EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
CESSÃO DE CRÉDITOS
NOTIFICAÇÃO
CITAÇÃO
Sumário

I – A cessão de créditos, prevista nos art.ºs 577.º e segs. do CC, consiste num contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito, traduzindo-se na mera substituição do credor originário (cedente) por outra pessoa (cessionário), sem acarretar a substituição da obrigação antiga por uma nova;
II – Já a cessão da posição contratual, prevista nos art.ºs 424.º e segs. do CC, opera a transferência, por uma das partes contratuais (cedente), com consentimento do outro contraente (cedido), para um terceiro (cessionário), do complexo de direitos e obrigações, isto é, das posições activas e passivas advindas da celebração de um contrato;
III – Efectuada uma cessão de créditos de um credor (cedente) para um terceiro (cessionário), pode este terceiro, com o consentimento do credor, transmitir a sua posição contratual no contrato de cessão de créditos a outra pessoa, que adquire, por esta forma, o direito à prestação sobre o devedor;
IV – Essa cessão da posição contratual não está dependente do consentimento do devedor, que não é parte no contrato de cessão da posição contratual;
V – O devedor tem, no entanto, que ser notificado da transmissão de créditos efectuada para o adquirente da posição contratual do primitivo cessionário, pois que só assim a mesma lhe será oponível, nos termos do art.º 583.º, n.º 1 do CC;
VI – A citação para os termos da execução instaurada pelo cessionário contra o devedor tem a virtualidade de substituir a notificação a que alude o art.º 583.º, n.º 1, do CC.

Texto Integral

Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1. B, LDA., veio, mediante embargos de executado, deduzir oposição à execução sumária para pagamento da quantia de €845.281,37, que lhe moveu H, S.A., e que tem por base duas escrituras públicas outorgadas por si e pela C, em 29.02.2008 e 16.05.2012, pela qual as partes celebraram entre si um contrato de abertura de crédito em conta corrente até ao montante de €450.000,00 e respectiva alteração, bem como um contrato de cessão de créditos da C para a sociedade M (de 30.12.2016) que, por sua vez, cedeu a sua posição contratual àquela exequente (em 24.02.2017).
Pediu que a oposição fosse julgada procedente e, em consequência:
«I. Ser julgada procedente a invocada inexistência e/ou inexequibilidade do título executivo, pela sua ilegalidade, invalidade ou ineficácia ou ilegitimidade da exequente, devendo a executada ser absolvida do pedido;
Subsidiariamente,
II. Serem julgados não provados os factos alegados pela exequente, absolvendo-se a executada do pedido.
III. Ser julgada nula ou inválida a cláusula penal que estabelece uma percentagem de 4% sobre o capital em dívida a título de indemnização a favor da credora pelo recurso a juízo ou, em caso de diferente entendimento, ser a mesma penalização sujeita a uma redução equitativa».
Fundamentou os embargos, essencialmente, em três ordens de argumentos:
1.º) Na inexistência e inexequibilidade de título legal válido e eficaz, o que deverá dar azo à absolvição da executada e à extinção da instância, porquanto
- os contratos outorgados têm como únicas partes contratantes a executada/embargante e a C, pelo que a exequente não figura no título como credora;
-  o contrato de cedência de créditos, alegadamente, celebrado entre a C e a sociedade M não se encontra assinado e não contém reconhecimentos, à revelia do art.º 7.º do DL n.º 453/99, de 05.11., pelo que é nulo e ineficaz;
- a exequente, para comprovar a carteira de títulos alegadamente cedida, junta um documento indecifrável e impossível de discernir, o que impede que lhe seja atestada a natureza de título executivo;
- a sociedade M não está habilitada ou legalmente autorizada a ceder créditos no âmbito do regime da cessão de créditos para titularização, nem a adquirir créditos com esse escopo, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, e 3.º do DL n.º 453/99, de 05.11., pelo que o título executivo desta forma constituído é ilegal e inválido;
- ainda que tal documento não consubstanciasse uma autêntica cedência de créditos, mas uma mera cessão da posição contratual, a mesma seria ineficaz relativamente à executada, por não ter sido por si autorizada, nos termos do art.º 424.º n.º 1 do CC;
- a executada não foi notificada da cessão de créditos, nos termos do art.º 6.º do DL n.º 453/99, nem de algum modo a aceitou ou tomou conhecimento, pelo que é ineficaz, não lhe sendo oponível, o que descaracteriza a exequibilidade do título;
2.º) Na ilegalidade ou redução equitativa da cláusula penal, porquanto:
- a exequente invoca a existência de uma sobretaxa de 4% sobre o capital, a título de cláusula penal indemnizatória em caso de incumprimento e recurso às vias judiciais para recuperação do crédito, que corresponde a uma cláusula pré-elaborada pelo banco, que a executada se limitou a subscrever  e que não foi negociada ou esclarecida pelo banco, pelo que é nula, configurando, ainda, uma indemnização abusiva, desproporcional e desadequada, face aos danos conjecturados ou efectivos;
3.º) Na impugnação do montante em dívida reclamado, uma vez que a exequente não alega os cálculos que efectuou, não esclarecendo as datas de vencimento e da mora que considerou para o cômputo dos juros, nada dizendo, ainda, quanto ao capital ou capitais sobre os quais terão incidido as taxas.
           
1.2. A exequente contestou, defendendo a improcedência dos embargos e o prosseguimento da execução, alegando, em suma, que:
- o contrato de cessão de créditos é válido e foi realizado nos termos e sob a forma previstos no art.º 7.º do DL n.º 453/99, de 05/11, e aprovado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, sendo certo que a H, S.A., é uma sociedade de titularização de créditos;
- a executada foi notificada da cessão, conforme carta que junta;
- a cláusula penal definida no contrato está de acordo com o estipulado no DL n.º 344/78, de 17.11, alterado pelos DL n.ºs 429/79, de 25.10, 83/86, de 06.05., e 204/87, de 16.05., em vigor na data da sua feitura, sendo legal;
- a executada coloca em causa o valor em dívida, sem qualquer justificação ou alegação válida, decorrendo o mesmo de simples cálculo aritmético, com referência ao capital em dívida de €459.780,75, com o cálculo da taxa juros de mora contratualizados acrescido da sobretaxa de 4%, desde a data do incumprimento em 2013/02/28 até à data da entrada da execução.
