, existe prova produzida, havendo apenas que verificar se é suficiente para considerar provados os factos referidos.
O documento ...03 é uma descrição de bens, sem que se saiba quem a fez ou onde foram encontrados os valores referidos.
O documento ...04 é uma fotografia de um capacete que está visivelmente riscado. Esse mesmo capacete é visível nas fotografias juntas com a petição inicial em que se veem os veículos intervenientes no acidente caídos no chão.
Nas declarações que prestaram o autor e a esposa referiram-se ao que ficou destruído ou danificado com o acidente, nos termos alegados na petição inicial, embora os valores indicados – com maior rigor apenas pelo autor – não tenham sido sempre coincidentes com os alegados.
Em relação à roupa que o autor trazia, existe menção, no documento que regista o momento em que entrou no hospital que, após o acidente, se teria levantado pelo próprio pé e aguardado sentado pela espera de ajuda.
Considerando que as suas queixas foram de imediato no membro superior esquerdo, decorre das regras da experiência comum, já que conduzia um veículo de duas rodas, que a roupa que teria então vestida não lhe teria sido retirada com todo o cuidado, de modo a não ficar inutilizada.
Ora, esta realidade, conjugada com os depoimentos prestados, permitem considerar que existe prova suficiente para considerar como provado que a roupa vestida pelo autor ficou inutilizada como consequência do acidente.
O mesmo se diga do capacete, atentas fotografias juntas.
Mas não mais do que isso.
Em relação aos valores, nem os depoimentos foram coincidentes entre si nem coerentes com o que estava alegado.
Em relação às botas, não vemos da descrição do acidente, fundamento para as considerar danificadas ou destruídas.
Quanto ao relógio, o autor indicou uma marca para o relógio destruído, e a esposa outra.
No que se refere ao telemóvel, se o mesmo ficou destruído, seria possível exibi-lo ou fotografa-lo, como se fez com o capacete, não resultando das regras da experiência que um telemóvel, que tem naturalmente de estar acondicionado em algum sítio quando o seu portador conduz veículo de duas rodas, se inutilize quando aquele cai e o portador também.
Assim, perante a prova produzida, o Tribunal apenas pode dar como provado que:
181 – Como consequência do acidente, ficaram danificados e inutilizados:
- o capacete de proteção que o autor trazia, de valor não apurado;
- a roupa que o autor vestia e que incluía calças, t´shirt, camisa e blusão, de valor não apurado;
Procede, assim, em parte a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos pelo autor.

1.2.2. Quanto à impugnação da matéria de facto efetuada pela ré:
A primeira questão suscitada prende-se com a circunstância de ter apenas sido dado como provado o montante do vencimento ilíquido do autor (que a ré não contesta), pretendendo que seja dado como provado o montante líquido desse vencimento.
Assim, tendo sido dado como provado que o autor auferia um salário de 1.200,00 euros ilíquidos (facto 164), pretende a ré que se acrescente que tal valor corresponde a 926,00 euros ilíquidos.
Começa por dizer-se que apenas no contexto destas alegações de recurso a ré revelou ter interesse em fazer a distinção entre vencimento ilíquido e vencimento líquido, não podendo o Tribunal a quo adivinhar que essa distinção seria, nesta fase, relevante para a ré (nada na sua contestação faz apelo ao que fosse o vencimento líquido do autor, em vez do valor ilíquido por este alegado no art.º 277.º da petição inicial).
Tal não obsta, contudo, que este Tribunal de recurso possa efetuar tal clarificação (como facto complementar do facto alegado pelo autor) se os meios de prova o permitirem.
A recorrente indica como meios de prova os recibos de vencimento do autor.
Foram esses mesmos recibos que foram considerados pelo Tribunal a quo para dar como provado o valor ilíquido daquele vencimento.
Ora, desses documentos retira-se efetivamente que ao vencimento ilíquido de 1.200,00 euros corresponde a quantia líquida de 926,00 euros, sendo o valor dos descontos (para a segurança social e irs), de 274,00 euros.
Note-se que não está aqui referido o valor do subsídio de alimentação (que não é vencimento líquido nem ilíquido), carecendo de sentido o que consta referido pelo autor nas suas contra-alegações (não é este subsídio que altera o valor líquido ou ilíquido do seu vencimento).
Porém, tendo sido alegado pelo autor na petição inicial, e independentemente da valoração que se fará em sede de quantificação da indemnização, ao aditar-se o valor do vencimento líquido auferido, não pode deixar de aditar-se o montante auferido a título de subsídio de alimentação, por referência ao seu valor diário, já que, como se retira da análise dos recibos juntos, valorados pelo Tribunal e indicados por ambas as partes, este valor dependia do número de dias uteis de cada mês.
Assim, adita-se à matéria de facto provada, no facto 164, que o valor de vencimento ilíquido de 1.200,00 euros, corresponde ao valor líquido de 926,00 euros e que o autor auferia subsídio de alimentação por dia útil no valor unitário de 4,71 euros.
A ré pugna ainda a alteração dos factos 166, 167 e 178 da matéria de facto provada, considerando os pagamentos que, no decurso destes autos, foram sendo pagos ao autor no âmbito do processo de acidente de trabalho.
Sem cuidar de apreciar, aqui, se esta alteração tem verdadeira relevância para a decisão (considerando as várias soluções plausíveis de Direito), cumpre verificar se a prova produzida impõe a referida alteração.

