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CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
HONORÁRIOS
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
Sumário
- Todas os créditos pelos serviços prestados e despesas realizadas pelo profissional no âmbito do contrato de prestação de serviços estão sujeitas a prescrição presuntiva, nos termos do disposto no art. 317º, al. c) do CC. - A excepção da prescrição presuntiva invocada pela Ré tem a particularidade de a lei presumir que decorrido o prazo em causa o devedor teria pago, ou seja, estamos perante uma simples presunção de pagamento (cfr. art. 312º do CC). - A presunção de pagamento decorrente da prescrição presuntiva só pode ser ilidida por confissão expressa ou tácita do devedor, de harmonia com o disposto nos art. 313º e 314º do CC. - Tendo a Ré, em sede de contestação, impugnado os alegados serviços prestados pela Autora, significa que praticou em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento, pelo que não pode a mesma beneficiar da prescrição presuntiva, que se funda no pagamento integral da quantia reclamada.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal Guimarães
I – RELATÓRIO
AA, que usa o nome profissional AA, Advogada, contribuinte fiscal n.º ...02, titular da cédula profissional 4826p, com domicílio profissional na Avenida ..., ... ..., intentou Ação Declarativa de Condenação contra BB, divorciada, contribuinte fiscal n.º...67, residente à Praceta ..., ..., ..., freguesia ..., ... ....
Alega para tanto, em síntese, que prestou à Ré, a solicitação desta, diversos serviços de advogado, que especifica, e que a Ré não procedeu ao pagamento dos respectivos honorários e despesas.
Pede a Autora que a acção seja julgada procedente por provada e, em consequência, ser Ré condenada a pagar-lhe a quantia de 65.800,00€ (sessenta e cinco mil e oitocentos euros), acrescido de juros á taxa legal a contar da apresentação da conta e até efectivo e integral pagamento, sendo que ao valor dos honorários de 63.500€ acresce IVA à taxa legal.
Citada a Ré, a mesma contestou, deduzindo a excepção da prescrição, alegando para o efeito que o direito que a Autora pretende exercer encontra-se prescrito invocando, desde logo, o artigo 317º do Código Civil.
Defendeu-se a Ré também por impugnação, questionando, em síntese, os serviços prestados pela Autora e o alegado montante da dívida que fundamentam a acção, como decorre dos artigos 12º a 14º da Contestação.
A Autora respondeu a tal excepção, pugnando pela improcedência da mesma.
Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual se decidiu julgar improcedente a excepção de prescrição invocada pela ré.
Inconformada com tal decisão dela veio recorrer a Ré formulando as seguintes conclusões:
I. Entendeu o Tribunal de 1ª instância julgar improcedente a excepção de prescrição invocada, uma vez que considerou que a R., na contestação, praticou actos incompatíveis com a presunção de pagamento, porque (segundo o Tribunal a quo) questiona (a R.) os serviços jurídicos prestados pela A.
II. Todavia, de uma leitura cuidada da contestação, compatibilizada com a petição inicial, não pode resultar que a R. tenha questionado os serviços prestados pela A.
III. Os serviços prestados pela A. encontram-se descritos nos art. 17º e 26º da petição inicial.
IV. Todos os demais artigos contêm factos acessórios ou irrelevantes.
V. Relativamente aos art. 17.º a 26.º, a R. aceitou-os, com excpeção do número de horas de reuniões e estudo do processo (ao número e não ao serviço) e ao prazo de duração do mandato, pois para isto basta “fazer contas”!!
VI. A R. reconheceu que a A. lhe prestou os serviços jurídicos descritos na petição inicial, mas alega que lhe pagou tudo quanto foi pedido.
VII. Deste modo, entende a R., com o devido que andou mal o Tribunal a quo ao considerar que a R. questionou os serviços prestados pela A. e que, por isso, praticou um acto incompatível com a presunção de pagamento, tendo confessado a dívida.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, deve a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a excepção de prescrição invocada e, consequentemente, deve a acção ser julgada totalmente improcedente.
