PROVA PERICIAL
PERÍCIA COLEGIAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário

No âmbito da prova pericial colegial, perante conclusões divergentes formuladas pelos peritos, pode o juiz, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, acolher as conclusões técnicas defendidas por um dos peritos, em detrimento da posição maioritária dos demais, desde que justifique a opção numa lógica de maior grau de convencimento dotada de racionalidade e compreensibilidade bastantes.

Texto Integral

PROCESSO N.º 6913/20.6T8PRT-A.P1
[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 3]


Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjuntos: Márcia Portela
João Ramos Lopes




SUMÁRIO:
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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

RELATÓRIO

1.

A..., LDA., Banco 1..., S. A. e Banco 2..., S. A., por apenso ao processo de execução para prestação de facto que AA e BB lhes moveram, vieram deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, pugnando pela extinção da execução.

A dita 1.ª Embargante apresentou petição inicial própria, invocando, em súmula:

· Encontra-se a correr no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto – Juiz 8, Proc. 16224/17.9T8PRT, Ação de Processo Comum, intentada pelo Condomínio ... contra os aqui executados, em que se discute a responsabilidade por defeitos de construção e defeitos decorrentes das obras de reparação levadas a cabo pela aqui Executada – A... e que foram adjudicadas pelo Executado Banco 1..., tendo o desfecho daquela ação implicações diretas nos presentes autos, pelo que, e tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 272.º do C.P.C., deverá ser suspensa a execução;

· A A..., após trânsito em julgado da sentença, prontificou-se a realizar as obras de sua responsabilidade, mas tal nunca foi aceite pelo Exequente, que não disponibilizou a sua habitação para que os técnicos da A... pudessem trabalhar, uma vez que o Exequente apenas permitia a realização das obras integrais e não parciais, apesar de a aqui executada não ter responsabilidade nos demais defeitos para além dos elencados na sentença;

· As reparações a levar a cabo como eliminação da insuficiência térmica do alçado nascente; eliminação da entrada de humidade nas paredes e teto da garagem, bem como outras, implicam obras de fundo e que têm de ser autorizadas e custeadas pelo dono do prédio, sendo que tais obras de fundo estão a ser reclamadas na ação comum supra referida;

· O valor da reparação indicado pelo Exequente vai impugnado, pois é um valor excessivo e desproporcional, e corresponde ao valor de 2 apartamentos e contempla reparações em que os Executados não foram condenados, sendo um abuso de direito o pretendido pelos executados.

Por sua vez, os mencionados 2.ºs Embargantes, na petição inicial que apresentaram conjuntamente, para além de pedirem a condenação dos Embargados como litigantes de má fé, invocaram, em súmula:

· Os Embargados não dispõem de título executivo para a prestação de facto que atribuem o valor de 432.208,43 €;

· Os Embargados vêm pedir obras que extrapolam a condenação e indicam várias rúbricas que não se coadunam com os valores praticados no mercado;

· As Executadas pretendem cumprir com a sentença e executar a obra na qual foram condenadas, tendo a isso se proposto aos Exequentes, enviando orçamentos e mapas de quantidade e trabalhos, bem como interpelações no sentido de iniciar a obra;

· Os Embargados pretendem que se proceda a obras que poderão afetar as frações autónomas dos pisos inferiores e superiores, não tendo as executadas legitimidade para tal, sem o respetivo consentimento dos donos dessas frações;

· Ocorre exceção dilatória de litispendência, face à existência do processo 16224/17.9T8PRT, no Juízo Central Cível do Porto - Juiz 1, existindo pedidos no âmbito da referida ação que poderão colidir com a pretensão ora deduzida pelos Embargados, encontrando-se numa relação de prejudicialidade, devendo-se aguardar pelo desfecho da referida ação no que a matérias em comum respeitar.

2.

Os Embargados contestaram, pugnando pela improcedência dos embargos e pela condenação dos Embargantes a título de litigância de má fé.

3.

Foi prolatado despacho saneador que, para além do mais, decidiu julgar improcedentes as exceções de ilegitimidade e de inexistência do título executivo, bem como considerou inexistir qualquer causa prejudicial; procedeu-se à identificação do objeto do litígio e à delimitação dos temas da prova.

4.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

[Face ao exposto, decido:

A) Julgar os presentes embargos de executado improcedentes, por considerar não verificadas as invocadas excepções da mora do credor e do abuso direito, determinando a prossecução da execução para prestação de facto de que estes constituem um apenso, para a realização dos trabalhos em causa, caso as executadas não executem as obras no prazo que se irá fixar no processo principal;

B) Julgar improcedentes os incidentes de condenação por litigância de má fé suscitados pelas partes.


*

Custas a cargo da embargante/executada e da embargada/exequente, na proporção de 2/3 e de 1/3, respectivamente (vide art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil).]

5.

Inconformadas com a sentença, as Embargantes Banco 1..., S.A. e Banco 2..., S.A. interpuseram recurso de apelação, assente nas seguintes CONCLUSÕES:

A. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da douta Sentença, que julgou improcedentes os presentes embargos e, consequentemente, determinando a prossecução da execução para prestação de facto de que estes constituem um apenso, para a realização dos trabalhos em causa.

B. Em primeiro lugar, a Meritíssima Juiz a quo errou no julgamento da matéria de facto por si levado a cabo, razão pela qual, no presente recurso, se impugna tal decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art. 640.º do C.P.Civ..

C. Pretende a Recorrente a reapreciação da prova, quantos ao ponto 16 dos factos provados, principalmente porque o relatório pericial de 10/04/2022 dos peritos indicados pelas executadas e pelo Tribunal, arbitraram o valor de 130.474,00 €, tendo sido preterido sem qualquer fundamento lógico.

D. Os senhores peritos prestaram o seu depoimento na Sessão de 20/09/2023 (CD – Minuto 00:00:01 a 00:39:14), demonstram que o valor que defenderam era o necessário e razoável à execução da obra tal como decorria da sentença proferida na ação declarativa, conforme declarações supra transcritas.

E. Sendo que como diz o Eng. CC, esse valor era o que em consciência entendeu razoável, justo e correcto.

F. O Tribunal a quo entendeu que a perícia de 10/04/2022 não contemplava os materiais a colocar, porém, não é isso que consta do relatório e dos esclarecimentos escritos dos senhores peritos (03/04/2023), e bem assim, dos esclarecimentos em sede de audiência de discussão e julgamento.

G. Na verdade, os valores que tiveram em consideração respeitam a material qualidade alta de construção, veja-se que é indicado no relatório p. ex. madeira Tauari e relativamente às pedras mármores de Extremoz, Carrara ou Ruivina ou granito do Zimbabwe.