Deu-se como provado que:

166. Mas, durante o referido período de tempo, o Autor recebeu da Companhia de Seguros “EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, através de acidente de trabalho, a quantia de 24.671,23 €.
167. Sofreu, assim, o Autor, a título de incapacidade temporária um prejuízo de (29.635, 12 € - 24.671,23 €) 4.963,89 €.
178. No âmbito do processo de trabalho, o A. está a receber uma pensão, e já recebeu da R., a título de ITA, a quantia de 4.664,94 €”.
O facto 166 reporta-se ao “referido período de tempo”, percebendo-se que o que está em causa é que o período de incapacidade para o trabalho que consta do facto 165.
O que está dado como provado é que a data da consolidação médico-legal se verificou em 25/05/2021 (facto 151), tendo estado em situação de incapacidade para o exercício do trabalho até essa data.
Quer isto dizer que se foram pagas outras quantias, a partir da referida data de 25/05/2021, tais pagamentos não se referem ao período que está identificado como o de incapacidade para o trabalho que resultou demonstrado e a que se reportam as contas do facto 167.
Tal significa que, no referido período de tempo, e só este está em causa nos factos provados, o que o autor recebeu foi efetivamente o montante em causa, pois que o restante terá sido pago por referência a momento temporal posterior a maio de 2021 (como a ré admite, ao referir as declarações da testemunha que se reportam a outros períodos).
Não existe assim fundamento para alterar a factualidade como provada, pois que esta refere-se, apenas, ao período temporal referido e os valores dados como provados são efetivamente os que se referem àquele período.
No que se refere ao facto 178, não está já em causa nenhum período temporal específico.
Porém, resulta inequívoco da prova produzida que a quantia de 4.664,94 euros não foi paga ao autor a título de incapacidade (seja parcial, seja absoluta) pois que a esse título foi, como resulta do facto 166, paga a quantia de 24.671,23 euros, até ../../2021 e, no total, como decorre do depoimento prestado pela testemunha CC, a quantia de 24.924,47 euros (é este o seu depoimento que está inclusivamente transcrito pela ré recorrente). A este valor se reporta também o documento junto pela ré com o requerimento de 03/10/2023.
A quantia de 4.664,94 euros foi paga ao autor, como resulta do documento junto pela própria ré em 11/07/2023, a título de subsídio no âmbito da lei de acidentes de trabalho (fls. 512 do processo físico).
Assim, com base no depoimento prestado por CC, invocado pela recorrente e nos documentos juntos aos autos, é possível afirmar-se que deles resulta que, no âmbito do seguro de acidentes de trabalho, o autor está a receber uma pensão anual e vitalícia de 10.409,00 euros e que a esse título, recebeu, até ../../2023, a quantia de 20.894,01 euros, tendo ainda recebido da ré, a título de subsídio devido pela lei de acidentes de trabalho, a quantia de 4.664,94 euros, alterando-se em conformidade a redação do facto 178.
Não obstante, nesta parte final, o facto 178 da matéria de facto provada não ter sido impugnado pela ré (ou pelo autor, apesar da referência que é feita no recurso a esta matéria em sede de fundamentação da decisão), tal circunstância não impede que o Tribunal altere a sua redação, considerando o que dispõe o art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil.
Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, pág. 858, “tendo a Relação reapreciado os meios de prova indicados relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente, não está o Tribunal da Relação impedido de alterar outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, desde que essa alteração tenha por finalidade ou por efeito evitar contradição entre factualidade que se pretendia alterar e foi alterada e outros factos dados como assentes em sede de julgamento”.
A menção existente na parte final do facto 178 era manifestamente contraditória com os factos dado como provados nos pontos 166 e 167 da decisão proferida.
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V – Resulta do exposto que são eliminados da matéria de facto não provada os pontos IX e X e parte dos pontos XIV e V, havendo que considerar os factos provados que acima se reproduziram com as seguintes correções e aditamentos:
164 – À data do acidente, o autor auferia um vencimento ilíquido de 1.200,00 euros, que corresponde ao valor líquido de 926,00 euros, auferindo ainda subsídio de alimentação por dia útil no valor unitário de 4,71 euros.
178 – No âmbito do processo de acidente de trabalho, o autor está a receber uma pensão anual e vitalícia de 10.409,00 euros, tendo já recebido, a esse título, com referência a 22/05/2023, a quantia de 20.894,01 euros, e recebeu da ré, a título de subsídio devido pela lei de acidentes de trabalho, a quantia de 4.664,94 euros.
 179 – A partir do mês de agosto de 2019 o autor sentiu crises de ansiedade recorrentes e um estado depressivo, na sequência das lesões e sequelas resultantes do acidente em causa nos autos.
180 – Por isso, consultou a médica psiquiatra Drª DD, tendo com esta e com a médica psiquiatra indicada pela companhia de seguros no âmbito do seguro de acidentes de trabalho, mantido pelo menos três consultas.
181 – Como consequência do acidente, ficaram danificados e inutilizados:
- o capacete de proteção que o autor trazia, de valor não apurado;
- a roupa que o autor vestia e que incluía calças, t´shirt, camisa e blusão, de valor não apurado.

