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JUNÇÃO DE DOCUMENTO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário
(elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil, doravante apenas CPC)
I – Da articulação lógica entre os artigos 651º, nº 1 e 425º do Código de Processo Civil resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: a) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; b) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional; II - Quanto à segunda hipótese, a da necessidade da consideração do documento em face do julgamento proferido em primeira instância, a mesma pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum; III – Em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o artigo 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC, impõe ao Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas; IV. A interpretação dos negócios jurídicos e das declarações negociais que o enformam rege-se pelo disposto nos artigos 236º a 238º do Código Civil, os quais consagram, de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário. V. A redação do artigo 236º, do Código Civil, leva-nos a concluir que na interpretação dos contratos prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante, sempre que esta for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. VI. O último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados:
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I. Relatório:
TS, S.L., com sede em (…), veio intentar a presente ação declarativa de processo comum contra (…) Clube de Portugal – Futebol SAD, com sede no Estádio (…), pedindo a condenação da Ré:
a) a pagar à Autora o valor de 478.900,97€, a título de remuneração pelos serviços por si prestados conjuntamente com a “VS” no âmbito do contrato celebrado com a Ré e tendo em conta o exercício pelo W(…) da opção de adquirir de forma permanente o direito de inscrever o jogador profissional de futebol M(…);
b) a pagar à Autora juros de mora à taxa legal relativamente a todos os valores reclamados na ação e que lhe são devidos desde o prazo de vencimento constante da cláusula 2.2 e 2.3 do contrato e que contabilizam no momento da presente ação o montante de 27.094,00€;
c) A pagar à Autora a título de indemnização por danos patrimoniais pelo não pagamento dos valores referidos na cláusula 2.2 e 2.3 e que no momento da propositura da acção totalizam o montante de €15.000,00.
A Autora alega, para tal e em síntese, que:
- No dia 8 de agosto de 2019 foi celebrado um contrato entre a Autora, a Ré e a sociedade “VS”;
- Nos termos do acordado, a Autora e a “VS” providenciaram os seus serviços com vista a assessorar a Ré na negociação e conclusão do contrato de cedência temporária do direito de inscrever o jogador profissional de futebol M(…) para o clube inglês “W”, de modo a que este clube ficasse vinculado à opção de adquirir de forma permanente o direito de inscrever o referido jogador;
- Nos termos do acordado, era assumido pela Ré que a contribuição na prestação de serviços da Autora seria sempre de 50% ou metade;
- A Autora cumpriu todas as obrigações a que estava adstrita por força do contrato para com a Ré e a Ré cumpriu parcialmente o referido contrato ao ter liquidado a quantia de 27.5000,00€;
- No entanto e apesar do “W” ter exercido a opção de compra para adquirir o direito de inscrever definitivamente o jogador em junho de 2020, a Ré não procedeu ao pagamento da quantia de 478.900,97€;
- Para além disso, em consequência do não cumprimento do acordado, a Autora viu-se obrigada a procurar assessoria fiscal e jurídica para poder fazer valer os seus direitos, bem como suportou os custos devindos da emissão dos documentos necessários nos termos do contrato, o que originou para a Autora um custo de 15.000,00€.
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Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido, alegando, designadamente, que:
- Como contrapartida pelos serviços prestados ela Autora e pela “VS”, as partes convencionaram uma remuneração certa e uma remuneração incerta, esta condicionada à verificação de determinada circunstância;
- A circunstância de que as partes fazem depender a exigibilidade do pagamento da remuneração incerta é a do clube inglês decidir, por sua vontade, exercer a opção de adquirir o direito de inscrever definitivamente o jogador por intermédio de uma notificação até ao dia 31 de Maio de 2020;
- No entanto, se por um lado o clube inglês “W” exerceu a opção de compra sobre o jogador em junho de 2020, ou seja, para lá da data limite de 31 de maio, por outro, a transferência definitiva do jogador ocorreu porque se verificaram as condições automáticas para esse efeito previstas no contrato celebrado entre a aqui Ré e o clube inglês “W”, no mesmo dia em que foi celebrado o contrato com a Autora.
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Notificada apara o efeito, a Autora pronunciou-se sobre as exceções invocadas pela Ré na sua contestação.
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Dispensou-se a realização da audiência prévia e foi proferido despacho no qual foram saneados os autos e em que foi delimitado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
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Realizou-se o julgamento com observância do formalismo legal.
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Foi proferida sentença, na qual se decidiu:
“V - Decisão Tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, julga-se a acção improcedente e, em consequência absolve-se a Ré (…) CLUBE DE PORTUGAL – FUTEBOL SAD dos pedidos formulados pela Autora TS, S.L.. * Custas pela Autora, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil.”
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Inconformada com esta decisão, a Autora dela interpôs recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que reconhecendo o crédito da Autora julgue a ação procedente e condene a Ré no seu pagamento.
Formulou, a terminar as suas alegações, as seguintes conclusões que se transcrevem:
“A) De harmonia com o disposto no art.º 640º., nº. 1 do Cód. Proc. Civil deve ser considerado facto provado, aditando-se à matéria de facto provada, um facto novo – o nº. 15 - facto esse que já consta da alínea e) dos factos considerados não provados, devendo o novo facto provado ter a seguinte redacção: “O jogador só completou a série de 30 jogos em que foi utilizado em mais de 45 minutos no dia 20 de Junho de 2020, em virtude do campeonato ter sido interrompido por força do confinamento da primeira vaga da pandemia covid-19.” B) Para ser proferida esta decisão invocam-se os depoimentos na parte transcrita das testemunhas F(…), cujo depoimento se encontra gravado de 00.00:00 a 00:21:55 do sistema de gravação utilizado no Tribunal e J(…), cujo depoimento se encontra gravado de 00:00.00 a 00:19:09 do sistema de gravação utilizado no Tribunal, que comprovam o referido facto. C) Para além de que se pode considerar como facto notório por se tratar de facto público e mundial que os campeonatos das diversas ligas europeias, durante a época desportiva, quer por deliberação nacional, quer internacional, sendo cero que, mais especificamente a Circular da FIFA n.º 1714, de 7 de Abril de 2020, que além de publicar o documento sobre questões regulamentares do Futebol devido à COVID -19, determinou a necessidade da extensão da época desportiva 2019/20, conforme se prova pelo documento que ora se junta. D) Como se deixou referido anteriormente, da forma como estava estruturado o contrato de intermediação estabelecido entre a A., a R. e a “VS” as obrigações temporalmente ocorreriam da seguinte forma: a) A época 19/20 atingia o final da sua parte de competição em 31 de Maio; b) Verificava-se se alguma das cláusulas de aquisição automática, se teriam, ou não verificado e assim, a comunicação já não faria sentido nos termos da cláusula 8.2 do referido contrato de empréstimo; E) Em 31/5, só após verificar o resultado das cláusulas de aquisição automática previstas, é que, em caso de necessidade ou entender ajustado, seria efectuada a referida comunicação. F) Para a interpretação correcta do contrato, deverão ser tidas em conta todas aquelas cláusulas e declarações que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz teria efectivamente considerado, sendo certo que, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações. G) Relevante é a qualificação que o intérprete venha a fazer, determinando o sentido com que deve valer a declaração formalizada, por aplicação das normas que estabelecem as regras de interpretação e integração das declarações negociais, consubstanciadas nos art.ºs 236º a 239º C. Civil, sem vinculação às denominações que os intervenientes no acto documentado tenham adoptado. H) Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 14/06.7TBCMG.G1.S1, “ a lei não se basta com o sentido realmente compreendido pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário)”. I) Esta vontade do “Contrato de Empréstimo de Jogador de Futebol Profissional” celebrado entre a R., o W(…) e o jogador tem manifestações em condutas posteriores por parte da R., quer comunicando à CMVM (em Outubro de 2020 quando o contrato já tinha caducado em Agosto), quer no Relatório e Contas - onde consta como dívida (claramente que não é potencial, como refere o Director Financeiro no seu depoimento, pois de outro modo, não tinha constado como definitiva em dois documentos oficiais). J) Estas declarações feitas, nos termos do art.º 458.º do Código Civil, mais não são do que um reconhecimento de dívida. K) o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2014, cujo Relator foi o Sr. Conselheiro Martins Sousa e que foi proferido no Processo n.º 396/2000.L1.S1 e disponível em https://blook.pt/caselaw/PT/STJ/207127/, decidiu que “o contrato de prestação de serviços desempenhado pelo empresário desportivo no agenciamento de um contrato de trabalho desportivo, seja para praticantes, seja para treinadores, constitui um contrato de prestação de serviços atípico, aplicando-se-lhe o regime do mandato, pelo que se o empresário desportivo (autor) diligenciou pelos contactos necessários à celebração do ulterior contrato de trabalho desportivo do treinador (réu), seguindo as ordens e instruções deste, tendo prestado e concluído com sucesso tais serviços, e não se tendo provado, por outro lado, que o réu os tenha pago, é ostensivo que este tinha de ser condenado no pedido”. L) Acresce que “…a lei consente que, através de acto unilateral, se efectue a promessa de uma prestação ou o reconhecimento de uma dívida, sem que o devedor indique o fim jurídico que o leva a obrigar-se, presumindo-se a existência e a validade da relação fundamental” (in ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 11ª Edição, Revista e Actualizada, Almedina, páginas 467). M) “A declaração constante de um documento escrito na qual uma pessoa se confessa devedor perante outro em razão de uma determinada causa constitui uma confissão extrajudicial escrita em documento particular e o documento particular cuja autoria esteja reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento; também os factos compreendidos na declaração se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante”, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 411/21.8T8OVR.P1 e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp. N) Nos termos do artigo 358.