H. Já o perito indicado pelos Embargados sobre a divergência de valores, quando questionado porque é que se chega a uma discrepância tão grande, sendo materiais nobres, consentâneos com os que existem na fração e as metodologias de aplicação são consentâneas, não foi capaz de esclarecer ou apresentar argumento que justificasse os valores apresentados, limitando-se a afirmar divergências de opinião!

I. Como supra se transcreveu, dos esclarecimentos do perito dos Embargados, ficou claro que a obra a realizar é uma verdadeira demolição, e não a correcção de defeitos, como as Recorrentes foram condenadas, pelo que não se compreende o raciocínio do Tribunal a quo ao admitir esta perícia, que dá cobro ao delírio dos Exequentes!

J. Neste mesmo sentido depuseram as testemunhas, com especial relevância para o depoimento do Eng. DD, técnico encarregado pelo Banco para acompanhamento deste assunto, que prestou depoimento na Sessão de 11/10/2023 (CD – Minuto 00:00:01 a 00:30:00), cujo depoimento, na parte relevante, se encontra supra transcrito

K. A testemunha esteve no local, visitou o edifício e uma grande parte das frações, fez o relatório e um caderno de encargos, de acordo com aquilo que lhe pareceu que era necessário para resolver os problemas do edifício.

L. No que respeita à fracção em causa nos Autos, também os proprietários fizeram algumas reclamações, tendo sido algumas atendidas.

M. Explicou ainda que ainda no decurso da obra os proprietários estavam insatisfeitos com a extensão dos trabalhos. Mais tarde, na sequência da sentença que foi proferida, foi-lhe solicitado que fizesse uma análise dos orçamentos apresentados pelos Embargados, defendendo que aqueles não só contemplam trabalhos que não estavam previstos na sentença como valores que excediam os preços de mercado.

N. Acrescenta ainda que a obra é uma reparação e o valor indicado era o dobro ou mais do dobro do valor da construção nova!

O. Por outro lado, a testemunha é perentória ao afirmar que os Exequentes pretendem muito mais do que diz a sentença, do que é a legis artis e do que decorre da legislação! E isso nota-se

principalmente no que diz respeito ao isolamento acústico das zonas de serviço, como sejam os Wc’s e cozinha!

P. Isolamento esse que até o senhor perito nomeado pelos Embargados refere não resolver o problema!!

Q. Também decorre do depoimento de Eng. EE, prestado na Sessão de 20/09/2023 (CD – Minuto 00:00:01 a 00:09:00), que acompanhou as obras e conhece bem o imóvel que o orçamento é “(…) um bocado, para não dizer bastante, empolado.”, como acima se transcreveu.

R. É assim forçoso concluir que dos relatórios periciais e dos depoimentos supra transcritos resulta evidente que o valor arbitrado pelos dois peritos é o necessário ao cumprimento da sentença e à boa execução da obra, corroborado pelas declarações proferidas em julgamento, tendo em consideração que está assumido por todos a utilização de materiais de gama alta de acordo com os existentes na fração.

S. Por outro lado, não se justifica a afetação de um diretor de obra, a esta empreitada, sendo que o encarregado será mais do que suficiente, tendo sido os dois peritos muito claros nesta questão, até pelos custos que tal acarretaria.

T. A perícia dos Recorridos propõe meios elevatórios que não são necessários, uma vez que os materiais podem ser transportados pelos elevadores de serviço do prédio.

U. A picagem e reparação das paredes é absurda, pois tal não é comum na reparação de edifícios, implica praticamente deitar as paredes abaixo e refazê-las, é demorado e caro. A não se respeitar isto vão-se empolar custos com obras desnecessárias, sendo que o perito dos Executados chega a falar em demolição!

V. Em resumo, o Tribunal acaba por dar razão a um perito em detrimento dos outros dois, sem que existam razões técnicas e até lógicas para isso, desvalorizando o trabalho dos dois peritos e os depoimentos das testemunhas.

W. Aliás, atrevem-se as Recorrentes a afirmar que bastava o bom senso para se excluir a perícia dos Embargados.

X. Por outro lado, insurgem-se as Recorrentes com a falta de fixação de um valor porquanto a indicação de que o valor é “no mínimo” 199.419,00€, arrasta consigo uma incerteza que a Justiça não comporta.

Y. Atendendo ao histórico dos orçamentos apresentados, e à motivação clara dos Recorridos em refazer todo o apartamento, torna-se necessário definir um valor para a realização da obra.

Z. Veja-se que as obras a realizar custam quase tanto como o próprio apartamento!

AA. Para se avaliar da magnitude e também da incoerência deste número bastará consulta ao valor pelo m2 de construção em Portugal e o custo de construção de moradia em Portugal pelo que o valor das obras orçamentadas pelos Recorridos representam o dobro do preço da construção nova em Portugal.

BB. Ora, sendo expectável que os Recorrentes não consigam, pelas razões atrás apontadas, executar a obra e sejam os Recorridos a fazê-las, o custo há-de ser fixado pelo Sr. Juiz após prestação de contas pelos Recorridos.

CC. É pois absolutamente necessário que o Tribunal arbitrasse um valor concreto e definitivo para a obra, em obediência aliás ao decidido no douto acórdão proferido neste processo ref. 14982649 de 04/10/2022, que na pg. 29 decide que “o custo há-de ser, como já se avançou, aferido por perito idóneo para o efeito (equidistante das partes e dotado dos indispensáveis conhecimentos e experiência técnico-profissional na área em causa – artigo 870º do CPC”.

DD. Terá pois esse Venerando Tribunal que fixar o preço da obra, com recurso às perícias efetuadas, e tendo em conta que os valores definidos pelos dois peritos concordantes são os razoáveis e adequados àquilo que a sentença definiu: uma obra de reabilitação e de correcção de defeitos numa área de intervenção de 130 m2 – e não fazer uma casa nova a partir do zero.

EE. E assim, tendo em conta que os dois peritos concordantes atribuíram 130.474,00€ de valor às obras que têm de ser executadas e que se dividirmos este valor por 130 m2, obteremos um valor de 1.000€ por metro quadrado (o preço da construção nova é de 1.500€ por metro quadrado), daqui resulta necessariamente que este valor incorpora uma enorme margem de segurança, que garante que os Recorridos terão um resultado final ótimo, já que aquele valor é mais do que suficiente para suportar todos os custos de materiais, mão de obra, trabalhos preliminares, fiscalização e tudo o resto.

FF. Não podemos ainda esquecer que as Recorrentes, como comunicado por escrito, assumiram todos os custos com a desmontagem, guarda de móveis, transporte e montagem; e ainda o realojamento em idênticas condições ao local onde a família vive.

