ARTICULADO SUPERVENIENTE
REJEIÇÃO
RECURSO DE APELAÇÃO
RECURSO AUTÓNOMO
FACTOS COMPLEMENTARES OU CONCRETIZADORES
DANO EMERGENTE
LUCROS CESSANTES
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I – Do despacho que rejeita articulado superveniente cabe apelação autónoma, a ser interposta no prazo de 15 dias, não se podendo guardar a sua impugnação apenas para o recurso da decisão final.
II – Os factos complementares referidos no art. 5º, nº 2, al. b) do Cód. de Proc. Civil constituem uma ampliação do núcleo da factualidade essencial, desempenhando uma função secundária ou acessória relativamente ao núcleo essencial da causa de pedir ou da defesa.
III – Os factos concretizadores, também referidos no mesmo normativo, são os que traduzem alegações de factos essenciais de cariz mais conclusivo, desde que tenham conteúdo fáctico, ou que clarificam alegações mais imprecisas ou dubitativas.
IV – A indemnização compreende os danos emergentes e os lucros cessantes. Os primeiros correspondem aos prejuízos sofridos, ou seja, à diminuição do património do lesado; os segundos correspondem aos ganhos que se frustraram, aos prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património.
V – Se, em consequência de defeito existente num equipamento de ordenha - objeto de contrato de compra e venda - e por lesões daí decorrentes, vêm a ser abatidas seis novilhas produtoras de leite, a perda do valor patrimonial inerente a essas novilhas e o custo tido com o seu tratamento consideram-se danos emergentes.
VI – Já a perda do rendimento que adviria da produção e venda de leite, se não tivesse ocorrido o abate precoce das seis novilhas, constitui lucro cessante a ser indemnizado.

Texto Integral

Proc. nº 1412/21.1 T8PVZ.P1
Comarca do Porto – Juízo Central Cível de Póvoa de Varzim – Juiz 3

Apelação




Recorrentes: “A..., Lda.”; “B..., Lda.”


Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores João Proença e Anabela Dias da Silva

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

A autora “A..., Lda., veio propor contra as rés “B..., Lda.” e “C..., UCRL”, a presente ação declarativa, com processo comum, pedindo a condenação das rés a pagar à autora a importância de 73.727,59€.

Para tanto alegou, em síntese, ter celebrado com as rés um contrato de compra e venda tendo por objecto um centro de ordenha rotativo, incluindo a sua instalação e assistência técnica. Sucede que o centro de ordenha revelou anomalias de funcionamento, comunicadas pela autora, mas que a ré não eliminou em tempo, e que foram causa de danos patrimoniais por si sofridos.

As rés apresentaram contestação, na qual alegaram, nomeadamente, que a ré teve culpa na produção dos danos invocados, concluindo pela sua absolvição.

Foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

Procedeu-se à audiência de julgamento, com observância de todas as formalidades legais.

Por fim, foi proferida sentença, em que se julgou parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:

A) Condenou-se a ré “B..., Lda.” a pagar à autora 9.600,00€;

B) Condenou-se a ré “B..., Lda.” a pagar à autora quantia a liquidar em decisão ulterior correspondente ao custo dos tratamentos das seis novilhas abatidas com antibióticos e anti-inflamatórios, a que aludem as alíneas k), l) e p) dos factos provados;

C) Julgou-se a ação improcedente no restante e, em consequência, absolveram-se a ré “B..., Lda.” da parte restante do pedido e a ré “C..., UCRL” da totalidade do pedido.

Inconformadas com o decidido, interpuseram recurso tanto a autora “A..., Lda.” como a ré “B..., Lda.”.

A autora “A..., Lda.” finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto pela autora A... Lda. versando sobre matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, e sobre matéria de direito no sentido de obter a revogação da douta sentença proferida em 01/08/2023 pelo Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim (Juiz 3), da Comarca do Porto, na parte em que julgou improcedente a ação deduzida, mormente tendo por objeto o Ponto C da decisão.

2. A recorrente impugna, desde logo, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto julgada como provada e não provada, com vista à sua reapreciação e modificação pelo tribunal ad quem, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 CPC.

3. E, com ou sem a almejada alteração dos factos, pugna ainda a recorrente pela subsunção dos factos ao disposto nos arts. 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1 e n.º 2, e 566.º, n.º 2 do CC, impondo-se, consequentemente, a alteração da decisão final do pleito, no sentido da ré B... Lda., ser condenada no pagamento de uma indemnização à autora a título de lucros cessantes respeitante aos rendimentos de produção de leite que deixou de auferir em virtude do refugo precoce de 6 novilhas.

4. O presente recurso em matéria de facto funda-se em erro na fixação dos factos materiais da causa, acarretando a ampliação do elenco dos FACTOS PROVADOS mediante a inclusão de outros que foram por si alegados e que o tribunal recorrido num caso julgou não provados, noutro os desconsiderou apesar de alegados, porquanto se entender resultaram provados da instrução do processo e consubstanciam matéria pertinente para o objeto dos presentes autos à fixação da verdade material e ao alcance de uma solução mais justa do processo.

5. A autora/recorrente na sua PI alegou que (a) A esperança de vida útil dos bovinos de leite no modelo de produção intensiva adotada pela autora e demais produtores de leite da região é de 2 anos e seis meses – art. 33 da PI; e (b) Se não fosse o abate precoce dos mencionados animais, cada uma daquelas vacas ainda pariria, em média, mais 1 ou 2 vezes, produzindo uma média de mais 15.000 litros de leite. – art. 34.º da Pi.

6. Na sustentação da sua decisão o tribunal recorrido sentenciou que “nenhuma das testemunhas estimou sequer a esperança média de vida dos bovinos na exploração. AA, representante da autora apontou três anos de vida produtiva, valor superior ao alegado, meio de prova que isoladamente foi insuficiente para objetivar uma convicção. BB, CC e DD apontaram estimativas de número de partos por bovino díspares e sobretudo muito superiores ao alegado pela autora, e também superiores às declarações de parte do legal representante da autora. EE não apontou estimativa do número de partos por bovino.

Neste quadro, emergiu a falta de prova do alegado nos arts. 33.º e 34.º da petição inicial.”

7. Decorre da instrução probatória conclusão diametralmente oposta à que consta da fundamentação da sentença recorrida, pois foi feita prova clara e esclarecedora acerca da esperança média de vida de tais bovinos enquanto produtores de leite na exploração pecuária da autora, tendo as declarações do legal representante da autora obtido sustentação probatória das declarações prestadas nomeadamente pela testemunha FF, funcionário da autora desde 1999, assim como do documento n.º 16 junto da Pi.

8. Com efeito resulta do referido documento, subscrito pela Dra. EE, médica veterinária que acompanhava a exploração pecuária da autora, e cujo teor foi por si confirmado e corroborado em audiência de discussão e julgamento, que o refugo precoce dos animais aqui em causa se verificou em 6 novilhas primíparas (facto provado g) e l), portanto em novilhas que se encontravam na sua primeira gestação as quais haviam sido adquiridas no terceiro trimestre de gestação. Cfr. documento 16 junto da Pi.

9. Portanto, as referidas novilhas quando foram adquiridas já se encontravam grávidas, gravidez essa, assim, anterior à sua aquisição pela autora.

10. Ora é do conhecimento geral que a gestação de uma novilha dura cerca de 283 dias, portanto cerca de 9 meses, o que significa, pois, que quando foram adquiridas (21/10/2015) encontravam-se já na fase final da gestação, prontas a parir, como de resto se infere do documento 43 junto com a PI.

11. Ora o legal representante da autora que prestou declarações em 28/04/2023 (veja gravação: 16m:28s a 17m:32s) declarou que as novilhas são inseminadas pela primeira vez aos 13/14 meses de vida, parindo por volta dos 22/23 meses de idade, sendo que após o parto a cada 305/310 dias fará uma nova gestação, num total de pelo menos 3 partos.

12. Mais explicou que apesar dos três partos se consumarem na sua exploração pecuária, as três gestações não são vividas integralmente na exploração, e isto porque quando são adquiridas já se encontram grávidas, regras das vezes no terceiro trimestre de gestação, parem a 1.ª vez na exploração, aí são inseminadas e parem 2.ª vez, volvidos cerca de 305/310 dias do primeiro parto, depois voltam a ser inseminadas e parem 3.ª vez, volvidos cerca de 305/310 dias do segundo parto, permanecendo na exploração até perfazerem cerca de 2,7 anos /2,8 anos, altura em que são vendidas. As referidas declarações são neste ponto corroboradas pelo referido doc. 16 que atesta que as novilhas foram adquiridas no terceiro trimestre de gravidez, portanto quando engravidaram ainda não haviam sido adquiridas pela autora.

13. Não fosse o prolapso do esfíncter mamário, com evolução para infeção e fenómeno de mastite que importou a amputação de tetos e posterior abate precoce de tais primíparas (factos g) e l) dos Factos Provados), as referidas novilhas ainda teriam mais 2 partos na referida exploração pecuária e ali permaneceriam até perfazer cerca de 2,7/2,8 anos de existência (quase 3 anos) na dita exploração,

14. pelo que é legitimo inferir do seu depoimento que produziriam pelo menos mais 2 anos e meio de leite, subsidiariamente pelo menos 20 meses (310 + 310 = 620 /30 dias =20 meses), não fosse o seu abate precoce.

15. As referidas declarações encontram-se de resto sustentadas pelas declarações da testemunha FF, de 27/01/2023 (gravação: 11m:06s a 11m:28s), funcionário da ré desde 1999, sendo ele o responsável pela ordenha dos animais existentes na exploração agropecuária daquela, tendo por isso conhecimento pessoal e direto acerca do que falava. E assim de uma forma simples, direta e concisa declarou que na exploração pecuária aqui em causa as novilhas teriam pelo menos 3 lactações/fecundações/partos, e que à medida que se iam sucedendo o número de partos a produção de leite ia aumentando.

16. É certo que as testemunhas CC (20m:12s a 20m:25s) assim como a testemunha BB (12m:50s a 13m:05s) declararam um número de fecundações/partos superiores aos assumidos pelo legal representante da autora e ao trabalhador desta, apontando para 5/6 partos.

Mas o facto das novilhas poderem ter 5/6 partos não significa que os mesmos tivessem de se verificar numa mesma exploração. Portanto, as declarações das referidas testemunhas não contrariam o declarado pelo legal representante da autora e/ou pela testemunha FF.

17. Seja como for, a existir a referida discrepância, apenas legítima a conclusão de que pelo menos 3 era o número de partos verificados por cada novilha naquela exploração, pois que nenhum deles apontou para um número inferior a 3 (!), ainda que a novilha não vivesse a integralidade das 3 gravidezes na referida exploração, já que eram adquiridas grávidas, as em causa nos presentes autos no terceiro trimestre de gestação.

18. Assim, estando aqui em causa novilhas primíparas, já com uma gestação, restava-lhes mais duas gestações na exploração agrícola da autora o que equivale grosso modo a cerca de mais dois anos e meio de produção de leite, ou pelo menos mais 20 meses (310 dias + 310 dias =620 dias /30 = 20.66), o que não ocorreu porquanto ter sido necessário proceder ao abate das referidas novilhas primíparas. (cfr. Factos g), e l)dos Factos Provados).

19. Em face do que antecede, atenta as declarações prestadas pelo legal representante da autora corroboradas pelo documento 16 da Pi, da autoria da testemunha EE, médica veterinária que acompanhava a exploração pecuária da autora e que nas suas declarações confirmou o teor do dito documento, concretamente a veracidade dos factos nele apostos, assim como pelo depoimento da testemunha FF, ordenhador, os quais e ao contrário do que consta da fundamentação da sentença recorrida não foram contrariados pelas declarações das testemunhas CC e BB, impõe-se proceder à modificabilidade da matéria de facto constante da sentença recorrida, no sentido de se incluir/aditar nos Factos Provados os seguintes factos resultantes da instrução probatória:

d) A esperança de vida útil dos bovinos de leite no modelo de produção intensiva adotada pela autora era de 2 anos e seis meses a 3 anos.

e) As novilhas na referida exploração, enquanto ali viviam, tinham pelo menos 3 gestações.

20. Ademais, a autora no art. 24 da PI alegou que as suprarreferidas novilhas abatidas precocemente foram por si adquiridas em 21/10/2015, no terceiro trimestre de gestação, tanto que pariram entre 17/11/2015 a 21/12/2015. Para prova de tal aquisição e estado de gestação juntou prova documental, concretamente os documentos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 16 e 43.

21. Dos referidos documentos extrai-se que as novilhas precocemente refugadas correspondem a novilhas primíparas (al g) dos Factos Provados), adquiridas já no último trimestre de gestação, concretamente em 21/10/2015, tendo todas parido num período compreendido entre 17/11/2015 a 21/12/2015.

22. Assim, atenta a relevância de tal facto para a boa decisão da causa e considerando que o mesmo resulta da instrução probatória mormente da concatenação dos suprarreferidos documentos, impõe-se incluir/aditar aos Factos Provados o seguinte Facto:

f) As novilhas precocemente refugadas foram adquiridas pela autora em 25/10/2015, no terceiro trimestre de gestação, tendo parido num período compreendido entre 17/11/2015 a 21/12/2015.

23. No que respeita ao recurso em matéria de direito está em causa a interpretação e aplicação das normas jurídicas que disciplinam a obrigação de indemnizar e o modo de articulação entre os diversos danos a serem indemnizáveis, mormente os danos emergentes e lucros cessantes, assim como os critérios a ter em consideração na fixação/determinação do quantum indemnizatório.

24. Com o devido respeito e creia-se bastante parece-nos que o tribunal recorrido equivoca-se ao confundir dano emergente com o lucro cessante, danos estes ambos e autonomamente indemnizáveis ao abrigo da teoria da diferença, conforme se infere concatenando o disposto nos arts. 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1 e n.º 2, e 566.º, n.º 2 do CC.