º do Código Civil a confissão extrajudicial, em documento particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a este documento e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena, sendo certo que, no caso presente a ré não impugnou o teor da declaração que fez no documento e também, como vimos, não arguiu a respectiva falsidade. Logo está provado com força de prova plena que a declaração redigida no documento foi feita e é verdadeira, acrescendo, que nos termos do n.º 2 da norma citada, também os factos compreendidos na declaração se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante. O) O reconhecimento de dívida e promessa de pagamento, a que se refere o art.º 458º o C. Civil, configura um título em que alguém, unilateralmente, se confessa devedor de uma prestação, sem indicação da respectiva causa, isto é, do negócio que está na origem do crédito, ou ainda, da obrigação anteriormente constituída e quando assim é, como determina o mencionado artigo 458º, se o declarante não indica a respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário, ou seja, o Tribunal tem de admitir a existência de causa da obrigação até que o devedor a ilida. P) Verifica-se assim que a sentença recorrida não fez uma correcta interpretação dos factos provados, nomeadamente das cláusulas contratuais, começando desde logo, por esquecer as regras de interpretação dos contratos, constantes dos artigos 236º. E 237º., ambos do Cód. Civil, onde se consagra como sentido prevalecente o sentido da declaração que lhe atribui o declaratário normal. Q) No caso dos autos, a autora agiu como mandatário da Ré procurando um clube para transferir o jogador M(…), transferência essa que se pretendia definitiva, mas apenas foi conseguida de forma temporária, mas com obrigação de compra, verificados certos condicionalismos, sendo que nesse contrato se estabelecia em primeiro lugar que o W(…) para adquirir o jogador definitivamente teria de o comunicar até 31 de Maio de 2020, mas as partes – incluindo a ré e a autora … - acordaram na possibilidade de aquisição automática se ocorresse alguma das circunstâncias previstas na cláusula 8.2. R) É o que resulta da expressão que prevê a “dispensa de notificação por escrito por parte do W(…)”, caso ocorresse algumas dessas situações, pelo que a notificação só seria necessária se não ocorresse nenhuma dessas situações de aquisição automática, daí resultando que os pagamentos à autora seriam logo devidos, por força do contrato de mandato, mesmo sem notificação por parte do W(…). S) Quanto à questão da data limite – 31 de Maio de 2020 -, a sentença recorrida fez por esquecer que nesse ano houve uma pandemia e que as competições estiveram paradas durante cerca de 2 meses, pelo que a data limite foi alterada pra o fim da época e a ré aceita esta interpretação, pois considerou vencido o contrato quando o jogador a transferir e referido atingiu o limite de jogos e o W(…) conseguiu a subida de divisão, apesar de tal ter ocorrido já em Junho de 2020, tendo a ré considerado que o contrato ainda estava válido e facturou o valor previamente acordado em Agosto de 2019, pelo valor inicialmente acordado. T) Por fim, a sentença apesar de reconhecer a existência da presunção legal contida no art.º 458º. do Cod. Civil, procurou de toda a maneira desvalorizá-la, com a alegação de que se tratava de um declaração abstracta, mas não está referido nos autos que a ré tenha tido qualquer outro negócio com a autora e na declaração/comunicado à CMVM (factos provados 7 e 8) está expressa referido que a comissão é devida à autora pela saída do atleta M(…), sendo que a referência constante das contas da R., porque serem de valores coincidentes se referem a esta transferência. U) Deste modo, mesmo que não se determinasse qual a causa efectiva dessa dívida, sabe-se que provem daquele negócio e que é legalmente presumida a sua existência, pelo que está a autora dispensada da prova de mais razões para a sua existência e vencimento, pois se invertia o ónus da prova. V) Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr. Art.ºs 425º, do C.P.C.), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra- alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das circunstâncias nela indicados, sendo uma delas a de a sua junção se tornar necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância, como inculca o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº 1, do C. P. Civil. X) É o que acontece nos presentes autos, pois a sentença ora recorrida deu como não provado um facto, apesar da sua notoriedade, pelo que a parte se vê obrigado a comprová-lo documentalmente com base em documento oriundo da entidade que supervisiona o futebol a nível mundial, pelo que deve ser admitida a junção do documento anexo com as presentes alegações. Y) Atento o valor da causa e a tramitação concreta dos presentes autos, encontram-se verificados os pressupostos legais de que depende a dispensa do pagamento do remanescente da taxa, o que se requer nos termos permitidos pelo art.º 6.º n.º 7 do RCP., pois a fixação da taxa de justiça tem de ser adequada à atividade judicial efetivamente desenvolvida e corresponder à justa medida entre a exigência de pagamento da taxa de justiça e o serviço de administração da justiça, como contrapartida pela prestação dos serviços de administração da justiça não pode restringir de modo intolerável o direito de acesso aos tribunais. Z) Por isso, requer-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pelos motivos ora expostos e caso tal pretensão não seja atendida, requer-se a redução do remanescente da taxa de justiça para o mínimo legal possível. AA) Mostram-se violados pela sentença recorrida, entre outros, os comandos dos artigos 236º. e 237º., 358º. e 458º., todos do Código Civil, pelo que deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra decisão que reconhecendo o crédito da autora, julgue a acção procedente e condene a ré no seu pagamento, como é de lei e de JUSTIÇA!.”
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Com as suas alegações a Autora juntou um documento que identifica como “Calendário época 19-20”.
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A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação.
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Por despacho proferido em 01.07.2023 foi o recurso admitido.
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Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do CPC –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
A) Questão Prévia:
- Se é admissível a junção pela Apelante, com as respetivas alegações de recurso, do documento que denomina de “Calendário época 19-20”;
B) Mérito do Recurso:
- Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto quanto ao facto considerado como não provado sob a alínea e), no sentido de este passar a integrar o elenco de factos provados;
- Se o denominado “Contrato” celebrado entre a Autora e a “VS” e a Ré deve ser interpretado no sentido de ser desnecessária a notificação a que se alude no n.º 2 da sua Cláusula 2 - para efeitos do pagamento do valor aí previsto à Autora -, no caso de se verificar o preenchimento de uma das duas condições de aquisição automática dos direitos federativos do jogador M(…) previstas nas cláusulas 8.2., 8.2.1. e 8.2.2. do “Contrato de Empréstimo de Jogador de Futebol Profissional” celebrado entre a Ré, o “W” e o jogador M(…);
- Se, valendo essa interpretação, a sentença recorrida, no que aos pedidos formulados pela Autora nas alíneas a) e b), deve ser revogada e substituída por uma outra que os julgue procedentes;
- Se deve ser dispensado ou reduzido o pagamento do remanescente da taxa justiça, nos termos do art.º 6º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
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A) Questão Prévia:
- Se é admissível a junção pela Apelante, com as respetivas alegações de recurso, do documento que denomina de “Calendário época 19-20”.
Com a junção desse documento, e se bem entendemos, a Apelante pretende demonstrar a extensão da época desportiva de 2019/2020.
Para fundamentar a necessidade da junção desse documento, a Apelante referiu que a mesma apenas se tornou necessária em virtude do julgamento efetuado em primeira instância, dado que na sentença recorrida foi dado como não provado um facto apesar da sua notoriedade.
Sobre a admissibilidade da junção de documentos na fase de recurso estabelece o artigo 651º, n.º 1, do CPC que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.”
Por seu lado, o citado artigo 425º do CPC determina que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2019, disponível em www.dgsi.pt, “Da leitura articulada destas normas decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1ª instância”.
Relativamente à primeira hipótese, há que distinguir entre os casos de superveniência objetiva e de superveniência subjetiva: aqueles devem-se à produção do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. Constituem exemplos de superveniência subjetiva o caso em que o documento se encontra em poder da parte ou de terceiro que, apesar de notificado nos termos do artigo 429º ou 432º do CPC, só posteriormente o disponibiliza, o caso em que a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente é emitida, e o caso de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento.
Em qualquer caso cabe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência, objetiva ou subjetiva.
Quanto à segunda hipótese, a da necessidade da consideração do documento em face do julgamento proferido em primeira instância, a mesma pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere António Santos Abrantes Geraldes, “(podem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”.
