INCIDENTE DE AÇÃO DE DIVÓRCIO
ARROLAMENTO DE AÇÕES
IMPOSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO PELO POSSUIDOR/DETENTOR
Sumário


1- No procedimento cautelar de arrolamento está sempre subjacente o risco de perda, extravio, ocultação ou dissipação de bens ou de documentos e a necessidade de se afastar esse risco, mediante a manutenção e conservação daqueles, de modo a garantir a efetividade do direito ou do interesse a que o requerente se arroga titular e que lhe venha a ser reconhecido, por via direta ou indireta, sobre tais bens ou documentos na ação principal de que o arrolamento é dependente.
2- O esconjurar desses riscos não se processa pela mera descrição e avaliação (que não tem lugar quanto ao arrolamento de documentos) dos bens ou dos documentos arrolados, mas pela efetiva preservação e conservação daqueles, até à realização da diligência probatória que o requerente visa assegurar com o arrolamento dos documentos, ou a partilha dos bens arrolados, com vista a que possa tomar a efetiva posse sobre os últimos no caso desses bens lhe virem a ser adjudicados na partilha que terá de ser efetuada na sequência da procedência da ação principal de que o arrolamento é dependente.
3- Embora o arrolamento de bens não impeça que o possuidor ou detentor dos bens arrolados possa continuar a usá-los (daí que, em princípio, deva ser nomeado seu depositário – art. 408º do CPC), aquele encontra-se impedido de deles dispor, por tal impedir as finalidades prosseguidas com o arrolamento.
4- Tendo sido arroladas ações que se encontravam depositadas em contas abertas junto de determinada instituição bancária, das quais foram nomeados depositárias a requerente e o requerido do arrolamento, na proporção de metade, tendo o requerido resgatado e liquidado a totalidade dessas ações após estas já se encontrem arroladas, e procedido ao depósito do produto da liquidação numa conta de que é o único titular, não existe fundamento legal para, ao abrigo do art. 771º, n.ºs 2 e 3 do CPC, se notificar a instituição bancária (que não foi nomeada depositária das ações arroladas) para, em prazo que lhe for fixado, apresentar as ações arroladas, sob pena de não o fazendo, se proceder ao arresto de bens daquela, em montante suficiente para garantir o pagamento do valor das mesmas, na data em que foram liquidadas, acrescido de despesas e custas.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., Ap. ...5, ...36 ..., instaurou, como incidente de ação de divórcio, procedimento cautelar especificado de arrolamento contra BB, residente na Rua ..., ..., em que requereu que fosse decretado o arrolamento, entre outros, de:

I- Saldo da conta bancária com o IBAN  ...55, no valor de €14.029,00, titulada pela Requerente e Requerido, no Banco 1..., S.A., com sede na Rua ..., ... ...;
II- Carteira de ações X Banco 1, no valor de € 28.125,00;
III- 8349,159506 unidades de participação Banco 1... Ações ..., no valor de € 48.921,90.
Por sentença proferida em 24/10/2023, sem observância prévia do contraditório quanto ao requerido, julgou-se parcialmente procedente o procedimento cautelar, constando dessa sentença a parte dispositiva que se segue:
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando pela parcial procedência deste procedimento cautelar, decido ordenar o arrolamento dos bens e direitos discriminados pela requerente sob os pontos I a IV, VII e IX a XI na relação anexa a petição inicial, indeferindo o arrolamento dos restantes.

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Nomeio a requerente e o requerido depositários dos saldos bancários e das aplicações financeiras que venham a ser arrolados, na proporção de metade para cada um.
Nomeio depositário dos restantes bens que venham a ser arrolados aquele dos cônjuges que no momento da efetivação da providência estiverem na detenção dos mesmos.
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Custas pela requerente, caso não haja oposição, a atender na ação principal (artigo 539º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Valor da causa: fixa-se em € 157.720,92, nos termos do artigo 304º, nº 3, al. f) do Código de Processo Civil.
Notifique a requerente.
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Mostrando-se integralmente realizado o arrolamento, notifique-se o requerido nos termos e para os efeitos dos artigos 366º, n.º 6 e 372º, n.º 1, als. a) e b) do Código de Processo Civil”.

Na sequência da prolação daquela sentença, por carta registada com a/r, datada de ../../2023, a Secção notificou o Banco 1..., S.A., nos termos seguintes:

Assunto: Arrolamento
Fica V. Exa. notificado de que, nos termos do disposto no art.º 406.º do CPC, ficam arrolados desde a data do envio da presente comunicação:

1 - O saldo da conta bancária com o IBAN  ...55, no valor de € 14.029,00, titulada pela Requerente e o Requerido no Banco 1..., SA, com sede na Rua ..., ... ...
2 - A carteira de Ações X Banco 1, no valor de € 28.125,00
3 - 8349, 159506 unidades de participação Banco 1... Ações ..., no valor de € 48.921,90.

Requerido: BB, estado civil: Desconhecido, domicílio: Rua ..., ... ..., ....

O montante arrolado ou a inexistência de conta ou saldo deverá ser comunicado a este Tribunal, no prazo de 2 dias”.

A carta acabada de referir foi rececionada pelo Banco 1..., S.A. em ../../2023, conforme aviso de receção junto aos autos de procedimento cautelar de arrolamento em 03/11/2023.
Por correio eletrónico datado de 24/11/2023, o Banco 1..., S.A. acusou a receção da carta anteriormente referida e informou que: “(…) demos cumprimento ao solicitado no pedido de arrolamento em apreço, mas devido a uma incidência informática, estamos a recuperar a informação dada para que possamos remeter a V. Exa. ou a carta original ou uma 2ª via”.
Por despacho de ../../2023, ordenou-se a notificação do Banco 1..., S.A. para, no prazo adicional de cinco dias, comunicar aos autos o resultado da efetivação do arrolamento, sob pena de não o fazendo, ser condenado em multa.
Por correio eletrónico de ../../2023, o Banco 1..., S.A., remeteu ao tribunal a carta que anexou a esse correio eletrónico, datada de ../../2023, onde, além do mais, se lê:
“(…) a requerente AA é titular, cotitular, desta Instituição, à data de ../../2023:

Depósitos à Ordem:
N.º de Contrato:  ...01 – EUR/2 Titulares
Saldo total                  Saldo não onerado                Saldo onerado c/ ordem judicial prioritária
529,29 euros              529,29 euros              0,00
N.º de Contrato:  ...01 – EUR/2 Titulares
Saldo total                  Saldo não onerado                Saldo onerado c/ ordem judicial prioritária
0,00                             0,00                            0,00
            N.º de Contrato:  ...20 – EUR/2 Titulares
Saldo total                  Saldo não onerado                Saldo onerado c/ ordem judicial prioritária
0,00                             0,00                            0,00

Depósitos a Prazo:
N.º do Contrato:  ...50 – Eur/2 Titulares
Saldo total      Saldo não onerado   Saldo onerado c/ ordem judicial prioritária
100,00                         100,00                        0,00

Valores mobiliários – Contas Fundo
N.º do Contrato:  ...51 – EUR/1 Titulares
Saldo UP´s     Valor Unit.  UP´s não oneradas        UP´s oneradas c/ ordem judicial prioritária
8349,...05        ,4295000         0,00                            0,00