25. O dever de indemnizar abrange os prejuízos sofridos, a diminuição dos bens já existentes na esfera patrimonial do lesado – danos emergentes -, e os ganhos que se frustraram, os prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património – lucros cessantes – Cfr anotação ao art. 564.º do Código Civil Anotado, dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, ed. De 1968, pag. 401.

26. Conforme ensina o Prof. Galvão Teles, “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., pag. 373, «os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o ativo ou aumenta o passivo há dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o ativo ou diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho.»

27. Nos lucros cessantes pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho. Cfr. Ac. STJ de 23/05/1978, BMJ n.º 277, pag. 258.

28. A indemnização prevista no art. 564.º, n.º 1 do CC compreende duas modalidades: os danos emergentes que correspondem aos prejuízos sofridos, respeitando à diminuição do património já existente do lesado; e os lucros cessantes que correspondem aos ganhos que deixou de ter por não ter aumentado em consequência da lesão do seu património.

29. Revertendo tal entendimento sedimentado na jurisprudência e doutrina para o caso concreto, necessariamente terá de concluir-se que a perda/abate das 6 novilhas primíparas corresponde ao dano emergente, isto é, à diminuição do património já existente da autora, causado pelo vácuo excessivo resultante da anomalia do sistema digital que não debitava corretamente os valores dos vácuos e que importou prolapso do esfíncter mamário com evolução para infeção, seguida de fenómenos de mastite, que importou a amputação de tetos e consequente refugo precoce de 6 novilhas primíparas.(Cfr. Factos Provados g), i), l), s)).

30. Dano, este, ressarcido através do pagamento do preço de aquisição de tais novilhas, em cujo pagamento o tribunal recorrido decidiu condenar a ré B... no valor global de €9.600,00 (nove mil e seiscentos euros) - Al. A) da Decisão (com a qual se concorda).

31. No entanto a indemnização paga a título do preço de mercado de tais novilhas, correspondente ao preço da sua aquisição, não abarca os prejuízos que advêm da frustração da sua rentabilização/frutificação proveniente da produção de leite.

32. A perda de rendimentos advenientes da venda do leite que seria produzido por tais novilhas que permaneceriam na exploração pecuária da autora, pelo menos até o terminus da 3.ª gestação, subsume-se ao denominado lucro cessante, isto é, aos prejuízos que advieram para a autora por não ter aumentado o seu património (rendimentos do leite) em consequência da lesão, isto é, em consequência do abate precoce das referidas 6 novilhas causado pelo vácuo excessivo.

33. Com efeito não fosse a lesão dos tetos mamários das novilhas causados pelo vácuo excessivo e que importaram por fim o seu refugo precoce, era expectável que as mesmas ainda permanecessem na exploração agropecuária da autora por mais algum tempo, cerca de pelo menos mais 2 anos e meio, e que durante esse período, enquanto animais de produção de leite, o produzissem, e por essa produção a autora auferisse um ganho/rendimento que se frustrou por causa da lesão dos tetos que vieram a importar o refugo de tais animais.

34. Assim errou o tribunal recorrido no entendimento de que o dano derivado da falta de rendimentos advenientes da produção de leite encontra-se ressarcido através da disponibilização do “capital que foi necessário para as substituir após o abate, e, portanto, ao seu valor de mercado, que é precisamente o capital de que necessita a exploração para produzir o mesmo lucro que projeta como cessante”.

35. Pois no caso tratam-se de 2 danos autónomos e indemnizáveis separadamente, a perda/abate dos animais enquanto dano emergente (prejuízo sofrido/diminuição imediata do património) e a perda dos rendimentos que adviriam do leite que tais animais produziriam não fosse e seu refugo precoce pela lesão dos tetos, isto é, enquanto ganho frustrado.

36. O pagamento do preço dos animais refugados não ressarce o pagamento da perda de rendimentos, até porque a “substituição” dos animais não é imediata, veja-se que entre a morte dos animais até à condenação da ré a pagar o capital apto a ressarcir tal prejuízo decorreram mais de 7 anos e esta ainda não pagou o referido valor.

37. Ademais, o entendimento perfilhado na sentença recorrida de que os lucros que as novilhas proporcionariam na sua vida útil “não poderiam corresponder ao valor de mercado do leite que fosse expectável ser produzido, pois haveria que abater a alimentação das novilhas, os outros custos com a sua manutenção, nomeadamente de acompanhamento médico, e ainda os respeitantes ao trabalho inerente aos cuidados aos animais em ordem à sua produtividade” não legitima a absolvição sem mais da ré do pedido contra ela peticionado a título de lucros cessantes.

38. Com efeito, considerando a vida útil das novilhas abatidas precocemente (2 anos e meio a 3 anos) na exploração da autora, considerando ainda que se encontra provado a quantidade de leite produzido em média por cada novilha (al. n) dos Factos Provados), o preço a que era pago o litro de leite (al. o) dos Factos Provados) é possível aferir o valor global frustrado de rendimento adveniente do refugo precoce de tais animais = 57.928,24€, assim encontrado: 35 litros de leite/dia x 2 anos e meio x 6 novilhas x 0,3023.

39. Aceita-se, porém, que a tal valor, ou a qualquer outro encontrado, será de subtrair-se os valores necessários ao custeamento das despesas de tais novilhas (seja alimentação, medicação, tratamento, etc), mas tal circunstância não legitima sem mais a absolvição do pedido, mas apenas que o juiz se socorra de juízos de equidade para decidir, nos termos do art. 566.º, n.º 3 do CC.

40. Com efeito, considerando que o lucro cessante corresponde à frustração de um acréscimo no património do lesado, compreendendo os benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, o mesmo pode e deve ser determinado por critérios de verosimilhança ou de probabilidade.

Neste sentido veja-se Ac. TRP de 13/07/2022, processo 2462/19.3T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I, 4.ª Ed., pag. 580.

41. Assim, muito mal andou o tribunal a quo ao não ter condenado a ré B... no pagamento de uma indemnização pelos lucros cessantes à autora correspondente ao lucro derivado da produção de leite, pois que determinado que está o período de vida útil de uma novilha naquela exploração, a quantidade de leite produzido em média por cada uma, o valor que era pago por cada litro de leite, faltando apenas o valor da despesa da manutenção do animal (alimentação, tratamentos médicos, entre outros), impunha-se ao tribunal recorrido socorrer-se dos indicados critérios de verosimilhança e probabilidade atribuindo uma percentagem ao valor da despesa, a qual em qualquer caso não ultrapassa os 80% da receita do leite; por outras palavras o valor do lucro é, sempre, de pelo menos 20% do rendimento do leite.

42. Assim, num rendimento de €57.928,24 o valor de lucro cessante ascenderia a pelo menos €11.585,65 (onze mil quinhentos e oitenta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos).

43. Subsidiariamente, provado a existência do dano no património do lesado (perda de rendimentos do leite pelo facto das novilhas terem sido abatidas), mas falhando apenas a prova dos elementos essenciais seu cálculo exato (concretamente o valor das despesas), deveria a respectiva determinação ser relegada para incidente de liquidação de sentença, sem prejuízo de posterior fixação equitativa do montante do dano no seio daquele incidente posterior – vide artigos 564.º, n.º 2 e 566.º, n.º 3, ambos do CC. Neste sentido Ac. Do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2022 proferido no processo 358/20.5T8AGD.P1, disponível em www.dgsi.pt.

44. Com efeito, não sendo possível na fase declarativa apurar o quantitativo ou montante exato do dano sofrido, sem prejuízo da possibilidade da ulterior determinação exata no incidente de liquidação, e em razão da prova que sobre essa especifica matéria ali venha a ser efetuada a solução a adotar é a de proferir sentença condenando os responsáveis a indemnizar, mas remetendo a fixação do montante da indemnização para execução de sentença. Vide A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I Volume, 6.ª ed. , pág. 882-883.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pelo Recorrente ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, alterada a matéria de facto dada Como Provada e Não Provada nos termos supra referidos, procedendo-se à subsunção dos factos dados como provados às normas aplicáveis e concretamente identificadas nas conclusões, tudo no sentido de ser revogada a sentença proferida em primeira instância na parte em que absolveu a Ré B... do pagamento de uma indemnização pelos lucros cessantes respeitantes ao produto da venda do leite (Ponto C) da Decisão) e, em sua substituição, proferido Acórdão que julgue a ação procedente e condene a ré no pagamento de uma indemnização pelos lucros cessantes correspondente ao lucro adveniente da venda do leite, subsidiariamente que relegue para execução de sentença a determinação do quantum indemnizatório devido a esse título.

Por seu turno, a ré “B..., Lda.” finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. O objeto do presente recurso circunscreve-se à parte da sentença em que a Ré foi condenada a pagar à Autora a quantia de nove mil e seiscentos euros, assim como a pagar quantia a liquidar em decisão ulterior relativa ao custo dos tratamentos das seis novilhas abatidas com antibióticos e anti-inflamatórios.

2. O Tribunal a quo sustenta que as lesões provocadas nos tetos dos bovinos, que motivaram o abate destes, foram provocadas pelo excesso de pressão do equipamento de ordenha, motivado pela avaria de um componente, assim como o facto da Ré não ter logrado demonstrar em julgamento que este cumprimento defeituoso não se deveu a sua acção culposa, motivo pelo qual a presumiu nos termos legais.

3. O Tribunal, na douta decisão posta em crise, extrai essas conclusões sem levar em consideração que o equipamento de ordenha foi entregue e instalado pela aqui Apelante em estado de funcionamento normal, sem que apresentasse qualquer problema durante meses, fazendo por ignorar que esse equipamento estava a ser utilizado pela Autora/Recorrida de forma errada, assim como o facto que avaria que ter sido prontamente solucionada logo que reclamada.

4. Mais: a sentença a quo não cuida de fixar na matéria dada por assente o concreto momento em que os bovinos a ser indemnizados iniciaram a produção de leite (momento em que podem ser expostos ao suposto excesso de vácuo), assim como o momento em que os mesmos foram levados para abate, situação que será fundamental para aferir se a comunicação da anomalia foi atempada para a resolução do problema, assim como a culpa da Ré.

5. Estas questões são fundamentais para se aferir se efetivamente os danos foram causados pelos motivos alegados pela Apelada, assim como para aferir se se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil contratual.

6. Sempre com o devido respeito, existe factualidade que, atenta a prova produzida, foi indevidamente dada por assente; igualmente com base na prova produzida, outra matéria de facto foi erradamente dada como não provada. Ainda no curso da audiência de julgamento foi produzida prova de factos que, por incidirem sobre matéria essencial à boa decisão da causa, sempre teriam de ser levados à matéria provada, o que não ocorreu.

7. Atendendo à prova documental carreada para os autos, bem como à prova produzida em sede de julgamento, a Recorrente entende que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e apreciação da prova, o que determinou uma errada decisão quanto aos pontos f), h), i), k), l) e p) da matéria de facto provada, que desde já se deixam expressamente impugnados.

8. Com referência ao ITEM F), tal como decorre da motivação da sentença, a prova foi sustentada no pressuposto que tinha sido aceite pela Ré, o que não corre tal como se pode aferir pela simples análise do item 3º da contestação.

9. Conjugando a petição inicial e contestação constata-se que ocorreu erro de análise e julgamento por parte do Tribunal a quo, devendo como tal ser revisto o referido ponto f) da matéria provada, que deverá passar a ter o seguinte teor: “f) Em 27 de Março de 2015 representantes da autora declararam comprar e representantes da ré B..., Lda. declararam vender, um centro de ordenha rotativo em carrossel exterior da marca ..., pelo preço de €238.927,00, tendo a ré declarado ainda assumir a obrigação de instalar tal equipamento na exploração agropecuária da autora e tinha que garantir o bom funcionamento do equipamento por si fornecido e instalado e prestar toda a assistência legalmente exigível durante o período de garantia legal; (resposta aos arts. 10.º e 11.º p.i.)”

10. Do ITEM H) resulta que a anomalia terá sido comunicada pelo A à Ré por via telefónica ainda antes do final do ano de 2015, quando da prova produzida resulta que tal ocorreu a 27 de janeiro de 2016.

11. O momento temporal da reclamação foi veiculado por EE (veterinária que acompanhou o processo), assim como de GG e HH, também veterinários, que foram contactados para colaborar na verificação do problema, tendo elaborado respetivo relatório junto aos autos.

12. Também o funcionário da Ré, que recebeu a reclamação, concretizou o momento em que foi feita a reclamação, diretamente com ele, relevando o facto do registo da reclamação, visita e intervenções ficado consignadas nos relatórios internos da empresa, que vieram a ser corroborados pelos funcionários.

13. Da prova produzida nos autos resulta que a comunicação do problema à Apelante apenas ocorreu em 27.01.2016, motivo pelo qual o ponto h) da matéria provada deve ser alterado e passar a ter o seguinte teor “Pondo a hipótese de se tratar de mau funcionamento do equipamento, a autora fez comunicar à ré a anomalia por via telefónica em 27 de janeiro de 2016, tendo a ré feito deslocar funcionários à exploração para avaliar o problema”.

14. A peticionada alteração encontra-se sustentada na seguinte prova:

a. Testemunhal:

i. Testemunha Drª EE [06:35 – 09:40]; [10:20 – 11:00]; [16:30 – 18:05]; [47:35 - 48:15];

ii. Testemunha Drª. GG [00:15:40 – 00:16:20]

iii. Testemunha Dr. HH [02:22-03:55] + [04:55 – 05:45]

iv.Testemunha II [16:50 – 17:30]

v.Do depoimento do legal representante da Apelada, AA [02:59 – 05:30]

b. Documental:

i. Relatório constante do doc. n.º 46 junto com a petição inicial;

ii. Doc. nº 1 junto com a contestação;

iii. Doc. nº 2 junto com a contestação.

15. De igual forma, e com os mesmos exatos fundamentos e prova veiculada, deve ser revisto o ITEM I) com o intuito de concretizar o momento em que foi tomado conhecimento do concreto problema, ou seja, que tal ocorreu no seguimento do relatório elaborado pelo Dr. HH.

16. Deve ainda ser retirada a conclusão relativa ao nexo causal entre o excesso de vácuo e os danos causados nas tetas dos bovinos.