Na situação dos autos a Recorrente apela à segunda dessas duas hipóteses, pois para justificar a junção do documento em sede de alegações refere que a sentença recorrida deu como não provado um facto apesar da sua notoriedade, obrigando-a a comprová-lo documentalmente.
Ora, temos por seguro que a Apelante não interpretou devidamente o teor da alínea e) do elenco de factos não provados. A sentença recorrida não considerou como não provada a interrupção do campeonato por força do confinamento da primeira vaga da pandemia provocada pela Covid-19. O que a sentença recorrida considerou como não provado é que tenha sido em virtude dessa interrupção que o jogador só completou a série de 30 jogos em que foi utilizado em mais de 45 minutos no dia 20 de junho de 2020.
Acresce que, em bom rigor, o documento que o Recorrente pretende juntar constitui um mero calendário dos jogos do “W” para a época de 2019/2020, do qual constam jogos agendados para data posterior a 31.05.2020 - o que já resultava da alegação contida na contestação (veja-se o artigo 34 desse articulado e o doc. 5 junto com o mesmo) -, e não a decisão, em si mesma, de extensão da época desportiva de 2019/2020 até uma concreta data.
Nesse enquadramento, não se vislumbra em que medida o resultado do julgamento proferido na primeira instância justifica a junção desse documento, motivo pelo qual não se admite a mesma, não se considerando o seu teor.
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III. Fundamentação de Facto:
Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:
“1 – No dia 8 de Agosto de 2019, a Autora TS, S.L., a Ré (…) CLUBE DE PORTUGAL – FUTEBOL SAD e VS subscreveram um escrito denominado “CONTRATO”, com o seguinte teor: “Entre: - (…) CLUBE DE PORTUGAL – FUTEBOL SAD (…) (doravante referido como “(…) CP”); - TS, (…) (doravante referido como “(…)”); e - VS (…), (doravante referido como “(…)”). Ambas TS e VS doravante conjuntamente referidas como “EMPRESAS”). CONSIDERANDOS: a) As empresas têm experiência em consultoria relacionada com o negócio do desporto; b) (…) CP está interessado em ser assessorado por estas empresas nas negociações e conclusão da cedência temporária do direito de inscrever o jogador profissional de futebol M(…) (doravante referido como JOGADOR) para o clube inglês W(…) (doravante referido como W), com a opção para o W de adquirir de forma permanente o direito de inscrever o JOGADOR; c) As empresas vão assessorar o (…) CP no supramencionado contratação e também assessorar o JOGADOR ao longo da duração deste contrato com o (…) CP, providenciando-lhe as apropriadas orientação e assessoria; É acordado o seguinte: Cláusula 1 1. As empresas devem providenciar os seguintes serviços à (…) CP: a) Aconselhando a (…) CP numa estratégia negocial, nomeadamente definindo a melhor maneira de convencer o W e o JOGADOR a aceitar os termos da proposta do (…) CP em vez de outras alternativas que possam surgir; e b) conduzir as negociações e celebrar o contrato de cedência temporária entre o JOGADOR, (…) CP e o W para a época 2019/2020 pelo montante de GBD 500.000 (…), com a opção para o W para adquirir de forma definitiva o direito de inscrever o JOGADOR pelo montante de GBD 8.250.000 (…); e c) Apoiar o JOGADOR ao longo da duração do contrato de cedência temporária, providenciando-lhe, assessorando-o e assistindo-o na comunicação entre (…) CP e JOGADOR. 2. As empresas devem providenciar os serviços correspondentes ao melhor das suas competências e de forma a corresponder aos razoavelmente expectável por empresas com experiência na prestação deste tipo de serviços. Cláusula 2 1. Sujeito aos parágrafos abaixo, em consideração pelos serviços prestados pelas empresas, o (…) CP deve pagar o montante de GBD 50.000 (…) ou o valor correspondente em Euros, acrescido de IVA à taxa legal se aplicável, trinta dias após efectivo recebimento do montante relativo ao empréstimo pelo W. 2. Ainda relativamente aos serviços prestados pelas empresas, e no caso do W decidir exercer a sua opção para adquirir o direito de inscrever definitivamente o JOGADOR por intermédio de uma notificação até ao dia 31 de Maio de 2020, o (…) CP deve pagar às empresas o montante bruto e condicional de GBP 825.000 (…) ou o valor correspondente em Euros, acrescido de IVA à taxa legal e aplicável, trinta dias após efectivo recebimento do montante relativo à transferência pelo W. Deve o pagamento ser feito pelo W em prestações, (…) CP deve pagar proporcionalmente ao efectivo recebimento de cada prestação. 3. Independentemente das datas de pagamento acordadas, todos os montantes referidos na presente cláusula, só serão pagos após a apresentação ao (…) CP da respectiva factura e atestado de residência fiscal (…) totalmente preenchido e carimbado pelas empresas e pelas relevantes autoridades fiscais. 4. As empresas e os seus representantes devem registar-se como intermediários junto da Federação Portuguesa de Futebol e reconhecer que independentemente das datas de pagamentos acordadas (…) CP só deve pagar os montantes referidos acima após completar e aceitação desses registos. 5. Tem de ser assumido que cada sociedade comercial contribuiu na mesma proporção para obter os serviços providenciados ao abrigo deste contrato, e como tal (…) CP pagará a cada uma destas empresas metade dos montantes devidos nos termos desta cláusula. Cláusula 3 1. As partes declaram que eles são entidades contratantes independentes e não estão relacionadas entre si por meio de propriedade ou direito de voto. 2. Nada neste contrato deve ser considerado como constituindo uma parceria, relação de agência, ou joint venture entre as partes. Cláusula 4 1. O contrato incorpora todo o contrato e entendimento das partes com relação à transacção contemplada por este meio e substitui todos os compromissos, arranjos ou entendimentos escritos ou orais anteriores a respeito. 2. O contrato será considerado separável, e a invalidade ou inexequibilidade de qualquer termo ou disposição deste não afectará a validade ou aplicabilidade do Contrato como um todo ou de qualquer outro termo ou disposição deste. 3. Qualquer alteração ao presente contrato será válida, a não ser por escrito e assinada por cada uma das partes. 4. Os direitos e obrigações neste contrato não podem ser atribuídas legalmente sem o consentimento escrito da outra parte do Contrato. Cláusula 5 Os termos do presente Contrato são estritamente confidenciais e não devem ser divulgados a uma terceira parte sem o consentimento de ambas as partes, excepto nos termos das seguintes circunstâncias: a) Às autoridades competentes do futebol; b) Se requerido pelas leis aplicáveis ou pela bolsa de valores ou outra reconhecida entidade de investimento; c) Se requerido por qualquer departamento governamental, oficial ou agência. Cláusula 6 Todas as notificações para ser enviadas no âmbito deste contrato devem ser escritas e devem ser entregues pessoalmente ou enviadas por correio registado, ou por outro meio de envio seguro, para o escritório registado da parte a que se destina, ou outra morada que, temporariamente, cada parte notifica a outra parte. Cláusula 7 Este contrato deve ser regido e contruído em concordância com a lei portuguesa. Todas as disputas que possam surgir deste Contrato ou que não possam ser resolvidas amigavelmente devem sê-lo no âmbito da exclusiva jurisdição dos tribunais judiciais de Lisboa, Portugal. Este Contrato é feito e, Lisboa, em 08 de Agosto de 2019, em duas cópias.”. 2 – A Ré liquidou à Autora a quantia no valor de € 27.500,00 em 19 de Fevereiro de 2020. 3 – A Autora emitiu as facturas no valor de GBP 412.500, no dia 11 de Agosto de 2020. 4 – A Autora apresentou o atestado de residência fiscal totalmente preenchido e carimbado pelas empresas e pelas autoridades fiscais. 5 – Os documentos referidos em 3 e 4 foram remetidos para a Ré em 11 de Agosto de 2020. 6 – A Autora registou-se como intermediária na FPF para a época 2019/2020. 7 – Em 8 de Outubro de 2020, a Ré informou a COMISSÃO DE MERCADOS E VALORES MOBILIÁRIOS (CMVM) a saída definitiva do jogador M(…) ao W pelo valor de GBP 8,25M. 8 – Mais informou a comissão no valor de GBP 825.000 à Autora e à VS. 9 – A 8 de Agosto de 2019, a Ré, o clube inglês W e M(…) celebraram um acordo denominado de “CONTRATO DE EMPRÉSTIMO DE JOGADOR DE FUTEBOL PROFISSIONAL”, no qual consta, nomeadamente: “(…) 1. Fica acordado que a (…) Futebol SAD deverá, sujeita a e em conformidade com os termos aqui estabelecidos, incluindo o cumprimento das Condições Precedentes (tal como estão definidas na Cláusula 2), transferir, temporariamente, o direito ao desempenho desportivo e ao registo do JOGADOR para o W, a partir da data do presente Contrato e até 30 de junho de 2020. (…) 8. O W tem o direito de adquirir os direitos federativos do JOGADOR permanentemente, com efeitos a partir de 1 de julho de 2020, mediante notificação por escrito enviada até 31 de maio de 2020, pelo preço de GBP 8.250.000,00 (…) a pagar em duas prestações iguais de GBP 4.125.000,00 (…) devidas, respetivamente, no prazo de 10 dias após a notificação por escrito e quando perfizerem 6 meses da transferência definitiva do JOGADOR para o W. 8.1. Para evitar dúvidas, caso o W não pague a primeira prestação dentro do prazo mencionado, a transferência definitiva dos direitos federativos do JOGADOR não ocorrerá. 