GG. A segunda questão que as Recorrentes pretendem ver apreciada respeita à ausência de resposta ao terceiro tema de prova e que se prende com a questão de apurar se o valor devido pelas obras (peticionado pelos Exequentes) é desproporcional, facto que, como veremos, merece resposta positiva.

HH. Cabe ao Tribunal pronunciar-se sobre as provas de factos, controvertidos, da causa, relevantes para a decisão, sendo certo que havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado), atentas as disposições conjugadas dos arts. 410.º do C.P.Civ. e 341.º e ss. do Código Civil.

II. A questão da proporcionalidade dos orçamentos (e mesmo do valor definido pelo perito dos Embargados) é uma questão que é de extrema relevância para a decisão da causa e, entendem as Recorrentes, determina mesmo a solução do litígio.

JJ. A este propósito a única referência que o Tribunal a quo faz é dizer que as obras são proporcionais face ao valor atual da fração.

KK. Ora, não se compreende como é que para resposta a esta questão não se considera, desde logo, o preço da construção nova em Portugal, que, como vimos acima, é, pelo menos, de metade do valor exigido pelos Executados!!

LL. Do que supra se expôs, na ponderação da prova, em especial no que respeita à perícia de 04/10/2022 e depoimentos transcritos quanto aos valores dos orçamentos, a metodologia da obra, o valor de construção por m2, é evidente que o que os Exequentes pretendem é a reconstrução total do apartamento, sendo que o valor peticionado é absoluta, manifesta e evidentemente desproporcional em face do que é a condenação das Executadas na ação declarativa e das obras efetivamente necessárias para reparar o imóvel.

MM. É preciso relembrar que a perícia de 10/04/2022 considera a utilização de materiais consentâneos com os existentes, em referência com os preços de mercado, o que só por si revela a exorbitância do valor que, enfim, a M.ma Juiz julgou adequado!

NN. Por fim, mas não menos importante, torna-se necessário saber-se se os embargantes ou os embargados obstaculizaram a realização das obras.

OO. Dos factos provados resulta que as Embargantes se prontificaram desde logo a dar execução às obras em que foi condenado, mas que tais obras nunca foram aceites pelos Recorridos.

PP. Os Recorridos pretenderam a realização de obras que extrapolam a condenação e indicaram várias rubricas que não se coadunam com os valores de mercado nem com os itens enunciados na sentença.

QQ. Quanto a esta matéria, os depoimentos dos Srs. FF e Eng. DD são elucidativos ao que se junta a documentação constante da petição inicial de embargos, matéria que acabou provada.

RR. A testemunha Eng. FF que acompanhou a tentativa do Banco em fazer a obra refere que foram os Embargantes que apresentaram várias condicionantes que impediram que a obra se iniciasse.

SS. Já o Sr. FF, que prestou depoimento na Sessão de 20/09/2023 (CD – Minuto 00:00:01 a 00:13:56), funcionário do Banco 1... e que integra a área que faz a gestão dos imóveis não afetos à exploração, confirmou a reunião e a visita ao imóvel e que o Banco pretendia cumprir a sentença e iniciar as obras numa determinada altura.

TT. Após a interpelação do Banco, os Embargados responderam “mas [foi] uma resposta que complicou as coisas de uma forma séria”. Posteriormente foi enviada uma segunda carta, onde além de se ter pedido para se marcar data para se arrancar com a obra, o Banco se comprometeu a realizar a mudança dos móveis e o seu armazenamento, dando também como certo ser da responsabilidade do Banco o alojamento do agregado familiar.

UU. Deste modo, os Recorridos infundadamente nunca concordaram com a solução técnica apresentada, solução essa que estava conforme a sentença de condenação, aliás, ainda ia além da condenação, em seu benefício…

VV. Razão pela qual as Recorrentes não deram cumprimento à sentença de condenação por única e exclusiva responsabilidade dos Recorridos, que não aceitaram que o Banco iniciasse a obra, pelo que errou o Tribunal a quo na apreciação desta questão, havendo, sim, mora do credor, atentos os factos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14, devendo ter sido decidido em conformidade.

WW. Assim, deve esse venerando Tribunal de recurso modificar a matéria de facto, por manifesto erro na apreciação da prova pois, da perícia de 10/04/2021, dos depoimentos das testemunhas supra transcritos, e demais elementos de prova constantes dos autos, em especial, dos documentos juntos não pode sustentar-se a convicção formada, pois claramente, não tem suporte razoável naquilo que a prova demonstra.

XX. Concluindo, impõe-se alterar a matéria de facto, da seguinte forma:

Deve o ponto 16. ser alterado, passando a constar: “O custo da obra necessária para dar cumprimento integral ao Acórdão referido em 1, ascende a 130.474,00 €, incluindo IVA, dando como reproduzido o teor da perícia junta aos autos no dia 04-10-2023.”

Deve ser aditado o facto 17., com a seguinte redação: face ao preço da construção nova e aos valores resultantes da perícia de 04/10/2022 o valor peticionado pelos Embargados é desproporcional.

Deve aditar-se o ponto 18. nos seguintes termos: “Os Embargados obstaculizaram a realização das obras”.

YY. E a Meritíssima Juiz a quo aplica de forma errada o Direito.

ZZ. Se é certo que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, como dispõem o art. 389.º do C.Civ. e art. 607.º, n.º 5 do C.P.Civ., a verdade é que o julgador não pode, sem fundamentos suficientemente sólidos, afastar-se do resultado da peritagem, ou seja, o Tribunal está limitado aos juízos técnicos dela constantes.

AAA. Como se deixou expresso, inexiste fundamento lógico, científico e imparcial para que o Tribunal se afaste da perícia de 10/04/2022, quer pelo seu teor da perícia quer pela demais prova, constante dos Autos, prova suficientemente credível e convincente que não permitia, quanto a nós, resposta diversa.

BBB. Vimos que o valor arbitrado pelos senhores peritos, corroborado pelas testemunhas, é o

necessário e suficiente para a execução das obras, sendo que este valor leva em consideração a montagem, desmontagem e manutenção do estaleiro, tapumes, meios de elevação, andaimes, contentores e enquadramento de pessoal para um prazo de execução de seis meses. Em relação aos Conjuntos 1 e 2 do orçamento dos dois peritos estão previstas todas as obras em que o recorrente foi condenado.

CCC. Mais se diga que o orçamento dos materiais foi feito pelo valor de mercado, como consta do seu relatório.

DDD. Por outro lado, não há necessidade nem se justifica, a afetação de um diretor de obra, a esta empreitada, sendo a figura de encarregado de obra será mais do que suficiente e adequado.

EEE. Igualmente, ficou patente que não são necessários os meios elevatórios preconizados na perícia de 26/10/2022 porquanto os materiais a transportar podem ser carregados nos elevadores de serviço do prédio.