VI – Apreciemos agora os fundamentos materiais do recurso, considerando as alterações introduzidas na decisão:
1 - A primeira questão a apreciar é a de saber se tem ou não relevância para estes autos o facto de este acidente ter sido também um acidente de trabalho no âmbito do qual o autor está a receber uma pensão anual e vitalícia.
A ré invoca esta questão para defender que, não sendo as indemnizações devidas cumuláveis, os termos em que a sentença foi proferida permite ao autor receber ambas as indemnizações, devendo ser deduzido ao montante da indemnização fixada o montante que o autor está a receber a título de pensão ou, pelo menos, ser este interpelado para esclarecer que indemnização pretende receber: a fixada nestes autos a título de défice funcional permanente da integridade física ou psíquica ou a que resulta do processo de acidente de trabalho.
Em causa está a quantia de 130.000,00 euros (cujo exato valor está ainda em discussão neste recurso) e que o Tribunal fixou a título de dano biológico “traduzido numa incapacidade funcional ou fisiológica de 25 pontos”.
A jurisprudência é hoje uniforme no sentido de não se proceder a qualquer dedução nas situações em que a responsável civil não ressarciu ainda a sua congénere laboral, como parece ser o caso, pois que a ré não alega ter efetuado tal ressarcimento.
Citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/07/2019, do Juiz Conselheiro Henrique Araújo, proc. 1456/15.3T8FNC.L1.S1 in www.dgsi.pt, que se reporta ao  Acórdão da Relação de Coimbra de 20/03/2012 que veio a dar origem ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2012, in www.dgsi.pt, “a indemnização laboral é consumida ou pode vir a ser consumida pela indemnização que venha a ser arbitrada com base em facto ilícito, beneficiando desta consumpção o responsável a título laboral. Pode assim afirmar-se que nestes casos de concurso de verifica-se a existência de danos distintos, cujo ressarcimento se impõe, sem que haja lugar a qualquer dedução do montante indemnizatório atribuído no foro laboral na indemnização conferida na presente ação. É que não se pode falar de cumulação de indemnizações de carácter idêntico, pelo mesmo dano.  Não pode, por conseguinte, falar-se de violação do princípio da integralidade do ressarcimento, segundo o qual o lesado não pode vir a encontrar-se numa posição patrimonial mais favorável do que aquela em que estaria se a lesão não houvesse ocorrido. O acidente não é fonte de lucro ou de enriquecimento para o lesado, não existindo uma dupla indemnização pelo mesmo dano. O montante obtido pelo lesado no foro laboral não repara o mesmo prejuízo que é pressuposto e medida da indemnização por si pretendida nesta ação. O ressarcimento concedido com base na incapacidade parcial permanente não obsta à indemnização do dano biológico: o lesado não peticiona, nesta ação, a indemnização do dano da incapacidade profissional. existe uma pluralidade de responsáveis, a título solidário, sendo um caso de solidariedade imprópria, porquanto o responsável a título laboral pode fazer repercutir no terceiro responsável a totalidade da responsabilidade que lhe cabe”.