8.2. A referida opção do W de adquirir os direitos federativos do JOGADOR permanentemente, ocorrerá, automaticamente, com efeitos a partir de 1 de julho de 2020, sem necessidade de notificação por escrito por parte do W, caso ocorra qualquer uma das seguintes situações: 8.2.1. O W consegue a promoção à Primeira Liga inglesa no final da época 2019/20 e está, portanto, a jogar na Primeira Liga durante a época 2020/21 e o JOGADOR faz Exibição (“Exibição” definida como uma exibição inicial ou uma exibição como substituo, sem minutos mínimos por jogo) em 20 (…) ou mais jogos oficiais do Campeonato da Liga de Futebol pelo W durante o período de empréstimo; ou 8.2.2. O W não é promovido no final da época 2019/20 está, portanto, a jogar no Campeonato da Liga Inglesa de Futebol na época 2020/21 e o JOGADOR faz uma Exibição (“Exibição” definida como uma exibição inicial ou uma exibição como substituto de, pelo menos, 45 minutos por jogo) em 30 (…) ou mais jogos oficiais do Campeonato da Liga Inglesa de Futebol pelo W durante o período de empréstimo. Para evitar dúvidas, tanto os jogos da Liga como os playoffs (se aplicável) serão aplicáveis para efeitos das Cláusulas 8.2.1 e 8.2.2. acima. 8.3. Se O W assinar com o JOGADOR de forma permanente, de acordo com as Cláusulas 8 ou 8.2 acima, (…). 8.4. No caso de o W assinar com o JOGADOR permanentemente de acordo com as Cláusulas 8 ou 8.2 acima, (…). (…) 19. As Partes declaram que este Contrato foi celebrado com a intervenção da TS, e de VS (…).” 10 – Terminada a época desportiva 2019/2020, o clube inglês W, por ter ficado em segundo lugar na sua divisão, alcançou o seu objectivo de subida de divisão para Premier League, sendo que na época em questão o jogador M(…) compareceu em campo em mais de vinte jogos, como completou mais de 30 jogos com intervenção em jogo por mais de 45 minutos. 11 – Em 20 de Junho de 2020, o jogador completou o seu trigésimo jogo ao serviço do W com permanência em campo por 45 minutos ou mais. 12 – No dia 24 de Junho de 2020, a Ré remeteu ao clube W comunicação informando da verificação da condição automática de transferência definitiva do jogador e remeteu duas facturas, a primeira com vencimento em 31 de Julho de 2020 e a segunda com vencimento em 31 de Dezembro de 2020. 13 – O clube W procedeu ao pagamento da primeira factura a 3 de Agosto de 2020. 14 – O Relatório e Contas Anual 2019/2020 elaborado pela (…) Clube de Portugal – Futebol, SAD, consta a Certificação Legal das Contas e Relatório da Auditoria e Relatório e Parecer do Conselho Fiscal e Declaração de Responsabilidade do Conselho Fiscal, reflecte, a 30 de Junho de 2020, a dívida da Ré à Autora no valor de €457.000,00, bem como a dívida de igual montante à VS.”
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Os factos dados como não provados nessa mesma sentença são os seguintes, reproduzindo-se a negrito aquele que foi objeto de impugnação:
“a) Em consequência do não cumprimento do contratado pela Ré, a Autora viu-se obrigada a procurar assessoria fiscal e jurídica para poder fazer valer os seus direitos e agir em conformidade. b) A Autora suportou os custos advindos da emissão dos documentos necessários nos termos acordados, bem como da taxa devida para o registo como intermediário. c) O que originou para a Autora um custo de €15.000,00. d) Até 31 de Maio de 2020, o clube inglês W notificou a Ré de que pretendia adquirir definitivamente os direitos desportivos do jogador M(…). e) O jogador só completou a série de 30 jogos em que foi utilizado em mais de 45 minutos no dia 20 de Junho de 2020, em virtude do campeonato ter sido interrompido por força do confinamento da primeira vaga da pandemia covid-19.”
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IV. Mérito do Recurso:
- Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto quanto ao facto considerado como não provado sob a alínea e), no sentido de este passar a integrar o elenco de factos provados.
Para a impugnação da matéria de facto deve a parte observar os requisitos legais previstos no artigo 640º do CPC, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objeto do recurso.
Preceitua o artigo 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt:
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão” (cfr., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém atual).
Diz-se também no Acórdão do STJ de 19.02.2015, processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, acessível em www.dgsi.pt, que: “(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC. É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC. Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
A interpretação da alínea c), do n.º 1, do artigo 640º do CPC, é-nos dada de forma exemplar por Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 156), podendo ler-se a este propósito que:
“O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”.
Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto.
Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado.
A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 153).
Também por esses motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem igualmente que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág.155).
Assim, quanto a cada um dos factos que pretende obter diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada.
A este ónus de impugnação, soma-se um outro não menos importante, que é o ónus de conclusão, previsto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Este ónus de conclusão para além de visar a síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso, visa também a definição do seu objeto.
Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 16.05.2018, processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt:
“I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art.º 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. III - Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art.º 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.”
Assim, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objeto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, veja-se ainda o Acórdão do STJ de 18.06.2013, processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1, disponível no mesmo sítio).
Revertendo agora para o caso dos autos, entendemos que a Recorrente cumpriu os ónus previstos no acima citado artigo 640º, nº 1, a) e c), do CPC.
Com efeito, resulta das conclusões apresentadas o concreto ponto de facto que a Recorrente considera incorretamente julgado - o facto considerado como não provado sob a alínea e) -, bem como a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre esse mesmo ponto de facto impugnado - esse facto, com a mesma redação, deve ser dado como provado.
Cumpriu igualmente o ónus previsto no artigo 640º, n.º 1, b), do CPC. De facto, pese embora nas conclusões se tenha limitado a identificar os meios de prova com base nos quais, na sua ótica, o facto considerado como não provado sob a alínea e) deveria ter sido considerado como provado, a verdade é que nas suas alegações a Recorrente transcreve as passagens dos depoimentos das testemunhas nos quais alicerça a sua posição.
Nesse sentido, iremos proceder à apreciação do recurso no que à impugnação da matéria de facto se refere.
É o seguinte o teor da alínea da matéria de facto impugnada: “e) O jogador só completou a série de 30 jogos em que foi utilizado em mais de 45 minutos no dia 20 de Junho de 2020, em virtude do campeonato ter sido interrompido por força do confinamento da primeira vaga da pandemia covid-19.”
Conforme já acima referimos, nessa alínea a sentença recorrida não considerou como não provada a interrupção do campeonato por força do confinamento da primeira vaga da pandemia provocada pela Covid-19. O que nessa alínea se considerou como não provado foi coisa diferente, foi que tenha sido em virtude dessa interrupção que o jogador só completou a série de 30 jogos em que foi utilizado em mais de 45 minutos no dia 20 de junho de 2020.
Isso mesmo resulta da sentença recorrida quando, em sede de “Fundamentação da Matéria de Facto” se refere, a propósito dos prints juntos com a contestação, que dos mesmos resulta “que o jogador poderia ter atingido os 30 jogos por mais de 45 minutos, porquanto em Agosto (4 jogos) e em Dezembro (1 jogo), o mesmo esteve em campo, no entanto sem estar em campo 45 minutos, pelo que não se pode concluir que apenas foi em virtude do confinamento da primeira vaga da pandemia covid-19 que o jogador só completou a série de 30 jogos no dia 20 de Junho de 2020 (facto não provado em e))”.
Ora, esse facto, seguramente, não é notório.
Importa então analisar se tal facto deve ser considerado como provado com base nos depoimentos das testemunhas F(…) e J(…), cujas gravações foram por nós ouvidas.
A testemunha F(…) declarou que até á interrupção do campeonato causada pela pandemia o jogador interveio em 29 jogos “computados dentro do acordo” (resultando do seu depoimento que com isso quis dizer que esteve em campo mais de 45 minutos), sendo que já tinha tido intervenção em mais de 30 jogos.
Por seu lado, a testemunha J(…) declarou que antes da referida interrupção o jogador interveio em 29 jogos, faltando-lhe 1 (decorrendo do seu depoimento que se referiu a jogos nos quais esteve em campo mais de 45 minutos.
Conjugados esses depoimentos com o terceiro “registo” junto com a contestação, o qual não sofreu impugnação, vemos que, de facto, em sintonia com esses depoimentos, até à interrupção do campeonato devido à pandemia o mesmo participou em 34 jogos, o último dos quais no dia 07.03.2020, e que em 29 desses jogos esteve em campo por mais de 45 minutos.