FFF. Em primeiro lugar, esse isolamento dos WC’s e cozinha não é obrigatório por lei nem minimamente corresponde ao que foi determinado pelo Tribunal na ação declarativa.

GGG. Além disso, estas divisões não são tecnicamente isoláveis, uma vez que nos WC’s e cozinha há materiais cerâmicos e metais que transportam o som.

HHH. Por fim, nas técnicas de construção é consabido que as paredes com humidade devem ser reparadas e isoladas, mas não picadas nem refeitas sendo que é essencial efetuar o seu isolamento do exterior, o que está previsto nos relatórios dos peritos.

III. É manifesto que não há razões para que a M.ma Juiz a quo ignore as conclusões da perícia de 04/10/2022, sendo que apesar de referir a sua discordância, é insuficiente a fundamentação para tal, atenta a demais prova dos autos.

JJJ. Por outro lado, a fundamentação da decisão deve permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória convencendo e não apenas impondo.

KKK. Ora, o Tribunal não respondeu à questão da proporcionalidade das obras matéria que constava dos temas da prova e que, a nosso ver, é determinante para a justa composição do litígio.

LLL. Para o caso de se entender não alterar os factos provados conforme supra proposto, e uma vez que não se encontra justificada a sua inclusão ou não inclusão nos factos provados, deverão V. Ex.as fazer uso do poder conferido pela al. d) do n.º 2 do art. 662.º do C.P.Civ. e determinar a anulação da decisão da matéria de facto quanto a este tema, a fim de que o Tribunal a quo fundamente devidamente a decisão por si proferida.

MMM. No que à mora do credor concerne, andou mal a sentença recorrida pois, face aos factos

provados, é manifesto que as Recorrentes diligenciaram e tudo fizeram no sentido de dar cumprimento à sua obrigação e os Recorridos inviabilizaram a possibilidade da prestação que aquelas pretendiam realizar e que se coadunava, em absoluto, com a sentença proferida.

NNN. De relembrar que o valor exigido nos orçamentos apresentados pelos Recorridos era elevadíssimo, representando cerca de 70% do valor atual do imóvel!

OOO. Os Recorridos recusaram, pois, a prestação que foi oferecida pelo recorrente que sempre quis – e quer – cumprir a sentença, mas não a qualquer preço!

PPP. Os factos dados como provados na Primeira Instância refletem a violação do dever colaboração dos Embargados com omissão da prática de atos essenciais ao cumprimento por parte das Recorrentes da sua obrigação, não permitindo o acesso ao imóvel, não aceitando data para o início das obras e bem assim, replicando sempre com exigências e orçamentos que, como vimos, são exorbitantes e desproporcionais face à obra e métodos a utilizar.

QQQ. Pelo que não podia o Tribunal concluir pela inexistência de mora do credor, pois, em bom senso e razoabilidade, é indiscutível que o motivo avançado pelos Embargantes para não se iniciarem as obras não é um motivo legítimo, no quadro geral da boa fé.

RRR. E assim, é manifesto o abuso de direito dos Embargados ao pretenderem refazer o seu apartamento, que é disto exatamente que se trata no processo e que move os Embargantes, demolir o que está e fazer de novo, com base numa sentença que condena as Embargantes a remover defeitos é inadmissível.

SSS. Donde se conclui que os Embargados litigam de má fé, nos termos do art. 542.º, n.º 2 do C.P.Civ., pelo que a conduta dos Embargados é merecedora de censura.

TTT. A sentença recorrida porque não aplicou correctamente o direito aos factos dados como provados, violou o disposto nos arts. 334.º, 342.º 389.º e 813.º do C.C., art. 607.º, n.º 2 e n.º 5 do C.P.Civ., e, de igual forma, violou o n.º 2 do art. 9.º do C.Civ., já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de correspondência nas normas putativamente violadas.


*

Terminou, pedindo a revogação da decisão recorrida e a substituição por outra que julgue a improcedência dos embargos.

6.

Contra-alegaram os Embargados, pugnando pela improcedência do recurso, formulando para tanto as seguintes conclusões:

I.Deve o presente recurso de Apelação da Sentença proferida pelo Tribunal a quo manter-se, pois este reflete a verdade quer adjetiva, quer substantiva do processo aqui em causa.

II. Os valores a considerar das obras a efetuar devem ser tomados em conta, pelo menos, o valor mínimo de 199.419,29€, sem estar incluído o valor de hospedagem dos Recorridos e Fiscalização.

III. Os testemunhos feitos pelas testemunhas e perito indicado pelos Recorridos, devem prevalecer, conforme decisão do Douto Tribunal “a quo”, visto que as testemunhas apresentadas pelos Recorrentes não apresentaram argumentos, nem provas de que tal entendimento deles tivesse qualquer aceitação verosímil para “um bom pater famílias” e para o próprio Tribunal.

IV. As suas declarações encontravam-se enfermadas de contradições e inverdades, as quais, e bem, não convenceram o Tribunal “a quo”, decidindo este de acordo com bom senso e principalmente com justiça e verdade.

V. O Relatório apresentado, quer pelo Perito indicado pelos Recorridos, quer pela Engª. GG que conhece muito bem as patologias e os preços de mercado, são de valor equivalente, para se colmatar os defeitos apresentados na obra e das omissões da construção a que os Recorrentes foram condenados.

VI. Os valores apresentados pelos Peritos nomeados pelo Tribunal e pelo Perito indicado pelos Recorrentes, foram apresentados pela experiência profissional, não tendo em conta os preços praticados no mercado atualmente, visto nem sequer terem ido ao Mercado perceber qual os preços em vigor.

VII. O valor atual do imóvel é de 512.600,00€, o que valida que a sua reparação seja feita pelo valor mínimo acima mencionado de 199.419,29€.

VIII. Ter-se em consideração e como provado que os Recorridos sempre abriram as suas portas e contribuíram para a feitura das obras, nunca tendo obstruído tal desempenho.

IX. Dar-se como provado a boa-fé dos Recorridos, visto que estes, nestes períodos de pressão psicológica e financeira, sempre estiveram disponíveis para colaborar (mesmo em tempo de Covid), somente queriam saber o que iam fazer com eles, com a sua mobília e principalmente com a sua habitação.

X.Ter em consideração que a mora não foi dos Recorridos, mas sim, dos Recorrentes.

XI. Por fim, dar-se como provado, até pelas declarações das testemunhas, que os Recorridos sempre fizeram tudo, mas tudo, para colaborarem para ver a sua habitação reparada e reconstruída com as omissões de construção que só as Recorrentes são responsáveis.

XII. Que as Recorrentes sejam obrigadas, pelo facto de estas serem as responsáveis por tudo o que se tem verificado neste processo, de repararem e corrigir as omissões verificadas e sentenciadas na sentença proferida em 18 de junho de 2018 (pasme-se).