17. Não foi demonstrado o nexo causal entre o excesso de vácuo e os danos causados nos tetos dos bovinos, tendo inclusive sido feita prova, com abundância, o facto do operador desligar o sistema automático de remoção das tetinas, funcionando o equipamento no sistema manual de remoção, provocava sobre-ordenha, sendo verosímil que os danos relatados decorressem desta má prática, a qual provoca o esmagamento do teto da vaca, potenciando as lesões similares às relatadas na exploração.

18. Encontra-se ainda provado que excesso de vácuo nunca seria o único fator bastante para provocador os danos verificados nos tetos das vacas, sendo necessário a conjugação de outros fatores como a sobre-ordenha.

19. Conjugando assim a prova oral realizada em sede de audiência de julgamento, com a prova documental junta por Autora e Ré, cremos inexistir duvidas que a não foi feita prova bastante do esse nexo causal entre o defeito verificado e os danos causados nas tetas dos bovinos, motivo pelo qual o ponto i) da matéria provada deverá ser alterado e passar a ter o seguinte teor “Só no seguimento do relatório elaborado pelo Dr. HH, a 27.01.2016, foi verificado que o equipamento de ordenha estava a operar com excesso de vácuo no equipamento de ordenha, com valores máximos entre 49,50 e 50,70 Kpa, desadequados ao tipo de tetina e tipo de máquina em questão;”

20. A peticionada alteração encontra-se sustentada na seguinte prova testemunhal:

a. Testemunha Drª EE [53:40 – 55:50] + [01:01:20 – 01:02:00]

b. Testemunha Drª. GG [23:10 – 23:40]

c. Testemunha Dr. HH [17:00 – 19:15]; [28:00 – 29:05], [29:20 – 32:00]

21. Deverá ainda ser alterado o facto assente como ITEM K) na integra pois não foi feita prova bastante para poder sustentar esse concreto facto atendendo que não foi junto aos autos, não obstante a Ré ter pedido desde a contestação, o livro de registos dos medicamentos que são administrados a animais produtores de géneros alimentícios e que são obrigatoriamente mantidos pelas explorações por um período de 5 anos;

22. Atento o exposto, a falta dos referidos elementos probatórios conjugada com a falta de prova da concreta medicação administrada, que decorre de omissão da Apelada, deve ser valorada para efeitos de prova ou não da administração dos medicamentos aos animais conforme peticionado.

23. Neste enquadramento, não pode ser considerado que “As mastites detetadas em g) foram tratadas sob prescrição de médica veterinária com antibióticos e anti-inflamatórios; (resposta ao art. 22.º da p.i.)”, devendo, por isso, ser retirado o ponto k) da matéria provada e dado o mesmo como não provado.

24. Relativamente ao ITEM I), com o mesmo fundamento referido no item anterior, não foi feita prova dos tratamentos efetuados às mastites, nem tão pouco ficou provado o nexo causal entre as referidas mastites e o envio para abate dos animais, devendo ser considerado como não provado o ponto l).

25. Conforme resulta da sentença do Tribunal a quo, a Apelante veio a ser condenada no pagamento de um valor a título de indemnização tendo a mesma sido enquadrada no âmbito da responsabilidade civil contratual por cumprimento defeituoso, tendo sido aplicada a presunção de que ocorreu de forma culposa, assumindo um ilícito e nexo causal entre o evento e os danos.

26. Neste contexto, cremos que é fundamental, com interesse para a boa decisão da causa, levar à matéria provada os seguintes factos que se pretende ver incluídos:

a. “Durante o período o período compreendido entre 17.11.2015 e 21.12.2023, a Autora tinha na sua exploração 6 novilhas que tiveram parto e que vieram a ser levadas para abate no período compreendido entre 07.04.2016, a saber:

i. A novilha identificada pelo código PT...037, com parto a 12/12/2015 e com saída para abate em 07/04/2016;

ii. A novilha identificada pelo código PT...283, com parto a 17/11/2015 e com saída para abate em 28/12/2015;

iii. A novilha identificada pelo código PT...011, com parto a 06/12/2015 e com saída para abate em 09/02/2016;

iv. A novilha identificada pelo código PT...844, com parto a 25/11/2015 e com saída para abate em 29/12/2015;

v. A novilha identificada pelo código PT...679, com parto a 17/12/2015 e com saída para abate em 21/01/2016;

vi. A novilha identificada pelo código PT...471, com parto a 21/12/2015 e com saída para abate em 21/01/2016;”

27. A prova destes elementos resulta, da alegação da A em sede de petição inicial (item 24º), conjugada com os docs nº 09 a 13 juntos com a petição inicial (não impugnados pela Ré), assim como a confirmação dos mesmos pelo representante da A e veterinária;

28. A essencialidade desta concretização da janela temporal visa demonstrar que os animais cuja indemnização é peticionada nos presentes autos apenas iniciaram a produção de leite após 17.11.2015, sendo como tal impossível produzirem leite em momento prévio, ou seja, impossível que os problemas tenham iniciado em outubro.

29. Acresce que, resulta ainda que apenas dois dos animais foram levados para abate em momento posterior à comunicação do defeito no equipamento (que ocorreu a 28.01.2016) o que vem impossibilitar qualquer intervenção prévia por parte da Ré.

30. Será ainda neste contexto levar a factualidade assente que, “um ordenhador experiente conseguiria percecionar que existia algum problema dos equipamentos através da análise dos tetos dos animais, sendo que, com aquele nível de vácuo, os mesmos deveriam estar roxos, situação que deveria desde logo ser reportada, o que não ocorreu”.

31. A essencialidade deste facto releva para desresponsabilizar a Ré no atraso da intervenção, o qual motivou um maior período de exposição dos animais a um vácuo excessivo face ao normal, provocando eventualmente agravamento dos problemas dos tetos.

32. Se tivesse ocorrido maior cuidado e atenção por parte do ordenhador, se tivessem sido cumpridos os procedimentos normais de uso dos equipamentos, esta situação teria ficado circunscrita a um período de tempo mais curto, evitando inclusive quaisquer problemas de saúde dos animais.

33. O presente aditamento encontra-se sustentado na seguinte prova testemunhal:

a. Testemunha Drª. GG [24:35 – 26:30]

b. Testemunha Dr. HH [42:10 – 43:47]

34. Ainda neste circunstancialismo, é fundamental que seja levado à factualidade assente:

a. A 27/01/2016, às 11:01 da manhã a Autora comunicou uma anomalia na máquina de ordenha, tendo referido que o grupo de vácuo trabalhava a alta rotação, situação que foi pela primeira vez comunicada pela A à Ré.

b. No próprio dia os funcionários da Ré deslocaram-se ao local efetuaram uma reprogramação para que equipamento ficasse a funcionar em conformidade com os níveis máximos de vácuo permitidos e solicitaram a peça de substituição.

c. A peça de substituição veio a ser recebida pela Ré e substituída no dia 05.02.2016, não tendo ocorrido em momento prévio atendendo a que a mesma teve que vir da marca por não existir em stock.

35. A prova relativa a estes elementos decorre do relatório junto pela Ré como doc. nº 2 com a contestação, assim como do depoimento da testemunha II, que foi quem recebeu a reclamação por parte do responsável da Apelada e acompanhou processo de reparação.

36. Relata o processo de reparação provisória, a encomenda da peça, o termo da reparação e o facto de não ter voltado a surgir qualquer problema em momento posterior ao termo da intervenção, asseverando que o registo no programa corresponde ao que efetivamente sucedeu.

37. O presente aditamento encontra-se sustentado na seguinte prova:

a. Testemunha II [16:50 – 17:30] +[01:10 – 07:30]

b. Relatórios de visita do programa da B... anexos como doc nº 1 e 2 anexos com contestação que não foram impugnados pela A;

38. Findo o pedido de alteração da factualidade assente, assim como aditamento de alguns pontos cumpre iniciar por colocar em causa o despacho que indeferiu o articulado superveniente deduzido pela Ré em sede de audiência de julgamento.

39. A aqui Apelante apenas tomou conhecimento, em sede de audiência de julgamento e através dos depoimentos prestados por diversas testemunhas, que, apesar do sistema de ordenha ter um mecanismo de remoção automática das tetinas, o responsável pelo maneio animal procedia à suspensão do referido sistema automático (passando para manual) e, ao parar várias vezes a ordenha para remoção manual, essa situação provocava sobre-ordenha que pode resultar em danos nos tetos tal como descrito nos autos.

40. O articulado veio a ser indeferido com fundamento do conhecimento prévio pela Ré dessa factualidade, nomeadamente através do relatório de Dr. HH, sucede que tal não corresponde à realidade pois, a Apelante sempre associou que a sobre-ordenha correspondia ao excesso de vácuo do equipamento, não associando tal referência à questão de ter ocorrido a suspensão do sistema automático de remoção das tetinas pelo operador.

41. Neste circunstancialismo, deve ser revogada a decisão de indeferimento do articulado superveniente, devendo ser objeto de prova os itens alegados, revogando assim a decisão proferida.

42. Acresce que, “resulta do n.º 2 do art. 5.° do CPC que o tribunal deve considerar na sentença factos não alegados pelas partes. Não se trata, contudo, de uma possibilidade sem limitações.

Desde logo, não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas” – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no processo 231/19.0T8CNF.C1 dde 16.03.2021.

43. É fundamental para o desfecho dos presentes autos apurar se os danos causados nos tetos dos bovinos são resultado do excesso de vácuo ou se são resultado de outra circunstância que não o vácuo, em oposição à posição da A.

44. Mesmo que seja mantida a decisão quanto ao indeferimento do articulado superveniente, o Tribunal a quo não podia impedir inquirições de testemunhas acerca de factualidade que era necessária para contraprova do alegado pela A e que veio a ser considerado por assente.

45. Em concreto, a Ré foi impedida de inquirir testemunhas acerca da situação de sobre-ordenha originada pela suspensão do sistema de remoção automática das tetinas pelo manuseador, com o intuito de demonstrar que não existe nexo causal entre o excesso de vácuo e os danos causados nas tetas dos bovinos.

46. Cremos que este entendimento é errado e, como consequência, deve ser revogada a presente decisão e os autos serem remetidos novamente para julgamento para ser concretizada a prova pretendida pelas RR.

47. Os pressupostos da obrigação de indemnizar na responsabilidade obrigacional não diferem dos previstos para a responsabilidade extracontratual, reduzindo-se a quatro: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a culpa e o dano, havendo ainda que ter em conta o disposto no art. 799º do Código Civil, segundo o qual a culpa presume-se no âmbito da responsabilidade civil obrigacional.

48. A ser alterada, como se impõe, a matéria provada e não provada, temos que, salvo o devido respeito, inexiste facto ilícito, pois que a Apelante agiu, logo que tomou conhecimento da avaria, com total diligência e assegurou, tão rápido quanto possível, a resolução da mesma.

Cumpre aqui relevar que logo no dia seguinte à reclamação foi reposto, mesmo que provisoriamente o sistema de vácuo e poucos dias depois foi efetuada a reparação definitiva, não tendo ocorrido mais qualquer reclamação quanto a esta concreta questão.

49. Ainda que se considere existir facto ilícito, o que apenas por hipótese académica se equaciona, sempre se dirá que a prova produzida, nomeadamente quanto ao momento em que a Apelante tomou conhecimento da avaria e ao momento em que procedeu à sua resolução (provisória, primeiro, e definitiva a seguir, logo que se tornou possível) impõe que seja afastada a presunção de culpa estabelecida pelo artigo 799.º do Código Civil.

50. Cumpre ainda relevar que, nunca poderá ser considerada a existência de qualquer ilícito ou culpa por parte da Ré relativamente ao abate dos bovinos que ocorreram em momento prévio à apresentação da reclamação quanto ao defeito pois, nesse momento a Ré nem tinha consciência da existência de qualquer defeito.

51. Mais se diga que, em qualquer caso, não poderia o Tribunal a quo julgar provada a existência do necessário nexo causal entre o facto ilícito e os danos, tanto mais que da instrução da causa resultou, senão a prova da culpa do lesado, pelo menos a apreensão de conhecimento capaz de por em dúvida o nexo causal, incumbindo à A ter feito prova desse nexo causal.

52. Face ao exposto, a sentença recorrida violou, entre outros preceitos legais, o disposto nos artigos, 342º, 799º e 913 e ss do Código Civil, e ainda os artigos 588º e 640º e ss do Código Processo Civil.

Pretende assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a ação totalmente improcedente.

A autora “A..., Lda.” respondeu ao recurso interposto pela ré “B..., Lda.”.