1.3. Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciando-se os temas da prova.
1.4. Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que concluiu da seguinte forma: «julgam-se os embargos parcialmente procedentes, e reduz-se a quantia exequenda para quatrocentos e cinquenta mil euros – acrescida de juros de mora, à taxa supletiva comercial, desde 24-II-14 até integral pagamento. Custas na proporção dos respectivos decaimentos (CPC 527º)».
1.5. Inconformada, apelou a embargante, pedindo a revogação daquela sentença e a sua absolvição, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:
«1.ª Roga-se pela reponderação sobre a demonstração ou prova da matéria de facto no que respeita à existência da dívida, que no ver do tribunal a quo acabou alcançada em função de uma declaração de confissão prestada pela recorrente à C em 16/05/2012 (facto provado em 3) e da qual, acabou por fazer recair sobre a confitente/recorrente o nó górdio ou hercúleo, do ónus de provar coisa diversa.
2.ª Se em má hora a recorrente subscreveu o documento, a instrução da lide, apesar de tudo, deixa sobressair factos diferentes do apurado e julgado na instância recursiva
3.ª Nunca abandonemos e estejamos bem cientes, que não ficou provado que: “A ‘C’ entregou, ou disponibilizou, à embargante a quantia de 459.780,75€.” (Facto não provado registado em 9.)
4.ª E se desta feita fica ainda por provar que aquele montante efetivamente não foi entregue ou disponibilizado ou entrou na esfera patrimonial da recorrente, pelo que, aquela dívida não existe ou não é devida.
5.ª Tem de reconhecer-se à recorrente que dentro do que é humanamente e processualmente possível, a realidade foi desvanecida, no limite com recurso à inversão do ónus, em consequência da conduta da exequente.
6.ª Ficou definitivamente perene nos autos, que os valores reclamados como perfazendo a quantia exequenda, não foram entregues, disponibilizados ou porventura terão sido unilateralmente, erradamente e indevidamente debitados.
7.ª Desde a primeira intervenção nos autos, em petição de embargos e em sucessivos requerimentos, pelo menos em requerimentos de 23/04/2018; 05/07/2018; 23/11.2018; 05/12/2018; 23/04/2019; 10/05/2019 e em audiência de 26/09/2022, a recorrente requereu, o que a existir teria de se encontrar na posse da parte contrária (uma instituição financeira sob a supervisão do Banco de Portugal/), concretamente:
a) Os extratos mensais da conta corrente, de cujo saldo resultará o efetivo fundamento da execução, os quais elaborados de harmonia com o determinado pelo Banco de Portugal, têm de, entre outros, indicar valores e movimentos parcelares, designação, origem e natureza sequencial de todas as operações realizadas.
b) Respetivas instruções ou ordens de débito.
c) Avisos de débito com a explicitação dos cálculos, de juros, a título de comissões, de despesas e, se relacionados com terceiros, como seguros ou impostos, os justificativos das respetivas operações.
8.ª Da matéria de facto provada decorre na parte final do parágrafo 1 dos factos provados que: “5 - A utilização do crédito aberto será feita através de cheques numerados, de ordens de transferência ou de pagamento dadas sobre a forma escrita à C (…). (…)”
9.ª Ora, até à data, corridos quatro anos e mesmo com determinações do tribunal (v.g. em audiência de 26/09/2022) a exequente manteve-se na instância permanentemente, esquiva.
Nada juntou!
10.ª Conciliada com a prova testemunhal registada em audiência de julgamento de 26/09/2022, Sr. CG – (Ficheiro de gravação 20220926101247-_4050590_2871357) - Gerente do balcão em que a recorrente tinha a conta domiciliada e Sra. D.ª MG – (Ficheiro de gravação 20220926105118_4050590_2871357), atualmente, no compliance do banco, nos concretos momentos apontados no corpo das alegações
11.ª E resgatando a carta da C (credor primitivo), datada de 01 de julho de 2013, enviada à recorrente, junta à contestação da exequente como documento n.º 6 e do qual é expressamente reclamado o pagamento do valor em dívida naquela data (01/07/2013), de € 47 899,58, por conseguinte um ano após a dita confissão de 16/05/2012.
12.ª E da conduta da exequente em que sucessivamente notificada entregar os documentos necessários e que não poderiam deixar de existir na contabilidade de um banco para análise da quantia exequenda, conjugado com os depoimentos das testemunhas., integrado pela forma convencionada para a movimentação dos saldos ( 5 - A utilização do crédito aberto será feita através de cheques numerados, de ordens de transferência ou de pagamento dadas sobre a forma escrita à C (…). (…)” e tratando-se de uma prova negativa, por natureza impeditiva da prova da inexistência dos factos.
13.ª Mais não estava ao alcance, nem podia ser processualmente e humanamente exigido à recorrente.
14.ª Será justo e de sereno e prudente julgamento, atestar que a recorrente provou, pelo menos, que o valor que outrora subscreveu como sendo devedora, não corresponde à quantia de capital executada, a exequente não entregou ou disponibilizou a quantia reclamada na instância executiva.
15.ª No limite, a tal devemos aportar pela aplicação do disposto no art.º 344.º n.º 2 do Cód. Civil.
16.ª Até porque e na verdade, a confissão em que se apoia a decisão sob recurso, foi apesar de tudo feita à C, não à parte contrária na instância, i.e. não à H que figura no processo. (art.º 358.º n.º 2 do Cód. Civil.)