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Não houve contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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II – OBJECTO DO RECURSO
A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, cumpre apreciar se a invocada excepção de prescrição deve ser julgada procedente e, consequentemente, a acção ser julgada totalmente improcedente.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para a questão a decidir damos por reproduzida a factualidade resultante do relatório supra e ainda a seguinte factualidade alegada na contestação:
(…)
- “II. Da impugnação
12º
Aceita-se, por nada ter a opor, o alegado nos art.º 1º, 2.º, 3º, 10.º, 11º, 12.º, 17º (com excepção do que respeita aos “sete anos”, ao número de telefonemas, ao número de horas da reunião no escritório da cabeça de casal, número de horas da análise e estudo do processo), 18º, 20º, 23º, 26.º (com excepção do número de reuniões indicada na alínea b)), 27º, 28º, 29º, 30.º, 56.º, 57.º, 58.º e 60.º da petição inicial.
13º
Impugna-se, por não corresponder à verdade, o alegado nos art.º 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 13º, 14º, 15.º, 16º, 17.º (apenas no que respeita aos “sete anos”, ao número de telefonemas, ao número de horas da reunião no escritório da cabeça de casal, número de horas da análise e estudo do processo), 19º, 21º, 22º, 24º, 26.º (no que concerne ao número de reuniões indicada na alínea b)), 31.º, 32.º, 33º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 54.º, 59.º, 61.º, 68.º e 69.º da petição inicial.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Está em causa saber se deve ser julgada procedente a invocada prescrição do crédito objecto da acção, por força do disposto no artigo 317º, al. c) do Código Civil.
O Tribunal a quo julgou improcedente tal excepção, decisão com a qual a Recorrente/Ré não se conforma.
Vejamos.
Considerando a matéria de facto alegada e não questionada nos autos, mostra-se inequívoco que entre as partes se estabeleceu um contrato de prestação de serviços, nos termos do artigo 1154.º do Código Civil -, tendo o mesmo como objecto a prestação de serviços de advogado pela Autora à Ré.
Determinando a lei, no art. 1156º do CC, que as disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviços que a lei não regule especialmente, temos que, por aplicação do disposto no art. 1158º, nº 1, do CC, a prestação de serviços se presume onerosa sempre que o prestador desses serviços os pratique a título profissional, o que, no caso, também aqui se alegou e não está posto em causa.
No caso em concreto, conforme decorre da petição inicial, estão em causa quantias devidas pela Ré a título de honorários e despesas.
Todas os créditos pelos serviços prestados e despesas realizadas pelo profissional no âmbito do contrato de prestação de serviços estão sujeitas a prescrição presuntiva, nos termos do disposto no art. 317º, al. c) do CC.
A Ré veio opor a tais créditos a excepção da prescrição presuntiva, prevista no art. 317º, al. c) do CC, alegando de forma expressa e inequívoca que as quantias aqui peticionadas se encontram pagas (cfr. art. 4º da contestação), o que a Autora, em resposta, não aceita e impugna.
Além disso, a Ré impugnou a extensão e densidade dos serviços alegadamente prestados, nos termos constantes dos artigos 12º e 13º da contestação.
Ora, além das prescrições propriamente ditas (extintivas), o Código Civil consagra outras que se fundam na presunção de pagamento, designadas prescrições presuntivas (cfr art. 312º do C.C.).
Conforme ensina Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pg. 452/453, …«Nestes casos (prescrição presuntiva) a lei presume que decorridos estes prazos, o devedor teria pago... Elas são tratadas, não bem como prescrições, mas como simples presunções de pagamento. Por isso, são afastadas pela prova da existência da dívida, mas só nos limitados termos ... Enquanto nas prescrições verdadeiras, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, nestas prescrições presuntivas parece que não pode ser assim: se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado da mesma maneira, e a prescrição não funciona, embora ela a invoque» (…).
O art. 317º do C.C. prevê situações de prescrição presuntiva.