Os recursos foram ambos admitidos como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Cumpre então apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito dos recursos, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que neles foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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As questões a decidir são as seguintes:

I. O indeferimento do articulado superveniente apresentado pelas rés (recurso da ré “B...);

II. A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (recursos da autora e da ré “B...);

III. A atendibilidade dos factos relativos à questão da sobreordenha (recurso da ré “B...);

IV. A verificação dos pressupostos da responsabilidade da ré “B...” e consequente obrigação de indemnizar (recurso da ré “B...”);

V. A indemnização por lucros cessantes (recurso da autora).


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É a seguinte a factualidade dada como provada na sentença recorrida:

a) A autora tem nomeadamente por objecto a criação de bovinos para produção de leite; (resposta ao art. 1.º da p.i.)

b) Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila do Conde, sob o n.º ...76, a sociedade D... Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., freguesia ..., ... e ..., concelho da Póvoa de Varzim; (resposta ao art. 5.º da p.i.)

c) Em respeito à matrícula da sociedade mencionada em b), foi lavrada a Insc. 1 – AP. ...9/19970813, nomeada como “contrato de sociedade e designação de membros de órgãos sociais”, que nomeia com única sócia C..., UCRL, com uma quota de €12.469.947,43; (resposta ao art. 4.º da p.i.)

d) Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila do Conde, sob o n.º ...83, a sociedade B..., Lda., com sede na Rua ..., ..., freguesia e concelho ...; (resposta ao art. 5.º da p.i.)

e) Em respeito à matrícula da sociedade mencionada em d), foi lavrada a Insc. 9 – AP. ...8/20031111, nomeada como “alteração do contrato de sociedade para sociedade por quotas”, que nomeia como sócios D... Unipessoal, Lda., com uma quota de €98.000,00, e E..., S.A., com uma quota de €2.000,00; (resposta ao art. 5.º da p.i.)

f) Em 27 de Março de 2015 representantes da autora declararam comprar e representantes da ré B..., Lda. declararam vender, um centro de ordenha rotativo em carrossel exterior da marca ..., pelo preço de €238.927,00, tendo a ré declarado ainda assumir a obrigação de instalar tal equipamento na exploração agropecuária da autora e ainda a prestar durante um ano o acompanhamento e assistência técnica que o equipamento reclamasse em vista ao seu normal funcionamento, nomeadamente atinente ao controlo e revisão dos valores do vácuo e da pulsação; (resposta aos arts. 10.º e 11.º da p.i.)

g) Em Novembro de 2015 começaram a surgir lesões nos tetos de algumas novilhas recentemente adquiridas pela autora, que eram primíparas, concretamente prolapso do esfíncter mamário, que tornava a lesão dolorosa para o animal, com evolução para infecção e fenómenos de mastite; (resposta aos arts. 18.º, 20.º, e 21.º da p.i.)

h) Pondo a hipótese de se tratar de mau funcionamento do equipamento, a autora fez comunicar à ré a anomalia por via telefónica em finais do ano de 2015, tendo a ré feito deslocar funcionários à exploração para avaliar o problema; (resposta aos arts. 14.º, 16.º e 18.º da p.i. e 29.º da contestação)

i) Só em Janeiro de 2016 foi verificado que estas lesões resultavam de excesso de vácuo no equipamento de ordenha, com valores médios entre 49,50 e 50,70 Kpa, desadequados ao tipo de tetina e tipo de máquina em questão; (resposta aos arts. 28.º e 29.º da p.i.)

j) As recomendações de faixas de variação para o parâmetro da ordenha de gado bovino, sem agressões ao tecido mamário, de acordo com a norma ISSO, é de 32 Kpa a 42 Kpa; (resposta ao art. 17.º da p.i.)

k) As mastites detectadas em g) foram tratadas sob prescrição de médica veterinária com antibióticos e anti-inflamatórios; (resposta ao art. 22.º da p.i.)

l) Não obstante tal tratamento, as mastites evoluíram negativamente, implicaram a necessidade de amputação de tetos e, por fim, o abate de seis novilhas; (resposta aos arts. 23.º a 25.º da p.i.)

m) O custo de cada novilha correspondia à data a €1.600,00; (resposta ao art. 30.º da  p.i.)

n) Cada novilha pode produzir em média 35 litros de leite por dia nas fases de produção, que se situa nos 90 dias subsequentes a cada parto; (resposta ao art. 31.º da p.i.)

o) Nos anos de 2016 e 2017 a média do preço do leite por litro pago à autora foi de €0,3023; (resposta ao art. 31.º da p.i.)

p) Com os tratamentos referidos em k) a autora suportou custos em valor não concretamente apurado; (resposta ao art. 36.º, da p.i.)

q) O equipamento referido em f) dispunha de um sistema digital (vacuostato) que funcionava interligado com o sistema informático, programado para não exceder os níveis adequados de vácuo para a ordenha; (resposta aos arts. 14.º e 15.º da contestação)

r) Aquando da instalação do equipamento, funcionário[s] da primeira ré transmitiram instruções sobre o seu funcionamento, nomeadamente ao nível do vácuo, ao legal representante da autora e acompanharam algumas sessões de ordenha; (resposta aos arts. 16.º e 19.º da contestação)

s) Na sequência da verificação em Janeiro de 2016, que passou pela constatação de uma anomalia do sistema digital, a primeira ré providenciou pela reparação. (arts. 23.º e 25.º da contestação)


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Não se provaram os seguintes factos:[1]

1 - Que 90% do capital de E..., S.A. seja detido por D... Unipessoal, Lda. (resposta ao art. 6.º da p.i.).

2 - Que a esperança de vida dos bovinos numa exploração do tipo da autora seja de dois anos e seis meses e que cada uma das abatidas ainda tivesse um ou dois partos (resposta aos arts. 33.º e 34.º da p.i.).

3 - Que a ré C..., UCRL por qualquer forma tivesse assumido por acto de seus representantes as obrigações contratuais descritas em f) (resposta ao art. 45.º da p.i.).

4 - Que o equipamento referido em f) dispusesse de um sistema analógico de controlo do nível de vácuo cujo funcionamento tenha sido explicado aos representantes da autora (resposta aos arts. 14.º, e 16.º a 18.º, e 24.º da contestação).


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Passemos à apreciação do mérito do recurso.

I. O indeferimento do articulado superveniente apresentado pelas rés

As rés, em 31.1.2023, já depois de iniciada a audiência de julgamento, apresentaram articulado superveniente sobre o qual viria a recair o seguinte despacho judicial proferido em 17.2.2023:

“Vieram as rés apresentar articulado superveniente alegando em suma que os danos alegados pela autora em sustentação do pedido de indemnização por si formulado não foram causados por defeitos na máquina de ordenha de bovinos vendida pela ré B..., mas sim por errada utilização da máquina por trabalhador por conta da autora, que frequentemente desligava o sistema automático de remoção das tetinas da máquina e operava o sistema manual, o que era causa de sobreordenha nos bovinos, causando-lhes as lesões que consubstanciam os danos invocados.

Alegam assim as rés um facto modificativo ou extintivo do direito litigado, que consubstancia a excepção de culpa do lesado, nos termos do art. 570.º, n.º 1, do CC.

Nos termos do art. 588.º, n.º 1, do CPC, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.

A superveniência dos factos é aferida nos termos do art. 588.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.

Os “artigos precedentes” são os que enquadram as condições de admissibilidade e prazo da petição inicial, contestação e réplica.

Assim sendo, tratando-se de articulado junto pela ré, os factos alegados teriam de ser posteriores ao termo do prazo de contestação ou ter sido conhecidos pela ré após tal prazo.

O prazo para contestar terminou em 17/11/2021. A ré alega que apenas teve conhecimento dos factos ora alegados na audiência de julgamento, durante a inquirição das testemunhas que se referiram a esta circunstância.

Logo na petição inicial, e portanto bem antes do final do prazo de contestação, a autora juntou o documento n.º 15 (fls. 37, verso), um relatório de avaliação independente do funcionamento da máquina, datado de 29/01/2016, em cuja conclusão se salienta a hipótese de as lesões nos bovinos terem sido agravadas por práticas de sobreordenha.

O autor deste relatório foi HH, testemunha arrolada por autora e rés, trabalhador por conta de empresa do grupo das rés, que elaborou tal relatório nomeadamente por solicitação das rés. É observável no documento e foi dito pelo seu autor, que este relatório foi à data comunicado a JJ, testemunha arrolada pelas rés. Este confirmou ter recebido este relatório e declarou em depoimento ter funções de coordenador geral da ré B....

O mesmo relatório foi também comunicado a II, também arrolado como testemunha pelas rés, funcionário da B..., que declarou ter feito o apoio à venda desta máquina e que em sequência constatou diversas vezes práticas de sobreordenha.

Assim, a prova produzida aponta para [o] conhecimento pelas rés dos factos que ora alegam em momento bem anterior à propositura da acção e não para a superveniência do conhecimento destes factos, com lugar apenas em sede de audiência.

O articulado junto não é por isso processualmente admissível e será rejeitado, nos termos do art. 588.º, n.º 4, do CPC.

Pelo exposto decide-se rejeitar o articulado superveniente apresentado pelas rés em 31/01/2023.”

Sucede que no recurso interposto da decisão final, em 11.10.2023, a ré “B...” vem também pugnar pela revogação do despacho de indeferimento do articulado superveniente, pretendendo que sejam objeto de prova os factos aí alegados.

Ora, neste segmento, o recurso apresentado mostra-se intempestivo, porquanto do despacho que rejeitou o articulado superveniente das rés caberia apelação autónoma nos termos do disposto no art. 644º, nº 2, al. d) do Cód. de Proc. Civil[2], a ser interposta no prazo de 15 dias, conforme flui do art. 638º, nº 1 do mesmo diploma.

Assim, tendo sido determinada a rejeição do articulado superveniente, as rés tinham o ónus de interpor recurso do respetivo despacho, não podendo guardar a sua impugnação apenas para o recurso da decisão final, sob pena de precludir a possibilidade de o impugnar.[3]

É o que ocorreu no caso dos autos.

Com efeito, o despacho que rejeitou o articulado superveniente das rés foi proferido em 17.2.2023 e a sua impugnação, não sendo interposta apelação autónoma, viria a verificar-se apenas em 11.10.2023 com o recurso que incidiu sobre a decisão final do processo.

A sua intempestividade é manifesta.

Deste modo, decide-se não admitir o recurso interposto pela ré “B...” no segmento em que esta impugna o despacho de rejeição do articulado superveniente das rés proferido em 17.2.2023.


*

II. A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

1. Impugnação efectuada pela autora

a) A autora/recorrente insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto pretendendo, em primeiro lugar, que à factualidade assente seja aditada a matéria resultante dos arts. 33º e 34º da petição inicial[4], a qual foi dada como não provada pelo Mmº Juiz “a quo” ao consignar não se ter provado “que a esperança de vida dos bovinos numa exploração do tipo da autora seja de dois anos e seis meses e que cada uma das abatidas ainda tivesse um ou dois partos”.  

Para os dois novos pontos factuais propõe a seguinte redação:

- A esperança de vida útil dos bovinos de leite no modelo de produção intensiva adotada pela autora era de 2 anos e seis meses a 3 anos;

- As novilhas na referida exploração, enquanto ali viviam, tinham pelo menos 3 gestações.

Nesse sentido indica excertos das declarações do legal representante da autora, AA, e dos depoimentos das testemunhas FF, CC e BB, bem como o documento junto à petição inicial com o nº 16.

Em segundo lugar, entende que à factualidade assente deverá igualmente ser aditada matéria decorrente do art. 24º da petição inicial[5] com a seguinte redação:   

- As novilhas precocemente refugadas foram adquiridas pela autora em 25/10/2015, no terceiro trimestre de gestação, tendo parido num período compreendido entre 17/11/2015 a 21/12/2015.

Com esta finalidade refere os documentos juntos com a petição inicial com os nºs 8, 9, 10, 11, 12, 13, 16 e 43.

b) Uma vez que a impugnação foi feita com observância dos ónus previstos no art. 640º do Cód. de Proc. Civil, iremos reapreciar a decisão fáctica, procedendo à audição das declarações e depoimentos indicados pela autora/recorrente.

AA, legal representante da sociedade autora, foi ouvido em declarações. Disse que uma novilha aos 13/14 meses é inseminada e fica gestante. Aos 22/23 meses tem a primípara, o primeiro parto. E depois se tudo correr bem, cada 305/310 dias faz outra gestação. Assim, faz três lactações. Estamos pois a falar entre 5 e 6 anos de vida, onde durante 3 anos está a produzir.

FF é funcionário da autora desde 1999, sendo o responsável pela ordenha. Disse que as novilhas podem dar três ou quatro lactações, depende do animal. Após cada paridura continuam a produzir a mesma quantidade de leite ou mais.

CC é engenheiro alimentar, tendo trabalhado para a autora. Disse que as novilhas podem ter 5/6 pariduras, depende do animal.

BB trabalhou para a “B...” durante 15 anos até maio de 2017. Disse que as novilhas podem ter até 5/6 pariduras e que a produção vai aumentando conforme os partos.

O documento nº 16 junto com a petição inicial trata-se de uma declaração, datada de 2.5.2018, subscrita por EE, médica veterinária, que tem o seguinte teor:


O documento nº 8 trata-se de uma relação de bovinos presentes num intervalo de tempo, emitida pelo Ministério da Agricultura em 13.11.2019.

Os documentos nºs 9 a 13 correspondem a guias de circulação para abate imediato de bovinos, a fichas de recolha de bovinos e a guias de circulação para exploração de bovinos.

Por último, o documento com o nº 43 trata-se de um mail enviado pela autora “A...” à ré “B...” em 27.4.2016 e subscrito pelo seu legal representante, AA, que corresponde a uma relação de todos os animais que, na perspetiva da autora, tiveram que ser rejeitados devido ao mau funcionamento do equipamento fornecido por aquela ré.

c) Relativamente à factualidade que ora se discute decorrente dos arts. 33º e 34º da petição inicial, dada como não provada, escreveu o seguinte o Mmº Juiz “a quo”:

“Nenhuma das testemunhas estimou sequer a esperança média de vida dos bovinos na exploração. AA, representante da autora apontou três anos de vida produtiva, valor superior ao alegado, meio de prova que isoladamente foi insuficiente para objectivar uma convicção. BB, CC e FF apontaram estimativas de número de partos por bovino díspares e sobretudo muito superiores ao alegado pela própria autora, e também superiores às declarações de parte do legal representante da autora. EE não apontou estimativa do número médio de partos por bovino. Neste quadro, emergiu a falta de prova do alegado nos arts. 33.º e 34.º da petição inicial.”

Ora, da análise dos depoimentos e declarações produzidas na audiência de julgamento flui não ser possível estimar a esperança de vida útil dos bovinos de leite na exploração da autora.

Porém, a situação é diversa quanto ao número de gestações das novilhas. É certo que existem discrepâncias quanto a esse número, tendo as testemunhas CC e BB apontado para cinco ou seis gestações. Contudo, ninguém referiu um número de gestações inferior a três.

Por esse motivo, entendemos que à factualidade assente deve ser aditado, como alínea t), o seguinte facto:     

- As novilhas na referida exploração, enquanto ali viviam, tinham pelo menos 3 gestações.

Simultaneamente, da matéria factual não provada (nº 2) deve ser eliminado o segmento “que cada uma das abatidas ainda tivesse um ou dois partos”.