17.ª Em suma da revisão da matéria de facto e do contributo das partes para a justeza da relação material controvertida, tem-se por dever ser julgado provado concretamente que:
1. No dia 01 de Julho de 2013, a C (credor primitivo) enviou correspondência à recorrente sobre o contrato de abertura de crédito em disputa nos autos, reclamando à data a quantia em dívida de €47.899,58, conforme documento 6 junto com a contestação, que se dá por transcrito.
2. A exequente não disponibilizou à embargante/recorrente, nem esta utilizou, a quantia de €450.000,00.
18.ª Da iliquidez e inexigibilidade da dívida, decorrem inverificados os requisitos da execução, art.º 713 do Cód. Proc. Civil e a via da ação executiva decair.
19.ª A confissão de per se, desvalorizando ou deixando de retirar as devidas ilações da conduta das partes no litígio, inviabilizando-se a produção de prova documental essencial (art.º 411.º, 417.º 1 e 2, 429.º n.º 1, 430.º do Cód. Proc. Civil e 344.º do Cód. Civil ), fere os princípios de justiça material e equitativa constitucionalmente assegurados e, em decorrência atingindo o património da recorrente, viola em acréscimo por injustificado, o princípio da propriedade privada (art.ºs 1.º, 20.º n.º 4 e 5 e 62.º da C.R.P.)
20.ª Com superior respeito, no tocante ao enquadramento da relação jurídica em que se funda o alegado direito da exequente, a douta sentença terá preconizado uma incorreta subsunção legal.
21.ª O contrato em 5 dos factos provados, documento primeiro anexo ao requerimento executivo, tem por proémio “Contrato de Venda de Créditos” e consiste na alienação pela C, à adquirente M.
22.ª Quando o Meritíssimo juiz a quo sufraga que com base naquele contrato a notificação da cessão opera no âmbito da ação por via da citação, não parece correto porquanto, com humilde respeito, a C não poderia ceder à exequente um crédito que já não lhe pertencia porque cedera à M.
23.ª Daí que a exequente no requerimento executivo, especificamente no Capítulo I) terceiro parágrafo alegue: “… em 24/02/2017 foi realizada Cessão de Posição Contratual” (sic)
24.ª Mas por assim ser, a relação jurídica subjacente á demanda promovida pela exequente não se atém à notificação de uma cessão de créditos mas numa: “Cessão da posição contratual”.
25.ª E esta reconhecidamente estará na dependência de consentimento do devedor, de harmonia com o disposto no art.º 424.º n.º 1 do Cód. Civil, o que a exequente não alegou, muito menos provou. Até porque não sendo vero, não o podia invocar
26.ª Não obstante a ausência de alegação, a recorrente não deixou de conjeturar em petição de embargos que, qualquer regra sobre a transmissão da posição contratual unilateralmente fixada ou encaminhada à revelia da executada, é proibida, por aplicação do art.º 18.º al. l) do Dec. Lei 446/85 de 25.10., Regime das Cláusulas Contratuais Gerais.
27.ª Neste contexto o regime aplicável pertinente será da “Cessão da Posição Contratual”, art.ºs 424.º a 427.º do Cód. Civil e não da “Cessão de Créditos”.
28.ª E carecendo a transmissão do consentimento do devedor, é em substância ilegítima a pretensão da exequente».
1.6. A embargada contra-alegou, pronunciando-se pela manutenção da sentença recorrida, alinhando as seguintes conclusões:
«A) A executada/embargante, ora recorrente, veio interpor recurso da sentença do tribunal da 1ª instância que manteve, em substância, o êxito do pedido formulado na demanda executiva.
B) Apesar de não constar discriminado nas Alegações de Recurso apresentadas, depreende-se que o objecto do mesmo, conforme dito pela executada: “Consiste na reponderação sobre a demonstração ou prova da existência da dívida, que acabou alcançada pelo tribunal a quo em função de uma declaração de confissão prestada pela recorrente à C em 16/05/2012 (facto provado em 3)”, conforme referido na página 3 (de 15), 3º parágrafo, das Alegações. C) Não assiste razão à executada/embargante, conforme infra se explanará.
D) Pela sua importância, transcreve-se o facto provado em 3 pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto:
“3 - Em 16-V-12 ‘C.’ e embargante outorgaram a escritura de “ALTERAÇAO A CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO” junta com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) CINCO – O capital efectivamente utilizado pela PARTE DEVEDORA (…) é, na presente data, de quatrocentos e cinquenta mil euros; (…). (…) a PARTE DEVEDORA obriga-se a amortizar integralmente o saldo devedor do presente contrato (…), apurado no termo do prazo contratual (29-II-14) (…).”
E) Face ao exposto, e conforme decidido pelo tribunal a quo, a confissão extrajudicial, como a outorgada a 16 de maio de 2012 entre as partes, tem força probatória plena:
“De acordo com a regra do nº 2 do artigo 358º do Código Civil, “A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.” – o que significa que é aplicável a regra do artigo 347º: “A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinada na lei.”; assim, recaía sobre a embargante o ónus de demonstrar não ser verdadeira a utilização de 450.000€ em 16-V-12.
F) Tenta, em vão, a executada demonstrar não ser verdadeira a utilização dos €450.000,00 confessados a 16 de maio de 2012.
G) Já antes, na sua decisão, o tribunal a quo havia afastado, para a boa decisão da causa, os testemunhos das testemunhas indicadas pela exequente CG e MG.
H) A este respeito, indicou o tribunal a quo que: “Os ‘extractos’ juntos (ponto 7) de nada serviram, pois, de acordo com a testemunha CG (ex- gerente do balcão da C.), trata se de um ‘extracto interno’ – acrescentando a testemunha MG (funcionária da C desde I-94) que o ‘extracto de movimentos’ tem de ser conciliado com o da conta à ordem (sendo “susceptível de não ser esclarecedor”).”
I) Isto é, as testemunhas em questão não lograram confirmar qual o valor, efectivamente, entregue à executada, mas jamais disseram o contrário, ou seja, que o valor de €450.000,00 não tinha sido entregue e disponibilizado à executada.