Valores mobiliários – Carteiras Títulos
N.º de Contrato:  ...00 – EUR/4 Titulares
Tipo Valores Mobiliários   Quant. Total   Cotação/Nominal  Quant. não onerada   Quant. onerada c/ ordem jud. priorit.
X Banco 1       8309            3,511             0,00                                0,00
N.º de Contrato:  ...16 – EUR/3Titulares
Tipo Valores Mobiliários    Quant. Total   Cotação/Nominal  Quant. não onerada   Quant. onerada c/ ordem jud. priorit.
X Banco 1                   1.150           3,511             0,00                     0,00                            

Em 25/10/2020, AA requereu que se notificasse o Banco 1..., S.A. para que informasse se os movimentos contabilísticos espelhados no extrato bancário que juntou foram efetivamente realizados e, em caso afirmativo, face ao incumprimento pela referida instituição do ordenado no despacho que ordenou o arrolamento dos saldos, ações e fundos de investimento, fosse extraída certidão do documento junto e se ordenasse a sua remessa para efeitos de instauração de procedimento criminal e fosse comunicado ao Banco de Portugal a conduta da mesma instituição para os fins tidos por convenientes.
Para tanto alegou, em suma, que: se deslocou ao balcão do Banco 1..., S.A onde teve conhecimento que, em ../../2024, ou seja, já depois de realizado o arrolamento, o requerido BB procedeu à liquidação e resgate das ações e do fundo e transferiu o valor para uma conta de que apenas ele é titular; ao permitir a liquidação e resgaste das ações objeto de arrolamento e a sua transferência para uma conta titulada por BB o Banco 1..., S.A. violou o disposto no art. 780º do CPC.
Por despacho de 26/01/2024, ordenou-se a notificação do Banco 1..., S.A., com cópia do requerimento apresentado, para, no prazo de dez dias, esclarecer se os depósitos e aplicações financeiras espelhadas no ofício datado de ...23 foram movimentados e, na afirmativa, em que datas, por ordem de quem e qual o destino dos respetivos fundos.
  Por correio eletrónico de ../../2004, o Banco 1..., S.A. juntou aos autos o extrato da conta n.º  ...01, compreendido entre os períodos de 16/10/2023 a 16/01/2024, informando que o saldo dessa conta tinha sido movimentado em 16/01/2023; relativamente “à conta  ...01, conta de suporte das aplicações financeiras” informou que: “(…) registamos dois movimentos: 1ª ordem de venda X Banco 1. a ../../2024 – 32.212,10 euros; 2º resgate Banco 1... Ações a 18/01/2024 – 49.103,91 euros. Tendo sido estes movimentos efetuados pelos canais digitais, não foi possível a obtenção de documento físico de suporte, no entanto, estamos a diligenciar junto da nossa informática a obtenção dessa informação. Relativamente à transferência de 81.185,50 euros a 19/01/2024, juntamos o documento de suporte da mesma”.
Notificada a requerente AA para o teor da informação que antecede, requereu que se notificasse o Banco 1... para, no prazo de cinco dias, apresentar as ações arroladas que foram liquidadas e resgatadas, findo o qual deverá ser ordenado o arresto de bens de valores daquela instituição bancária, de montante suficiente para assegurar o pagamento do valor dos referidos produtos financeiros à data da respetiva liquidação e das despesas e custas acrescidas.
Por despacho proferido a 14/02/2024, a 1ª Instância indeferiu o requerido, constando do mesmo o teor que se segue (que aqui se transcreve ipsis verbis):
“Por correio eletrónico de ../../2023, o Banco 1..., S.A., remeteu ao tribunal a carta que anexa, datada de ../../2023, onde, além do mais, se lê:
No seguimento das informações prestadas pelo Banco 1..., S.A. em resposta ao despacho anterior, vem a requerente da providência solicitar que a referida instituição bancária seja notificada para apresentar os bens no prazo de 5 dias e que, findo esse prazo, seja ordenado o arresto de bens e valores do depositário em montante suficiente para assegurar o pagamento do valor dos produtos financeiros mobilizados pelo requerido em data posterior à da efetivação do arrolamento.
Arrima a requerente essas suas pretensões no preceituado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 771º do Código de Processo Civil, normas essas que entende serem supletivamente aplicáveis no caso vertente.
Ora, perante as informações prestadas pelo Banco 1..., S.A, resulta evidenciado que, em data posterior à da notificação àquele Banco do arrolamento aqui decretado (o que ocorreu a ../../2023), foram mobilizados pelo requerido ativos titulados ou co titulados pelas partes junto dessa instituição bancária.
Isso não significa, contudo, que as pretensões formuladas pela demandante no requerimento em epígrafe devam ser atendidas.
É certo que o n.º 5 do artigo 406º do Código de Processo Civil manda aplicar ao arrolamento as disposições relativas à penhora. Logo ressalva esse normativo, no entanto, que tais disposições apenas são aplicáveis quando não contrariem o estabelecido nessa secção ou a diversa natureza das providências.
Ora, como se explanou já na decisão que decretou a providência, muito embora na execução do arrolamento devam observar-se, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à penhora, há que considerar aquelas que são as finalidades desta específica providência cautelar e também a diversa natureza dela em relação à penhora, tal como ao arresto. Enquanto a penhora se traduz na apreensão judicial de bens do executado em ordem à sua futura transmissão no processo executivo para pagamento do crédito do exequente, o arrolamento visa apenas assegurar a permanência de bens que devem ser objeto de especificação no processo principal, como resulta do n.º 3 do artigo 403º do Código de Processo Civil.
E assim, como se deixou também já referido na decisão que ordenou a providência, tendo o arrolamento como objetivo esconjurar uma específica situação de perigo relacionada com o “extravio, ocultação ou dissipação” de bens (ou documentos), a sua efetivação satisfaz-se com a “descrição, avaliação e depósito dos bens”, nos moldes regulados pelo artigo 406º do Código de Processo Civil.
Daí que o arrolamento, ao contrário do que sucede com a penhora (ou com o arresto), não implique a efetiva apreensão material ou jurídica dos bens, ou a indisponibilidade da sua utilização ou movimentação pelos respetivos titulares. E daí também que quando estão em causa depósitos bancários o arrolamento das quantias depositadas ou de outros valores mobiliários não impeça, por regra, que os seus titulares os continuem a utilizar ou movimentar normalmente, devendo deles ficar depositários não o tribunal ou outra entidade (nomeadamente as instituições bancárias), mas sim os próprios titulares das contas na proporção dos respetivos quinhões.
Havendo fundando receio de que os interessados titulares da conta bancária ocasionem o extravio ou dissipação dos depósitos bancários, assim impedindo a sua entrega a quem couberem em partilha, não deverão esses interessados ser nomeados depositários, por ocorrer manifesto inconveniente (cfr. o artigo 408º, n.º 1, do Código de Processo Civil.) Nesses casos, a requerimento fundamentado da parte interessada, poderá nomear-se a respetiva entidade bancária como depositária, impondo-se a esta o dever impedir a movimentação da conta a débito sem autorização de todos os contitulares - cfr., nesse sentido, p. ex, o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 4/01/2021, Proc. n.º 2184/20.2T8VRL-B, publicado em www.dgsi.pt.