Mas, citando esse último Acórdão: “(…) não é controvertida a conclusão segundo a qual a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respetiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado.
Desta fisionomia essencial do concurso ou concorrência de responsabilidades (que não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos) pode extrair-se a conclusão que este figurino normativo preenche, no essencial, a figura da solidariedade imprópria ou imperfeita, já que:
- no plano das relações externas, o lesado/sinistrado pode exigir alternativamente a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de que pretende obter em primeira linha a indemnização, mas sem que lhe seja lícito somar, em termos de acumulação real, ambas as indemnizações;
- no plano das relações internas, a circunstância de haver um escalonamento de responsabilidades, sendo um dos obrigados a indemnizar o responsável definitivo pelos danos causados, conduz a que tenha de se outorgar ao responsável provisório (a entidade patronal ou respetiva seguradora) o direito ao reembolso das quantias que tiver pago, fazendo-as repercutir definitivamente, direta ou indiretamente, no património do responsável ou responsáveis civis pelo acidente.
Têm sido, todavia, acentuadas algumas particularidades ou aspetos específicos e peculiares desta relação de solidariedade imprópria. Assim:
- no que toca ao regime das relações externas, acentua-se que (ao contrário do que ocorre na normal solidariedade obrigacional – art. 523º do CC ) o pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação: é que, se a indemnização paga pelo detentor ou condutor do veículo extingue efetivamente a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não será exato, na medida em que a indemnização paga por esta entidade não extinguiria a obrigação a cargo do responsável pela circulação do veiculo que causou o acidente (cfr., por exemplo, o Ac. de 19/10/10, proferido pelo STJ no P. 696/07.2TBMTS.P1.S1); e daí que se qualifique como sub-rogação legal (e não como direito de regresso) o fenómeno da sucessão da entidade patronal ou respetiva seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, referentemente à parcela da indemnização que tiver satisfeito (cfr. Acs. de 9/3/10, proferido pelo STJ no P. 2270/04.6TBVLG.P1.S1, e de 11/1/01, proferido no P. 4760/07.0TBBRG.G1.S1);
- no plano das relações internas, tem sido acentuado que o quadro normativo aplicável é o que resulta estritamente do disposto na lei dos acidentes de trabalho em vigor (atualmente, o art. 31º da Lei 100/97), sendo esse direito ao reembolso do responsável laboral efetivado necessariamente por uma de três formas:
- substituindo-se ao lesado na propositura da ação indemnizatória contra os responsáveis civis, se lhe pagou a indemnização devida pelo sinistro laboral e o lesado não curou de os demandar no prazo de 1 ano a contar da data do acidente;
- intervindo como parte principal na causa em que o sinistrado exerce o seu direito ao ressarcimento no plano da responsabilidade por factos ilícitos, aí efetivando o direito de regresso ou reembolso pelas quantias já pagas;
- exercendo o direito ao reembolso contra o próprio lesado, caso este tenha recebido (em processo em que não haja tido lugar a referida intervenção principal) indemnização que represente duplicação da que lhe tinha sido outorgada em consequência do acidente laboral”.
E conclui, terá de ser, portanto, o responsável laboral a promover qualquer uma dessas iniciativas processuais para lograr a efetivação do direito de regresso ou o reembolso das quantias que tiver pago ao sinistrado. Não faria, de facto, sentido que o lesante no acidente de viação – responsável primacial pelas consequências do facto ilícito – se desvinculasse unilateralmente da obrigação a seu cargo de suportar a integralidade da indemnização pelos danos que causou, sem que o verdadeiro titular do interesse protegido (entidade patronal e/ou seguradora) houvesse tomado qualquer iniciativa no sentido de garantir ou assegurar o direito ao reembolso das quantias pagas”.
Concorda-se na íntegra com este entendimento, pelo que, quando exista duplicação de indemnizações, e não podendo estas ser cumuladas, não havendo nota que foi proposta qualquer ação pela companhia de seguros do acidente de trabalho contra a ré, nem tendo aquela tido qualquer intervenção nos autos, pagando o responsável civil a indemnização ao autor, cabe àquele responsável laboral apenas direito de ação precisamente contra o lesado (e não já contra o responsável civil), razão pela qual não existe a situação indicada de se ver o responsável civil colocado na posição de indemnizar duas vezes o mesmo dano.
Não cremos, porém, que, nestes autos, a quantia aqui fixada a título de dano biológico – de 130.000,00 euros, mas cujo valor está ainda em discussão, considerando os recursos apresentados por ambas as partes – assuma a mesma natureza que a quantia paga a título de pensão anual e vitalícia no âmbito do processo de acidente de trabalho.
Veja-se, neste sentido, com vasta indicação de jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/03/2022, da Juiz Conselheira Maria João Vaz Tomé, proc. 119/19.4T8STR-E1.S1, in www.dgsi.pt, referindo-se ao dano biológico considerado em sede civil “verifica-se a existência de danos distintos, cujo ressarcimento se impõe, sem que haja lugar a qualquer dedução do montante indemnizatório atribuído no foro laboral na indemnização conferida na presente ação.
É que não se pode falar de cumulação de indemnizações de carácter idêntico, pelo mesmo dano.  Não pode, por conseguinte, falar-se de violação do princípio da integralidade do ressarcimento, segundo o qual o lesado não pode vir a encontrar-se numa posição patrimonial mais favorável do que aquela em que estaria se a lesão não houvesse ocorrido.
O acidente não é fonte de lucro ou de enriquecimento para o lesado, não existindo uma dupla indemnização pelo mesmo dano.
O montante obtido pelo lesado no foro laboral não repara o mesmo prejuízo que é pressuposto e medida da indemnização por si pretendida nesta ação.
O ressarcimento concedido com base na incapacidade parcial permanente não obsta à indemnização do dano biológico: o lesado não peticiona, nesta ação, a indemnização do dano da incapacidade profissional”. 
Concordando-se com este entendimento que, como se disse, é abundantemente defendido na jurisprudência dos Tribunais Superiores, torna-se claro que não existe fundamento para considerar na fixação da indemnização pelo dano biológico as quantias que foram pagas no âmbito do processo de acidente de trabalho (veja-se, para além da jurisprudência citada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça já referido, o Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 14/03/2019, proc. 2110/15.0T8VCT.G1, da Juiz Desembargadora Ana Cristina Duarte, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/05/2020, proc. 2171/17.8T8PRD.P1, do Juiz Desembargador Joaquim Correia Gomes, ambos in www.dgsi.pt.