XIII. Colmatando, principalmente, da melhor forma, de acordo com as testemunhas apresentadas, quer seja pelos Peritos, quer pelas pessoas profissionais da “arte” apresentadas pelos Recorridos, visto que as restantes pouca credibilidade apresentam, a insonorização quer superior e inferior que se deteta na habitação dos Recorridos, conforme Douta sentença proclamada há cerca de 5 anos e 7 meses.

II.

OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).

Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, as questões estruturais a decidir nesta instância passam por saber se se justifica a modificação da decisão da matéria de facto nos termos preconizados, bem como a alteração da solução jurídica a que chegou a 1.ª instância, o que convoca para a discussão os temas da mora do credor e do abuso do direito.

III.

FUNDAMENTAÇÃO

1.

OS FACTOS

1.1.

Factos provados

O Tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:

1 – Nos autos de Ação Declarativa sob a forma de Processo Ordinário que os aqui Exequentes instauraram contra as também aqui Executadas, e que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível do Porto - Juiz 6, sob o processo n.º 1159/17.3T8GDM, foi proferida sentença datada de 18 de Junho de 2018, confirmada por Acórdão de 25 de Março de 2019, foram as sociedades Executadas condenadas nos seguintes termos, dando-se por reproduzido todo o seu teor para os devidos efeitos legais: [Pelo exposto, I - Julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência a. condeno os réus “Banco 1..., SA”, e “Banco 2..., SA”, a procederem aos seguintes trabalhos na fracção designada pelas letras “AK” do prédio constituído em regime de propriedade horizontal sito na Avª. ..., união de freguesias ..., ... e ..., descrito na conservatória do registo predial de Gondomar sob o nº ...54, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...66, denominado «Edifício ...»: i. execução do isolamento acústico (relativamente às habitações situadas nos níveis superior e inferior, e às pontes fónicas nas instalações sanitárias); ii. eliminação das correntes de ar através dos interruptores; iii. execução da insonorização da ventilação mecânica das instalações sanitárias; iv. reparação do piso da garagem; v. eliminação do mau cheiro proveniente do esgoto da casa de banho de serviço; vi. reparação das portas empenadas da cozinha e quarto; vii. reparação da ventoinha de saída do gás da caldeira; viii. substituição dos apainelados de madeira das janelas que se encontram queimados e empenados; ix. reparação das paredes interiores, cantos da sala e suite principal; x. substituição dos rodapés e apainelados da sala e suite principal; b. condeno os réus “Banco 1..., SA”, e “Banco 2..., SA”, a pagarem aos autores a quantia de € 1.978,13; c. condeno os réus “Banco 1..., SA”, “Banco 2..., SA”, e “A..., Ldª”, a procederem aos seguintes trabalhos na fracção acima identificada i. execução, pelo exterior, da impermeabilização das janelas (janela da cozinha, janela da sala; da janela da suite 1; da janela do quarto do meio; da janela da suite principal); ii. eliminação da insuficiência térmica do alçado nascente; iii. eliminação da entrada de humidade nas paredes e tecto da garagem; iv. eliminação das diferentes tonalidades do soalho; v. eliminação dos desníveis e manchas do soalho; vi. limpeza dos batentes e ferragens das portas sujos com verniz; vii. substituição das ferragens das portas arranhadas; viii. substituição de rodapés e apainelados danificados; ix. reparação do motor do estore cuja tela foi substituída; x. reparação dos vãos de janelas partidos; xi. substituição das lajetas das varandas manchadas, partidas e fissuradas].

2 – Em 26 de junho de 2019, o Embargado foi contatado telefonicamente pela A..., que se prontificou a realizar as obras de sua responsabilidade.

3 – O exequente sugeriu que a A... entrasse em contato com os Embargados/Executados Banco 1..., SA” e “Banco 2..., SA., a fim de coordenarem o início das reparações.

4 – No dia 21.3.201, os Embargados adquiriram o imóvel aqui em discussão pelo valor de 210.000,00 €.

5 – Em 17 de junho de 2019, as Embargantes, por intermédio do seu mandatário, enviaram e-mail ao mandatário dos Embargados informando que se encontravam a aguardar informação dos valores para executar a obra, isto é, da elaboração de um mapa de quantidades e de trabalhos de acordo com a sentença de condenação, propondo, em alternativa, que os Embargados optassem por fazer a obra por empreiteiro da sua escolha, pagando as Embargantes o respetivo valor – cifrando o documento junto na contestação como n.º 7 e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

6 – Os Embargados enviaram um orçamento às Embargantes no valor de 344.411,39€ – cifrando documento junto com a contestação como n.º 5 e cujo teor se dá por reproduzido.

7 – Tal orçamento não foi aceite pelas Embargantes.

8 – No dia 20 de julho de 2020, foi realizada uma vistoria no local, onde tiveram presentes os Embargados, o seu mandatário, mandatário das Embargantes, o Sr. HH, gerente da B... – isolamentos, pinturas e construção civil, Ld.ª e o Eng. DD, gerente da sociedade C..., Ld.ª, com vista a encontrar um consenso em termos técnicos para que fosse possível dar cumprimento à sentença.

9 – No dia 11 de setembro de 2020, foram os Embargados interpelados a dar conhecimento de que as Embargantes pretendiam dar cumprimento à sentença, remetendo, para o efeito, mapa de quantidades e trabalhos, e informando que pretendiam dar início à obra no dia 19 de outubro de 2020 – cifrando documento junto com a contestação com o n.º 10 e 11 e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.

10 – Os Embargados responderam por carta datada de 28 de setembro de 2020, conforme documento junto com a contestação com o n.º 12 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

11 – As Embargantes responderam à carta dos Embargados por carta datada de 2 de novembro de 2020, dando resposta às várias questões levantadas pelos Embargados e, solicitaram aos Embargados que indicassem data em que poderia a obra iniciar-se – cifrando documentos juntos com a contestação com os n.ºs 13 e 14 e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.

12 – Uma vez que não se estava a encontrar consenso relativamente à obra, as Embargantes apresentaram ainda uma proposta alternativa aos Embargados na referida carta, tendo sido proposto o pagamento da quantia de 60.000,00 €.

13 – Em resposta, os Embargados enviaram nova carta com data de 19 de novembro de 2020, conforme documento junto com a contestação como n.º 15 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

14 – Os Exequentes enviaram ainda às executadas os e-mails datados de 4/12/2019, 09/12/2019, 11/12/2019 e 26/12/2019, conforme documento junto com a contestação como n.º 3 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

15 – Hoje o valor comercial do imóvel cifra-se em 512.600,00€.