Mas isso não sucedeu no caso deste arrolamento.
Deste modo, não tendo sido o Banco 1..., S.A. nomeado depositário de quaisquer valores, nunca estaria sujeito aos deveres e às consequências previstas no artigo 771º ,do Código de Processo Civil – preceito legal inserido, de resto, na subsecção relativa à penhora de bens móveis.
Pelas razões acima enunciadas, e não obstante a “remissão” prevista no n.º 5 do artigo 406º do Código de Processo Civil, crê-se não serem também aplicáveis no caso do arrolamento as previsões contidas nos n.ºs 11 e 14 do artigo 780º do Código de Processo Civil, invocadas pela demandante no seu anterior requerimento.
No que tange à remessa de certidão do documento junto fls. 63 para efeitos de instauração de procedimento criminal e para apuramento de responsabilidades pelo Banco de Portugal, não está a requerente impedida de, por si mesma, efetuar junto das entidades competentes as denúncias que tenha por justificadas.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o requerido pela demandante”.
Inconformada com o decidido, a requerente AA interpôs recurso, em que formulou as conclusões que se seguem:
1- Por decisão datada de ../../2024 o Tribunal indeferiu o pedido formulado pela Requerente, ao abrigo do disposto no art. 771º, n.ºs 2 e 3 do CPC, para notificar o Banco 1..., S. A. para, no prazo de 5 dias, apresentar o valor dos saldos bancário, as ações X Banco 1 e Banco 1... Ações ... que foram arroladas no âmbito dos presentes autos, e caso a referida instituição bancária não procedesse à referida apresentação ordenasse o arresto dos bens da mesma, por forma a assegurar o pagamento do valor dos referidos produtos financeiros à data da respetiva liquidação e resgate, custas e despesas acrescidas.
2- No dia ../../2023, na sequência da ordem de arrolamento dada pelo Tribunal Recorrido para que o Banco 1..., S.A. procedesse ao arrolamento dos saldos das contas bancárias e aplicações financeiras tituladas pelos ora Recorrentes naquela instituição bancária, a referida instituição comunicou aos presentes autos que a Requerente era cotitular da conta à ordem  ...01, com o saldo de € 526,29, de uma conta fundo com 8349,...00 UP, com o valor unitário de 5,42950000, e duas carteira e de ações X Banco 1 uma com 8309 unidades e outra com 1150 unidades, com a cotação nominal de 3, ...00.
3- Apesar da ordem dada pelo Tribunal recorrido e a comunicação feita pela referida instituição bancária, no dia ../../2024, o ora Recorrido procedeu ao resgate e liquidação dos referidos fundos e transferiu o valor total da liquidação e resgate para uma conta por si aberta na mesma instituição bancária o valor da referida liquidação e resgate: € 81.185,50.
4- O referido resgate, liquidação e transferência dos valores ora em causa tiveram lugar sem que o Banco 1... tivesse dado cumprimento ao ordenado pelo Tribunal recorrido que nomeou Recorrente e Recorrido como depositários de metade do valor do saldo bancário e das referidas aplicações financeiras.
5- Após inúmeras deslocações à dependência bancária onde a ora Recorrente tinha domiciliado a sua conta bancária, a mesma foi sempre informada pelos funcionários daquela instituição que não tinham recebido qualquer notificação do Tribunal a ordenar o arrolamento dos saldos bancários e aplicações financeiras associadas às contas por si tituladas, facto que não corresponde à verdade dado que, pelo menos, de ../../2023, a referida instituição tinha conhecimento do presente arrolamento.
6- No dia ../../2023 a Recorrente requereu que fosse dado cumprimento ao disposto no art.771º, n.ºs 2 e 3 do CPC, aplicável in casu ex vi do art. 406º, n.º 1, do CPC.
7- Ao contrário do sustentado pelo Tribunal recorrido na decisão ora em crise, as regras da penhora de saldos bancários e outros valores têm plena aplicação em matéria de arrolamento, pelo que, a instituição bancária ora em causa está obrigada a apresentar valores arrolados, ou caso a Ré não proceda à respetiva apresentação, deve ser ordenado o arresto de bens de igual valor (art. 771º, n.ºs 2 e 3 do CPC), de molde a que seja assegurado o pagamento do valor dos bens arrolados, custas e demais despesas.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e em consequência ser revogada a decisão ora em crise, pois só assim se fará Justiça.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância admitiu o recurso interposto como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão, que consiste em saber se o despacho recorrido (que indeferiu a pretensão da recorrente para que se notificasse o Banco 1..., S.A. para, no prazo de cinco dias, apresentar as ações X Banco 1 e Banco 1... Ações que o recorrido BB resgatou e liquidou e cujo produto transferiu para uma conta por si titulada, após essas ações já se encontrarem arroladas, e para que, findo esse prazo, caso as mesmas não fossem apresentadas, se ordenasse o arresto de bens de valores daquela instituição bancária, de montante suficiente para assegurar o pagamento das mesmas, à data da respetiva liquidação, acrescido de despesas e custas) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe revogar aquele despacho e determinar o cumprimento da pretensão da recorrente.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a questão a decidir no âmbito do presente recurso são os que constam do relatório acima elaborado.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Tendo sido arroladas as ações X Banco 1 e Banco 1... Ações ... no âmbito do procedimento cautelar de arrolamento que a recorrente AA instaurou contra o seu marido, BB, como incidente da ação de divórcio que contra ele intentou, de que aquela e o último foram nomeados fiel depositário, na proporção de metade dessas ações, tendo o último procedido ao resgate e liquidação da totalidade dessas ações após já se encontrarem arroladas e procedido ao depósito do produto da sua liquidação numa conta de que é o exclusivo titular, está em causa saber se, no âmbito do presente processo de procedimento cautelar de arrolamento, assiste à recorrente o direito de, nos termos do disposto no art. 771º, n.ºs 2 e 3 do CPC,  ver notificada a instituição bancária em que aquelas ações se encontravam depositadas (o Banco 1..., S.A.) para as apresentar, no prazo de cinco dias, e caso não o faça, em ver arrestados bens dessa instituição bancária em valor suficiente para assegurar o pagamento do valor de tais ações, à data em que foram resgatadas e liquidadas a mando de BB, acrescido de custas e despesas.
O procedimento cautelar de arrolamento (de que o arrolamento como preliminar ou incidente da ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, é uma modalidade especial - art. 409º do CPC), como procedimento cautelar que é, consubstancia um procedimento específico que o legislador colocou ao dispor dos interessados a fim de se precaverem contra o risco da demora da ação (o denominado periculum in mora), sabendo-se que, por motivos ligados com a excessiva litigância judicial ou com a própria complexidade da causa, o período de tempo que medeia entre a propositura da ação e o trânsito em julgado da sentença que venha nela a pôr termo definitivo ao litígio pode, e por via de regra, é  extenso e que essa demora poderá determinar a perda irremediável do direito que eventualmente assiste à parte (que está a ser discutido na ação principal ou que vai ser discutido na ação principal a ser instaurada) ou tornar a lesão desse direito de difícil reparação.