J) Aliás, a falta de esclarecimento e conhecimento das testemunhas foi uma das causas para a quantia exequenda ter sido reduzida na decisão proferida pelo tribunal a quo para o capital de €450.000,00.
K) O próprio gerente da executada, nas suas declarações de parte, nada foi convincente e convicto a demonstrar que a empresa que geria não havia recebido o valor que confessou ter recebido por documento de 16 de maio de 2012.
L) A esse propósito, consta da decisão do tribunal a quo que:
“Nas suas declarações de Parte, o gerente da embargante J optou por não querer esclarecer a dúvida – declarando (de forma bastante inverosímil) não saber quanto do crédito é que utilizou (talvez ‘200.000 a 250.000€’), quanto é que foi gasto no total da obra (‘700 e tal mil euros’) e qual a origem do dinheiro que pagou a construção, e quanto é que pagou à ‘C’ (alegando que a embargante nunca teve acesso aos extractos mensais).”
M) Perante as declarações de parte prestadas, outra decisão não poderia o tribunal a quo adoptar que não fosse a de não relevar o depoimento em questão.
N) No mais, e nos excertos das testemunhas transcritos pela executada nas suas Alegações, nada de diferente resulta do supra mencionado e decidido pelo tribunal a quo.
O) Relativamente à testemunha CG, esta confirmou “Que aquele documento consiste num extrato interno do banco” e ainda o óbvio “Que tem de haver documentos no banco”, conforme referido nas páginas 4 e 5 (de 15) das Alegações.
P) Já a testemunha MG, esta precisou quanto à interpretação do extracto junto nos autos que: “…isso tem de pedir esclarecimento ao banco … não consigo fazer nenhuma explicação disto…”, conforme referido nas páginas 5 e 6 (de 15) das Alegações.
Q) Por fim, entende a executada que não esteve bem o tribunal a quo “na parte tocante ao regime legal aplicado aos direitos reivindicados pela exequente H, S.A.”, conforme referido na página 8 (de 15) das Alegações.
R) A este propósito, e bem, decidiu o tribunal a quo que “Não se vislumbra qualquer vício no contrato 5, pois, ainda que não fosse aplicável o DL 453/99, sempre a transmissão seria válida, à luz das regras gerais de Direito (CC 577º a 588º) – valendo a citação (na presente execução) como notificação da cessão.”
S) Recorde-se o facto provado em 5 pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto que originou a sua decisão:
“5 - Mostra-se junto com o requerimento executivo, e a fls 20 a 30 e 124v a 136, um “CONTRATO DE VENDA DE CRÉDITOS” entre ‘C’ e ‘M’ datado de 30-XII-16 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – e uma “Notificaçao da Cessão da Posição Contratual” datada de 24-II-17 e celebrada entre ‘C’, ‘M’ e ora embargada.”
T) Não há, igualmente, qualquer reparo a fazer a esta decisão do tribunal a quo.
U) Conforme exposto, a este propósito, pela exequente na Contestação aos Embargos de Executado apresentados pela Executada:
“23º
Alega a Embargada, infundadamente, a questão da Aquirente à M não ser uma empresa de titularização de créditos, abstraindo-se completamente o teor do Documento e das condições ai estabelecidas, nomeadamente do art.º 7. do Doc. n.º 1 onde estabelece, desde logo, a questão da cessão da posição contratual e a sua condição pré-estabelecida contratualmente entre as partes a fim de estar devidamente assegurado as condições impostas pela Lei Portuguesa.
24.º
Ainda no art.º 9 do doc. n.º 1 quanto à produção de efeitos do contrato de cessão, diz o mesmo que apenas produz efeitos a partir de 3 de abril de 2017, podendo ser prorrogada até 17 de abril de 2017, produzindo efeitos nessa data, se antes de 31 de Março de 2017 a adquirente ou Cessionária Autorizada (H), confirmar que se encontram cumpridas as condições da Cessionária Autorizada quanto à cessão da posição.
25.º
Essa comunicação foi possível realizar-se, conforme Doc. n.º 2, a 24 de Fevereiro de 2017 após aprovação da CMVM para a concessão de código alfanumérico à H, condição estabelecida para a cessão da posição contratual anteriormente definida, tendo o contrato de cessão de créditos apenas produzido os seus efeitos a partir de 27 de Fevereiro de 2017, após a cessão da posição contratual.
26.º
Pelo que foi devidamente assegurado a legalidade e validade da cessão, sendo a mesma devidamente autorizada pelo regulador.
V) Inexiste, consequentemente, qualquer vício nos créditos actualmente titulados e geridos pela exequente, sendo a mesma parte legítima na presente acção, como bem decidiu o tribunal a quo».

1.7. Em 14.09.2023, esta Relação proferiu acórdão, que julgou totalmente procedente a apelação e, em consequência, revogou a sentença recorrida, julgando procedentes os embargos de executado deduzidos por B, Lda., e declarando extinta a execução, por ter entendido que a exequente/embargada não fez prova da existência do crédito, alegadamente, confessado e que, por isso, ao contrário do sentenciado pela 1.ª instância, não podia ter-se o mesmo como verificado.
No mesmo acórdão, em face das conclusões extraídas, considerou-se que os argumentos recursivos contidos nas conclusões 20.º a 28.º ficavam prejudicados, na medida em que os mesmos tinham como pressuposto o entendimento de que estava demonstrada a existência do crédito cedido/transmitido, com base na confissão de dívida e no reconhecimento da executada/embargante como devedora, entendimento que não se perfilhou no referido acórdão.

1.8. Inconformada, a recorrida interpôs recurso de revista para o STJ, que, por acórdão de 10.04.2024, decidiu conceder a revista e, consequentemente, revogou o acórdão recorrido (confirmando o entendimento da 1.ª instância, no que concerne à fixação da quantia exequenda em €450.000,00) e determinou que os autos baixassem a esta Relação, para que seja julgada a subsistente questão não apreciada na apelação.