Por outro lado, entendemos que da apreciação da prova documental indicada pela autora (docs. nºs 9 a 13 e 43) não resultam elementos precisos quanto aos momentos temporais em que as novilhas refugadas foram adquiridas pela autora e em que ocorreram os respetivos partos, razão pela qual, neste âmbito, nenhum facto há a aditar à factualidade assente.


*

2. Impugnação efetuada pela ré “B...”

a) A ré “B...”, no seu recurso, insurge-se igualmente contra a decisão fáctica proferida pela 1ª Instância, impugnando as suas alíneas f), h), i), k), l) e p), cuja redação é a seguinte:

- f) Em 27 de Março de 2015 representantes da autora declararam comprar e representantes da ré B..., Lda. declararam vender, um centro de ordenha rotativo em carrossel exterior da marca ..., pelo preço de €238.927,00, tendo a ré declarado ainda assumir a obrigação de instalar tal equipamento na exploração agropecuária da autora e ainda a prestar durante um ano o acompanhamento e assistência técnica que o equipamento reclamasse em vista ao seu normal funcionamento, nomeadamente atinente ao controlo e revisão dos valores do vácuo e da pulsação (resposta aos arts. 10.º e 11.º da p.i.);

- h) Pondo a hipótese de se tratar de mau funcionamento do equipamento, a autora fez comunicar à ré a anomalia por via telefónica em finais do ano de 2015, tendo a ré feito deslocar funcionários à exploração para avaliar o problema (resposta aos arts. 14.º, 16.º e 18.º da p.i. e 29.º da contestação);

- i) Só em Janeiro de 2016 foi verificado que estas lesões resultavam de excesso de vácuo no equipamento de ordenha, com valores médios entre 49,50 e 50,70 Kpa, desadequados ao tipo de tetina e tipo de máquina em questão (resposta aos arts. 28.º e 29.º da p.i.);

- k) As mastites detectadas em g) foram tratadas sob prescrição de médica veterinária com antibióticos e anti-inflamatórios (resposta ao art. 22.º da p.i.);

- l) Não obstante tal tratamento, as mastites evoluíram negativamente, implicaram a necessidade de amputação de tetos e, por fim, o abate de seis novilhas (resposta aos arts. 23.º a 25.º da p.i.);

- p) Com os tratamentos referidos em k) a autora suportou custos em valor não concretamente apurado (resposta ao art. 36.º, da p.i.).

Pretende a ré/recorrente que as alíneas f), h) e i) passem a ter as seguintes redações:

- f) Em 27 de Março de 2015 representantes da autora declararam comprar e representantes da ré B..., Lda. declararam vender, um centro de ordenha rotativo em carrossel exterior da marca ..., pelo preço de €238.927,00, tendo a ré declarado ainda assumir a obrigação de instalar tal equipamento na exploração agropecuária da autora e tinha que garantir o bom funcionamento do equipamento por si fornecido e instalado e prestar toda a assistência legalmente exigível durante o período de garantia legal (resposta aos arts. 10.º e 11.º p.i.);

- h) Pondo a hipótese de se tratar de mau funcionamento do equipamento, a autora fez comunicar à ré a anomalia por via telefónica em 27 de janeiro de 2016, tendo a ré feito deslocar funcionários à exploração para avaliar o problema;

- i) Só no seguimento do relatório elaborado pelo Dr. HH, a 27.01.2016, foi verificado que o equipamento de ordenha estava a operar com excesso de vácuo no equipamento de ordenha, com valores máximos entre 49,50 e 50,70 Kpa, desadequados ao tipo de tetina e tipo de máquina em questão;

Por outro lado, entende que as alíneas k), l) e p) devem ser eliminadas dos factos provados.

Pretende ainda a ré/recorrente que sejam aditados à factualidade assente os seguintes factos:

- Durante o período o período compreendido entre 17.11.2015 e 21.12.2023, a Autora tinha na sua exploração 6 novilhas que tiveram parto e que vieram a ser levadas para abate no período compreendido entre 07.04.2016, a saber: [sic]

i. A novilha identificada pelo código PT...037, com parto a 12/12/2015 e com saída para abate em 07/04/2016;

ii. A novilha identificada pelo código PT...283, com parto a 17/11/2015 e com saída para abate em 28/12/2015;

iii. A novilha identificada pelo código PT...011, com parto a 06/12/2015 e com saída para abate em 09/02/2016;

iv. A novilha identificada pelo código PT...844, com parto a 25/11/2015 e com saída para abate em 29/12/2015;

v. A novilha identificada pelo código PT...679, com parto a 17/12/2015 e com saída para abate em 21/01/2016;

vi. A novilha identificada pelo código PT...471, com parto a 21/12/2015 e com saída para abate em 21/01/2016;

- Um ordenhador experiente conseguiria percecionar que existia algum problema dos equipamentos através da análise dos tetos dos animais, sendo que, com aquele nível de vácuo, os mesmos deveriam estar roxos, situação que deveria desde logo ser reportada, o que não ocorreu;

- A 27/01/2016, às 11:01 da manhã a Autora comunicou uma anomalia na máquina de ordenha, tendo referido que o grupo de vácuo trabalhava a alta rotação, situação que foi pela primeira vez comunicada pela A à Ré;

- No próprio dia os funcionários da Ré deslocaram-se ao local efetuaram uma reprogramação para que o equipamento ficasse a funcionar em conformidade com os níveis máximos de vácuo permitidos e solicitaram a peça de substituição;

- A peça de substituição veio a ser recebida pela Ré e substituída no dia 05.02.2016, não tendo ocorrido em momento prévio atendendo a que a mesma teve que vir da marca por não existir em stock.

Como meios probatórios em que apoia a sua pretensão a ré/recorrente indica excertos dos depoimentos produzidos pelas testemunhas EE, GG, HH, JJ, KK e II e das declarações do legal representante da autora AA, bem como os documentos nºs 1 e 2 juntos com a contestação e nº 46 junto com a petição inicial.

Por seu turno, nas suas contra-alegações a autora/recorrida refere excertos dos depoimentos das testemunhas JJ, BB, II, EE, CC, HH e FF e das declarações prestadas pelo seu legal representante (AA), aludindo ainda aos documentos nº 15 junto com a petição inicial e nº 1 junto com a contestação.

b) Uma vez que a ré/recorrente observou os ónus previstos no art. 640º do Cód. de Proc. Civil, ir-se-á proceder à reapreciação dos pontos factuais por si impugnados, ouvindo a prova gravada referida pela recorrente e pela recorrida.

EE foi a veterinária assistente da autora “A...” até esta empresa cessar a sua atividade na produção de leite, em 2018. Confirmou ter emitido a declaração que corresponde ao documento nº 16 junto com a petição inicial. Disse que foi chamada, pensa que em novembro, porque uma novilha tinha uma mamite que o empregado que fazia a ordenha não conseguia tratar. Confirmou que o teto estava extremamente magoado. Tratou com antibióticos, provavelmente injectáveis, e anti-inflamatórios. Como não estavam a conseguir controlar a infeção, procedeu à amputação do teto e a novilha pareceu ter alguma melhoria clínica, mas não a nível de produção. Entretanto, por altura do Natal surge um segundo caso muito semelhante em que fizeram a amputação do teto mais rapidamente. Começou então a suspeitar que haveria alguma coisa, provavelmente na ordenha, e transmitiu-o ao Dr. AA. Este disse-lhe que da ordenha não deveria ser porque era nova. Porém, foram aparecendo mais casos, o que reforçou a sua ideia que os problemas estavam relacionados com a ordenha. Foram para abate cinco novilhas, esclarecendo que fez cinco amputações de teto e que antes tentou tratar o problema com medicação. Mais disse não ser especialista de ordenha, mas aquilo que notava no fim da ordenha é que havia uma marca muito definida no topo do teto, uma inflamação, e essa marca é de sobreordenha. Esclareceu que não viu os valores do vácuo e que cada ordenha terá as suas características, embora tenha referido também que o problema surgido com as novilhas está relacionado com o vácuo. Aliás, após o segundo caso começou a falar que podia ser um problema do vácuo.  

GG é médica veterinária, trabalhando numa empresa (“F...”) que faz parte do grupo “B...”. Disse que, em inícios de 2016, foi contactada pela Dr.ª EE, porque estavam a surgir problemas com novilhas primíparas na exploração da autora, nos tetos, e queria-se perceber se eram de origem vírica, o que não se confirmou. Na sequência desses resultados solicitou-se a um colega seu – Dr. HH - que fosse à exploração para fazer uma avaliação do funcionamento da máquina de ordenha. Inicialmente não se estavam a colocar problemas relacionados com o vácuo porque o equipamento era novo. Face a estudos que consultou refere que para o excesso de vácuo causar problemas nos tetos é necessário um mínimo de duas semanas, mas a sobreordenha agrava os danos. Disse também que pela experiência que tem não coloca o excesso de vácuo como único fator determinante dos danos. Tem que haver outros fatores, nem que sejam os individuais de cada vaca. Referiu ainda que o excesso de vácuo é desconfortável para as vacas e estas não estariam calmas no momento da ordenha. Um ordenhador com experiência notaria essa situação, mas não se pronuncia sobre a competência do funcionário da autora encarregado da ordenha.

HH é médico veterinário, sendo funcionário da “F...” que é uma empresa do grupo “B...”. Foi uma única vez à exploração da autora, em 28.1.2016, na sequência de um contacto da Dr.ª EE com a sua chefe de serviço, a Dr.ª GG, por causa de lesões surgidas nos animais. Foi lá avaliar o funcionamento da máquina de ordenha e também a saúde dos tetos dos animais. Verificou que o vácuo estava elevado face aos intervalos normais, tendo utilizado o vacuómetro portátil que levou consigo. Não recorreu ao vacuómetro existente no próprio equipamento e não sabe se este estava a funcionar corretamente. Confirmou a autoria do mail junto com a petição inicial sob o nº 15. Constatou na visita efetuada que o ordenhador desligava o retirador automático das tetinas, o que provocava sobreordenha. Ou seja, a ordenha ficava a funcionar sem que o animal tivesse um fluxo significativo de leite para retirar, o que é uma má prática, pois lesiona os tetos dos animais. Mas depois referiu que, no equipamento de ordenha da autora, era necessário fazer uma revisão do sistema de regulação do vácuo. Não consegue esclarecer qual o problema mais grave – o vácuo alto ou a sobreordenha. Um vácuo alto pode, por exemplo, em vez de tirar leite ferir os tetos dos animais a ponto de sair sangue. Uma sobreordenha é uma agressão que acontece, tudo dependendo do tipo de máquina, do tipo de vácuo, mesmo do maneio que o ordenhador tem e até das próprias vacas, porque estas têm características morfológicas diferentes.

JJ é engenheiro e trabalha para a “B...” desde 2003, onde é coordenador-geral. Disse que o equipamento de ordenha da autora, em termos tecnológicos, é o top e, por isso, entenderam que tinham que dar um suporte, um acompanhamento muito mais próximo. Foi dada indicação relativamente aos níveis de vácuo em que a máquina deve trabalhar. O próprio equipamento tem sistemas de controlo e comando, que não devem ser mexidos a não ser por pessoal especializado e caso aconteça alguma anomalia deve ser relatada para que seja corrigida. Para verificar os níveis de vácuo existiam dois equipamentos – um digital e outro analógico. Disse que só tomaram conhecimento da situação de excesso de vácuo no dia 27.1.2016. O problema só ficou resolvido no dia 29. Foi detetado que o vácuostato estava avariado e então o técnico fez uma alteração mecânica ao nível do vácuo para permitir que o equipamento pudesse trabalhar. O equipamento tem que ter vácuo para poder trabalhar e o técnico baixou os níveis de vácuo para níveis que seriam normais, isto porque o vácuostato estava com um défice. Isto é, os valores que ele mostrava não coincidiam com os níveis de vácuo reais. Porém, a peça necessária, que não existia nem em Portugal nem em Espanha, só chegou no dia 5 de fevereiro, diretamente dos Estados Unidos, e foi instalada de imediato. Desde essa data nunca mais houve reporte de problemas quanto ao nível do vácuo. Referiu também que o operador muitas vezes procedia à suspensão da retirada automática das tetinas, passando para o manual, o que era desaconselhável para os animais. Confirmou a receção do mail que corresponde ao documento nº 42 junto com a petição inicial. Salientou ainda que com aqueles níveis de vácuo os tetos dos animais deveriam estar roxos, o que seria detetado por um bom operador.       

KK é técnico da “B...”, tendo acompanhado a montagem do equipamento desde o início, a qual durou cerca de dois/três meses. A máquina de ordenha tem equipamento de medição do vácuo, visível para o operador. No final da instalação, deram formação sobre a utilização da máquina. Estiveram lá dois dias e acompanharam três ordenhas, tendo salientado que se os animais não estivessem quietos na ordenha isso era sinal de que alguma coisa estava errada. Advertiram ainda para estarem atentos ao equipamento, sendo que o maior barulho do mesmo era sinal de anomalia. 

II é engenheiro, sendo funcionário da “B...”. Participou na venda e instalação do equipamento em causa nos autos, o que durou cerca de dois meses. Deram formação sobre o funcionamento da máquina. Instalaram um equipamento analógico e chamaram a atenção dos operadores para estarem atentos a alguma anomalia no funcionamento. Quanto a este caso concreto referiu que a sonda do vácuo (o vácuostato) avariou, deixou de fazer as leituras corretas e a máquina acelerou. De qualquer modo, entende que um bom operador se deveria ter apercebido da situação, pois os animais estariam irrequietos na ordenha e o barulho do equipamento seria superior ao normal. Apercebeu-se também que o ordenhador tinha, por vezes, um procedimento que considera errado, pois retirava o funcionamento automático de remoção das tetinas, passando para modo manual, o que provoca uma situação de sobreordenha e uma agressão no teto. Chamou a atenção do Sr. DD (ordenhador) para esta situação. Mais disse que recebeu uma chamada do Dr. AA em janeiro de 2016, referindo que os níveis de vácuo estavam elevados. Veio a constatar-se que o vácuostato estava a dar informações erradas e tiveram que pedir à marca a peça necessária à substituição, substituição esta que ocorreu quatro ou cinco dias depois. Depois desta data nunca mais tiveram qualquer reclamação. Quanto a reclamações anteriores a janeiro de 2016, sobre o problema dos autos, afirmou que consigo não houve, mas admitiu que possam ter ocorrido.   