Perante esses elementos, tendo o jogador participado, até 07.03.2020, em 34 jogos, não se poderá concluir, como pretende a Recorrente, que o jogador só completou a série de 30 jogos em que foi utilizado em mais de 45 minutos no dia 20 de Junho de 2020 devido à interrupção do campeonato causada pela primeira vaga da pandemia Covid-19.
Nessa medida, a factualidade contida na alínea e) do elenco de factos não provados não ficou demonstrada.
Assim sendo, improcede a impugnação da matéria de facto efetuada no presente recurso.
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- Se o denominado “Contrato” celebrado entre a Autora e a “VS” e a Ré deve ser interpretado no sentido de ser desnecessária a notificação a que se alude no n.º 2 da sua Cláusula 2 - para efeitos do pagamento do valor aí previsto à Autora -, no caso de se verificar o preenchimento de uma das duas condições de aquisição automática dos direitos federativos do jogador M(…) previstas nas cláusulas 8.2., 8.2.1. e 8.2.2. do “Contrato de Empréstimo de Jogador de Futebol Profissional” celebrado entre a Ré, o “W” e o jogador M(…).
Antes de mais, ainda que de forma sintética, cumprirá qualificar o contrato celebrado entre a Autora e a “VS” e a Ré, no qual a Autora alicerça a pretensão que pretende fazer valer através da presente ação, e identificar os diplomas pelo qual o mesmo se rege.
Analisado o seu teor, temos por seguro que estamos perante um contrato de intermediação desportiva, sujeito ao regime jurídico aprovado pela Lei n.º 54/2017 de 14 de julho, o qual revogou a Lei n.º 28/98 de 26 de junho (cfr. artigo 43º do citado diploma) e estabeleceu o regime hoje vigente para os empresários desportivos.
O artigo 2º, al. c), da Lei 54/2017 define o “Empresário desportivo” como “a pessoa singular ou coletiva que, estando devidamente credenciada, exerça a atividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, na celebração de contratos desportivos.”
É precisamente nessa qualidade que a Autora, e a “VS”, intervêm no contrato em causa.
Sobre a atividade de intermediário desportivo rege ainda o “Regulamento de Intermediários” da FPF, publicitado pelo Comunicado Oficial n.º 310, de 01.04.2015 (o qual entretanto foi já substituído pelo “Regulamento de Agentes de Futebol da FPF” mas que apenas entrou em vigor em 01.10.2023), não tendo, como tal, aplicação no caso dos autos.
O “Regulamento de Intermediários” da FPF, de acordo com o seu artigo, 2º, n.º 1, estabelece “as normas que regulam a contratação dos serviços de um intermediário por parte de um jogador e de um clube com vista a: a) Celebrar ou renovar um contrato de trabalho entre um jogador e um clube, ou b) Celebrar um contrato de transferência, temporária ou definitiva, entre dois clubes”.
O artigo 4º desse Regulamento define “Intermediário” como “a pessoa singular ou coletiva que, com capacidade jurídica, contra remuneração ou gratuitamente, representa o jogador ou o clube em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência.”
Conforme se refere no Acórdão da RL de 08.06.2021, proc. n.º 910/20.9T8PDL.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, o contrato de intermediação desportiva tem “como partes necessárias, por um lado, um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva, e por outro, um intermediário desportivo. O acordo terá por finalidade específica que um dos primeiros solicite do segundo a prestação de serviços que consistem essencialmente na mediação tendente à celebração de contratos desportivos, nomeadamente contratos de trabalho desportivos ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações, o que pode ser realizado de forma gratuita ou remunerada, podendo eventualmente ser atribuídos poderes de representação ao intermediário desportivo.”
Em causa está assim uma modalidade de contrato de prestação de serviços relativo ao exercício de uma atividade económica muito particular, sujeita a um regime jurídico especial, mas ao qual se podem ainda aplicar as disposições legais estabelecidas no Código Civil para o contrato de mandato, em tudo o que não esteja especificamente regulado na Lei n.º 54/2017 de 14 de julho e no “Regulamento de Intermediários” da FPF, tendo em atenção os artigos 1154º, 1156º e 1157º e ss. do Código Civil.
Assente o tipo contratual que temos perante nós e o regime jurídico que lhe é aplicável, cumpre então conhecer da única questão que, relativamente ao mesmo, se suscita em sede de recurso, e que é a da sua interpretação, concretamente, a interpretação da sua cláusula 2, n.º 2.
É o seguinte o teor do n.º 2 dessa cláusula: “Ainda relativamente aos serviços prestados pelas empresas, e no caso do W decidir exercer a sua opção para adquirir o direito de inscrever definitivamente o JOGADOR por intermédio de uma notificação até ao dia 31 de Maio de 2020, o (…) Futebol SAD deve pagar às empresas o montante bruto e condicional de GBP 825.000 (…) ou o valor correspondente em Euros, acrescido de IVA à taxa legal e aplicável, trinta dias após efectivo recebimento do montante relativo à transferência pelo W. Deve o pagamento ser feito pelo W em prestações, (…) CP deve pagar proporcionalmente ao efectivo recebimento de cada prestação.
Para que melhor se compreenda o raciocínio desenvolvido pela Autora nas respetivas conclusões recursivas em abono da interpretação que entende dever ser dada a essa cláusula – e que mais à frente se especificará –, haverá que considerar aqui os seguintes elementos que resultam da factualidade considerada como provada:
- O contrato de intermediação desportiva em análise foi celebrado no dia 08.08.2019.
- Na alínea b) dos respetivos “Considerandos” consta que a aqui Ré está interessada em ser assessorada pela Autora e pela “VS” “nas negociações e conclusão da cedência temporária do direito de inscrever o jogador profissional de futebol M(…), (…) (doravante referido como JOGADOR) para o clube inglês W(…) (doravante referido como W), com a opção para o W de adquirir de forma permanente o direito de inscrever o JOGADOR.”
- Na alínea c) dos mesmos “Considerandos” consta que a Autora e a “VS” “vão assessorar o (…) CP no supramencionado contratação e também assessorar o JOGADOR ao longo da duração deste contrato com o (…) CP, providenciando-lhe as apropriadas orientação e assessoria”.
- Consta da Cláusula 1 desse contrato: “1. As empresas devem providenciar os seguintes serviços à (…) CP: a) Aconselhando a (…) CP numa estratégia negocial, nomeadamente definindo a melhor maneira de convencer o W e o JOGADOR a aceitar os termos da proposta do (…) CP em vez de outras alternativas que possam surgir; e b) conduzir as negociações e celebrar o contrato de cedência temporária entre o JOGADOR, (…) CP e o W para a época 2019/2020 pelo montante de GBD 500.000 (…), com a opção para o W para adquirir de forma definitiva o direito de inscrever o JOGADOR pelo montante de GBD 8.250.000 (…)” – sublinhado nosso.
- No que concerne à remuneração da Autora e da “VS” pela prestação de tais serviços, rege a já mencionada Cláusula 2, da qual consta: “1. Sujeito aos parágrafos abaixo, em consideração pelos serviços prestados pelas empresas, o (…) CP deve pagar o montante de GBD 50.000 (…) ou o valor correspondente em Euros, acrescido de IVA à taxa legal se aplicável, trinta dias após efectivo recebimento do montante relativo ao empréstimo pelo W. 2. Ainda relativamente aos serviços prestados pelas empresas, e no caso do W decidir exercer a sua opção para adquirir o direito de inscrever definitivamente o JOGADOR por intermédio de uma notificação até ao dia 31 de Maio de 2020, o (…) CP deve pagar às empresas o montante bruto e condicional de GBP 825.000 (…) ou o valor correspondente em Euros, acrescido de IVA à taxa legal e aplicável, trinta dias após efectivo recebimento do montante relativo à transferência pelo W. Deve o pagamento ser feito pelo W em prestações, (…) CP deve pagar proporcionalmente ao efectivo recebimento de cada prestação (…) 5. Tem de ser assumido que cada sociedade comercial contribuiu na mesma proporção para obter os serviços providenciados ao abrigo deste contrato, e como tal (…) CP pagará a cada uma destas empresas metade dos montantes devidos nos termos desta cláusula.” – sublinhado nosso.
- Consta da Cláusula 4 desse contrato: “1. O contrato incorpora todo o contrato e entendimento das partes com relação à transacção contemplada por este meio e substitui todos os compromissos, arranjos ou entendimentos escritos ou orais anteriores a respeito (…).”
- Na mesma data em que foi celebrado o referido contrato de intermediação desportiva, 08.08.2019, aRé, o clube inglês W e o jogador M(…), celebraram um “Contrato de Empréstimo de Jogador de Futebol Profissional”.