 1.9. Colhidos os vistos, cumpre, pois, decidir.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Em face do teor do determinado pelo acórdão do STJ aludido, a única questão que cumpre decidir é a de saber se o crédito de que C era titular sobre a executada/embargante foi, válida e eficazmente, cedido/transmitido à sociedade M, e, depois, à exequente/embargada.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. São os seguintes os facos provados:
3.1. A sentença sob recurso considerou provada a seguinte matéria de facto:
«1 - Em 29-II-08 ‘C’ e embargante outorgaram a escritura de “ABERTURA DE CRÉDITO” junta com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) 5 – A utilização do crédito aberto será feita através de cheques numerados, de ordens de transferência ou de pagamento dadas sobre a forma escrita à C (…). (…)”
2 - No “documento complementar” da escritura supra lê-se: “CLÁUSULA DÉCIMA (Resolução do contrato) 1. Findo ou resolvido este contrato (…), ou vencido o crédito, a conta corrente será para todos os efeitos havida por encerrada, obrigando-se desde já a PARTE DEVEDORA ao pagamento do respectivo saldo. 2 – O extracto de conta corrente prova os lançamentos a débito e a crédito na mesma efectuados e o respectivo saldo (…).”
3 - Em 16-V-12 ‘C’ e embargante outorgaram a escritura de “ALTERAÇAO A CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO” junta com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) CINCO – O capital efectivamente utilizado pela PARTE DEVEDORA (…) é, na presente data, de quatrocentos e cinquenta mil euros; (…). (…) a PARTE DEVEDORA obriga-se a amortizar integralmente o saldo devedor do presente contrato (…), apurado no termo do prazo contratual (29-II-14) (…).”
3A - A C remeteu à embargante a carta cuja cópia foi junta com a contestação como documento n.º 6, cujo teor se dá por reproduzido, datada de 01.07.2013, na qual, por referência ao contrato n.º 003-30-100035-6, refere que “o contrato em referência foi afeto ao …., ACE. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente ação judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos, por isso, que até ao dia 15/07/2013 V. Exa. proceda à regularização da dívida que, à data da emissão desta carta, ascende a 47.899,58 euros. Conforme previsto no Preçário, serão cobradas despesas acrescidas do imposto do selo, no montante de 260,00 euros, relativos à correspondente desafetação (…)”.
4 - Em 21-VIII-14 a ‘C’ enviou à ora embargante a carta junta a fls. 44v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – referente à aprovação de “proposta de reestruturação dos contratos”.
5 - Mostra-se junto com o requerimento executivo, e a fls. 20 a 30 e 124v a 136, um “CONTRATO DE VENDA DE CRÉDITOS” entre ‘C’ e ‘M’ datado de 30-XII-16 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – e uma “Notificação da Cessão da Posição Contratual” datada de 24-II-17 e celebrada entre ‘C’, ‘M’ e ora embargada.
6 - Em 27-II-17 a ‘W, S.A.’ enviou à embargante a carta junta a fls. 47 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
7 - Mostra-se junto a fls. 38 a 43v, e 55 a 60v um “EXTRACTO MOVIMENTOS” datado de 16-III-18 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
3.2. São os seguintes os factos não provados:
8 - A embargante deixou de pagar a prestação que se venceu em 28-II-13.
9 - A ‘C’ entregou, ou disponibilizou, à embargante a quantia de 459.780,75€.
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Vejamos, então, se o crédito de que a C era titular sobre a executada/embargante foi, válida e eficazmente, cedido/transmitido à sociedade M e, depois, à exequente/embargada.
Sobre esta questão, a 1.ª instância considerou que «não se vislumbra qualquer vício no contrato 5, pois, ainda que não fosse aplicável o DL 453/99, sempre a transmissão seria válida, à luz das regras gerais de Direito (CC 577º a 588º) – valendo a citação (na presente execução) como notificação da cessão».
No recurso de apelação que interpôs, a executada/embargante defendeu que:
«21.ª O contrato em 5 dos factos provados, documento primeiro anexo ao requerimento executivo, tem por proémio “Contrato de Venda de Créditos” e consiste na alienação pela C à adquirente M.
22.ª Quando o Meritíssimo juiz a quo sufraga que com base naquele contrato a notificação da cessão opera no âmbito da ação por via da citação, não parece correto porquanto, com humilde respeito, a C não poderia ceder à exequente um crédito que já não lhe pertencia porque cedera à M.
23.ª Daí que a exequente no requerimento executivo, especificamente no Capítulo I) terceiro parágrafo alegue: “… em 24/02/2017 foi realizada Cessão de Posição Contratual” (sic)
24.ª Mas por assim ser, a relação jurídica subjacente à demanda promovida pela exequente não se atém à notificação de uma cessão de créditos mas numa: “Cessão da posição contratual”.
25.ª E esta reconhecidamente estará na dependência de consentimento do devedor, de harmonia com o disposto no art.º 424.º n.º 1 do Cód. Civil, o que a exequente não alegou, muito menos provou. Até porque não sendo vero, não o podia invocar
26.ª Não obstante a ausência de alegação, a recorrente não deixou de conjeturar em petição de embargos que, qualquer regra sobre a transmissão da posição contratual unilateralmente fixada ou encaminhada à revelia da executada, é proibida, por aplicação do art.º 18.º al. l) do Dec. Lei 446/85 de 25.10., Regime das Cláusulas Contratuais Gerais.
27.ª Neste contexto o regime aplicável pertinente será da “Cessão da Posição Contratual”, art.º’s 424.º a 427.º do Cód. Civil e não da “Cessão de Créditos”.
28.ª E carecendo a transmissão do consentimento do devedor, é em substância ilegítima a pretensão da exequente»
Já a exequente/embargada contrapôs que:
«T) Não há, igualmente, qualquer reparo a fazer a esta decisão do tribunal a quo.