Improcede assim a argumentação da ré recorrente tendo em vista a dedução ou a consideração dos valores pagos ou a pagar ao autor, a título de pensão anual e vitalícia, no âmbito do processo de acidente de trabalho.
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2 – Relativamente às perdas salarias, entende a ré recorrente que não é devido o pagamento do valor de 298,95 euros, considerando a alteração que propôs para a redação dos factos 166 e 167.
Ou seja, tendo o Tribunal considerado provado que a ré pagou a quantia de 24.671,23 euros, mas tendo esta pago, afinal, a quantia de 24.924,47 euros, já não estaria em dívida qualquer quantia.
Por seu turno, a título de perdas salariais, alega o autor que é devida a quantia de 1.688,77 euros, pois que deixou de auferir a quantia de 26.360,00 euros, tendo recebido apenas a quantia de 24.924,47 euros.
Não procedeu a impugnação da decisão da matéria de facto apresentada pela ré.
O que estava em causa, como se disse, era, apenas, as quantias que eram devidas a título de salário ao autor enquanto esteve sem trabalhar até à consolidação médico-legal das suas lesões, pelo que não pode deduzir-se naquele valor quantias que tenham sido pagas pela responsável laboral por situações de incapacidade em data posterior.
Perante os factos provados nos pontos 166 e 167, o autor deixou de receber a quantia de 4.963,89 euros.
A este valor, o Tribunal a quo deduziu ainda a quantia de 4.664,94 euros referida no ponto 178 da matéria de facto provada.
Ora, como resulta claro da decisão supra proferida relativamente à redação deste facto 178, a quantia referida não se reporta a qualquer indemnização por incapacidade temporária e não podia, assim, ser deduzida ao prejuízo que, a título salarial, se deu como provado ter sido sofrido pelo autor enquanto esteve incapaz de trabalhar.
Acresce que, tal como supra se decidiu, ainda que tal quantia se reportasse a uma indemnização por incapacidade temporária, não haveria que fazer tal dedução, por iniciativa do Tribunal, desonerando a ré do pagamento da indemnização que estava obrigada a suportar, sem que a responsável laboral tomasse a iniciativa de exigir tal reembolso.
É certo que, na pretensão formulada na petição inicial, o autor deduziu ele próprio ao montante que entendia ser-lhe devido – 29.635,12 euros – a quantia que recebeu da responsável laboral – 4.963,89 euros. Tal dedução, por iniciativa do autor, não legitimaria qualquer outra dedução sem que o autor a requeresse, optando pela indemnização civil. Como se disse supra, nesta situação, o reembolso á responsável laboral depende sempre da sua iniciativa.
Improcede assim o recurso da ré quando defende que não é devida a quantia de 298,95 euros.
Resulta claro do exposto que este Tribunal entende, perante a redação dos factos 166, 167 e 178, que seria devida ao autor a quantia de 4.963,89 euros a título de diferenças salariais até ao momento da consolidação médico-legal das suas lesões, não havendo fundamento para deduzir o montante de 4.664,94 que recebeu a título de subsídio resultante da lei de acidentes de trabalho.
Porém, o autor, no recurso que interpôs, pugna pela alteração da decisão, neste segmento, apenas quanto ao valor de 1.688,77 euros, ignorando o que está considerado como provado no facto 167. Com efeito, deduz o montante que recebeu da responsável laboral – 24.671,23 euros - não ao valor de 29.635,12 euros considerado provado naquele facto 167, mas ao valor de 26.360,00 euros.
Perante o recurso de ambas as partes sobre esta questão, visando a ré ser absolvida do pagamento da quantia de 298,95 euros e o autor a sua condenação no pagamento da quantia de 1.688,77 euros, entendendo este Tribunal de recurso que seria devida a quantia de 4.963,89 euros, não pode, naturalmente, condenar para além do pedido formulado pelo autor em sede de recurso e, assim, julga-se, nesta parte, totalmente improcedente o recurso apresentado pela ré e procedente o recurso apresentado pelo autor, condenando-se a ré no pagamento, apenas, da quantia de 1.688,77 euros.
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3 – É ainda objeto do recurso apresentado pelo autor o pedido relativo à factualidade impugnada em sede de matéria de facto e relativo a roupa, calçado e objetos pessoais que trazia consigo no momento do acidente e que afirmava terem ficado danificados ou destruídos.

Peticionava na ação, e reitera tal pretensão em sede de recurso, a condenação da ré no pagamento da quantia de 1.980,00 euros.

Em resultado da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, está agora provado que:

181 – Como consequência do acidente, ficaram danificados e inutilizados:
- o capacete de proteção que o autor trazia, de valor não apurado;
- a roupa que o autor vestia e que incluía calças, t´shirt, camisa e blusão, de valor não apurado.
O autor demonstrou o dano sofrido, apenas em relação aos bens referidos, mas não o seu montante.
Quanto aos demais, não demonstrou o dano, sendo, por isso, improcedente a apelação.
E o que fazer quando, estando demonstrado o dano, não está demonstrado o seu montante?

Dispõe o art.º 566º, nº3, do C. Civil que se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver como provados, dispondo, porém, o art.º 609º, n.º 2, do C. P. Civil que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado.
Entende-se que a compatibilização destas normas permite que a indemnização seja fixada de acordo com a equidade apenas se resultar claro que não é possível a sua concreta quantificação, pois que, nesta situação, haverá que proferir uma sentença condenatória para liquidação em decisão ulterior – vide, neste sentido por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/03/2024, da Juiz Desembargadora Isabel Peixoto Pereira, proc. 1315/17.4T8PVZ.P1, in www.dgsi.pt.
Ora, na situação dos autos, entendemos que tal liquidação ulterior é ainda possível e, assim, será a ré condenada a pagar a indemnização que vier a ser liquidada em incidente ulterior, tendo como limite máximo o valor peticionado nesta ação para cada um daqueles bens (300,00 euros para o blusão, 50,00 euros para a camisa, 30,00 euros para a t’shirt, 100,00 euros para as calças e 500,00 euros para o capacete).
Procede, assim, nesta parte, o recurso apresentado pelo autor, sendo improcedente quanto aos demais bens.

4 – Quanto a danos não patrimoniais, insurge-se o autor contra o valor que foi fixado – 80.000,00 euros – propondo o valor de 100.00,00 euros.
Quanto aos danos não patrimoniais, preceitua o art.º 496.º, nº1, do C. Civil que na fixação da indemnização devem atender-se os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
A indemnização deste tipo de danos não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas antes oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido - cfr. A. Varela, in Das Obrigações em Geral, I.º Vol., p. 560; Rui Alarcão, in Direito da Obrigações, p. 270.
Conforme prescrevem os art.ºs. 494.º, 496.º e 566,º, n.º3, do C. Civil, o montante da compensação pelos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso - dolo, ou mera culpa do lesante -, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica deste e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
No Código Civil Anotado de Pires Lima e Antunes Varela, I.º Volume, pág. 499, pode ler-se: “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, e não à luz de fatores subjetivos - de uma sensibilidade particularmente embotado ou especialmente requintada”.
Começa por dizer-se que é total a falta de razoabilidade do autor.
Na sua petição inicial, o autor requeria a condenação da ré no pagamento daquela quantia, alegando que o autor sofria, no mínimo, de um défice funcional na sua capacidade física e psíquica de 45 pontos e, portanto, que as sequelas de que padecia lhe causavam o sofrimento inerente a esses 45 pontos de afetação.
Alegava ainda que as lesões e as sequelas sofridas representavam um quantum doloris de grau 6, numa escala de gravidade crescente de 7 graus, tendo um dano estético de grau 5, na mesma escala, com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 3, numa escala de gravidade crescente de 5 graus.