Sobre esta matéria, o tribunal à quo fundamentou a decisão recrrida nos seguintes termos: - “O artigo 317º do Código Civil prevê que prescrevem no prazo de dois anos os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes. Nos termos do disposto no artigo 312º do Código Civil as prescrições presuntivas fundam-se na presunção de cumprimento. A expressão prescrição presuntiva indica que ela se funda na presunção de cumprimento e se destina, no fundo, a proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes a divida de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo. Segundo Vaz Serra [RLJ ano 109, pág. 246] "As prescrições presuntivas artigos 312º e segs) são presunções de pagamento, fundando-se em que as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e não é costume exigir quitação do seu pagamento; decorrido o prazo legal presume, pois, a lei que a dívida está paga, dispensando, assim, o devedor da prova do pagamento, prova essa que lhe poderia ser difícil ou, até impossível, por falta de quitação". E a presunção pelo decurso do tempo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a divida tiver sido transmitida por sucessão, sendo que a confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito (artigo 313º do Código Civil). Assim, nas prescrições desta natureza, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação. Apenas faz presumir o pagamento, libertando dessa forma o Réu do ónus da prova do pagamento mas não do ónus de alegar que pagou, passando a recair sobre o credor o ónus de demonstrar que o devedor não pagou. Ao contrário das verdadeiras prescrições, a lei admite, embora de forma limitada, o afastamento dessa presunção. A lei exige que os meios de prova do não pagamento por parte do devedor provenham dele, ainda que para evitar que o credor fique totalmente dependente do devedor, o artigo 314º acrescenta que se considera confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento. E é incompatível com a presunção de cumprimento ter o devedor negado a existência da divida ou ter questionado a efetiva prestação dos serviços que a fundamentam. Ora, no caso dos autos a R. diz nada dever à A. porque lhe pagou, no entanto, acaba por questionar os serviços alegadamente prestados pela A., no fundo e apesar de dizer que pagou, nega a divida porquanto questiona a prestação dos serviços que a fundamentam, atente-se neste respeito à impugnação deduzida na contestação (artigos 12 e 13). Ora é quanto basta para a improcedência desta excepção, que no fundo, apenas faz presumir o pagamento, questionando a R. a divida, a prestação dos serviços que a fundamentam, ainda que parcialmente, é mais do que evidente que não pode beneficiar da presunção que, repito, funda-se no pagamento integral da quantia reclamada, sem que haja qualquer contestação ao valor ou serviços em causa.” (sublinhado nosso)
Concordamos inteiramente com estas considerações jurídicas da sentença, que revelam uma correcta e adequada interpretação e aplicação das apontadas normas legais.
Na verdade, não restam quaisquer dúvidas que a Ré, em sede de contestação, impugna os alegados serviços prestados pela Autora, o que significa que praticou em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
Assim sendo, impugnando a R. a divida, isto é, a prestação dos serviços que a fundamentam, ainda que parcialmente, não pode a mesma beneficiar da prescrição presuntiva em apreço, que se funda no pagamento integral da quantia reclamada, sem que haja qualquer contestação ao valor ou serviços em causa.
Deste modo, improcedem totalmente as conclusões do recurso, devendo manter-se a sentença recorrida.
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Sumário:
- Todas os créditos pelos serviços prestados e despesas realizadas pelo profissional no âmbito do contrato de prestação de serviços estão sujeitas a prescrição presuntiva, nos termos do disposto no art. 317º, al. c) do CC.
- A excepção da prescrição presuntiva invocada pela Ré tem a particularidade de a lei presumir que decorrido o prazo em causa o devedor teria pago, ou seja, estamos perante uma simples presunção de pagamento (cfr. art. 312º do CC).
- A presunção de pagamento decorrente da prescrição presuntiva só pode ser ilidida por confissão expressa ou tácita do devedor, de harmonia com o disposto nos art. 313º e 314º do CC.
- Tendo a Ré, em sede de contestação, impugnado os alegados serviços prestados pela Autora, significa que praticou em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento, pelo que não pode a mesma beneficiar da prescrição presuntiva, que se funda no pagamento integral da quantia reclamada. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.