Ciente dessa realidade e que o tempo é um fator de corrosão dos direitos e que, por isso, é necessário oferecer aos litigantes meios adequados a “combater a força corrosiva do tempo-inimigo, isto é, os meios adequados a prevenir a violação do direito ou a garantir a sua efetividade”[2], o legislador concedeu aos interessados “os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação” (art. 2º, n.º 1, parte final do CPC).
            Os procedimentos cautelares, como o próprio nome indica, são ações que se caracterizam pelo seu caráter urgente (art. 363º, n.º 1 do CPC); pelo seu procedimento simplificado, onde, inclusivamente, se prescinde da observância prévia do contraditório em relação ao requerido quando essa audiência prévia puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência requerida, em que a observância desse princípio basilar do ordenamento processual civil nacional é relegado para momento posterior ao decretamento e à concretização da providência cautelar requerida (art. 366º do CPC); pela sumariedade da prova produzida – fumus boni iuris -, em que ao decretamento daquela basta um juízo de probabilidade séria, de mera aparência ou de mera justificação do direito a que o requerente do procedimento se arroga titular sobre o requerido e que visa acautelar (arts. 368º, n.º 1, 378º, 379º, 388º, n.º 2, parte final, 392º, n.º 1, 397º, n.º 1 e 405º, n.º 1 do CPC); pela sua instrumentalidade, na medida em que, salvo os casos em que seja decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar pressupõe sempre uma ação principal, já instaurada ou a instaurar, da qual é dependente e que tenha por fundamento o direito acautelado (art. 364º do CPC); e pela provisoriedade das decisões nela proferidas, na medida em que o procedimento cautelar está concebido para, em princípio, perdurar apenas pelo período de tempo estritamente necessário, até que seja proferida a decisão definitiva na ação principal de que é dependente; e pela precariedade das decisões nelas proferidas, em que a decisão cautelar que defira a providência cautelar caduca no caso da ação principal de que é dependente não for proposta no prazo de 30 dias, contados da data em que tiver sido notificado o requerente que a decisão que deferiu o procedimento cautelar transitou em julgado – al. a) do n.º 1 do art. 373º do CPC); quando essa ação principal estiver parada por mais de 30 dias, por negligência do requerente (al. b) do n.º 1, do art. 373º); quando a ação principal for julgada improcedente, por decisão transitada em julgado (al. c) do n.º 1 do art. 373º); quando o réu for nela absolvida da instância, sem que o requerente proponha nova ação em tempo útil,  de modo a poder aproveitar os efeitos da propositura da ação anterior (al. d) do n.º 1 do art. 373º); ou quando o direito que o requerente pretende acautelar se extinguir (al. e) do n. 1 do art. 373º).
Quanto às finalidades dos procedimentos cautelares, conforme decorre do n.º 1 do art. 362º do CPC, aqueles podem ter natureza conservatória ou antecipatória.
São procedimentos cautelares com natureza conservatória, como é o caso, a título exemplificativo, do procedimento cautelar de embargo de obra nova, do arresto e do arrolamento, os que “previnem a ocorrência ou a continuação de produção de danos graves e irreparáveis ou de difícil reparação no direito do seu titular, acautelando o efeito útil do reconhecimento definitivo desse mesmo direito”, ou seja, os que visam “manter ou preservar a situação existente, assegurando ao requerente a manutenção da titularidade ou do exercício de um direito ou de gozo de um bem, que está ameaçado de perder”, isto é, em que se visa “garantir que a situação de facto e de direito existente numa fase inicial do processo judicial (seja antes ou na pendência da ação judicial) se mantenha inalterada até que o processo chegue ao seu termo, assegurando-se, dessa forma, a efetividade e executoriedade da decisão judicial”. E são procedimentos cautelares de natureza antecipatória os que, “face à situação de urgência que lhes está associada, antecipam os efeitos jurídicos próprios da decisão a ser proferida na ação principal, bem como a realização do direito”, antecipando-se, mediante o deferimento do procedimento cautelar, “a própria realização do direito que presumivelmente virá a ser reconhecido nessa ação” ao requerente, como é o caso do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, de alimentos provisórios e de arbitramento de reparação provisória[3].
O procedimento cautelar de arrolamento, que se encontra regulado nos arts. 403º a 409º do CPC, como procedimento cautelar que é, tem natureza conservatória e goza das já enunciadas características de urgência, procedimento simplificado, sumariedade da prova a ser nele produzida, instrumentalidade e provisoriedade da decisão cautelar nele proferida que decrete o procedimento, podendo ser preliminar de ação a propor ou incidental de ação principal já proposta em que se discutam a titularidade dos bens a arrolar (v.g. inventário sucessório ou para partilha do património comum dos cônjuges, prestação de contas, entrega de universalidade de facto ou de direito) ou em que se discuta um direito para cuja prova ou contraprova se pretende utilizar os documentos que se almeja ver arrolados (no caso de arrolamento de documento).
Como tal, no âmbito no procedimento cautelar especificado de arrolamento, como nos procedimentos cautelares em geral, não se procura uma solução definitiva do conflito que contrapõe o requerente ao requerido, definindo-se, em definitivo, o direito discutido, mas apenas, com base numa probabilidade séria quanto à existência do direito e o fundado receio deste se vir a perder ou sofrer lesão de difícil reparação, profere-se uma decisão provisória e cautelar, em que se ordena a medida requerida com vista afastar aquele perigo[4].
Daí que o procedimento cautelar especificado de arrolamento, tal como o procedimento de arresto, visa dar uma composição provisório a determinado litígio, tendo por finalidade prevenir o perigo de extravio ou dissipação dos bens do devedor, consubstanciando ambos os procedimentos cautelares em causa providências cautelares conservatórias.
Contudo, apesar dessa característica comum entre ambos os procedimentos cautelares e do n.º 2 do art. 391º do CPC, estabelecer que: “O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo o que não contrariar o preceituado nesta secção”, enquanto o arts. 406º, n.ºs 1 e 2 estatui que: “O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito de bens”, ao qual “são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrarie o estabelecido nesta secção ou a diversa natureza das providências”, cumpre enfatizar que ambos os procedimentos especificados em causa, tal como salientou a 1ª Instância no despacho recorrido, são procedimentos distintos, que prosseguem finalidades distintas.