AA, legal representante da autora, foi ouvido em declarações. Disse que adquiriram uma máquina topo de gama, mas que deu problemas na parte eletrónica e na parte mecânica. A “B...” ia fazendo assistências permanentes, mas ao chegarem a outubro de 2015 os problemas mantinham-se e havia um que não conseguiam entender. Os animais tinham problemas mamários constantes que originavam infeções e, por isso, tiveram que fazer amputações, principalmente nas primíparas. A Dr.ª EE, que era a médica veterinária da autora, dizia que o problema provavelmente estava na ordenha, mas os técnicos da ordenha diziam que estava tudo bem e o declarante salientava que se tratava de um equipamento novo. Chamaram então o Dr. HH, que era um especialista em equipamentos de ordenha, para ver o que se passava. Constatou-se então que o vácuo estava muito acima do permitido ou ideal para a ordenha e depois de verificado o problema foi substituída uma peça para que o vácuostato ficasse a funcionar corretamente. Esclareceu que os problemas mais sérios começaram a surgir em outubro, mas só perceberam que havia uma questão relacionada com o vácuo do equipamento depois do Dr. HH ter ido à exploração da autora.

BB trabalhou para a “B...” durante 15 anos até maio de 2017. Disse que era o comercial da zona e foi ele que vendeu a máquina de ordenha à autora, no início de 2015, tendo esta demorado quase quatro meses a ser montada. Ficou pronta a funcionar no final de junho de 2015. Os problemas começaram a aparecer no final de 2015. O Dr. AA (legal representante da autora) ligou para si várias vezes a dizer que as vacas não estavam a ordenhar bem e a testemunha dizia-lhe que tinha de ligar para as avarias – serviço de piquete. Foram reportadas pela autora várias avarias na máquina de ordenha até ao final de janeiro e foram lá uma série de vezes, tendo-se detetado que o problema era vácuo a mais. 

CC é engenheiro alimentar, tendo trabalhado para a autora no arraçoamento dos animais. Disse que após a aquisição da nova máquina de ordenha começaram logo a aparecer problemas com os animais, com inflamações no úbere. Acabou por se apurar que o problema estava no sistema de vácuo. Os animais durante a ordenha não paravam quietos e no início pensaram que eles estavam a estranhar a nova máquina. Como aquilo se prolongou durante muito tempo passaram a desconfiar que pudesse ser o aparelho de vácuo, pois os tetos dos animais começaram a ficar massacrados. Porém, no sistema digital aparentemente estava tudo bem. Assim, por causa desta situação, chamaram várias vezes a equipa da “B...”. Sabe que aos animais, antes de serem refugados, foram ministrados antibióticos e anti-inflamatórios. De qualquer modo salienta que o que sempre reportaram à “B...” foi um problema nos tetos das vacas.

FF é funcionário da autora desde 1999, sendo o responsável pela ordenha. Disse que a “B...” não lhe deu formação sobre a nova máquina de ordenha. Apenas lhe ensinaram como se ligava e desligava. Sabe que depois de surgirem os problemas foram lá várias pessoas ver a máquina. Se tiver vácuo a mais está sempre a apertar o teto e este fica mais dorido, podendo surgir mamites.

Do documento nº 46 junto com a petição inicial consta um relatório efetuado, em 29.1.2016, pelo Dr. HH após a sua visita à exploração da autora no dia anterior.[6]

O documento nº 1 junto com a contestação trata-se de um relatório de intervenções feitas pela ré “B...” na exploração da autora e o documento nº 2 corresponde ao relatório da intervenção aí realizada em 27/28.1.2016.

c) O art. 662º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil estatui que «[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

Contudo, sempre haverá que ter em atenção que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º, nº 5 do Cód. de Proc. Civil.

Vejamos agora discriminadamente os diversos pontos factuais impugnados pela recorrente “B...”.

d) Quanto à alínea f) da factualidade assente [Em 27 de Março de 2015 representantes da autora declararam comprar e representantes da ré B..., Lda. declararam vender, um centro de ordenha rotativo em carrossel exterior da marca ..., pelo preço de €238.927,00, tendo a ré declarado ainda assumir a obrigação de instalar tal equipamento na exploração agropecuária da autora e ainda a prestar durante um ano o acompanhamento e assistência técnica que o equipamento reclamasse em vista ao seu normal funcionamento, nomeadamente atinente ao controlo e revisão dos valores do vácuo e da pulsação], a ré/recorrente entende que não pode ser considerada como provada a parte em que se considera ter a ré assumido a obrigação de “prestar durante um ano o acompanhamento e assistência técnica que o equipamento reclamasse em vista ao seu normal funcionamento, nomeadamente atinente ao controlo e revisão dos valores do vácuo e da pulsação”.

Sustenta que no art. 3º da contestação, relativamente ao art. 11º da petição inicial, apenas aceitou que tinha que garantir o bom funcionamento do equipamento por si fornecido e instalado e prestar toda a assistência legalmente exigível durante o período de garantia legal.

Sucede que na sentença recorrida a propósito deste ponto factual e também da alínea j), respeitantes ao contrato invocado e aos níveis de vácuo recomendados na ordenha, se escreveu que estes não foram impugnados pelas rés, pelo que se julgaram assentes.

Vejamos.

A obrigação que incidia sobre a ré de prestar o acompanhamento e a assistência técnica que o equipamento reclamasse em vista ao seu normal funcionamento durante o período de garantia é algo de incontroverso, por resultar da própria lei.

Tal como incontroverso é, nos presentes autos, que nesse acompanhamento e assistência técnica se inseria igualmente o controlo e revisão dos valores do vácuo e da pulsação.

Só assim se compreendendo que a ré/recorrente tendo constatado uma avaria no vácuoestato digital, que registava valores inferiores aos que efetivamente estavam a ocorrer, tenha procedido à sua correção, conforme resulta do por si alegado nos arts. 21º a 27º e 31º da contestação.

Ora, se a ré não fosse responsável por garantir o controlo e a revisão dos valores de vácuos e da pulsação, corrigindo os problemas que nesse âmbito surgissem, não se vê razão para no seu articulado alegar e assumir que procedeu de imediato à reparação do problema surgido com o sistema de vácuo.

Situação factual esta que, de resto, foi confirmada em julgamento pelos depoimentos prestados pelas testemunhas JJ, II e BB.

De qualquer modo, far-se-á um pequeno ajustamento na redação desta alínea f) que passará a ser a seguinte:

- Em 27 de Março de 2015 representantes da autora declararam comprar e representantes da ré B..., Lda. declararam vender, um centro de ordenha rotativo em carrossel exterior da marca ..., pelo preço de €238.927,00, tendo a ré declarado ainda assumir a obrigação de instalar tal equipamento na exploração agropecuária da autora e ainda a prestar durante o período de garantia legal o acompanhamento e assistência técnica que o equipamento reclamasse em vista ao seu normal funcionamento, nomeadamente atinente ao controlo e revisão dos valores do vácuo e da pulsação.

e) Relativamente à alínea h) [Pondo a hipótese de se tratar de mau funcionamento do equipamento, a autora fez comunicar à ré a anomalia por via telefónica em finais do ano de 2015, tendo a ré feito deslocar funcionários à exploração para avaliar o problema], a ré/recorrente pretende que a sua redação seja alterada passando a constar que a comunicação da anomalia foi efetuada em 27.1.2016.

Sobre este concreto ponto factual, o Mmº Juiz “a quo” escreveu o seguinte, em sede de fundamentação probatória:

“O descrito em h) resultou do depoimento de EE, que salientou que ainda ocorreu uma demora no reporte à ré, por não se ter desde logo pressuposto ser um problema de ordenha. Também CC, BB e FF se referiram à data aproximada de comunicação do problema e a várias deslocações de funcionários da ré à exploração até detecção do problema.

Contra isto, JJ, coordenador geral da ré, referiu que a anomalia só lhe foi comunicada em 27/01/2016, na véspera da deslocação do técnico HH ao local. Esta testemunha foi no entanto descredibilizada pela falência da sua versão sobre o mostrador analógico, a que acresceu um depoimento pouco fluído, com seguimento das sugestões de inquirição que beneficiassem a ré. A título de exemplo, começou por afirmar que a existência de inflamação nos tetos resulta sempre de problemas de vácuo, mas quando lhe foi sugerida a hipótese de vírus foi atrás, pegou nela, e começou logo a pôr em dúvida a causa da inflamação em discussão.”

Com efeito, só na deslocação efetuada à exploração da autora em 27/28.1.2016, conforme flui do relatório elaborado pelo Dr. HH, se veio a apurar que na origem dos problemas surgidos nesta exploração com algumas novilhas se encontrava uma situação de excesso de vácuo na máquina da ordenha.

Porém, daí não se infere que apenas no dia 27.1.2016 as anomalias tenham sido comunicadas pela ré à autora. Aliás, os problemas com os tetos das novilhas surgiram em momento anterior, na parte final do ano de 2015, tendo começado logo a ser comunicados telefonicamente à ré, tal como resulta das declarações do legal representante da autora e dos depoimentos das testemunhas CC, BB e FF.

Mas não se sabia qual a razão que estava na origem desses problemas.

De resto, do documento nº 1 junto com a contestação decorre que técnicos da “B...” em 18, 19 e 21.11 e 11 e 29.12.2015 se deslocaram às instalações da autora a fim de resolver situações de avarias agro-pecuárias, tal como em 18.11.2015 e 12.12.2015 ocorreram intervenções por parte do seu piquete agro-pecuário.

Neste contexto, entendemos que os problemas surgidos com os tetos das novilhas, por se considerar poderem estar relacionados com o mau funcionamento do equipamento de ordenha, começaram a ser comunicados pela autora à “B...” logo em finais de 2015.

Todavia, só na intervenção realizada em 27/28.1.2016, em que teve participação o Dr. HH se veio a saber que esses problemas tinham a sua origem numa situação de excesso de vácuo no equipamento de ordenha.

Deste modo, mantém-se, sem qualquer alteração de redação, a alínea h) da factualidade assente.

f) Prosseguindo, quanto à alínea i) da factualidade assente [Só em Janeiro de 2016 foi verificado que estas lesões resultavam de excesso de vácuo no equipamento de ordenha, com valores médios entre 49,50 e 50,70 Kpa, desadequados ao tipo de tetina e tipo de máquina em questão] a ré/recorrente entende que a sua redação deve ser alterada de modo a que seja concretizado o momento em que se tomou conhecimento do problema – no seguimento do relatório elaborado pelo Dr. HH – e retirada a conclusão referente ao nexo causal entre o excesso de vácuo e os danos causados nos tetos dos bovinos.

Sobre este ponto factual escreveu o seguinte o Mmº Juiz “a quo”:

“O descrito em i) resultou sobretudo do relatório junto como documento n.º 15 com a petição inicial (fls. 37, verso), confirmado em audiência pelo seu autor. Referiu-se à concausalidade das lesões com práticas de sobreordenha, mas não excluiu a causalidade entre excesso de vácuo e as lesões.”

Neste relatório, elaborado pelo Dr. HH, aponta-se como uma das razões para as lesões ocorridas nos tetos dos bovinos o excesso de vácuo, a que se adicionam, como motivo para o seu agravamento, as práticas de sobreordenha.

Ou seja, do relatório referido, reportado a intervenção realizada em 27/28.1.2016, resulta que, independentemente de outras eventuais causas, as lesões dos bovinos tiveram a sua origem no facto de o equipamento de ordenha registar excesso de vácuo.

Assim, ir-se-á proceder à alteração da redação da alínea i), mas tão-somente para precisar em termos cronológicos o momento da verificação da causa das lesões, passando esta a ser a seguinte:     

- Só em 27/28.1.2016 foi verificado que estas lesões resultavam de excesso de vácuo no equipamento de ordenha, com valores médios entre 49,50 e 50,70 Kpa, desadequados ao tipo de tetina e tipo de máquina em questão.

g) No que concerne aos factos constantes das alíneas k), l) e p) [k) As mastites detetadas em g) foram tratadas sob prescrição de médica veterinária com antibióticos e anti-inflamatórios; l) Não obstante tal tratamento, as mastites evoluíram negativamente, implicaram a necessidade de amputação de tetos e, por fim, o abate de seis novilhas; p) Com os tratamentos referidos em k) a autora suportou custos em valor não concretamente apurado) pretende a ré/recorrente que sejam dados como não provados.

Sobre estas alíneas factuais, o Mmº Juiz “a quo” escreveu o seguinte em sede de motivação:

“O descrito em k) e l) foi obtido a partir da conjugação coerente dos documentos n.º 16 (fls. 39, verso), e n.º 9 a 14 (fls. 26, verso, e ss), juntos com a petição inicial, e depoimento de EE. Nestes meios de prova foi retratada a evolução das lesões, tratamentos, e posterior abate das novilhas (…)”.

“Quanto ao descrito em p) o tribunal não pôde deixar de notar que a comparação entre o valor alegadamente custeado pela autora com o tratamento das novilhas e o valor de mercado das próprias novilhas infundia alguma desconfiança num custo tão elevado em face de regras de experiência comum de racionalidade económica. Depois o tribunal considerou os documentos n.º 18 a 41 (fls. 44 e ss) juntos com a petição inicial e os juntos sob os n.ºs 1 e 2 em 17/11/2022 (fls. 178 e 179) e compulsou-os com o depoimento de EE. Deste cruzamento resultou que parte significativa dos medicamentos enumerados não se destinou a tratar este problema, outra parte poderia ou não ser. O tribunal acabou por concluir que a autora juntou facturas da totalidade da medicação adquirida na exploração naqueles meses, que segundo o legal representante da autora contava 500 cabeças de gado, e não é possível discernir quais os medicamentos gastos nestas seis novilhas e quais os gastos em outras situações. A requerimento da ré, o tribunal notificou a autora para junção do registo da medicação administrada às novilhas identificadas na petição, mas a autora não logrou localizá-los. Este registo teria permitido uma melhor aproximação aos custos com esta causa em concreto. Com os elementos em apreciação, este ponto ficou inconclusivo.”