- Desse contrato, e na parte que aqui nos interessa, consta: “1. Fica acordado que a (…) Futebol SAD deverá, sujeita a e em conformidade com os termos aqui estabelecidos, incluindo o cumprimento das Condições Precedentes (tal como estão definidas na Cláusula 2), transferir, temporariamente, o direito ao desempenho desportivo e ao registo do JOGADOR para o W, a partir da data do presente Contrato e até 30 de junho de 2020. (…) 8. O W tem o direito de adquirir os direitos federativos do JOGADOR permanentemente, com efeitos a partir de 1 de julho de 2020, mediante notificação por escrito enviada até 31 de maio de 2020, pelo preço de GBP 8.250.000,00 (…) a pagar em duas prestações iguais de GBP 4.125.000,00 (…) devidas, respetivamente, no prazo de 10 dias após a notificação por escrito e quando perfizerem 6 meses da transferência definitiva do JOGADOR para o W. (…) 8.2. A referida opção do W de adquirir os direitos federativos do JOGADOR permanentemente, ocorrerá, automaticamente, com efeitos a partir de 1 de julho de 2020, sem necessidade de notificação por escrito por parte do W, caso ocorra qualquer uma das seguintes situações: 8.2.1. O W consegue a promoção à Primeira Liga inglesa no final da época 2019/20 e está, portanto, a jogar na Primeira Liga durante a época 2020/21 e o JOGADOR faz Exibição (“Exibição” definida como uma exibição inicial ou uma exibição como substituo, sem minutos mínimos por jogo) em 20 (…) ou mais jogos oficiais do Campeonato da Liga de Futebol pelo W durante o período de empréstimo; ou 8.2.2. O W não é promovido no final da época 2019/20 está, portanto, a jogar no Campeonato da Liga Inglesa de Futebol na época 2020/21 e o JOGADOR faz uma Exibição (“Exibição” definida como uma exibição inicial ou uma exibição como substituto de, pelo menos, 45 minutos por jogo) em 30 (…) ou mais jogos oficiais do Campeonato da Liga Inglesa de Futebol pelo W durante o período de empréstimo. Para evitar dúvidas, tanto os jogos da Liga como os playoffs (se aplicável) serão aplicáveis para efeitos das Cláusulas 8.2.1 e 8.2.2. acima. (…) 19. As Partes declaram que este Contrato foi celebrado com a intervenção da TS (…), e de VS (…).” – sublinhado nosso.
- A Ré liquidou à Autora a quantia de € 27.500,00 em 19.02.2020 (pagamento esse previsto na cláusula 2, n.º 1, do contrato de intermediação desportiva). - Terminada a época desportiva 2019/2020, o clube inglês W, por ter ficado em segundo lugar na sua divisão, alcançou o seu objetivo de subida de divisão para Premier League, sendo que na época em questão o jogador M(…) compareceu em campo em mais de vinte jogos; para além disso, nessa mesma época o jogador M(…) completou mais de 30 jogos com intervenção em jogo por mais de 45 minutos, o último dos quais em 20.06.2020.
- No dia 24.06.2020, a Ré remeteu ao clube W uma comunicação a informar da verificação da condição automática de transferência definitiva do jogador e remeteu-lhe duas faturas, a primeira com vencimento em 31.07.2020 e a segunda com vencimento em 31.12.2020.
A factualidade a considerar é aquela que acabamos de expor.
Defende a Recorrente, nas suas conclusões recursivas, que da forma como estava estruturado o contrato de intermediação desportiva, as relações entre as partes decorreriam da seguinte forma: chegada a data de 30.05.2020, verificar-se-ia se alguma das cláusulas de aquisição automática dos direitos federativos do jogador previstas na cláusula 8.2. do “Contrato de Empréstimo de Jogador de Futebol Profissional” se tinham ou não verificado e, caso alguma delas se verificasse, a comunicação prevista na cláusula 8. desse mesmo contrato não faria sentido; caso nenhuma dessas condições se verificasse, então, sendo necessário ou se se entendesse ajustado, seria efetuada a referida notificação.
Obviamente que decorre do seu raciocínio que uma vez verificadas as cláusulas de aquisição definitiva automática dos direitos federativos do jogador previstas na cláusula 8.2. do “Contrato de Empréstimo de Jogador de Futebol Profissional”, igualmente não faria sentido a comunicação prevista na cláusula 2, n.º 2, do contrato de intermediação desportiva, para que lhe assistisse direito à remuneração prevista nessa mesma cláusula 2, n.º 2.
Ora, entendemos que o contrato de intermediação desportiva não permite essa interpretação.
Vejamos porquê.
Estamos perante dois contratos celebrados na mesma data.
Temos, por um lado, o contrato de intermediação desportiva, do qual resulta que os serviços que através dele a Autora e a “VS” se obrigaram a prestar à Ré, consistiam, no essencial e conforme resulta da Cláusula 1, n.º 1, desse contrato, em: a) aconselhar “a (…) CP numa estratégia negocial, nomeadamente definindo a melhor maneira de convencer o W e o JOGADOR a aceitar os termos da proposta do (…) CP em vez de outras alternativas que possam surgir; b) “conduzir as negociações e celebrar o contrato de cedência temporária entre o JOGADOR, (…) CP e o W para a época 2019/2020 pelo montante de GBD 500.000 (…), com a opção para o W para adquirir de forma definitiva o direito de inscrever o JOGADOR pelo montante de GBD 8.250.000 (…)”.
Nesse contrato de intermediação desportiva ficou estipulado que a prestação desses serviços daria lugar ao pagamento pela Ré de duas remunerações, ambas previstas na sua Cláusula 2ª. Uma certa, prevista no seu n.º 1: “(…) em consideração pelos serviços prestados pelas empresas, o (…) CP deve pagar o montante de GBD 50.000 (…) ou o valor correspondente em Euros, acrescido de IVA à taxa legal se aplicável, trinta dias após efectivo recebimento do montante relativo ao empréstimo pelo W.”; e uma sujeita a condição, prevista no seu n.º 2: “Ainda relativamente aos serviços prestados pelas empresas, e no caso do W decidir exercer a sua opção para adquirir o direito de inscrever definitivamente o JOGADOR por intermédio de uma notificação até ao dia 31 de Maio de 2020, o (…) CP deve pagar às empresas o montante bruto e condicional de GBP 825.000 (…) ou o valor correspondente em Euros, acrescido de IVA à taxa legal e aplicável, trinta dias após efectivo recebimento do montante relativo à transferência pelo W (…)”.
Temos, por outro lado, o “Contrato de Empréstimo de Jogador de Futebol Profissional”, celebrado, conforme resulta da sua cláusula 19., com a intervenção da Autora e da “VS”, contrato esse que traduz o cumprimento dos serviços que a Autora e a “VS” se obrigaram a prestar à Ré no contrato de intermediação desportiva e que acima se assinalaram.
Neste enquadramento, dúvidas não temos de que o contrato de intermediação desportiva apenas foi formalizado por escrito, em obediência ao disposto no artigo 38º, n.º 2, da Lei 54/2017 de 14/07, depois de prestados pela Autora e pela “VS” os serviços nele acordados, ou seja, depois de a Autora e a “VS” ter cumprido esse contrato, pois ambos os contratos, esse e o “Contrato de Empréstimo de Jogador de Futebol Profissional”, foram celebrados na mesma data.
E uma vez prestados os serviços nele acordados com Autora e a “VS”, a Ré procedeu ao pagamento da remuneração certa prevista na cláusula 2, n.º 1, desse contrato, o que fez em fevereiro de 2020.
Do “Contrato de Empréstimo de Jogador de Futebol Profissional”, celebrado com a intervenção da Autora e da “VS” na qualidade de intermediárias desportivas, constam, para além do acordo relativo à transferência temporária do jogador a partir da data desse contrato até 30.06.2020, as condições em que ocorreria a sua transferência definitiva.
A primeira delas estava dependente da vontade do clube inglês “W” e é a que consta da cláusula 8 desse contrato: “O W tem o direito de adquirir os direitos federativos do JOGADOR permanentemente, com efeitos a partir de 1 de julho de 2020, mediante notificação por escrito enviada até 31 de maio de 2020, pelo preço de GBP 8.250.000,00 (…)”.
A segunda já não dependia da sua vontade e ocorreria automaticamente, bastando para tanto que se verificasse uma de duas condições objetivas, conforme decorre das cláusulas 8.2., 8.2.1. e 8.2.2., e teria efeitos a partir de 01.07.2020, sem necessidade de notificação por escrito por parte do “W”, sendo elas as seguintes: “8.2.1. O W consegue a promoção à Primeira Liga inglesa no final da época 2019/20 e está, portanto, a jogar na Primeira Liga durante a época 2020/21 e o JOGADOR faz Exibição (“Exibição” definida como uma exibição inicial ou uma exibição como substituo, sem minutos mínimos por jogo) em 20 (…) ou mais jogos oficiais do Campeonato da Liga de Futebol pelo W durante o período de empréstimo; ou 8.2.2. O W não é promovido no final da época 2019/20 está, portanto, a jogar no Campeonato da Liga Inglesa de Futebol na época 2020/21 e o JOGADOR faz uma Exibição (“Exibição” definida como uma exibição inicial ou uma exibição como substituto de, pelo menos, 45 minutos por jogo) em 30 (…) ou mais jogos oficiais do Campeonato da Liga Inglesa de Futebol pelo W durante o período de empréstimo (…).”