O que se provou foi que:
- o défice fixou-se afinal em 25 pontos;
- o quantum doloris fixou-se em grau 5;
- o dano estético fixou-se em grau 3;
- não foi fixada qualquer repercussão das sequelas do acidente nas atividades acima referidas.

Perante este confronto entre o que alegou o autor em 2021 para peticionar a quantia de 100.000,00 euros a título de danos não patrimoniais e o que resultou provado e permitiu ao Tribunal fixar a indemnização de 80.0000,00 euros, não pode o autor, em consciência, argumentar que o valor atribuído peca por defeito, ainda que este Tribunal tenha aditado à matéria de facto provada as sequelas temporárias do foro psíquico sofridas pelo autor.
Nenhum argumento sério ou consistente alega o autor que nos permitisse concluir que teria o Tribunal a quo sido miserabilista perante o pedido que formulou para uma realidade que, manifestamente, não demonstrou. Aliás, nesta parte, a fundamentação do recurso resume-se a dois parágrafos em que se afirma, de forma conclusiva, a incorreção da decisão.
Improcede, assim, a apelação do autor no que a danos não patrimoniais se refere.  

5 – Ambas as partes apresentam recurso de apelação, considerando a indemnização fixada a título de dano biológico – 130.000,00 euros.
O autor pugna pela atribuição de duas diferentes indemnizações, uma a título de perda de capacidade de ganho – 315.000,00 euros - e outra a título de dano biológico – 75.000,00 euros.
A ré defende que a indemnização por dano biológico deverá ser fixada em 70.000,00 euros, devendo ter-se em atenção o valor do salário líquido do autor e o facto de se estar a atribuir um valor indemnizatório global que é entregue de uma vez só, havendo por isso que fazer-se uma correção no valor alcançado.
Começa por dizer-se que a distinção que agora é efetuada pelo autor não foi efetuada na sua petição inicial (veja-se art.º 307.º da sua petição inicial), sendo que os pressupostos alegados eram então, com maior gravidade dos que se vieram a demonstrar, os mesmos.
Carece mais uma vez de qualquer sentido que o autor tenha formulado um pedido de 390.000,00 euros de indemnização considerando um défice funcional físico e psíquico de de 45 pontos e, demonstrados que foram 25 pontos, num quadro factual de menor gravidade do que aquele que foi alegado na petição inicial, entenda como razoável apelar da sentença proferida para que seja fixado aquele mesmo exato montante de indemnização.
No critério que o próprio autor utilizou, com os 25 pontos de défice, em vez de 45 pontos, a indemnização nunca poderia ascender a 390.000,00 euros.
A propósito do conceito de dano biológico, escreve a Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo in “O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos – Breve contributo», Revista Julgar, n.º 46 (2022), págs. 268 e seg., “coexistem na doutrina e na jurisprudência diferentes aceções de dano biológico. Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, atualmente o significado com que mais frequentemente tal expressão é usada é aquele que correspondente à de consequências patrimoniais da incapacidade geral ou genérica do lesado, aferida em função das Tabelas de Incapacidade Geral Permanente em Direito Civil”.
Estabelece o n.º 2 do art.º 564.º do C. Civil que devem ser tidos em conta os danos futuros desde que previsíveis. Ou seja, devem ser indemnizados os danos que ainda não se concretizaram, mas que, de acordo com o curso normal das coisas, sempre virão a concretizar-se no futuro.
E se é certo que o cálculo da indemnização em dinheiro deve ser feito segundo a denominada fórmula ou teoria da diferença, prevista no n.º 2 do art.º 566.º do C. Civil, quando é indeterminado o montante dos danos, impõe a lei que o Tribunal julgue equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3 do citado art.º 566.º).
É hoje pacificamente entendido na jurisprudência que a utilização de critérios de equidade não pode deixar de considerar as exigências decorrentes do princípio da igualdade, no sentido de uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo de serem atendidas as especificidades de cada caso concreto (vide, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/2023, proc. 5986/18.6T8LRS, do Juiz Conselheiro António Barateiro Martins, in www.dgsi.pt).

Como decorre do teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  30/03/2023, in www.dgsi.pt, proc. 4160/20.6T8GMR, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, citando vária jurisprudência daquele Tribunal Superior sobre esta matéria,  considera-se hoje que “não sendo, em regra, possível calcular a indemnização pela perda da capacidade geral de ganho através da aplicação da fórmula da diferença consagrada no n.º 2 do art. 566.º do Código Civil, a indemnização deve ser fixada segundo juízos de equidade nos termos do n.º 3 do mesmo artigo. Considera-se que os fatores essenciais a ter em conta podem ser assim elencados:
i) Idade do lesado à data do sinistro;
ii) Esperança média de vida do lesado à data do acidente;
iii) Índice de incapacidade geral permanente do lesado, fixado segundo as Tabelas de Incapacidade Geral Permanente em Direito Civil;
iv) Potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências;
v) Conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de atividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações e/ou formação”.