U) Conforme exposto, a este propósito, pela exequente na Contestação aos Embargos de Executado apresentados pela Executada:
“23º
Alega a Embargada, infundadamente, a questão da Aquirente à M não ser uma empresa de titularização de créditos, abstraindo-se completamente o teor do Documento e das condições ai estabelecidas, nomeadamente do art.º 7. do Doc. n.º 1 onde estabelece, desde logo, a questão da cessão da posição contratual e a sua condição pré-estabelecida contratualmente entre as partes a fim de estar devidamente assegurado as condições impostas pela Lei Portuguesa.
24.º
Ainda no art.º 9 do doc. n.º 1 quanto à produção de efeitos do contrato de cessão, diz o mesmo que apenas produz efeitos a partir de 3 de abril de 2017, podendo ser prorrogada até 17 de abril de 2017, produzindo efeitos nessa data, se antes de 31 de Março de 2017 a adquirente ou Cessionária Autorizada (H), confirmar que se encontram cumpridas as condições da Cessionária Autorizada quanto à cessão da posição.
25.º
Essa comunicação foi possível realizar-se, conforme Doc. n.º 2, a 24 de Fevereiro de 2017 após aprovação da CMVM para a concessão de código alfanumérico à H, condição estabelecida para a cessão da posição contratual anteriormente definida, tendo o contrato de cessão de créditos apenas produzido os seus efeitos a partir de 27 de Fevereiro de 2017, após a cessão da posição contratual.
26.º
Pelo que foi devidamente assegurado a legalidade e validade da cessão, sendo a mesma devidamente autorizada pelo regulador.
V) Inexiste, consequentemente, qualquer vício nos créditos actualmente titulados e geridos pela exequente, sendo a mesma parte legítima na presente acção, como bem decidiu o tribunal a quo»
Antes de mais, importa ter presente que, no recurso de apelação interposto, a executada/embargante não impugnou a factualidade provada sob os n.ºs 5 e 6 e abandonou os argumentos que havia esgrimido na petição de embargos, relativos à falta de assinaturas do contrato aí referido e respectivos reconhecimentos (arts. 5.º a 8.º), à imperceptibilidade do documento relativo à carteira de títulos cedida (arts. 9.º a 11.º) e à falta de habilitação ou autorização das partes para ceder e adquirir créditos no âmbito do regime da cessão de créditos para titularização e, por conseguinte, à ilegalidade e invalidade da cessão de créditos à luz do DL n.º 453/99, de 05.11 (arts. 12.º a 21.º).
Com efeito, nas alegações do recurso de apelação, e no que respeita aos contratos celebrados entre a C, a M e a H, a executada/embargante limitou-se a:
- insurgir-se contra o entendimento da 1.ª instância de que «a notificação da cessão opera no âmbito da ação por via da citação», por considerar que a C não podia ceder à exequente (H) um crédito que já não lhe pertencia, porque o cedera à M (refira-se que, nas alegações da revista, a executada/embargante defendeu, neste mesmo sentido, que a C não podia comunicar à executada, através da propositura da execução pela H em Novembro de 2017, um crédito que havia cedido à M em 24.02.2017);
- argumentar que a exequente, no requerimento executivo, alegou que, em 24.02.2017, foi realizada “cessão de posição contratual”, pelo a relação jurídica subjacente à execução é uma “cessão da posição contratual”, sendo aplicável o regime dos arts. 424.º a 427.º do CC (e não o regime da cessão de créditos), estando a mesma depende de consentimento do devedor, que a exequente não alegou, nem provou, e sendo “ilegítima a pretensão da exequente”. Mais advoga que qualquer regra sobre a transmissão da posição contratual, unilateralmente fixada ou encaminhada à revelia da executada, é proibida nos termos do art.º 18.º al. l) do DL n.º 446/85 de 25.10, que aprovou o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais.
Todavia, adiantamos desde já, não lhe assiste razão.
4.2. Através do acordo referido no n.º 5 dos factos provados, celebrado em 30.12.2016 e denominado pelas partes de “CONTRATO DE VENDA DE CRÉDITOS”, em que a C assumiu a qualidade de “Vendedora” e a M a qualidade de “Adquirente”, as partes declararam que «a Adquirente pretende adquirir à Vendedora a Carteira de Créditos na Data do Termo» e «a Vendedora acordou em vender e a Adquirente acordou em adquirir a Carteira de Créditos, na Data do Termo, juntamente com os Direitos Acessórios aos Créditos, nos termos do presente Contrato» (sendo que a “data do termo” seria «3 de Abril de 2017 (ou outra data anterior a 3 de Abril de 2017, conforme acordado entre as Partes) ou, se a cessão a favor da Cessionária Autorizada se verificar até 31 de Março de 2017, o dia 17 de Abril de 2017 (que será a data final e última do termo)»).
Nessa sequência, a C (“Vendedora”) e a M (“Adquirente”) acordaram que: «a Vendedora reconhece expressamente que os direitos, titularidade e interesses e outros direitos da Vendedora relativos a cada Crédito, constantes do Anexo 1 (Carteira de Créditos) ao presente Contrato, e todos os Direitos Acessórios aos Créditos referentes a esse Crédito são cedidos a favor da Adquirente, com efeitos a contar da Data do Termo, nos termos do artigo 577º e seguintes do Código Civil Português, e, no caso de cessão da posição contratual a favor da Cessionária Autorizada, da Lei da Titularização» e que «a Adquirente reconhece e aceita, desde já, a presente cessão, adquirindo a plena titularidade de todos os direitos, titularidade, interesses e outros direitos da Vendedora relativamente a cada Crédito identificado no Anexo 1 (Carteira de Créditos) ao presente Contrato e todos os Direitos Acessórios aos Créditos referentes a esse Crédito» (cláusula 2.ª).
Trata-se de uma verdadeira cessão de créditos, tal como se encontra prevista nos arts. 577.º e segs. do CC.