Pese embora os dois contratos tenham sido formalizados na mesma data, a verdade é que do texto do contrato de intermediação desportiva apenas a primeira dessas hipóteses - aquela que dependia da vontade do clube inglês “W” -, ficou a constar como dando direito à atribuição de remuneração à Autora.
Efetivamente, nesse contrato apenas se fez constar, na já referida cláusula 2ª, n.º 2, que “no caso do W decidir exercer a sua opção para adquirir o direito de inscrever definitivamente o JOGADOR por intermédio de uma notificação até ao dia 31 de Maio de 2020, o (…) CP deve pagar às empresas o montante bruto e condicional de GBP 825.000 (…) ou o valor correspondente em Euros, acrescido de IVA à taxa legal e aplicável (…).”
Ora, tendo os dois contratos sido formalizados na mesma data - sendo que o “Contrato de Empréstimo de Jogador de Futebol Profissional” foi celebrado, como do mesmo consta, com a intervenção da Autora e da “VS” -, temos por seguro que caso fosse intenção das partes intervenientes no contrato de intermediação desportiva fixarem a atribuição de remuneração à Autora e à “VS” também na hipótese de se verificarem as condições para a transferência definitiva automática do jogador, tal hipótese teria ficado expressamente prevista no texto do contrato. A Autora e a “VS” certamente que disso se teriam assegurado. Se não ficou, é porque não era essa a vontade das partes.
A interpretação dos negócios jurídicos e das declarações negociais que o enformam rege-se pelo disposto nos artigos 236º a 238º do Código Civil, os quais consagram, de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário.
Nos termos do artigo 236º, n.º 1, do Código Civil, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” Acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo que “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”
A redação do citado normativo leva-nos a concluir que na interpretação dos contratos prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante, sempre que esta for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª edição, pág. 223.
Como elementos essenciais a que se deve recorrer para a fixação do sentido das declarações contratuais, temos “a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respetivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos” - cfr. Luís Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, 1996, pág. 344.
Ora, tendo presente o contexto em que o contrato de intermediação desportiva foi celebrado e que acima ficou assinalado, bem como o seu texto, temos que concluir que a vontade dos declarantes, interpretada por um destinatário normal, não contempla a interpretação pretendida pela Recorrente.
E o sentido da declaração contida nesse contrato não comporta sequer dúvidas que justifiquem o recurso ao disposto no artigo 237º do Código Civil.
Ainda em abono da sua posição, a Autora refere que a interpretação por si defendida encontra acolhimento na conduta posterior da Ré, concretamente, na comunicação pela mesma efetuada à CMVM e no teor do seu Relatório de Contas Anual referente a 2019/2020, os quais entende consubstanciarem um reconhecimento de dívida, com relevo para a aplicação do disposto no artigo 458º do Código Civil.
Sobre esta matéria resultou provado:
- A Autora emitiu as faturas no valor de GBP 412.500, no dia 11.08.2020.
- Em 08.10.2020 a Ré informou a Comissão de Mercados e Valores Mobiliários (CMVM) da saída definitiva do jogador M(…) ao “W” pelo valor de GBP 8,25M.
- Mais informou a comissão no valor de GBP 825.000 à Autora e à “VS”.
- O Relatório e Contas Anual de 2019/2020 elaborado pela Ré, consta a Certificação Legal das Contas e Relatório da Auditoria e Relatório e Parecer do Conselho Fiscal e Declaração de Responsabilidade do Conselho Fiscal, reflete, a 30 de Junho de 2020, a dívida da Ré à Autora no valor de €457.000,00, bem como a dívida de igual montante à “VS”.
A tal propósito escreveu-se o seguinte na sentença recorrida:
“Alega ainda a Autora que a Ré reconheceu a existência da dívida quando “comunicou” à CMVM a cedência definitiva do jogador, reconhecendo ainda a comissão que lhe era devida, tratando-se de um “reconhecimento de responsabilidades patrimoniais perante terceiros”. Nesse ponto importa lançar mão da definição de fonte de obrigação, segunda a qual a fonte de obrigação é o facto gerador do vínculo obrigacional, donde procede a obrigação, que o lhe dá causa, que faz nascer o vínculo obrigatório. Portanto, são todos os factos que dão origem a obrigação, ou ainda, aqueles factos de onde a obrigação promana e que originam o nascimento do vínculo obrigacional. Uma importância especial na vida da obrigação, é o de poder nascer (a obrigação) da atipicidade da relação creditória. Pois a obrigação tem um conteúdo variável consoante a fonte de onde procede. Nos termos do Código Civil, as fontes das obrigações são: • o contrato; • negócios unilaterais; • gestão de negócios; • enriquecimento sem causa, • responsabilidade civil. É sabido que a nossa ordem jurídica não admite os chamados negócios abstractos: toda a obrigação carece de uma fonte ou causa, sendo em função desta que a obrigação tem de ser aferida, designadamente para efeitos de definição da sua medida, validade e exigibilidade. Segundo o artigo 458.º do Código Civil, se alguém, por simples declaração unilateral, reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário. GALVÃO TELLES (DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, páginas 181 e 182), a propósito do artigo 458.º do Código Civil, afirma “estamos na presença de simples declarações unilaterais que não criam obrigações, mas apenas fazem presumir a existência de obrigações, derivadas de outros actos ou factos, que esses, sim, são a sua fonte. A numa carta dirigida a B promete pagar-lhe mil contos ou reconhece dever-lhe essa importância; ou, como é vulgar, faz no seu testamento inserir este reconhecimento de dívida. Pode mesmo o declarante não especificar a causa ou título justificativo da dívida que promete cumprir ou reconhece existir. Perante a sua declaração, fica-se sem saber se essa dívida provém de uma compra ou de um empréstimo ou de um facto danoso gerador de responsabilidade. Presume-se, no entanto, que a dívida realmente existe; que há uma causa que a justifica, ou seja, uma relação fundamental em que se integra, um acto ou facto que a gerou. Inverte-se, pois, o ónus da prova. Aquele que se arroga a posição de credor (B) não precisa provar a causa da dívida, visto beneficiar da presunção decorrente da declaração feita. À outra parte (A) é que competirá provar, se para isso dispuser dos elementos necessários, que afinal não é devedora porque a dívida nunca teve causa ou essa causa já cessara. Por exemplo os mil contos que A se comprometeu a pagar ou cujo débito reconheceu correspondiam a um empréstimo que lhe ia ser feito mas não chegou a sê-lo, ou a uma compra nula, ou a uma compra cujo preço veio a verificar que afinal já se encontrava, ao tempo, pago.”. O preceito em causa refere-se à situação em que alguém reconhece uma dívida sem indicar a relação que está na origem da dívida. A presunção que a norma estabelece é a presunção de que a dívida tem uma causa jurídica. O que o credor fica dispensado de provar é a existência de relação fundamental, de causa para a dívida, uma vez que se presume que a dívida tem uma causa, é causal. Mas já não se presume qual seja essa causa em concreto e/ou a respectiva validade, motivo pelo qual, tendo presente o princípio da proibição dos negócios abstractos, se entende que o credor deve indicar a causa, não carecendo é de a provar. Por isso, por não ser essa a sua previsão, a norma não se aplica nas situações em que na declaração o devedor enuncia expressamente a causa da dívida reconhecida. E isso é assim porque se o devedor indica a causa da dívida reconhecida já não é necessário presumir a sua existência, pois a mesma resulta da própria declaração de dívida. Eventualmente pode é colocar-se a questão da necessidade de provar que essa indicação é falsa e que a causa da dívida é outra, designadamente para efeitos de prova da sua invalidade, mas isso já nada tem a ver com a disposição do artigo 458.º do Código Civil. Sendo assim, o artigo 458.º do Código Civil não se aplica ao caso concreto. Com efeito, no documento apresentado pela Autora está indicado que a comissão é devida pela transferência do jogador. Para além disso, essa informação à CMVM - aquisições ou vendas de jogadores pelas SAD de futebol cotadas – tem como objectivo regular o mercado e só têm de ser comunicadas ao mercado se o seu impacto financeiro for susceptível de afectar de forma significativa as cotações das acções da sociedade, por considerar-se que todas as contratações ou vendas de direitos desportivos de jogadores constituem informação privilegiada. Para além disso, a Autora invoca que no Relatório e Contas Anual 2019/2020 elaborado pela (…) Clube de Portugal – Futebol, SAD consta a dívida da Ré no valor de €457.000,00. O Relatório e Contas é um documento produzido anualmente pelas empresas e outras organizações, constituído essencialmente por duas partes: · Um relatório onde é apresentada a actividade e o desempenho da empresa e o contexto em que a mesma foi desenvolvida; · As contas da empresa, apresentadas em mapas contabilísticos específicos, nomeadamente o Balanço, a Demonstração de Resultados e o Mapa de Fluxos de Tesouraria. O principal objectivo do Relatório e Contas é o de colocar à disposição das partes interessadas toda a informação que permite a correcta avaliação do desempenho da empresa em causa, constituindo uma oportunidade para explicar aos diversos interessados as prioridades estratégicas do exercício, face ao enquadramento económico e regulamentar, caracterizar a actividade das áreas de negócio e analisar o seu efeito do ponto de vista económico e financeiro. Sendo assim, desse relatório e contas apenas resulta que as contas da SAD reflectiam uma dívida à Autora no montante aí indicado e apenas isso, porquanto esse documento não é uma fonte de obrigações.”