Ora, estes três pontos deverão permanecer na factualidade assente com base, por um lado, no depoimento da testemunha Dr.ª EE, que elaborou a declaração que corresponde ao documento nº 16 junto com a petição inicial, e, por outro, nos documentos nºs 9 a 14 e 18 a 41[7] da petição inicial.

Deste depoimento e desta documentação, devidamente conjugadas, resulta que as mastites detetadas foram tratadas, por prescrição veterinária, com antibióticos e anti-inflamatórios e que, tendo as mastites evoluído negativamente, houve depois necessidade de amputação de tetos a que se seguiu o abate de seis novilhas.

h) Pugna também a ré/recorrente pelo aditamento à factualidade assente do seguinte facto, que, ao cabo e ao resto, se apoia, em larga medida, no art. 24º da petição inicial:

- Durante o período o período compreendido entre 17.11.2015 e 21.12.2023, a Autora tinha na sua exploração 6 novilhas que tiveram parto e que vieram a ser levadas para abate no período compreendido entre 07.04.2016, a saber: [sic]

i. A novilha identificada pelo código PT...037, com parto a 12/12/2015 e com saída para abate em 07/04/2016;

ii. A novilha identificada pelo código PT...283, com parto a 17/11/2015 e com saída para abate em 28/12/2015;

iii. A novilha identificada pelo código PT...011, com parto a 06/12/2015 e com saída para abate em 09/02/2016;

iv. A novilha identificada pelo código PT...844, com parto a 25/11/2015 e com saída para abate em 29/12/2015;

v. A novilha identificada pelo código PT...679, com parto a 17/12/2015 e com saída para abate em 21/01/2016;

vi. A novilha identificada pelo código PT...471, com parto a 21/12/2015 e com saída para abate em 21/01/2016.

Acontece que o documento junto em que se funda este ponto factual [o documento nº 43 da petição inicial] não é apto a provar a data dos partos, a que acresce ter a ré, na contestação que apresentou, impugnado na sua totalidade o art. 24º da petição inicial.

Como tal, não se procede ao pretendido aditamento.

i) Entende ainda a ré/recorrente que deverá ser aditado o seguinte à factualidade assente:

- A 27/01/2016, às 11:01 da manhã a Autora comunicou uma anomalia na máquina de ordenha, tendo referido que o grupo de vácuo trabalhava a alta rotação, situação que foi pela primeira vez comunicada pela A à Ré;

- No próprio dia os funcionários da Ré deslocaram-se ao local efetuaram uma reprogramação para que equipamento ficasse a funcionar em conformidade com os níveis máximos de vácuo permitidos e solicitaram a peça de substituição;

- A peça de substituição veio a ser recebida pela Ré e substituída no dia 05.02.2016, não tendo ocorrido em momento prévio atendendo a que a mesma teve que vir da marca por não existir em stock.

Estes factos mostram-se alegados pela ré na sua contestação, nos arts. 21º, 22º, 23º, 25º e 27º e foram vertidos na factualidade provada, sob a alínea s), com a seguinte redação:

- Na sequência da verificação em Janeiro de 2016, que passou pela constatação de uma anomalia do sistema digital, a primeira ré providenciou pela reparação. (arts. 23.º e 25.º da contestação)

Sucede que esta alínea s) não foi objeto de impugnação expressa e nela se condensa o essencial da matéria factual que a ré/recorrente pretende agora ver aditada.

Como tal, também não se procede a este aditamento, retificando-se, porém, a alínea s), na sequência da alteração também realizada na redação da alínea i), de modo a compatibilizar os marcos temporais referentes à intervenção da ré, que permitiu detetar a situação de excesso de vácuo no equipamento de ordenha, e que se reporta aos dias 27/28.1.2016.

A redação da alínea s) passará assim a ser a seguinte:

- Na sequência da verificação em 27/28.1.2016, que passou pela constatação de uma anomalia do sistema digital, a primeira ré providenciou pela reparação.

j) Na conclusão 30) a ré/recorrente, embora nada tendo dito no corpo alegatório quanto a tal aditamento, pronuncia-se no sentido de ser adicionado à factualidade assente o seguinte facto:  

- Um ordenhador experiente conseguiria percecionar que existia algum problema dos equipamentos através da análise dos tetos dos animais, sendo que, com aquele nível de vácuo, os mesmos deveriam estar roxos, situação que deveria desde logo ser reportada, o que não ocorreu.

Sucede que esta matéria não se mostra alegada pela ré na sua contestação, motivo pela qual não poderá ser considerada.


*

Sintetizando.

As impugnações fácticas efetuadas pela autora e pela ré “B...” obterão parcial procedência, e, em consequência:        

- Adita-se à factualidade assente a alínea t) com a seguinte redação:

As novilhas na referida exploração, enquanto ali viviam, tinham pelo menos 3 gestações.

- Altera-se redação das alíneas f), i) e s) que passarão a ser as seguintes:

- f) Em 27 de Março de 2015 representantes da autora declararam comprar e representantes da ré B..., Lda. declararam vender, um centro de ordenha rotativo em carrossel exterior da marca ..., pelo preço de €238.927,00, tendo a ré declarado ainda assumir a obrigação de instalar tal equipamento na exploração agropecuária da autora e ainda a prestar durante o período de garantia legal o acompanhamento e assistência técnica que o equipamento reclamasse em vista ao seu normal funcionamento, nomeadamente atinente ao controlo e revisão dos valores do vácuo e da pulsação;

- i) Só em 27/28.1.2016 foi verificado que estas lesões resultavam de excesso de vácuo no equipamento de ordenha, com valores médios entre 49,50 e 50,70 Kpa, desadequados ao tipo de tetina e tipo de máquina em questão;

- s) Na sequência da verificação em 27/28.1.2016, que passou pela constatação de uma anomalia do sistema digital, a primeira ré providenciou pela reparação.

- Da matéria factual não provada (nº 2) deve ser eliminado o segmento “que cada uma das abatidas ainda tivesse um ou dois partos”.


*

III – A atendibilidade dos factos relativos à questão da sobre-ordenha

1. A questão da sobre-ordenha como causa dos danos sofridos pelos bovinos tratou-se de matéria de larga controvérsia durante a audiência, como flui da audição da gravação do julgamento realizado, e levou a que a ré “B...” tivesse apresentado articulado superveniente onde alega factualidade respeitante a esta questão, como forma de demonstrar a ocorrência de uma situação de culpa do lesado, nos termos do art. 570º do Cód. Civil.

Culpa do lesado que surge como facto modificativo ou extintivo do direito invocado pela autora.

Acontece que esse articulado superveniente não foi admitido e que o respetivo despacho de não admissão se mostra transitado em julgado, o que terá como efeito a preclusão da possibilidade de discutir nestes autos a questão da sobreordenha – cfr. art. 620º do Cód. de Proc. Civil.   

No entanto, apesar do trânsito em julgado deste despacho, a ré/recorrente, no seu recurso, continua a pugnar pela consideração da factualidade referente a esta questão, com apoio no art. 5º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.

Sustenta que esta factualidade resulta da instrução probatória e, por isso, entende que os autos deverão ser novamente remetidos à 1ª Instância para julgamento sobre a questão da sobreordenha.

Vejamos então.

2. Na sentença recorrida, sob a epígrafe “Factos cognoscíveis pelo tribunal”, o Mmº Juiz “a quo” enfrentou esta questão escrevendo o seguinte:

“Segue-se um problema de delimitação do objecto do julgamento de facto, suscitado nos autos.

A pretensão da autora funda-se nomeadamente nas anomalias de funcionamento de um centro de ordenha e sua relação causal com danos físicos em bovinos submetidos a tal equipamento.

Na sua contestação, concretamente nos arts. 14.º a 19.º, 23.º a 25.º, e 33.º da contestação, a ré alega que a concreta anomalia de funcionamento do equipamento era facilmente verificável por qualquer operador, através de um mostrador analógico que o integrava, e que a sua não detecção e actuação preventiva adequadas a evitar danos nos bovinos decorreu de falta de diligência de trabalhadores da autora, configurando assim a excepção de culpa do lesado.

Logo nos primeiros depoimentos prestados em audiência começou a ser abordada a prática de sobreordenha pela autora como causal das lesões nos bovinos. Os trabalhadores por conta da autora teriam por hábito desligar o temporizador da ordenha acionando o modo manual, que permitia aumentar o tempo de ordenha de cada bovino. Seria esta a causa das lesões invocadas pela autora, ou pelo menos uma causa concorrente. Também estes factos configurariam a excepção de culpa do lesado.

O tribunal teve ocasião de advertir ao longo da instância, e mais assertivamente na sessão de 27/01/2023 de que esta factualidade não ter sido alegada pela ré e por isso extravasar o objecto da instrução.

Em sequência, a ré apresentou articulado superveniente alegando estes factos, que foi rejeitado por despacho de 17/02/2023.

Em sede de alegações finais, o ilustre mandatário da ré argumentou doutamente no sentido da consideração de tais factos, por serem factos complementares aos alegados na contestação, ao configurarem a excepção de culpa do lesado.

Cumpre apreciar esta argumentação.

Nos termos do art. 5.º, n.º 1, do CPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. Já o n.º 2, alínea b), do mesmo artigo, acrescenta que além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.

A norma distingue assim factos essenciais de factos complementares ou concretizadores, conceitos jurídico-processuais com alguma densidade, cuja distinção nem sempre é nítida, sobretudo em causas de pedir complexas.

Os factos essenciais são os que individualizam uma causa de pedir, e permitem a aplicação de institutos como a ineptidão da petição inicial, caso julgado ou litispendência.

São aqueles factos que integram as hipóteses legais plausíveis para sustentar a pretensão ou a ela obstar, e identificam-se assim com os factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos dos direitos litigados, recorrendo à enunciação do art. 342.º, n.ºs 1 e 2, do CC.

Embora sejam factos jurídicos, tendentes por isso a uma determinada subsunção jurídica, são factos. “A causa de pedir não é, por isso, um quid jurídico abstrato, não é o próprio direito subjetivo em crise (v.g., o direito de propriedade), nem é um mero facto sem nenhuma ligação normativa (v.g., o autor ter corrido na praia), nem ambos, ou seja, o facto jurídico abstrato ou a relação jurídica tal como configurada por lei (v.g., o negócio jurídico de compra e venda, enquanto tal).” (José António Capacete, in O Princípio Dispositivo e a Aquisição dos Factos no Processo Civil, integrante de Balanço do Novo Processo Civil, ebook CEJ, Março de 2017, p. 77). A esta síntese feliz acrescentaremos, em especificação da questão concreta, que o facto que fundamenta a excepção peremptória de culpa do lesado não é simplesmente a culpa do lesado, mas os actos ou omissões concretas que a configuram.

Os factos complementares são necessários à procedência de uma acção, mas constituem uma ampliação do núcleo de factualidade essencial. “Os factos complementares serão aqueles que, na economia de uma fattispecie normativa complexa, desempenham claramente uma função secundária ou acessória relativamente ao núcleo essencial da causa de pedir ou da defesa, podendo, por exemplo, tratar-se de factos circunstanciais negativos, suscetíveis de originar dúvida fundada sobre se ainda se trata de um elemento circunstancial constitutivo de uma causa de pedir complexa ou, pelo contrário, de um facto impeditivo a alegar pela contraparte (…), ou de factos que, na normalidade das situações da vida e segundo as regras da experiência, já fluem de outros, estando, por isso, de algum modo implícitos na alegação dos primeiros (…)” (Lopes do Rego, in O Princípio Dispositivo, pp. 786-787).

Os factos concretizadores são os que traduzem alegações de factos essenciais de cariz mais conclusivo, desde que tenham conteúdo fáctico, ou que clarificam alegações mais imprecisas ou dubitativas (neste sentido Abrantes Geraldes in Temas da Reforma de Processo Civil, I vol., 2.ª edição, p. 65).

Assim, não basta aos réus aludir na contestação a culpa do lesado, para poderem mais tarde introduzir à discussão quaisquer actos ou omissões subsumíveis à hipótese legal do art. 570.º, do CC, sob fundamento de serem complementares ou concretizadores da alegação inicial. O complemento ou concretização devem filiar-se nos factos iniciais alegados e não na hipótese legal para que tende a sua subsunção.

Aqui chegados, não podemos considerar que a sobreordenha de bovinos enquanto causa de lesões invocadas pelos autores seja um complemento ou concretização da falta de atenção do operador do equipamento aos dados de um mostrador analógico. Trata-se de fundar a culpa do lesado em factualidade substancialmente distinta.

Concluímos assim pela não consideração e portanto não sujeição a qualquer juízo de prova nestes autos dos factos alegados pela ré no articulado superveniente rejeitado por despacho de 17/02/2023.”   

Esta argumentação merece a nossa inteira concordância.

Com efeito, embora as rés na sua contestação tenham referenciado uma eventual situação integrativa de culpa do lesado, ao alegarem que o equipamento analógico estava a funcionar com normalidade e que se avaria não foi verificada mais cedo tal é de atribuir a culpa apenas imputável à autora que não teve o cuidado de verificar esse equipamento, certo é que vir agora sustentar que a culpa do lesado reside na sobreordenha dos bovinos, alegando factos em consonância, não se recorta como complemento ou concretização do que foi articulado em sede de contestação.

Trata-se de fundar a culpa do lesado em factualidade totalmente diversa da que fora alegada na contestação.

Como tal, não podendo ser considerada nestes autos a factualidade relativa à sobreordenha dos bovinos, improcede, nesta parte, o recurso interposto pela ré “B...”.