Este entendimento, que é também o nosso, afasta-nos por completo do recurso a fórmulas matemáticas, sejam elas quais forem, para que seja alcançado o montante da indemnização, pois que as mesmas devem servir essencialmente como instrumento de trabalho e não como critérios de determinação rígidos.
Começa por evidenciar-se que não resulta demonstrada qualquer autónoma perda de capacidade de ganho, apesar do que consta provado no facto 156: “dada a profissão do autor, sócio gerente / pedreiro, é de admitir que consiga desempenhar as suas funções de sócio-gerente com esforços suplementares, na medida do défice atribuído, mas, se formos a considerar unicamente a profissão de pedreiro, admite-se IPATH”.
Com efeito, o autor era e é sócio gerente de uma empresa que se dedica à extração, fabrico, comércio, importação e exportação de artigos de granito, designadamente soleiras e pavimentos e, se está também demonstrado que desempenhava a profissão de pedreiro manual, o vencimento que auferia e está demonstrado era relativo à atividade desenvolvida naquela sociedade (de que é sócio), não resultando dos autos que deixará de o auferir.
Nesta situação, é evidente que a perda de rendimento do autor poderia resultar de um menor lucro da sociedade, por ter necessidade de contratar um novo trabalhador pedreiro manual ou pagar mais aos demais, de forma a compensar o trabalho manual que terá de deixar de fazer, mas tal factualidade não resulta alegada.
Não há assim fundamento para indemnizar autonomamente qualquer perda de rendimento resultante da impossibilidade de o autor exercer a atividade de pedreiro manual, improcedendo, neste contexto, o fundamento do recurso do autor (sendo certo que esta indemnização, se fosse fixada, não poderia, ela sim, ser cumulada com a pensão anual e vitalícia que está a ser paga ao autor pela responsável laboral, ainda que se mantivesse o entendimento de não ser neste processo que se faria qualquer dedução do valor da mesma).
 Muito do que o autor alega, entendemos, deve, porém, ser considerado para se verificar se o valor fixado a título de dano biológico deve ou não ser alterado.
Este Tribunal de recurso não está impedido de fazer um diferente enquadramento jurídico do dano provado, pelo facto de o autor distinguir, no seu recurso, o dano da perda de capacidade de ganho do dano biológico.
A situação dos autos não é linear.
Se os 25 pontos de défice funcional na integridade física e psíquica do autor não suscitam dúvidas, as sequelas apresentadas são compatíveis com a sua atividade profissional de sócio gerente da empresa por si detida, com esforços acrescidos (o que é por si só relevante), mas não já o exercício da atividade profissional de pedreiro, que também exercia, no âmbito da atividade daquela sociedade.
Está demonstrado que, para o âmbito do exercício desta atividade, o autor está incapaz de a exercer (é este o conceito de IPATH referido no facto provado 156).
Esta circunstância tem de ser valorada em sede de dano biológico.
Neste enquadramento específico de défice funcional, tendo o autor 42 anos de idade à data do acidente, uma esperança média de vida de 77 anos de idade (que não foi contestada por qualquer das partes), considerando um salário líquido de 926,00 euros, e que o autor em nada contribuiu para os danos sofridos, a repercussão que os mesmos tiveram na sua vida pessoal e na sua atividade profissional, a capacidade económica da obrigada à indemnização, tendo por base critérios equitativos, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art.º 566.º do C. Civil, não se tem por desadequado o montante fixado pela 1.ª Instância pelas consequências patrimoniais da afetação da capacidade geral ou funcional do lesado.

Veja-se a título de exemplo (todos consultados em www.dgsi.pt):

- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29/09/2022, da Juiz Desembargadora Raquel Baptista Tavares, proc. 935/20.4T8VRL.G1, que, considerando um défice de 13 pontos, num lesado com 36 anos de idade, com esforços suplementares no exercício da sua atividade de caixa de supermercado, fixou a indemnização por dano biológico em 50.0000,00 euros (as limitações do autor, incluindo a sua repercussão no trabalho manual exercido na sua atividade profissional são bem mais expressivas);
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/05/2017, proc. 2028/12.9TBVCT.G1. S1, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo que, considerando o défice de 29 pontos, num lesado com 41 anos de idade, com limitações no exercício da sua atividade de trolha, fixou a indemnização por dano biológico em 170.000,00 euros;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2022, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, que, considerando o défice de 9 pontos, num lesado com 34 anos de idade, com esforços suplementares no exercício da atividade profissional de serralheiro, fixou a indemnização em 50.000,00 euros.
Situando-se o juízo prudencial e casuístico feito na sentença recorrida dentro da margem de discricionariedade que legitima o recurso à equidade e encontra conforto nos padrões jurisprudenciais adotados pelos Tribunais Superiores em casos análogos ou similares, não há razões para dele discordar.
 A última questão suscitada prende-se com a eventual redução do valor indemnizatório alcançado, considerando a sua imediata disponibilização ao autor, quando é certo que a necessidade da autora de auxílio de terceira pessoa se evidenciou desde a data da propositura da ação e se manterá em cada um dos dias futuros, até que se verifique o seu falecimento.
Nas suas alegações, a ré não indica de que valor parte para fazer tal redução ou sequer a percentagem dessa redução.
Não vemos qualquer fundamento material para essa redução, nem a ré a explica.
Este Tribunal louva-se no recente entendimento resultante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/032024, do Juiz Conselheiro Luís Espírito Santo, proc. 13390/18.0T8PRT.P1.S1, que, citando vastíssima jurisprudência daquele Tribunal Superior ponderando tal redução, aceitando-a por vezes em montantes de 10%, tem progressivamente considerado que casos existem em que tal redução carece de sentido.
Se é certo que está a fixar-se hoje uma indemnização para um dano que é, em parte, futuro, pois que visa ressarcir o autor por cada um dos dias restantes da sua vida, presumindo-se que alcançará, pelo menos, a idade que constitui a expectativa média de vida de um homem em Portugal, também é certo que não se pondera os aumentos de vencimento que poderia ter no futuro, numa empresa de que é sócio-gerente.
Como se referiu no acórdão citado para as despesas então consideradas, “tendo em conta que estão em causa, como se salientou, despesas com a aquisição de material terapêutico de que a A. inevitavelmente necessitará, com gastos contínuos e sempre com tendência de gradual agravamento, não faz sentido, não sendo razoável nem equitativo, proceder a qualquer tipo de redução, nos termos solicitados pela Ré seguradora e acolhidos no acórdão recorrido, para evitar um pretenso enriquecimento indevido da lesada - que é mais do que duvidoso”.
Sempre que este enriquecimento seja, nas palavras do Acórdão, duvidoso, não há que realizar qualquer dedução que tenha em consideração o imediato recebimento da indemnização.
Uma palavra apenas para referir que a aqui Juiz Relatora admitiu já a redução do valor alcançado em recente Acórdão publicado in www.dgsi.pt (1557/20.5T8GMR.G1), numa situação muito concreta, considerando que a mesma havia sido realizada em 1.ª Instância e, tendo existido recurso apenas da ré companhia de seguros, a autora havia-se conformado com o aí decidido e, portanto, com a redução realizada.
Do exposto resulta que o recurso da ré é totalmente improcedente e que o recurso apresentado pelo autor apenas é procedente no que refere ao valor relativo a perdas salariais e a alguns dos bens que trazia consigo aquando do acidente, mantendo-se, quanto ao mais, incluindo juros de mora, a sentença proferida, sem prejuízo da alteração introduzida na matéria de facto provada.
As custas, da ação e dos recursos serão suportadas pelas partes em função do seu decaimento, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil, fixando-se a sua proporção entre as partes quando ambas decaíram em função da respetiva procedência ou improcedência.
Considerando a conduta processual das partes e não revestindo a causa de especial complexidade, nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento da Custas Processuais, decide-se ainda dispensá-las do pagamento do remanescente da taxa de justiça que exceda o valor de 275.000,00 euros.

Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil):
1 - Não pode afirmar-se que não foi produzida qualquer prova sobre determinado facto controvertido se sobre ele se pronunciou o autor em declarações de parte e a esposa ouvida como testemunha, tendo ainda sido apresentada prova documental, havendo apenas que decidir se a prova que foi produzida era ou não suficiente para que o facto alegado fosse considerado provado.
2 – Em acidente de viação que é simultaneamente acidente de trabalho, se a responsável civil nada pagou ao responsável laboral e este não teve qualquer intervenção na ação civil, não há que efetuar qualquer dedução nas quantias indemnizatórias que sejam devidas ao lesado.
3 – A pensão anual e vitalícia atribuída em sede de acidente de trabalho não tem a mesma natureza nem visa indemnizar o mesmo dano que é pressuposto na indemnização atribuída a título de dano biológico em matéria civil.
4 – Quando não seja possível apurar o montante do dano, se for ainda possível a sua demonstração, deverá proferir-se decisão que condene o réu no pagamento da quantia que se vier a liquidar em incidente ulterior, surgindo o critério da equidade apenas no âmbito deste incidente e caso tal valor continue a não ser demonstrado.
5 – Não existe perda da capacidade de ganho, mas apenas uma situação enquadrável no conceito de dano biológico, se o autor, sócio gerente de uma sociedade, continua a exercer esta atividade e a ser remunerado por ela, exercendo-a com esforços acrescidos, ainda que não possa exercer a atividade de pedreiro manual, que também exercia no âmbito da atividade daquela sociedade.

VII – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:

a) improcedente a apelação apresentada pela ré, apesar da parcial procedência da sua impugnação sobre a matéria de facto;
b) parcialmente procedente a apelação apresentada pelo autor, incluindo a impugnação sobre a matéria de facto e, em conformidade:
1– revogam a decisão proferida na parte em que condena a ré no pagamento de 298,95 euros a título de perdas salarias;
2 - condenam a ré a pagar ao autor, a título de perdas salarias, a quantia de 1.688,77 euros;
3 – revogam a decisão proferida na parte em que absolveu a ré do pedido relativo a danos no vestuário e capacete que o autor trazia consigo no momento do acidente;
4 – condenam a ré a pagar ao autor a quantia que se vier a liquidar em incidente ulterior relativa aos seguintes bens danificados com o acidente:
- blusão, até ao limite de 300,00 euros;
- camisa, até ao limite de 50,00 euros;
- t’shirt até ao limite de 30,00 euros;
- calças, até ao limite de 100,00 euros;
- capacete, até ao limite de 500,00 euros.
5 – mantêm, quanto ao mais, a decisão proferida.
Nos termos do art. 527.º do C. P. Civil:
- as custas da ação são devidas por ambas as partes na proporção do seu decaimento resultante desta decisão, sendo, quanto aos valores referidos em 4, tal decaimento na proporção de ½ para o autor e ½ para a ré.
- as custas do recurso interposto pela ré são da sua responsabilidade,
- as custas do recurso interposto pelo autor são suportadas por autor e ré, na proporção de 4/5 para o autor e 1/5 para a ré.
Nos termos referidos, dispensa-se as partes do pagamento da taxa de justiça remanescente.
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Guimarães, 16/05/2024
(elabora, revisto e assinado eletronicamente)