Subscrevemos tudo quanto consta da sentença recorrida sobre a questão em apreço e que acabamos de transcrever.
A comunicação efetuada pela Ré à CMVM e o teor do seu Relatório e Contas Anual referente a 2019/2020 não encerram em si a virtualidade de alterar a interpretação a dar à Cláusula 2ª, n.º 2, do contrato de intermediação desportiva, dos mesmos não decorrendo qualquer obrigação da Ré para com a Autora.
Atento o exposto, improcede o presente recurso.
*
- Se, valendo essa interpretação, a sentença recorrida, no que aos pedidos formulados pela Autora nas alíneas a) e b), deve ser revogada e substituída por uma outra que os julgue procedentes.
Obviamente que em face de tudo quanto acima ficou dito, não tendo a Autora alegado e demonstrado a existência de notificação pelo clube inglês “W” do exercício da sua opção de aquisição dos direitos federativos do jogador até ao dia 31 de Maio de 2020, a apreciação dessa questão resulta prejudicada.
*
- Se deve ser dispensado ou reduzido o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art.º 6º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Pretende a Recorrente obter essa dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça quer em relação à taxa de justiça devida em 1ª instância, quer relativamente à taxa de justiça devida em sede de recurso.
Considerando a improcedência do recurso com a consequente confirmação da sentença proferida em 1ª instância, entendemos que se justifica a apreciação dessa questão com a amplitude pretendida.
Nesse sentido, veja-se o acórdão do STJ de 29.03.2022, proferido no processo n.º 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu no sentido de que “o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes.”
Mais se refere nesse acórdão que a justificação para assim se decidir “está desenvolvida na decisão singular do STJ de 20/12/2021 (relator Cons. Abrantes Geraldes), processo nº 2104712.8 TBALM.L1S1, disponível em www.dgsi.pt: “Neste contexto, parece mais correta a tese segundo a qual o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes, como se reconheceu explicitamente nos Acs. do STJ, de 24-5-18, 1194/14 e de 8-11-18, 567/11, em www.dgsi.pt. Aliás, esta é a única solução que se harmoniza com o regime da taxa de justiça remanescente que agora emerge do nº 9 do art.º 14º do RCP que recentemente foi introduzido, nos termos do qual a parte totalmente vencedora na ação - o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão - fica desonerada do pagamento da taxa de justiça remanescente. Este preceito revela que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias, com efeitos designadamente na exigibilidade da taxa de justiça remanescente, assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente dos resultados futuros. Por isso, terminando o processo na Relação ou, depois, no Supremo, o apuramento da quantia devida a título de taxas de justiça remanescente, assim como a identificação do interessado a quem é de imputar a responsabilidade pelo seu pagamento estão condicionados pelo resultado que a final vier a ser declarado.”
No mesmo sentido, veja-se ainda o acórdão do STJ de 12.04.2023, processo n.º 18932/16.2T8LSB.L3.S1, também disponível em www.dgsi.pt.
Feito este esclarecimento cumpre prosseguir.
O artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais (doravante apenas RCP) prevê uma tributação diferente para a ação e para o recurso, determinando o seguinte:
“1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento. 2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.”
A referida tabela I-A, por seu turno, prevê como último escalão as ações que se situem entre os valores de 250.000€ e 275.000€, prescrevendo que “Para além dos (euro) 275.000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada (euro) 25.000 ou fração, 3 UC, no caso da col. A, 1,5 UC, no caso da col. B, e 4,5 UC, no caso da col. C.”, sendo esta a denominada taxa remanescente.
Recorrente e Recorrida pagaram já, cada um deles, a título de taxa de justiça, em 1ª instância o valor de 1.632,00€ (16 UC) e, em sede de recurso, o valor de 816,00€ (8 UC).
O valor da taxa de justiça remanescente, atendendo a que o valor da causa e do recurso é de 520.994,97€, ascende, no que se refere à 1ª instância, ao montante de 3.010,97€ e, no que se refere ao recurso, ao montante de 1.505,48€.
Determina o artigo 6º, n.º 7, do RCP que “nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
Note-se que é jurisprudência corrente que a citada norma deve ser interpretada no sentido de permitir a dispensa do pagamento, quer da totalidade, quer de parte do remanescente da taxa de justiça, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade – veja-se, entre outros, o Ac. do STJ de 12.12.2013, proc. n.º 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt.
Como se explanou no citado acórdão, o Regulamento das Custas Processuais procurou adequar o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da Justiça nos respetivos utilizadores.
Nesse sentido, o Acórdão do TC n.º 421/2013, publicado no DR n.º 200, II Série, de 16/10/2013, julgou inconstitucional, designadamente, a norma do artigo 6º, na versão emergente do Dec. Lei n.º 52/11, de 13.04, conjugada com a Tabela I-A, “quando interpretada no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo, não permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título”.
Revertendo para a concreta situação dos autos, e tendo presente o valor do remanescente das taxas de justiça que nos mesmos está em causa, importa então analisar se se justifica a sua dispensa ou redução.
Foram as seguintes as questões suscitadas em primeira instância e tratadas em sede de sentença:
- a interpretação do contrato celebrado entre a Autora, a “VS” e a Ré, por forma a apurar se ocorreu ou não o incumprimento, por parte da Ré, da obrigação de pagamento da segunda remuneração nele prevista; e,
- o eventual direito de indemnização da Autora por danos patrimoniais decorrentes desse incumprimento da Ré.
A complexidade da primeira dessas questões, que exigiu a análise cuidada dos documentos juntos aos autos, em especial dos dois contratos celebrados pela Ré, poderá ser considerada como média, enquanto a segunda será simples (desde logo em face da conclusão de que não ocorreu qualquer incumprimento contratual por parte da Ré).
Quanto à tramitação dos autos, a mesma decorreu sem incidentes nem expedientes dilatórios, tendo as partes litigado com urbanismo, sendo que a audiência de julgamento comportou uma única sessão.
Já em sede de recurso, foram as seguintes as questões suscitadas e efetivamente tratadas:
- a junção de documento com as alegações de recurso;
- a modificabilidade da decisão de facto;
- a interpretação do contrato celebrado entre a Autora, a “VS” e a Ré, por forma a apurar se ocorreu ou não o incumprimento, por parte da Ré, da obrigação de pagamento da segunda remuneração nele prevista.
Saliente-se que o conhecimento da segunda questão acima elencada, pese embora apenas estivesse em causa um ponto da matéria de facto dada como não provada, envolveu a reapreciação da prova produzida, com destaque para a que se encontra gravada, com a morosidade e complexidade que essa tarefa sempre importa.
Já para o conhecimento da última questão, a da interpretação do contrato celebrado entre a Autora, a “VS” e a Ré, foi necessária a análise, tal como em 1ª instância, não só desse contrato, como daquele que foi celebrado com a sua intervenção e na execução dos serviços a que se obrigou no contrato celebrado com a Ré.
O conhecimento de tais questões, pese embora a primeira seja simples e as demais de complexidade média, exigiu tempo e estudo por parte de três juízes.
Já quanto à postura processual das partes, tal como em 1ª instância, nada há a censurar à atuação quer da Recorrente, quer da Recorrida, que se limitaram, sem violação dos deveres de boa fé, cooperação, razoabilidade ou prudência, a lançar mão dos normais meios impugnatórios que tiveram por adequados à defesa dos seus interesses.
Considerados todos estes elementos, temos por seguro que estamos perante uma ação e um recurso de complexidade média.
Tudo ponderado – o valor do remanescente da taxa de justiça (substancialmente superior na 1ª instância), a complexidade média da ação e do recurso e a postura processual das partes em ambas as instâncias – entendemos não ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça na totalidade mas apenas de reduzir o seu valor na proporção de 80% para a 1ª instância e de 50% para a instância de recurso.
*
V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo desta 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados:
a) em julgar improcedente o presente recurso e, consequentemente, em manter a sentença recorrida no que concerne aos pedidos formulados sob as alíneas a) e b):
b) em dispensar, na proporção de 80% para a 1ª instância e de 50% para a instância de recurso, o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Custas pela Recorrente.
Registe.
Notifique.
*
Lisboa, 09/05/2024
Susana Mesquita Gonçalves
António Moreira
Laurinda Gemas