*

IV. A verificação dos pressupostos da responsabilidade da ré “B...” e consequente obrigação de indemnizar

1. A ré “B...” sustenta também nas suas alegações, ocorrendo prévia alteração da matéria de facto provada e não provada na sequência da impugnação que efetuou, que não se encontram preenchidos os pressupostos integrativos da sua responsabilidade e da subsequente obrigação de indemnizar, faltando, designadamente, o necessário nexo causal entre o facto ilícito e os danos.

Sucede que a sua impugnação fáctica, pese embora algumas alterações de pormenor, não teve sucesso, o que significa que também a sua impugnação da decisão jurídica do pleito não poderá ter êxito.

2. Mostra-se assim correta a argumentação jurídica produzida na sentença recorrida pelo Mmº Juiz “a quo” que se passa aqui a transcrever:

“ (…)

Qualificaremos assim o contrato como compra e venda.

Considerando que o centro de ordenha fornecido integra o objecto mediato do negócio, teremos que passar a perspectivar a falta de qualidade ao registar anomalias no sistema digital de controlo de vácuo, ao ponto de causar lesões nos animais durante a ordenha, a partir das regras especiais aplicáveis à compra e venda, nos arts. 913.º, e ss., do CC.

Dispõe o art. 913.º, n.º 1, do CC, que se a coisa vendida sofrer de um vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo o que não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.

O n.º 2 deste artigo estabelece um critério interpretativo direccionado à interpretação destas categorias de vícios, estabelecendo que, quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.

No caso concreto o centro de ordenha em questão sofre de um vício que o impede a realização do seu fim que é ordenhar bovinos sem lhes causar lesões.

Mas nem só a constatação do defeito na coisa vendida é pressuposto do direito objecto desta acção. É necessário que o comprador denuncie o defeito, nos termos do art. 916.º, n.º 1, do CC, ou seja, que emita uma declaração de vontade receptícia, destinada a possibilitar ao vendedor uma verificação e actuação pronta sobre o defeito.

No caso dos autos a denúncia assim caracterizada está expressa na alínea h) dos factos provados.

Reunidos este[s] pressuposto[s] teria a autora direito à reparação da coisa, nos termos do art. 914.º, do CC, mas esse direito não está em discussão nestes autos, posto que a ré cumpriu já a obrigação correspondente.

A pretensão da autora dirige-se ao ressarcimento dos demais danos sofridos em consequência do defeito surgido no centro de ordenha.

Esta prestação integra uma indemnização fundada em responsabilidade contratual pelo dano contratual positivo.

Não obstante as regras especiais aplicáveis à venda de coisa defeituosa previstas nos arts. 913.º a 922.º, do CC, que atribuem ao comprador os direitos à anulação do contrato, à redução do preço, a reparação da coisa e à sua substituição, é pacífico na doutrina e jurisprudência que estas regras não afastam o direito à indemnização fundada em responsabilidade contratual por cumprimento defeituoso nos termos gerais, condicionando apenas tal direito aos pressupostos específicos de denúncia fixados nesta regulamentação especial.

Neste sentido pronunciam-se nomeadamente Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pp. 146 e 394, e João Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas (Conformidade e Segurança), 4.ª edição, p. 73.

Na jurisprudência referimos alguns acórdãos a respeito proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, que são os de 6/11/2007, proc. n.º 07A3440, de 10/01/2008, proc. n.º 07B4332, de 27/11/2008, proc. n.º 08B3603, e de 7/05/2009, proc. n.º 09B0057, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

Configura-se assim um cumprimento defeituoso da prestação, que se presume culposo, nos termos do art. 799.º, n.º 1, do CC, presunção essa que não resultou ilidida, nomeadamente por falta de prova dos factos que integravam a excepção de culpa do lesado.

As lesões nos tetos das vacas, com evolução para a necessidade de abate, são efeitos abstractamente adequados do defeito da máquina de ordenha, nos termos do art. 563.º, do CC.”

Não sendo introduzidas na matéria de facto provada as alterações de fundo pretendidas pela ré “B...” terá que se concluir, em sintonia com a sentença recorrida, pelo preenchimento, por esta, de todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual e da correspetiva obrigação de indemnizar.

O recurso da ré “B...” improcede assim “in totum”.


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V. A indemnização por lucros cessantes

1. Estatui o art. 566º, nº 2 do Cód. Civil que «sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.»

O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – cfr. art. 564º, nº 1 Cód. Civil.

Estabelece-se aqui que a indemnização compreende os danos emergentes e os lucros cessantes. Os primeiros correspondem aos prejuízos sofridos, ou seja, à diminuição do património do lesado; os segundos, por seu turno, correspondem aos ganhos que se frustraram, aos prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 579.

O lucro cessante, como compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou probabilidade. São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o ato lesivo – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 580.

2. Na sentença recorrida consideraram-se como danos emergentes o custo com o tratamento dos bovinos e a perda do valor patrimonial inerente aos que foram abatidos.

Assim, a indemnização foi fixada no valor de mercado das seis novilhas, que, face ao resultante da alínea m) dos factos provados, se cifrou em 9.600,00€, a que acrescem os custos com os tratamentos médicos dispensados, cujo valor não foi possível apurar [alínea p)], tendo sido a sua liquidação remetida para decisão ulterior, nos termos do art. 609º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.

Já quanto aos lucros cessantes que a autora peticiona, decorrentes da privação dos seis bovinos e que calcula na totalidade do produto da venda de leite que os bovinos produziriam no seu tempo de vida útil, a posição da sentença recorrida foi diversa, tendo-os desatendido com a seguinte argumentação:

“Estamos a falar de uma exploração agrícola que contava, segundo o seu legal representante, com 500 cabeças de gado, e que perdeu 6. Para enquadrarmos como lucro cessante a totalidade do leite produzido por estas seis novilhas durante a sua vida produtiva, teríamos de projectar na situação patrimonial consequente à lesão que a autora não substitui estas novilhas por outras, nomeadamente por falta de meios financeiros para tanto. Isto não é concebível numa exploração com quinhentas cabeças, em que todos os meses há novilhas abatidas e todos os meses há novas novilhas adquiridas. Assim, a situação patrimonial hipotética consequente ao abate destas novilhas resume-se, na perspectiva do tribunal, ao capital que foi necessário para as substituir após o abate, e portanto ao seu valor de mercado, que é precisamente o capital de que necessita a exploração para produzir o mesmo lucro que projecta como cessante.

De qualquer forma, ainda que se concebesse que, sendo a ré condenada a pagar o valor de mercado das novilhas, ainda teria de pagar todos os lucros que estas proporcionassem na sua vida útil, estes lucros não poderiam corresponder ao valor de mercado de todo o leite que fosse expectável ser produzido, pois haveria que abater a alimentação das novilhas, os outros custos com a sua manutenção, nomeadamente de acompanhamento médico, e ainda os respeitantes ao trabalho inerente aos cuidados aos animais em ordem à sua produtividade.”

3. Ora, a autora insurgiu-se contra este segmento da sentença recorrida, entendendo que a indemnização correspondente ao preço de mercado das novilhas não abarca os prejuízos decorrentes da frustração da sua rentabilização através da produção de leite.

Essa perda de rendimentos, na sua ótica, constitui lucro cessante e, como tal, deveria ter sido considerada em termos indemnizatórios.

Entendemos que lhe assiste razão.

Em concordância com a linha argumentativa da autora/recorrente, cremos, salvo melhor entendimento, que a perda de rendimentos, adveniente da falta de produção e subsequente venda do leite proveniente das seis novilhas precocemente abatidas em consequência de lesões decorrentes da situação de vácuo excessivo no equipamento da ordenha, constitui lucro cessante.    

É que se não fossem as lesões sofridas pelas novilhas, em consequência do vácuo excessivo, que determinaram o seu abate precoce, era expectável que estas permanecessem na exploração agro-pecuária da autora mais algum tempo e que durante essa permanência, enquanto animais de produção de leite, o produzissem e que, por essa produção, a autora auferisse um ganho que se frustrou.  

Nesta linha, importa referir que as novilhas eram primíparas[8], o que significa que tinham tido o seu primeiro parto, e que estas na exploração da autora, enquanto ali viviam, tinham pelo menos três gestações – cfr. als. g) e t), aditada -, donde flui que iriam ter, pelo menos, mais duas gestações.

A que acresce ainda que cada novilha pode produzir em média 35 litros de leite por dia nas fases de produção, que se situa nos 90 dias subsequentes a cada parto e que nos anos de 2016 e 2017 a média do preço do leite por litro pago à autora foi de €0,3023 – cfr. als. n) e o).

Consideramos, assim, ao invés da sentença recorrida, que este dano não se pode ter como ressarcido através da disponibilização do capital que foi necessário para as substituir após o abate, ou seja, através do seu valor de mercado.

Na realidade, estamos perante dois danos autónomos e indemnizáveis separadamente. Por um lado, a perda dos animais decorrente do seu abate trata-se de um dano emergente; por outro, a perda do rendimento que adviria da produção e venda de leite, se não tivesse ocorrido o seu refugo, trata-se de um lucro cessante.

Porém, no que toca à determinação do “quantum” indemnizatório pelo lucro cessante, embora se conheça o número de gestações na exploração da autora, a quantidade de leite produzido em média por cada novilha e o valor pago por cada litro de leite, já se desconhece o valor das despesas a ter com a manutenção dos animais, nomeadamente quanto à sua alimentação, ao acompanhamento médico e ao trabalho inerente aos cuidados a prestar aos animais em ordem à sua produtividade, as quais sempre terão que ser abatidas à receita proveniente da produção e venda de leite.   

Assim, como não foi feita prova relativamente ao valor destas despesas, essencial para determinar o montante da indemnização, haverá que relegar a sua fixação para posterior incidente de liquidação, nos termos do art. 609º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.

Por conseguinte, o recurso interposto pela autora obterá procedência.


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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):

………………..

………………..

………………..


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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré “B..., Lda.” e procedente o recurso de apelação interposto pela autora “A..., Lda.” e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, condenando-se a ré “B...”, nos termos do art. 609º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil, a pagar à autora a quantia a liquidar em incidente de liquidação:

a) Correspondente ao custo dos tratamentos das seis novilhas abatidas com antibióticos e anti-inflamatórios, a que aludem as alíneas k), l) e p) dos factos provados;

b) Correspondente ao produto da venda de leite que as novilhas abatidas produziriam no seu tempo de vida útil na exploração da autora, deduzidas das despesas a ter com a sua manutenção, nomeadamente quanto à sua alimentação, ao acompanhamento médico e ao trabalho inerente aos cuidados a prestar-lhes em ordem à sua produtividade, no que se terão em conta as alíneas g), n), o) e t) dos factos provados.     

Custas pelo seu decaimento a cargo da ré/recorrente “B...”.


Porto, 9.4.2024
Eduardo Rodrigues Pires
João Proença
Anabela Dias da Silva

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[1] A numeração dos factos não provados foi introduzida pelo relator.
[2] Neste preceito prevê-se a apelação autónoma relativamente aos despachos de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova. 
[3] Cfr. ABRANTES GERALDES, “Recursos em Processo Civil”, 7ª ed., págs. 251/252.
[4] É o seguinte o texto destes dois artigos: “33.º A esperança de vida útil dos bovinos de leite no modelo de produção intensiva adotado pela autora e demais produtores de leite da região é de 2 anos e seis meses. 34.º Se não fosse o abate precoce dos mencionados animais, cada uma daquelas vacas ainda pariria, em média, mais 1 ou 2 vezes, produzindo uma média de mais 15.000 litros de leite.”
[5] É o seguinte o texto deste artigo: “24º Nesses seis casos em que a amputação não foi suficiente, as novilhas tiveram de ser precocemente abatidas, concretamente:
a) A novilha identificada pelo código PT...037, nascida a 20/12/2013, adquirida pela autora em 21/10/2015, com parto a 12/12/2015, e com saída para abate em 07/04/2016, após ter sido tratada com antibióticos e anti-inflamatórios e lhe ter sido amputado um teto, na sequência dos problemas mamários decorrentes do vácuo excessivo de ordenha;
b) A novilha identificada pelo código PT...283, nascida a 07/12/2013, adquirida pela autora em 21/10/2015, com parto a 17/11/2015, e com saída para abate em 28/12/2015, após ter sido tratada com antibióticos e anti-inflamatórios e lhe terem sido amputados todos os tetos, na sequência dos problemas mamários decorrentes do vácuo excessivo de ordenha;
c) A novilha identificada pelo código PT...011, nascida a 14/01/2013, adquirida pela autora em 21/10/2015, com parto a 06/12/2015, e com saída para abate em 09/02/2016, após ter sido tratada com antibióticos e anti-inflamatórios e lhe terem sido amputados vários tetos, na sequência dos problemas mamários decorrentes do vácuo excessivo de ordenha;
d) A novilha identificada pelo código PT...844, nascida a 01/01/2014, adquirida pela autora em 21/10/2015, com parto a 25/11/2015, e com saída para abate em 29/12/2015, após ter sido tratada com antibióticos e anti-inflamatórios na sequência dos problemas mamários decorrentes do vácuo excessivo de ordenha;
e) A novilha identificada pelo código PT...679, nascida a 19/06/2013, adquirida pela autora em 21/10/2015, com parto a 17/12/2015, e com saída para abate em 21/01/2016, após ter sido tratada com antibióticos e anti-inflamatórios na sequência dos problemas mamários decorrentes do vácuo excessivo de ordenha;
f) A novilha identificada pelo código PT...471, nascida a 29/07/2013, adquirida pela autora em 21/10/2015, com parto a 21/12/2015, e com saída para abate em 21/01/2016, após ter sido tratada com antibióticos e anti-inflamatórios na sequência dos problemas mamários decorrentes do vácuo excessivo de ordenha; Cfr. documentos que se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido. Docs. 9 a 13”
[6] Este relatório também consta como junto sob documento nº 15 da petição inicial. 
[7] Estes tratam-se de faturas emitidas pela “G...”.
[8] Diz-se primípara a fêmea que pariu ou vai parir pela primeira vez – cfr. Dicionário Priberam online.