Na verdade, lê-se no art. 391º, n.º 1 do CPC, que: “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.
Decorre da previsão legal que se acaba de transcrever que o arresto consubstancia um procedimento cautelar conservatório que se destina a garantir que os bens e direitos que integram o património do arrestado e que servem de garantia ao cumprimento dos créditos detidos pelos seus credores (art. 601º do CC), saiam do património daquele, em que, mediante o decretamento do arresto se procede à apreensão judicial de bens (em sentido lato) que integram o património do arrestado de montante suficiente para assegurar a satisfação patrimonial do crédito de que o seu credor (arrestante) se arroga titular sobre o mesmo e que sumariamente provou ser detentor sobre aquele no âmbito do procedimento cautelar de arresto.
No arresto, visa-se, assim, salvaguardar o cumprimento do crédito detido pelo arrestante sobre o arrestado, conservando-se a garantia de cumprimento desse credito, que é o património do arrestado.
Essa salvaguarda processa-se mediante a apreensão judicial de bens (móveis ou imóveis) ou direitos de valor suficiente à liquidação do crédito detido pelo arrestante sobre o arrestado, para o caso daquele, na ação principal já proposta ou a propor, vir a demonstrar ser efetivamente titular desse direito de crédito.
Os bens arrestados ficam numa situação de indisponibilidade absoluta perante o arrestado, nos termos das disposições aplicáveis à penhora, em tudo em que não seja contrariado pelo preceituado nos arts. 391º a 396º do CPC (art. 391º, n.º 2, do mesmo Código).
Dito por outras palavras, constituindo, nos termos dos arts. 601º e 817º do CC, o património do devedor a garantia geral das obrigações por si assumidas, feita a prova da mera aparência do direito de crédito a que o requerente do arresto se arroga titular perante o requerido e do fundado receio do mesmo de perder a garantia patrimonial desse seu crédito – periculum in mora – por via de atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração levados a cabo (ou que possam ser levados a cabo) pelo requerido sobre os bens que integram o seu património, procede-se à apreensão judicial (arresto) dos bens (móveis e imóveis) e/ou direitos que integram o seu património de valor suficiente para assegurar a satisfação do direito de crédito que provavelmente é detido pelo requerente do arresto sobre aquele, sendo assim o arrestado (provável devedor) privado dos bens e/ou direitos que integram o seu património e que foram arrestados, a fim de, uma vez provado, em definitivo, na ação principal o direito de crédito do arrestante sobre aquele, o arresto ser  convertido em penhora, a fim de que, uma vez liquidados aqueles bens ou direitos, se satisfaça o  direito de crédito do arrestante (credor) sobre o arrestado (devedor) à custa do produto da venda desses bens ou direitos (arts. 391º, 392º, 393º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
No arresto visa-se conservar os bens que integram o património do devedor e que constituem a garantia geral de cumprimento dos créditos detidos pelos seus credores, mas o direito de crédito detido pelo arrestante sobre o arrestado tem natureza pecuniária, ou seja, não tem por objeto os próprios bens ou direitos arrestados.
Por sua vez, tal como decorre do art. 403, n.º 1 do CPC, o procedimento cautelar especificado de arrolamento é uma medida cautelar de caráter conservatório que pode apresentar-se sobre duas modalidades: 1º - como medida destinada a assegurar a manutenção de certos bens litigiosos, enquanto a questão da titularidade do direito sobre eles não for decidida na ação principal; ou 2º - como medida destinada a garantir a persistência de documentos necessários a fazer prova ou contraprova de um direito que está a ser discutido na ação principal, já instaurada ou a instaurar[5].
Deste modo, os bens ou os documentos arrolados têm por objeto imediato bens cuja titularidade está a ser discutida na ação principal, ou documentos que irão ser utilizados como meio de prova ou contraprova de determinado direito que está a ser discutido naquela ação de que o arrolamento é dependente.
O procedimento cautelar especificado de arrolamento prossegue, assim, objetivos próprios e bem definidos: por um lado, visa proteger um direito já constituído ou a ser judicialmente declarado; por outro, essa proteção processa-se pela conservação dos documentos ou dos bens arrolados, a fim de evitar a sua perda, ocultação, extravio, destruição ou dissipação[6]. Essa finalidade é alcançada mediante a descrição, avaliação (dispensada no arrolamento de documentos) e depósito dos bens ou dos documentos arrolados (art. 406º, n.º 1 do CPC).
Destarte, enquanto no arresto se procede à apreensão de bens ou direitos do devedor (requerido do procedimento cautelar) que integram o seu património, com vista a preservar a garantia patrimonial geral do credor (arrestante) de cumprimento de crédito que sobre ele detém, tendo em vista a posterior conversão do arresto em penhora, para uma vez vendidos os bens arrestados, com o produto da venda se dar pagamento ao direito de crédito que assiste ao arrestante sobre o arrestado e, em que, consequentemente, se procede à apreensão de bens ou direitos do devedor “para garantia dum direito de crédito que não os tem por objeto”, mas antes uma “obrigação, de origem negocial ou legal, que nasce como pecuniária, ou um sucedâneo dele (obrigação de indemnização em dinheiro, em vez de obrigação de prestação de coisa diversa duma quantia ou de obrigação de prestação de facto)”; no arrolamento de bens visa-se conservar os próprios bens (o mesmo se afirmando quanto ao arrolamento de documentos) cuja titularidade está a ser discutida na ação principal contra o risco de serem perdidos, ocultados, extraviados, destruídos ou dissipados, e em que, portanto, os bens ou os documentos arrolados são objeto, mediato ou imediato, da ação principal da qual o arrolamento depende[7].
Dito por outras palavras, enquanto o arresto tem por finalidade apreender judicialmente bens e/ou direitos que integram o património do arrestado, a fim de garantir a satisfação do direito de crédito pecuniário do arrestante sobre aquele, para o caso de, na ação principal, esse direito vir a ser provado em definitivo, mediante decisão transitada em julgado, de modo a garantir-se a existência de património suficiente na sua titularidade para liquidação/satisfação desse crédito pecuniário; no arrolamento, visa-se a apreensão judicial de documentos (arrolamento de documentos) ou de bens ou de direitos (arrolamento de bens), para que, uma vez chegado o momento dos documentos serem utilizados na ação principal, como prova ou contraprova, do direito que nela está a ser discutido, estarem disponíveis a fim de serem utilizados nela como meio probatório, ou, no caso de arrolamento de bens, de modo que, uma vez definida a titularidade sobre esses bens, que está a ser discutida, por via direta ou indireta, na ação principal, uma vez definida essa titularidade sobre os mesmos e chegado o momento da sua partilha, aqueles existam, pelo que, no arrolamento, a ação principal, já instaurada ao a instaurar, tem sempre, por via direta ou indireta, por objeto os próprios bens, direitos ou documentos arrolados[8].