Com efeito, a cessão de créditos consiste num contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito, traduzindo-se na mera substituição do credor originário por outra pessoa (cessionário), sem acarretar a substituição da obrigação antiga por uma nova.
Desta forma, mantêm-se inalterados todos os elementos da relação obrigacional, com excepção da titularidade do direito de crédito, isto é, o direito à prestação transfere-se do cedente para o cessionário, adquirindo este o poder de exigir a prestação, em seu nome e no seu próprio interesse, ocorrendo uma transferência do lado activo da relação obrigacional.
Trata-se de um negócio de causa variável, que pode ter por base uma venda, uma doação, uma dação em cumprimento, uma dação «pro solvendo» ou um negócio de garantia em favor de outro crédito (cfr., por exemplo, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, Almedina, 7.ª ed., 1999, p. 299 e segs).
Já a cessão da posição contratual, prevista nos arts. 424.º e segs. do CC, constitui uma forma de circulação da relação contratual, operando a transferência, por uma das partes contratuais (cedente), com consentimento do outro contraente (cedido), para um terceiro (cessionário), do complexo de direitos e obrigações, isto é, das posições activas e passivas advindas da celebração de contrato.
O efeito típico principal desta cessão de contrato consiste na transferência da posição contratual, com a extinção subjectiva da relação contratual relativa ao cedente e passando todas as situações subjectivas, activas e passivas, cujo complexo unitário, dinâmico e funcional, constitui a chamada relação contratual, a figurar na titularidade do cessionário.
Por isso, são três os protagonistas da cessão da posição contratual, dado que a sua perfeição exige o consentimento de três sujeitos: o contraente que transmite a sua posição (cedente); o terceiro que a adquire (cessionário) e a contraparte do cedente no contrato originário, que passa a ser contraparte do cessionário (cedido).
A cessão da posição contratual distingue-se da cessão de créditos, na medida em que «ao contrário desta, tem por conteúdo a totalidade da posição contratual, o conjunto dos seus direitos e obrigações, transferindo-se para o terceiro cessionário os direitos e obrigações indissociáveis da posição contratual do cedente, sem que se trate de um somatório de créditos e dívidas transmissíveis, isoladamente, que se associaram para efeitos de transmissão. Quando do contrato somente resultam créditos para uma das partes e dívidas para a outra, não pode falar-se em cessão da posição contratual ou do contrato, mas antes em cessão de créditos ou em assunção de dívidas, porquanto para que se esteja em presença daquela primeira figura importa que do contrato derivem créditos e débitos para ambas as partes, pois que só quanto a estes contratos se pode estar perante a transferência de um complexo unitário, constituído por direitos e obrigações da parte cedente» (cfr., acórdão da RC de 17.04.2007, in www.dgsi.pt).
No caso dos autos, através do contrato referido no n.º 5 dos factos provados, C apenas transmitiu à M o crédito que detinha sobre a executada/embargante (e não a totalidade da posição contratual), ocorrendo uma cessão de créditos, sujeita ao regime dos arts. 577.º e segs. do CC.
4.3. Sucede que, nesse mesmo contrato, as partes (C e M) previram a possibilidade de ocorrer uma cessão da posição contratual da M para a H (aí denominada “Cessionária Autorizada”), estipulando que «A Vendedora desde já autoriza a Adquirente a ceder a sua posição contratual à Cessionária Autorizada [H] aquando da recepção pela Vendedora de confirmação escrita da Adquirente, em forma satisfatória para a Vendedora (a qual não deve ser injustificadamente recusada), nos termos constantes do Anexo V (Notificação da Cessão de Posição Contratual), de que se encontram satisfeitas as seguintes condições cumulativa» (cláusula 7.ª, n.º 1), sendo que «Com a verificação das Condições da Cessionária Autorizada e mediante notificação à Vendedora substancialmente na forma constante do Anexo V (Notificação de Cessão de Posição Contratual), assinada pela Adquirente e pela Cessionária Autorizada, a Adquirente pode, sem necessidade de obter qualquer outro consentimento da Vendedora ou de seguir quaisquer formalidades específicas, ceder a totalidade (mas não parte) da sua posição contratual, incluindo todos os seus direitos ou obrigações com a mesma relacionados nos termos do presente Contrato, a favor da Cessionária Autorizada em 31 de Março de 2017 ou antes desta data, caso em que a Cessionária Autorizada em causa substituirá plenamente a Adquirente para todos os efeitos legais e contratuais, nos termos do presente Contrato, relativamente aos direitos e obrigações desse modo transmitidos e na medida em que estes não impliquem qualquer violação, pela Cessionária Autorizada, do seu objecto social e capacidade regulatória. Esta notificação deve ser reconhecida por escrito pela Vendedora, embora não seja exigido o consentimento desta para a cessão se tornar efetiva» ((cláusula 7.ª, n.º 2).
Nessa sequência, em 24.02.2017 e com efeitos reportados a essa data, através do documento a que se alude na segunda parte do n.º 5 dos factos provados, a M (cedente), com o consentimento da C (cedida), cedeu à H (cessionária), que aceitou, a posição contratual (de cessionária) que tinha no contrato referido, adquirindo a H, assim, o direito de exigir à ora executada/embargante a prestação a que estava obrigada perante a C.
Este segundo negócio constitui uma verdadeira cessão da posição contratual da M (adquirente na cessão de créditos) e, por isso, nos termos previstos no art.º 424.º do CC, carecia de consentimento da C, que era o “outro contraente” (no contrato celebrado entre a M e a C) e que o prestou.
Vê-se, pois, que contrariamente ao pretendido pela executada/embargante, a cessão da posição contratual da M para a H, no contrato que havia celebrado em 30.12.2016 com a C, não estava dependente do consentimento da executada/embargante, que nele não era parte.