16 – O custo da obra necessária para dar cumprimento integral ao Acórdão referido em 1, ascende a, pelo menos, € 199.419,29, incluindo IVA, dando como reproduzido o teor da perícia junta aos autos no dia 26.10.2023.

1.2.

Factos não provados

Dos factos tidos por relevantes para a decisão o Tribunal de que vem o recurso julgou não provado:

- Que os exequentes não disponibilizaram a sua habitação para que os técnicos da A... pudessem trabalhar, uma vez que apenas permitiam a realização das obras integrais e não parciais, apesar de a aqui executada não ter responsabilidade nos demais defeitos para além dos elencados na sentença.

1.3.

Impugnação da decisão da matéria de facto

1.3.1.

Segundo dispõe o art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”[1].

O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, sem olvidar, porém, alguns condicionalismos em torno dos princípios da oralidade e da imediação.

A modificabilidade da decisão de facto é ainda suscetível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 662.º do CPCivil.

1.3.2.

A prova é “a atividade realizada em processo tendente à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos”[2], tendo “por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do CCivil) – a demonstração da correspondência entre o facto alegado e o facto ocorrido.

Sendo desejável, em prol da realização máxima da ideia de justiça, que a verdade processual corresponda à realidade material dos acontecimentos (verdade ontológica), certo e sabido é que nem sempre é possível alcançar semelhante patamar ideal de criação da convicção do juiz no processo de formação do seu juízo probatório.

Daí que a jurisprudência que temos por mais representativa acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”[3].

Movemo-nos no domínio do que a doutrina considera como standard de prova ou critério da suficiência da prova, que se traduz numa regra de decisão indicadora do nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira[4].

Para LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, “pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.

Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.

Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis”[5].

Os meios de prova, enquanto “modos por que se revelam os factos que servem de fonte das relações jurídicas”[6], encontram no Código Civil os seguintes tipos: a confissão (arts. 352.º a 361.º); a prova documental (arts. 362.º a 387.º); a prova pericial (arts. 388.º e 389.º); a prova por inspeção (arts. 390.º e 391.º); e a prova testemunhal (arts. 392.º a 396.º). O art. 466.º do CPCivil acrescenta a “prova por declarações de parte”.

Nos termos do preceituado no art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

O cit. normativo consagra o chamado princípio da livre apreciação da prova, que assume carácter eclético entre o sistema de prova livre e o sistema de prova legal.

Assim, o tribunal aprecia livremente a prova testemunhal (art. 396.º do CCivil e arts. 495.º a 526.º do CPCivil), bem como os depoimentos e declarações de parte (arts. 452.º a 466.º do CPCivil, exceto na parte em que constituam confissão; a prova por inspeção (art. 391.º do CCivil e arts. 490.º a 494.º do C.PCivil); a prova pericial (art. 389.º do CCivil e arts. 467.º a 489.º do CPCivil); e ainda no caso dos arts. 358.º, nºs 3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º, n.ºs 1, 2ª parte e 2, e 376.º, n.º 3, todos do CCivil.

Por sua vez, estão subtraídos à livre apreciação os factos cuja prova a lei exija formalidade especial: é o que acontece com documentos ad substantiam ou ad probationem; também a confissão quando feita nos termos do art. 358.º, nºs 1 e 2 do CCivil; e os factos que resultam provados por via da não observância do ónus de impugnação (art. 574.º, n.º 2, do CPCivil).

O sistema de prova legal manifesta-se na prova por confissão, prova documental e prova por presunções legais, podendo distinguir-se entre prova pleníssima, prova plena e prova bastante”[7].

A prova pleníssima não admite contraprova nem prova em contrário. Nesta categoria integram-se as presunções iuris et de iure (art. 350.º, n.º 2, in fine do CCivil).

Por sua vez, a prova plena é aquela que, para impugnação, é necessária prova em contrário (arts. 347.º e 350.º, n.º 2, ambos do CCivil). Assim será com os documentos autênticos que fazem prova plena do conteúdo que nele consta (art. 371.º, n.º 1, do CCivil), sem prejuízo de ser arguida a sua falsidade (art. 372.º, n.º 1, do CCivil), e também com as presunções iuris tantum (art. 350.º, n.º 2, do CCivil).

Por último, a prova bastante carateriza-se por ser suficiente a mera contraprova para a sua impugnação, ou seja, a colocação do julgador num estado de dúvida quanto à verdade do facto (art. 346.º do CCivil). Assim se distingue prova em contrário de contraprova – aquela, mais do que criar um estado de dúvida, tem de demonstrar a não realidade do facto[8].

1.3.3.

Defendem as Apelantes que o ponto 16) do elenco dos factos provados – “O custo da obra necessária para dar cumprimento integral ao Acórdão referido em 1), ascende a, pelo menos, € 199.419,29, incluindo IVA, dando como reproduzido o teor da perícia junta aos autos no dia 26.10.2023” –, com base na valoração que consideram devida à prova pericial realizada nos autos, é merecedor de alteração, em termos de passar a constar: “O custo da obra necessária para dar cumprimento integral ao Acórdão referido em 1), ascende a 130.474,00 €, incluindo IVA, dando como reproduzido o teor da perícia junta aos autos no dia 04-10-2023.”.

Para decidir como o fez neste particular, a decisão recorrida justificou assim: [Foram tomadas declarações aos Senhores Peritos, que mantiveram o referido nos relatórios periciais realizados e juntos aos autos em 04-10-2022 e 26-10-2022.