Destarte, o que está subjacente ao arrolamento é sempre o risco de perda, extravio, ocultação ou dissipação de bens ou documentos e a necessidade de prevenção desse risco no sentido de assegurar a sua manutenção e conservação, de modo a garantir a efetividade do direito ou do interesse a que o requerente se arroga titular e que lhe venha a ser reconhecido na ação principal de que o arrolamento é dependente, mas em que o objetivo do arrolamento não se reconduz à mera identificação dos bens ou dos documentos e sua avaliação (quanto aos bens), mas visa assegurar a sua permanência até à realização da diligência probatória (no caso de arrolamento de documentos) ou à partilha dos bens, com vista que a requerente do arrolamento possa tomar a posse efetiva dos mesmos caso lhe caibam em partilha[9].
Acresce dizer que, enquanto no arresto, os bens arrestados ficam numa situação de total e absoluta indisponibilidade em relação ao arrestado, que fica impedido de os usar e de deles dispor, no arrolamento de bens, apesar destes serem apreendidos judicialmente, essa apreensão processa-se mediante a descrição, avaliação e depósito dos bens arrolados (art. 406º, n.º 1 do CPC). Se é certo que, enquanto providência cautelar conservatória, se visa acautelar ou garantir que os bens existam no momento de serem partilhados, pelo que o detentor dos mesmos não pode deles dispor ou destruí-los, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal (art. 375º do CPC) e nos efeitos civis da penhora (art. 406º, n.º 5 do CPC)[10], essa sua indisponibilidade sobre os bens arrolados não é absoluta, não sendo impeditiva de que os possa continuar a usar.
Com efeito, no arrolamento não se visa privar o arrolado do uso dos bens arrolados. Pelo contrário, feito o arrolamento dos mesmos mediante a sua descrição, avaliação e depósito, o arrolado deverá continuar a puder fazer uso dos mesmos, assim se compreendendo, aliás, o comando do n.º 1 do art. 408º do CPC, que manda que dos bens arrolados seja nomeado depositário o possuidor ou detentor daqueles, salvo se houver manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues[11].
Acresce enfatizar que, para que o procedimento cautelar especificado de arrolamento seja decretado, nos termos do disposto nos arts. 403º, n.º 1 e 405º, n.º 1 do CPC, na sequência, aliás, do que se vem dizendo, é necessário que o requerente alegue e prove factos de onde decorra: a- o justo ou fundado receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, direitos ou de documentos que pretende ver arrolados; e b- a provável existência do direito que se arroga titular perante o requerido e que visa acautelar com o arrolamento daqueles; se o direito relativo aos bens depender de ação proposta ou a propor, tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente.
Contudo, tratando-se de arrolamento de bens como preliminar de ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, nos termos do art. 409º do CPC, a lei prevê um processo de arrolamento especial, ao conferir legitimidade ativa a qualquer dos cônjuges de requerer o arrolamento dos bens comuns do casal, ou dos bens próprios que estejam sob a administração do outro, sem que seja necessário ao requerente do arrolamento a alegação e prova da existência do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação desses bens (n.º 3 do art. 409º), o que se compreende quando se pondera que, nos casos de rutura de casamento, é normal o surgimento de conflitos entre os cônjuges a propósito da titularidade dos bens, propícios à adoção pelos mesmos de atos de ocultação, extravio, destruição ou dissipação.
Ora, não ignorando o legislador essa realidade social, o mesmo presumiu, juris et de jure, a existência daqueles perigos (periculum in mora)[12] quando esteja em causa arrolamento de bens como preliminar ou incidente das identificadas ações, bastando, pois, ao decretamento do arrolamento que, nessas específicas situações, o cônjuge requerente faça prova sumária quanto à titularidade do direito a que se arroga titular sobre os bens que pretende ver arrolados[13].      
Revertendo ao caso dos autos, nele a recorrente AA, como incidente da ação de divórcio que instaurou contra o seu marido, BB, intentou procedimento cautelar de arrolamento, requerendo que fossem arroladas, entre outros bens e direitos, ações X Banco 1 e Banco 1... Ações que se encontravam depositadas em contas abertas junto do Banco 1..., S.A..
O procedimento cautelar de arrolamento requerido foi parcialmente decretado, sem prévia observância do contraditório quanto ao requerido BB, na sequência do que, se ordenou o arrolamento das ditas ações, tendo sido nomeados fiel depositário das mesmas a requerente (recorrente AA) e o requerido (recorrido BB), na proporção de metade.
O arrolamento de ações, nos termos do disposto no art. 780º, n.º 11, ex vi, art. 406º, n.º 5 do CPC, processa-se por carta registada com a/r, a enviar à instituição bancária onde os títulos se encontram depositadas, ou seja, no caso, ao Banco 1..., S.A., o qual, no prazo de dois dias úteis, deve informar o tribunal do montante das ações que se encontram nele depositadas e que, consequentemente, se encontram arroladas.
O Banco 1..., S.A. cumpriu com essas imposições legais, na medida em que, mediante carta datada de ../../2023, identificou o número de ações X Banco 1 e Banco 1... Ações que se encontravam nele depositadas, a cotação nominal de cada um dessas ações e o seu valor total à data do arrolamento e que, consequentemente, ficaram arroladas.
O arrolamento das ações, conforme antedito, não determinou uma total impossibilidade de serem mobilizadas pelo depositário, até porque, no despacho que determinou o respetivo arrolamento, nomeou-se como fiel depositário daquelas a recorrente AA e o recorrido BB, na proporção de metade, o que significa que cada um podia movimentar metade das mesmas, mas, salvo melhor opinião, já não as podia resgatar e liquidar, por tal contrariar as finalidades do seu arrolamento, que não é apenas a sua identificação e determinação do respetivo valor à data em que foram arroladas, mas permitir que, no caso de procedência da ação principal, que declare extinto o casamento entre recorrente e recorrido, por divórcio, na subsequente partilha dos bens comuns do extinto casal, a recorrente possa tomar a posse efetiva sobre aquelas, no caso de lhe virem a ser adjudicadas.
Acontece que o recorrido BB já após ../../2023, ou seja, após o arrolamento daquelas ações, procedeu ao resgate e liquidação da totalidade das mesmas e transferiu o produto dessa liquidação para uma conta de que é exclusivo titular.
Pretende a recorrente que se notifique o Banco 1..., S.A., para que, nos termos do disposto no art. 771º, n.ºs 2 e 3 do CPC, apresente as ações arroladas, no prazo de cinco dias e, caso não o faça, se proceda ao arresto de bens daquela instituição bancária, em montante suficiente para assegurar o seu valor, à data em que foram liquidadas, acrescido de despesas e custas, com o que, salvo o devido respeito por opinião contrária, desconsidera ou olvida que a identificada instituição bancária não foi nomeado depositária das ações, mas sim a própria recorrente e o recorrido BB, na proporção de metade.