Por outra banda, não se vislumbra que tenha ocorrido a fixação unilateral de qualquer regra sobre a transmissão da posição contratual, que possa considerar-se proibida à luz do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (art.º 18.º al. l)), e, a existir, nunca poderia ser invocada e aproveitada pela executada/embargante, que, como se viu, não foi - nem tinha que ser - parte no contrato de cessão da posição contratual.
Enfim, aqui chegados, conclui-se que, por contrato de 30.12.2016, a C cedeu, válida e eficazmente, o crédito que detinha sobre a executada/embargada B, e todas as garantias acessórias a ele inerentes, à M, tendo esta, por contrato de 24.02.2017, cedido, também de forma válida e eficaz, a sua posição contratual à H, com o consentimento da C.
4.4. Tendo a H passado a assumir a posição de cessionária na cessão de créditos efectuada a 30.12.2016, havia que proceder à notificação da executada/embargante, para que essa cessão de créditos produzisse efeitos (art.º 583.º, n.º 1 do CC).
É que, embora não careça do consentimento do devedor, a cessão só lhe é oponível a partir do momento em que o mesmo, judicial ou extrajudicialmente, tomar conhecimento de que existiu uma alteração na identidade do respectivo credor ou desde que o devedor a aceite.
Saliente-se que a comunicação da cessão ao devedor é, apenas, uma condição de eficácia do negócio. De resto, o contrato de cessão é plenamente válido entre os contraentes (cedente e cessionário) e produz imediatamente os respectivos efeitos, passando o cessionário a ser, desde logo, titular do direito de crédito, que, contudo, só pode opor ao devedor a partir da sua notificação.
No caso dos autos, tal notificação foi feita através da carta referida no n.º 6 dos factos provados, datada de 27.02.2017, e recebida pela executada/embargante em 10.03.2017 (cfr. registo de recepção dos CTT junto com o documento a que se alude no n.º 6 dos factos provados).
Mas, ainda que assim se não entendesse, sempre teríamos que a citação da executada para os termos da execução valeria como notificação da cessão, tal como foi afirmado na sentença recorrida.
Com efeito, a doutrina e a jurisprudência tem discutido a questão de saber se a citação para uma determinada acção judicial tem a virtualidade de “substituir” a notificação a que alude o art.º 583.º, n.º 1, do CC, sendo afirmativa a resposta da jurisprudência maioritária (veja-se a jurisprudência compilada por Gil Valente Maia, in Cessão de créditos e os efeitos da citação para a acção judicial em curso: uma análise jurisprudencial, Revista Julgar Online, Dezembro de 2021).
Assim, por exemplo, o acórdão do STJ de 07.09.2021, considerou que:
«I – A cessão de créditos define-se como um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito, traduzindo-se na substituição do credor originário por outra pessoa, mas sem produzir a substituição da obrigação antiga por uma nova, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional, com a única modificação subjetiva que consiste na transferência do lado ativo da relação obrigacional.
II – A notificação da cessão ao devedor pode ser feita por qualquer meio, inclusivamente pela citação do devedor cedido para a ação executiva ou para o incidente de habilitação enxertado nessa ação.
III – O único elemento constitutivo da eficácia da cessão é o conhecimento do devedor, não exigindo a lei a sua autorização (artigo 577.º, n.º 1, do Código Civil).
IV – Para proteção do devedor cedido, a lei faculta-lhe a possibilidade de na contestação impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo, nos termos do artigo 356.º, n.º 1, al. a), do CPC.
V – A jurisprudência reconhece ao devedor cedido o direito de “(…) invocar como meio de defesa geral contra o cessionário, a ineficácia em sentido amplo do negócio-acto de cessão de créditos (causa próxima) convencionado com a cedente, em adição à oponibilidade das vicissitudes (excepções) do negócio subjacente ao crédito cedido (causa remota), licitamente invocáveis contra o cedente nos termos do art.º 585.º do CC.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-05-2021, proc. n.º 348/14.7T8STS-AV.P1.S1).
VI – Não vê, portanto, o devedor, os seus meios de proteção diminuídos, em virtude de ter conhecido a cessão através da citação».
Escreveu-se neste aresto, que «A questão de direito dos presentes autos opõe duas teses: aquela a que aderiu o acórdão recorrido, que equipara a citação do devedor para o incidente de habilitação (ou para a ação executiva) à notificação exigida pelo artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil como requisito de eficácia da cessão de créditos em relação ao devedor cedido e, uma outra tese mais exigente quanto aos formalismos, segundo a qual a comunicação ao devedor da cessão de créditos deve ter lugar em momento anterior à propositura da ação e que a notificação da cessão constitui um facto a alegar nos articulados e integrador da causa de pedir da ação. Esta segunda tese, todavia, não se revela adequada nem à letra nem à finalidade da lei. Por um lado, o artigo 583.º, n.º 1 não prevê uma enumeração taxativa dos meios pelos quais o devedor obtém o conhecimento da cessão e, por outro, o objetivo da lei com a cessão é precisamente o de promover as vantagens associadas à livre circulação de créditos num tempo em que estes assumem uma importância económica crescente. (…) Assim, não há motivos legais nem práticos que impeçam que o conhecimento do devedor se adquira ou concretize através de várias formas, entre as quais se conta a citação para a ação. Com efeito, apesar das diferenças normalmente apontadas entre a notificação e a citação, é inegável que ambas produzem o conhecimento da transmissão do crédito por parte do devedor, sendo o conhecimento o único elemento constitutivo da eficácia da cessão em relação ao devedor».
Acompanhamos este entendimento, à luz do qual, portanto, sempre a executada/embargante se teria por notificada da cessão de créditos em causa com a sua citação para os termos da execução.
E, destarte, impõe-se concluir que o crédito de que a C era titular sobre a executada/embargante foi, válida e eficazmente, cedido à exequente/embargada, improcedendo todas as conclusões da recorrente a esse respeito.
A apelante suportará as custas da apelação, por ter ficado vencida (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
*
Lisboa, 16.05.2024
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Carla Mendes
Octávio Diogo