Com base nas explicações plasmadas no relatório pericial datado de 16-10-2022, o tribunal considerou tal perícia esclarecedora e fundamentada e a ela aderiu face à clareza da mesma, estando nessa perícia justificado o motivo de não concordância com o teor do relatório dos restantes peritos – nomeadamente: a diferença de valores encontrados quanto aos materiais a colocar, que têm de ser de qualidade idêntica ao do projecto inicial previsto para a fracção em causa; o descritivo das várias tarefas no relatório dos outros dois peritos, em grande parte, é omissa quanto à qualidade e origem dos materiais a aplicar na reparação; todo o esclarecimento inerente à necessidade e aos valores da afetação de um Diretor de obra e um encarregado no acompanhamento da mesma, o serviço de mudanças e de armazenamento do recheio da fração, assim como meios elevatórios para a execução da empreitada, valores estes obtidos junto de fornecedores e partilhados entre as partes; a explicação sobre a resolução dos problemas acústicos e a solução técnica de materiais apresentada que garante a eficiência acústica da fração; quanto ao artigo 9.º do conjunto 1, a solução apresentada não prevê apenas a pintura do interior da fração, mas também a picagem e reparação das paredes danificadas com humidades. Esta perícia realçou ainda que os valores apresentados tiveram em consideração os custos e a conjuntura atual da construção civil, sendo que na consulta ao mercado para determinar os custos reais da intervenção, ficou patente a falta de interesse em realizar esta empreitada por parte dos empreiteiros consultados por a obra se realizar num edifício habitado no nível 6 do edifício e não darem garantia de custos no fornecimento dos materiais devido ao constante agravamento de custos na aquisição dos mesmos. Refere-se ainda nesta perícia que, no decorrer das inspeções à fração AK, verificou-se a existência de novas ou agravamento das patologias, cujo trabalho perfaz o valor de 17 830,70€ (valor já com IVA), e que foram tidos em conta pelo tribunal porque são trabalhos consequentes da condenação em causa nestes autos: “(…) eliminação da insuficiência térmica do alçado nascente; substituição das lajetas das varandas manchadas, partidas e fissuradas (…)”. Quanto à indicação da necessidade de ser a intervenção acompanhada por Empresa de Fiscalização, assim como por um coordenador de segurança nomeado pelo exequente, pese embora se julgue conveniente, considera-se, contudo, que não decorre necessariamente da intervenção a realizar, motivo pelo qual não se irá ter em conta este item (sendo certo que não foi atribuído valor concreto no relatório, tendo sido abordada essa questão quanto aos valores em sede de audiência final), assim como outros que foram indicados na contestação (v.g. arrendamento). Foi inquirida a testemunha GG, engenheira civil que realizou o relatório junto com a contestação com o n.º 11, relatório este também muito esclarecedor quanto à necessidade dos trabalhos a desenvolver e aos preços do mercado, e que corrobora a perícia realizada pelo Perito indicado pelos exequentes, e que procedeu à análise comparativa entre os orçamentos apresentados pela sociedade D... Ld.ª e pela sociedade B.... Por fim, foram inquiridas as testemunhas: II, representante da sociedade supra referida, que, em súmula, justificou o valor orçamentado com a subida do valor dos materiais aplicados, sendo certo que o tribunal atendeu ao valor dado como assente para realização dos trabalhos em causa o indicado na perícia datada de 26-10-2022, face aos fundamentos supra aduzidos e que aqui se dão por reproduzidos; DD, que representou o dono de obra (banco) na realização dos trabalhos cuja reparação está agora em causa, representante da sociedade C... e que realizou o mapa de trabalhos junto com a contestação, existindo ainda o orçamento junto aos autos datado de 7-2-2020, feito com base nesse mapa de trabalhos - note-se que esse mapa de trabalhos não inclui todos os trabalhos a realizar de forma minuciosa (por ex., como se irá retirar os bens existentes na fracção), nem descreve que materiais irão ser aplicados -, que indica o valor de € 45.987,65 para a realização dos trabalhos em que foram condenadas as executadas, o que não se afigura verosímil, atendendo à discrepância entre este valor e todos os outros apresentados – os restantes orçamentos constantes dos autos e, principalmente, atendendo ao valor mínimo indicado pelas perícias realizadas nos autos (mesmo com base na perícia realizada pelos peritos indicados pelo tribunal e pelas executadas o valor nunca seria inferior a €130.474,71].

Submetida, como dissemos, à livre apreciação pelo julgador, a prova pericial assume, contudo, evidentes particularidades, marcadas essencialmente pelos “conhecimentos especializados dos peritos em determinados aspetos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informação sobre máximas da experiência técnica que o julgador não possui”[9]. Lembrando ALBERTO DOS REIS[10]: “[c]laro que os fundamentos invocados pelos peritos para justificar as suas conclusões e os trâmites que eles houverem seguido no desempenho do seu cargo estão sujeitos à censura do juiz, que formará a sua convicção segundo a competência ou incompetência efetiva do perito e a seriedade, diligência e retidão que ele revelar no desempenho do encargo, ou segundo os defeitos que o laudo apresentar; mas, por que todo o arbitramento pressupõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é vão imaginar-se que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objetivo para o qual não dispõe de meios subjetivos; daí que muitas vezes o litígio é decidido, substancialmente, pelo parecer do perito; ...quer dizer, a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, não passa, a maior parte das vezes, de máxima abstrata; por mais que se afirme a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação da prova, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente”.

No caso, de modo algum o Tribunal a quo se substituiu aos peritos na avaliação em questão. O que sucedeu é que, perante conclusões divergentes formuladas no âmbito da prova pericial colegial que teve lugar, a Exma. Juíza de Direito acabou por acolher a visão do Sr. perito indicado pelos Exequentes/Embargados, em detrimento da posição maioritário dos Srs. Peritos indicados pelas Executadas/Embargantes e pelo Tribunal, fundamentando a opção tomada.

Analisados detalhadamente ambos os laudos periciais, assim como os esclarecimentos prestados por escrito pelos Srs. Peritos CC e JJ em 27.01.2023, e escutados integralmente os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento por todos os Srs. Peritos, é sem dificuldade que compreendemos e aceitamos a opção assumida pela Exma. Juíza de Direito, pelas exatas razões que explicitou, exceto na parte em que deu acolhimento ao valor 17.830,70€ (IVA incluído), contemplado no laudo pericial como custo de “Trabalhos Adjacentes”, baseado na constatação pelo Sr. Perito do que qualificou de “novas patologias ou agravamento das já descritas”.

Com efeito, a divergência substancial entre os laudos periciais em equação não está propriamente no tipo de trabalhos a realizar, mas sim no custo dos mesmos, e, nesta matéria, a avaliação feita pelo Sr. Perito KK apresenta-se-nos bem mais rigorosa e esclarecedora, seja pelos dados objetivos que fez constar no relatório acerca de específicos procedimentos e materiais a aplicar na execução da obra, seja pela maior assertividade e racionalidade como prestou em audiência de julgamento os esclarecimentos que lhe foram solicitados, comparativamente com o que sucedeu com os demais Srs. Peritos. Neste ponto, o Sr. Perito CC (indicado pelo Tribunal), pese embora tenha transmitido a ideia da sua maior experiência na área, fruto da sua maior longevidade no exercício da profissão de engenheiro civil, parece ter fundado o seu juízo de valor mais numa certa “ideia abstarta de razoabilidade”, e não tanto na consulta direta ao mercado sobre os preços dos materiais e mão de obra com a qualidade exigida no caso, tarefa que parece ter deixado para os restantes Srs. Peritos.

Relativamente ao referido montante de 17.830,70€ (IVA incluído), contemplado no laudo pericial apresentado pelo Sr. Perito KK como custo de “Trabalhos Adjacentes”, julgamos que o mesmo não pode ser acolhido, e pela singela razão de que extravasa não só o objeto da perícia determinada pelo Tribunal, mas também, ainda com maior valor decisivo, o âmbito da condenação da sentença objeto de liquidação, descrita sob o ponto 1) dos factos julgados provados.