Daí que, tendo o art. 711º, n.ºs 1 e 3 do CPC como pressuposto que o Banco 1..., S.A. tivesse sido nomeado depositário das ações, não sendo esse o caso, tal como decidido pela 1ª Instância, não existe fundamento legal para se deferir a pretensão da recorrente.
Coisa diversa é saber se, uma vez decretado o divórcio entre recorrente e recorrido, na subsequente partilha do património comum do extinto casal, no caso das ações virem a ser adjudicadas à recorrente, quais as consequências jurídicas que decorrem para o recorrido BB pelo facto de ter resgatado aquelas já após estarem arroladas e, bem assim, para o Banco 1..., S.A., por ter permitido que aquele as resgatasse e liquidasse e transferisse o produto da liquidação para uma conta de que é o único titular, apesar de não ignorar que as ações se encontravam arroladas, impedindo que a recorrente delas possa tomar posse efetiva, caso lhes venham a ser adjudicadas, questões essas de que não cuidam os presentes autos de arrolamento, por apenas se colocarem (eventualmente) no momento da partilha do património comum do ainda casal, caso venha a ser decretado o divórcio.
Dito por outras palavras, em suma, não tendo o Banco 1..., S.A. sido nomeado fiel depositário das ações arroladas, mas sim a própria recorrente AA e o recorrido BB, tal como decidido pela 1ª Instância, não existe fundamento legal para o deferimento da pretensão da recorrente.
Note-se que ao que acaba de se concluir não obsta o decidido no acórdão da R.L. de 03/04/2014, que a recorrente invoca em defesa da sua tese jurídica.
Com efeito, lê-se nesse acórdão que: “A entidade bancária notificada nos termos do art. 861º-A do CPC, tem especiais obrigações de colaboração, pelas quais é remunerada, nomeadamente as de comunicar o montante dos saldos existentes, ou a inexistência de conta ou saldo, com referência concreta ao requerido. Não cumpre tal obrigação a entidade bancária que se limita a uma informação automática, sem indicar a quota-parte do saldo do requerido, uma vez que a diligência se reporta necessariamente apenas a essa quota-parte. Tendo a instituição bancária comunicado que tinha procedido ao arrolamento do saldo de uma conta bancária, indicando o concreto montante do mesmo, sem esclarecer tratar-se de uma conta conjunta, é responsável por esse saldo bancário, assim arrolado, nos termos do n.º 11 do art. 861º-A do CPC ou, em última análise, pela aplicação subsidiária do dever de apresentação dos bens móveis penhorados, a cargo do depositário, estabelecido no art. 854º do mesmo diploma. Recusando a entrega, pode ser ordenado o arresto em bens próprios do banco, sem prejuízo de procedimento criminal e comunicação ao Banco de Portugal”[14], decisão essa que se aplaude e subscreve, mas que nada tem a ver com o caso dos autos.
Na verdade, basta ler o dito acórdão para se verificar que o mesmo se debruça sobre um caso em que, como preliminar de ação de divórcio, a aí cônjuge mulher instaurou um procedimento cautelar de arrolamento contra o aí cônjuge-marido, em que requeria que fossem arrolados os saldos existentes em diversas contas bancárias que identificou, abertas junto de determinada instituição bancária, incluindo, títulos, direitos de crédito, ações, obrigações e/ou aplicações financeiros. Esse arrolamento foi decretado, na sequência do que, a instituição bancário informou o tribunal que tinha procedido ao arrolamento do saldo das contas bancárias, no montante de 187.756,09 GBP; acontece que, uma vez instaurada a ação de divórcio pela requerente do arrolamento, essa ação veio a ser convolada para ação de divórcio por mútuo consentimento, em que os cônjuges acordaram que o saldo daquelas contas que se encontrava arrolado constituía bem comum do casal e que cada um deles ficava autorizado a levantar metade desse saldo. Essa transação foi homologada por sentença transitada em julgado. Acontece que, após o trânsito da sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento entre os aí cônjuges e que homologou aquela transação de partilha do saldo arrolado das contas bancárias, um dos ex-cônjuges veio requerer ao tribunal para que adotasse providências para que lhe fosse entregue a metade do saldo das contas arroladas, dado que a instituição bancária se recusava a entregar a sua metade, tendo sido nesse contexto (isto é, de cumprimento do acordo de partilha do saldo comum das contas bancárias arroladas, homologado por sentença transitada em julgado) que se suscitou a problemática sobre a qual se debruçou o identificado acórdão, o qual, por conseguinte, nada tem a ver com o caso sobre que versam os autos.
Decorre do excurso antecedente impor-se concluir pela improcedência do presente recurso e pela consequente confirmação do despacho recorrido.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- No procedimento cautelar de arrolamento está sempre subjacente o risco de perda, extravio, ocultação ou dissipação de bens ou de documentos e a necessidade de se afastar esse risco, mediante a manutenção e conservação daqueles, de modo a garantir a efetividade do direito ou do interesse a que o requerente se arroga titular e que lhe venha a ser reconhecido, por via direta ou indireta, sobre tais bens ou documentos na ação principal de que o arrolamento é dependente.
2- O esconjurar desses riscos não se processa pela mera descrição e avaliação (que não tem lugar quanto ao arrolamento de documentos) dos bens ou dos documentos arrolados, mas pela efetiva preservação e conservação daqueles, até à realização da diligência probatória que o requerente visa assegurar com o arrolamento dos documentos, ou a partilha dos bens arrolados, com vista a que possa tomar a efetiva posse sobre os últimos no caso desses bens lhe virem a ser adjudicados na partilha que terá de ser efetuada na sequência da procedência da ação principal de que o arrolamento é dependente.
3- Embora o arrolamento de bens não impeça que o possuidor ou detentor dos bens arrolados possa continuar a usá-los (daí que, em princípio, deva ser nomeado seu depositário – art. 408º do CPC), aquele encontra-se impedido de deles dispor, por tal impedir as finalidades prosseguidas com o arrolamento.
4- Tendo sido arroladas ações que se encontravam depositadas em contas abertas junto de determinada instituição bancária, das quais foram nomeados depositárias a requerente e o requerido do arrolamento, na proporção de metade, tendo o requerido resgatado e liquidado a totalidade dessas ações após estas já se encontrem arroladas, e procedido ao depósito do produto da liquidação numa conta de que é o único titular, não existe fundamento legal para, ao abrigo do art. 771º, n.ºs 2 e 3 do CPC, se notificar a instituição bancária (que não foi nomeada depositária das ações arroladas) para, em prazo que lhe for fixado, apresentar as ações arroladas, sob pena de não o fazendo, se proceder ao arresto de bens daquela, em montante suficiente para garantir o pagamento do valor das mesmas, na data em que foram liquidadas, acrescido de despesas e custas. 
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
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Custas do recurso pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 02 de maio de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
José Carlos Pereira Duarte – 1º Adjunto
Fernando Barroso Cabanelas – 2º Adjunto
                       


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2016, 2º ed., Almedina, págs. 84 e 85.
[3] Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., págs. 92 a 97.
[4] Ac. R.P., de 31/05/2004, Proc. 0452888, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos a que se venha a fazer referência sem menção em contrário.
[5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 496.
[6] Ac. R.P., de 25/11/2004, Proc. 0436269; Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, “Código de Processo Tributário”, pág. 370, nota 4.
[7] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, págs. 183 e 184.
[8] Acs. STJ., de 04/05/1998, Proc. 98A911, em que se expende: “Decretado o divórcio, a razão de ser que levou ao deferimento da providência mantém-se até que exista descrição de bens no inventário. De facto, o arrolamento incide sobre os bens que devem ser partilhados e tem como finalidade essencial garantir que tais bens existam no momento em que se efetua a partilha. O auto de arrolamento servirá de descrição no inventário a que se venha a proceder”; R.P., de 31/05/2004, Proc. 04528888: “O arrolamento incide sobre os bens que devam vir a ser partilhados e tem como finalidade garantir que tais bens existem no momento da partilha. Servindo o arrolamento tais finalidades – garantir que no momento da partilha os bens existentes são os que existem atualmente e que se pretendem ver arrolados – é manifesto que o arrolamento implica a indisponibilidade dos bens, sendo, nessa medida, um procedimento conservatório (com o arrolamento pretende-se conservar «bens» ou «documentos», evitando-se a sua perda, ocultação, extravio, destruição ou dissipação”, mas logo se adiantando que: “ainda que o procedimento cautelar de arrolamento, como preliminar da ação de divórcio, tenha também por finalidade prevenir o perigo de extravio ou dissipação dos bens que fazem parte do património do casal (visa, deste modo, de forma indireta, garantir que no momento da partilha os bens existentes são os que existem atualmente e que se pretendem ver arrolados) devemos considerar que o mesmo se esgota com o lavrar do auto em que se descrevem os bens, se declare o valor fixado pelo louvado e se certifique a entrega ao depositário (que no caso deve ser o cônjuge que utiliza esses bens). Com este arrolamento não pretendeu o legislador impedir a normal utilização dos bens arrolados pelos cônjuges, isto é não se pretendeu que os bens ficassem numa situação de indisponibilidade absoluta de tais bens, privando muitas vezes o casal ou só uns dos cônjuges de satisfazer até algumas necessidades básicas. No arrolamento de bens, como preliminar da ação de divórcio, deve ser nomeado depositário o possuidor ou detentor dos bens, porque o objetivo da providência não é prejudicar o gozo e utilização normal dos bens, mas a determinação da sua existência e conservação – Ac. R.P., de 6/07/1998, Proc. 411/96”.
[9] Ac. R. C., de 12/10/2021, Proc. 947/21.0T8CVL-A.C1.
[10] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 194, em que a propósito do art. 406º, n.º 5 do CPC expendem: “A norma do n.º 5 é mais ampla do que a do art. 391-2, relativa ao arresto: não se limita a mandar aplicar ao arrolamento as disposições, que sejam aplicáveis, relativas à realização da penhora; tem também o alcance de lhe tornar aplicáveis os efeitos civis da penhora, na medida em que a diversa natureza das providências o permita. Assim acontece, desde logo, com as normas respeitantes ao exercício, pelo depositário da posse e administração dos bens penhorados. Quanto às normas dos arts. 819º e 820º do CC (ineficácia relativa do ato de disposição, oneração ou arrendamento praticado pelo executado, bem como do ato de extinção do direito de crédito praticado pelo devedor do executado), que pressupõem que o executado é o titular do direito relativo aos bens, a questão põe-se semelhante à que se coloca perante o ato de apreensão de bens na ação executiva para entrega de coisa certa: se a apreensão tiver por fundamento um direito real do requerente da providência, qualquer ato de disposição ou oneração que o requerido pratique é nulo, por ilegitimidade decorrente das normas de direito material, às quais, tratando-se de bens sujeitos a registo, o ato de arrolamento apenas acrescente a eficácia perante terceiros própria da publicidade registal, afastando a possibilidade de aquisição nos termos do art. 291º do CC; se a apreensão da coisa se fundar num direito de crédito do requerente, o ato de disposição ou oneração praticado pelo requerido será, em princípio, válido e eficaz; tratando-se, finalmente, do arrolamento dum direito de crédito, a exclusão do efeito liberatório do pagamento efetuado ao requerido não resulta do ato de arrolamento, mas da ilegitimidade do requerido, fora dos casos do art. 770º do CC, para receber uma prestação que, afinal, era devida ao requerente e não a ele” (destacado nosso).    
[11] Acs. STJ., de 04/05/1998, Proc. 98A911; R.P., de 31/05/2004, já citados; RP., de 25/11/2004, Proc. 0436269: “O arrolamento é uma providência cautelar com objetivo e fim bem definidos: por um lado, visa proteger um direito já constituído ou a ser judicialmente declarado; por outro, tem por finalidade a conservação dos bens para evitar o seu extravio ou dissipação e consiste na sua descrição, avaliação e depósito (arts. 421º e 424º, n.º 1). Mas o depositário é o próprio possuidor ou detentor. Como já afirmava Alberto dos Reis, CPC, vol. II, pág. 123, há aqui dois interesses em conflito: o do requerente, no sentido de se proceder à apreensão judicial dos bens; o do possuidor ou detentor, no sentido de se manter o statu quo. Por isso, com o arrolamento, não se pode prejudicar o gozo e utilização normal que os bens possibilitam; daí o depositário seja sempre o seu possuidor ou detentor. Só em casos excecionais, havendo inconveniente, é que os bens são retirados da disponibilidade do seu possuidor (art. 408º, n.º 1 do CPC)”; Ac. R.G., de 04/01/2021, Proc. 2184/20.2T8VRL-B: “O decretamento do procedimento cautelar de arrolamento depende da verificação de um justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, podendo ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens. Tal providência é adequada a prevenir o risco de dissipação ou ocultação de bens - no caso, depósito em conta bancárias – e acautela o efeito útil do processo de inventário para partilha. O arrolamento dos bens de cônjuges, designadamente, de depósitos bancários, não inviabiliza a sua possível movimentação pelo seu titular, pois que, com este arrolamento especial não se pretendeu impedir a normal utilização dos bens arrolados, mas apenas obviar o seu extravio ou dissipação, que se atinge com a descrição, avaliação e depósito dos bens. Na verdade, o titular da conta, o cônjuge depositário, prestará contas da sua função de depositário, na medida em que as contas bancárias, nos termos dos arts. 1187º do CC e 843º, n.º 1 e 845º do CPC. Por essa razão, em regra, deve o titular das contas bancárias ser nomeado depositário. No entanto, havendo receio de que os interessados titulares da conta bancário ocasionem extravio/dissipação desses depósitos bancários, assim impedindo a sua entrega a quem couberem em partilha, não devem tais interessados ser nomeados depositários, por ocorrer manifesto inconveniente nos termos do art. 408º, n.º 1 do CPC, antes se justificando a nomeação da respetiva entidade bancária como depositária, a dever impedir a movimentação da conta a débito, sem o que o procedimento não cumprirá a sua essencial função conservatório”; no mesmo sentido Acs. RG., de 19/06/2014, Proc. 1281/12.2TBEPS-B.G1; de 26/11/2020, Proc. 1475/19.0T8BCL-A.G12; de 13/0772022, Proc. 2184/20.2T8VRL-F.G1. 
[12] Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., págs. 259 e 260; 
[13] Ac. R.E., de 12/10/2006, Proc. 368/06-3: “Decorre do estatuído no art. 427º, n.º 1, que o requerente do arrolamento, está dispensando de demonstrar a probabilidade da procedência da ação proposta ou a propor, pois que o direito de arrolamento é consequência, pura e simples, do facto de ir propor ou ter sido proposta ação de divórcio. O justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens que pretende ver arrolados presume-se “juris et de jure”, pelo que se dispensa a alegação. Mas já não está dispensada de alegar e provar que é casada com o requerido e que há a séria probabilidade de os bens a arrolar serem comuns, ou serem seus, mas estarem sob a administração do outro cônjuge. A dispensa da lei quanto à alegação e prova do “periculum in mora” não é extensível ao “fumus bonis juris” (aparência do direito). O arrolamento dos bens comuns do casal não cria uma situação de indisponibilidade absoluta dos bens, pois que de outro modo os cônjuges ficariam privados da sua utilização normal. Por isso, no caso de arrolamento de depósitos bancários, os mesmos não devem ficar à ordem do tribunal (nem nomeada depositária a instituição bancária), de forma a não poderem ser movimentados. Por isso e no tocante aos saldos bancários deve nomear-se depositário desses saldos requerente e requerido, cada um na proporção do respetivo valor, tratando-se de bens comuns, a fim de não inviabilização de utilização normal e evitar que um dos cônjuges administre os mesmos de forma a comprometer definitivamente os interesses patrimoniais do outro – art. 426º, n.º 2 do CPC”. 
[14] Ac. R.L., de 03/04/2014, Proc. 6234/10.2TBALM-D.L1-6