Significa isto que ao valor global de 199.419,29€, apurado pelo laudo do Sr. Perito KK, devemos subtrair a verba de 17.830,70€, resultando assim no valor que julgamos suficientemente justificado: 181.588,59€.

Por outro lado, considerando o interesse subjacente na quantificação do custo das obras em discussão, o dito valor será tido como certo, não se justificando como tal a manutenção da dubitativa expressão “pelo menos” que se deixou vertida na redação do ponto 16) do elenco dos factos provados.

Ainda assim, de fora do dito montante estarão outros encargos associados à execução dos trabalhos, designadamente com o realojamento em idênticas condições ao local onde a família dos Embargados vive, assumidos pelas Apelantes, como reconhecem na conclusão FF).

Concluímos, assim, pela parcial procedência do recurso nesta parte, passando o ponto 16) do elenco dos factos provados a assumir a seguinte redação:

- “O custo da obra propriamente dita, necessária para dar cumprimento integral ao acórdão referido em 1), ascende a 181.588,59€, incluindo IVA, acrescendo encargos com o realojamento da família dos Embargantes, em idênticas condições ao local onde vive, durante o período de execução da obra”.

1.3.4.

As Apelantes defendem ainda a modificação da decisão por via do aditamento ao elenco da matéria provada de dois pontos, com a seguinte redação:

- “17) Face ao preço da construção nova e aos valores resultantes da perícia de 04/10/2022 o valor peticionado pelos Embargados é desproporcional.”;

- “18) Os Embargados obstaculizaram a realização das obras.”.

Sendo patente a natureza jurídico-conclusiva da matéria em questão, elementar é que se considere que a mesma não poderá figurar no elenco dos factos provados, sendo certo que a referência “aos valores resultantes da perícia de 04/10/2022”, enquanto premissa, jamais poderia ser tida em conta para o efeito, por não terem sido atendidos nesta instância, pelas razões que deixamos vertidas no ponto que antecede.

Assim, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, improcede a pretensão recursiva nesta parte.

2.

OS FACTOS E O DIREITO

2.1.

A modificação da decisão da matéria de facto operada nesta instância deixa incólume a decisão de improcedência dos presentes embargos, assente, lembramos, na improcedência das invocadas exceções de mora do credor e de abuso de direito.

A propósito da exceção da mora do credor, a decisão recorrida fundamentou assim:

[De acordo com o texto da lei, o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação (artigo 813º do Código Civil).

A lei estabelece dois requisitos para a mora do credor: a recusa da prestação ou não realização da colaboração necessária para que o devedor possa cumprir e a ausência de motivo justificado para essa recusa ou falta de colaboração.

A mora do credor surge como um facto que gera um impedimento ao cumprimento por parte do devedor: o devedor não cumpre a prestação a que se encontra adstrito, mas esse não cumprimento é determinado pela não aceitação da prestação ou pela circunstância de o credor não praticar os actos indispensáveis para que o cumprimento se possa verificar.

Ora, face aos factos dados como assentes em 3 e 4, não se vislumbra qualquer comportamento, por parte dos exequentes, para que se conclua pela mora do credor.

Relativamente ao comportamento dos exequentes conforme supra dado como provado através do teor da correspondência entre as partes, também não se julga suficiente para que se conclua que não tenham aceite a prestação ou que não tenham praticado actos indispensáveis para que as executadas Banco 1... e Banco 2... pudessem cumprir com a prestação a que foram condenadas.

Isto porque, pese embora tenham aquelas executadas Banco 1... e Banco 2... tentado iniciar o cumprimento da realização das obras em que tinham sido condenadas, o certo é que não criaram todas as condições para o efeito, nomeadamente, apresentando orçamentos devidamente concretizados, com todos os trabalhos a realizar e com todo o material a aplicar especificado].

Em reforço da fundamentação vinda de citar, com a qual concordamos em toda a linha, dizer apenas o que o que é uma evidência, em face da factualidade julgada provada: Não tendo as Embargantes assumido nunca ante os Embargados disponibilidade para executarem as obras de reparação nos exatos termos em que foram condenados por sentença, inconcebível é falar de mora dos Embargados.

Relativamente ao invocado abuso de direito, nenhuma razão vemos também que o justifique.

Com expressão no art. 334.º do Civil, o instituto em questão exprime o exercício inadmissível de posições jurídicas substantivamente contrárias aos valores fundamentais da ordem jurídica, aferidos pelos princípios da boa-fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Ora, o direito de execução dos Apelados encontra-se plenamente legitimado por uma sentença transitada em julgado, que condenou as Apelantes numa concreta prestação de facto – reparação de defeitos de construção numa fração habitacional – sem qualquer limitação quanto ao custo económico da mesma.

De todo o modo, ascendendo na atualidade o custo das obras em causa ao montante descrito no ponto 16) do elenco dos factos julgados provados – “181.588,59€, com IVA” –, tendo por objeto um imóvel cujo valor comercial ascende a 512.600,00€ (cf. ponto 15) do elenco dos factos julgados provados), patente é não ocorrer qualquer desproporção intolerável de valores, como bem se deixou vincado na decisão recorrida.

Concluímos pela total improcedência do recurso em matéria de direito, com a consequente manutenção do dispositivo da sentença.

2.2.

Tendo dado causa às custas do recurso, as Apelantes constituíram-se na obrigação de as suportar (cfr. arts. 527.º, nºs 1 e 2, do CPCivil, e 1.º do RCProcessuais).

IV.

DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, julgamos o recurso parcialmente procedente em matéria de facto e totalmente improcedente em matéria de direito e, consequentemente, decidimos:
a) Alterar a decisão recorrida em matéria de facto, nos termos sobreditos;
b) Manter a decisão de improcedência dos embargos; e
c) Condenar as Apelantes no pagamento das custas do recurso.


***


Porto, 9 de abril de 2024.
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Márcia Portela
Ramos Lopes
____________
[1] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Penal, 6.ª Edição Atualizada, Almedina, 2020, p. 332.
[2] Cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o objeto e a prova na ação declarativa, Lex, 1995, p. 195.
[3] Cf. Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por HENRIQUES GASPAR no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Cf. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, janeiro de 2017, acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf.
[5] Ob. cit.
[6] Cf. TOMÉ GOMES, Um olhar sobre a prova em demanda da verdade no Processo Civil, in Revista do Centro de Estudos Judiciários, n.º 3, 2005, p. 152.
[7] Cf. CASTRO MENDES, Do conceito de prova em processo civil, Ática, 1961, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 413.
[8] Cf. PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 12.ª edição, Almedina, 2015, p. 293.
[9] Cf. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Direito Probatório Material, 2.ª Edição, Almedina, 2021, p. 192.
[10] Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pp. 184/185.