EMBARGOS DE EXECUTADO
EXCEÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário


I - Considerando que a obrigação exequenda de restituição (entrega) do imóvel corresponde a uma consequência da declaração judicial de nulidade do contrato-promessa em causa, e não ao cumprimento de qualquer obrigação emergente desse contrato, e considerando que a excepção do não cumprimento do contrato prevista no art. 428º/1 do C.Civil constitui apenas um meio de assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas no âmbito dos contratos bilaterais, restringindo-se mesmo às obrigações principais, impõe concluir-se que, no caso em apreço, a invocação do direito de recusa de cumprimento da obrigação exequenda ao abrigo de tal excepção carece em absoluto de fundamento legal, não sendo a mesma oponível por não estarmos perante uma situação de cumprimento de obrigações contratuais bilaterais e sinalagmáticas.
II - Para que exista direito de retenção (art. 754º do C.Civil) devem estar preenchidos três requisitos: 1) que o devedor detentor detenha licitamente a coisa que deve entregar a outrem [cfr. art. 756º/a) do C.Civil]; 2) que o devedor detentor seja, simultaneamente, credor daquele a quem deve restituir a coisa; e 3) que entre os dois créditos haja uma relação de conexão (debitum cum re junctum) nas condições definidas no citado art. 754º (despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados).
III - Quanto a este terceiro requisito, são duas as circunstâncias cuja verificação, em alternativa, a lei faz depender a existência do direito de retenção: para que a recusa da entrega da coisa seja legítima, é necessário que o crédito do retentor sobre o titular da coisa (dono ou seu legítimo possuidor) advenha (tenha como causa) de «despesas feitas por causa dela» ou de «danos por ela causados».
IV - Como tem sido entendimento unânime da jurisprudência do STJ, os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se estas forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente modificar as decisões do tribunal recorrido sobre pontos questionados e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu, não podendo o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido objeto da decisão recorrida ou que as partes não suscitaram perante o tribunal recorrido.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

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1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada

AA, executado no proc. nº1913/19...., veio deduzir oposição à execução e à penhora, mediante embargos de executado, contra a Exequente EMP01..., Lda., formulando os seguintes pedidos:

«1. A sentença dada em execução constitui uma sentença declarativa de simples apreciação, onde se apreciou, oficiosamente, o vício de nulidade, por falta de forma, do contrato-promessa de compra e venda relativo à habitação ... referenciada nos autos, celebrado verbalmente entre a exequente, aqui embargada e o executado, aqui embargante, este por si e enquanto único sócio e gerente da EMP02.... – EMP02... Limitada.
2. Na ação onde foi proferida tal sentença, por se tratar de uma ação instaurada pelo executado, aqui embargante, ali autor, contra a exequente, aqui embargada, ali ré, e em virtude da reconvenção ter sido julgada inepta e dela absolvido o autor da instância, não podia ser condenado o autor, a não ser nas custas processuais.
3. Tal sentença não constitui uma sentença condenatória e, por isso, nos termos do disposto no 703º do Cód. Proc. Civil, não constitui um título executivo, tendo a execução, que com estes embargos se pretende extinguir, sido instaurada sem título exequível.
4. Se aquela sentença constituísse um título executivo – mas como deixamos alegado, não constitui –, a execução a instaurar não poderia ser para prestação de facto, mas sim uma execução para entrega de coisa certa, disciplinada nos artigos 859º e seguintes do Cód. Proc. Civil.
5. Se do título decorrer uma obrigação de entrega de coisa certa, não pode peticionar-se a prestação de um facto, e tendo a exequente instaurado uma execução para prestação de facto onde, afinal, pelo sr. agente de execução, foi feita, indevidamente, a entrega de um coisa (habitação ...), verifica-se existir uma clara contradição entre a causa de pedir e o pedido, cuja consequência é a nulidade de todo o processo por ineptidão (cfr. art. 186º do C.P.C.), nulidade de todo o processo por ineptidão do RE que expressamente se argui.
6. Em conformidade com os factos alegados sob os artigos 26º a 50º deste articulado de embargos de executado, que aqui se dão por reproduzidos, os atos praticados (= factos dos artigos 26º a 29º, 34º, 35º e 44º destes embargos) e os atos omitidos (= factos dos artigos 40º, 41º, 45º, 48º e 49º destes embargos) pelo sr. agente de execução e pela exequente, constituem nulidades e óbvias violações, entre outras, dos artigos 626º, 855º, 861º/6, 863º e 868º todos do C.P.C. e constituem a prática do crime de violação de domicílio p. e p. nos artigos 190º e 378º do Cód. Penal, que importam a anulação de todo o processado posterior ao Requerimento Executivo – O QUE SE REQUER, e que fazem incorrer os autores de tais atos em responsabilidade civil e criminal.
7. Da sentença a declarar a nulidade do contrato-promessa de compra e venda, por se ter apreciado, oficiosamente, a respetiva nulidade por vício de forma e a declarar, sem fixar prazos nem valores, que deve ser restituído tudo o que foi prestado, por aplicação do disposto no art. 289º do Cód. Civil, e reconhecendo-se ali que há bens a restituir ou a pagar por ambas as partes, sem que se tenha fixado qualquer prazo para tal efeito, então, a qualquer uma das partes (exequente e/ou executado) a lei confere o direito de recusar a sua prestação enquanto a outra na efetuar a sua prestação, nos termos dos artigos 428º e seguintes do Cód. Civil.
8. Na sentença dada como título executivo reconhece-se, desde logo dos pontos 6. e 7. dos Factos Provados, ter o executado/embargante e a “EMP02..., Limitada” realizado obras, trabalhos e aplicados materiais na habitação ..., na “Quinta ...” e em outras obras da exequente/embargada, no valor global de 132.235,56€.
9. A referida “EMP02..., Limitada” por contrato de cessão de créditos, celebrado com o executado/embargante, em ../../2011, cedeu ao executado/embargante, os seus créditos sobre a exequente/embargada, no montante de 132.235,56€.
10. O valor dos trabalhos, obras, materiais e bens aplicados na habitação ... pelo executado/embargante, em cumprimento daquele contrato-promessa declarado nulo, é de 52.296,47€.
11. No total, tem o executado/embargante sobre a exequente/embargada, um crédito no montante de 191.955,24€, sendo 132.235,56€ de crédito cedido pela EMP02... Limitada e 52.296,47€ do valor das obras, trabalhos, bens e materiais aplicados na habitação ....
12. O executado/embargante goza do direito de retenção sobre a habitação ..., nos termos do artigo 754º e seguintes do Cód. Civil, direito que expressamente invoca e pretende exercer enquanto a exequente/embargado não proceder ao pagamento dos referidos créditos no montante de 52.296,47€, resultantes e correspondentes ao valor dos trabalhos, obras, materiais e bens aplicados na habitação ... pelo executado/embargante, em cumprimento daquele contrato-promessa, e dos referidos créditos no valor global de 132.235,56€, resultantes e correspondentes ás obras, trabalhos e materiais aplicados e realizados pela “EMP02..., Limitada” na “Quinta ...” e em outras obras da exequente, cedidos ao executado/embargante».
Fundamentou a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «O Exequente instaurou a presente execução oferecendo como título executivo uma cópia da sentença proferida em 09-05-2015 na ação de processo comum com o Proc. nº 510/13...., do Juízo Central Cível de Braga - Juiz ..., a qual “a) Julgou a acção totalmente improcedente e em consequência absolver os Réus dos pedidos formulados nos presentes autos pelo Autor; e b) declarou a nulidade do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Ré EMP01... Lda. e consequentemente determinar a restituição do que tiver sido prestado”; nesta sentença o tribunal não condenou o ali autor, aqui embargante, a restituir o que quer que fosse; o tribunal declarou, oficiosamente, a nulidade do contrato-promessa de compra e venda em causa nessa ação e, por força da declaração dessa nulidade, com fundamento no disposto no art. 289º do Cód. Civil, declarou ou determinou que deveria ser restituído tudo o que foi prestado entre as partes contratantes, e nem sequer condenou o autor a reconhecer essa nulidade; é uma sentença declarativa de simples apreciação, oficiosa, de uma exceção (nulidade) e não constitui um título executivo; a exequente, ora aqui embargada, remeteu ao executado/embargante uma carta datada de ... de janeiro de 2019, onde, por um lado, solicita a entrega da habitação ..., no prazo máximo de 10 dias, que seja retirado da casa a mobília, a bomba de calor, os estores e os acabamentos em gesso, e que seja colocada a caldeira de ...; essa carta/solicitação não tem idoneidade para conferir exequibilidade à referida sentença; a execução a instaurar não poderia ser para prestação de facto, mas sim uma execução para entrega de coisa certa; se do título decorrer uma obrigação de entrega de coisa certa, não pode peticionar-se a prestação de um facto, constituindo tal vício uma contradição entre a causa de pedir e o pedido, cuja consequência é a nulidade de todo o processo por ineptidão; sendo uma execução para prestação de facto, antes de qualquer outra diligência (penhora, entrega de bens e outras), há sempre lugar à citação do executado para, em 20 dias, deduzir oposição por embargos; não foi fixado nessa sentença nenhum prazo para o executado/embargante proceder á entrega da habitação ... e o executado/embargante não aceitou aquele prazo de 10 dias referida na carta/solicitação; na presente execução, o agente de execução agiu totalmente à revelia da lei, pois tinha primeiro que dar cumprimento ao disposto no art. 868º do C.P.C., o que, manifestamente, não fez, e só depois é que, eventualmente, podia proceder à entrega da referida habitação; a Habitação ... constitui a casa de habitação que é residência oficial, fiscal e única do executado/embargante, não tendo o executado/embargante outra habitação para residir; o agente de execução também não deu cumprimento ao disposto no art. 863º do CPC, não tendo notificado antecipadamente a Câmara Municipal ... nem as entidades assistenciais competentes; os atos praticados e os atos omitidos pelo agente de execução e pela exequente constituem nulidades que importam a anulação de todo o processado posterior ao requerimento executivo; quer o executado/embargante quer a sociedade “EMP02..., Limitada”, prestaram trabalho e fizeram obras para a exequente; a referida EMP02.... em 18/08/2011 cedeu ao executado/embargante os créditos que no montante de 132.235,56€ tinha sobre a exequente/embargada; tais trabalhos e obras até à presente data não foram pagos esta àquele e enquanto não pagar o valor de tais trabalhos e obras, também o executado/embargante não é obrigado a entregar a habitação em causa; na sentença, como consequência da declaração oficiosa da nulidade do contrato-promessa de compra e venda verbal, foi declarado que deve ser restituído tudo o que as partes contraentes prestaram uma à outra; enquanto o exequente/embargado não restituir o que lhe foi prestado na sequência da celebração do referido contrato-promessa de compra e venda declarado nulo, o executado/embargante, pelas obras realizadas na própria habitação ..., goza do direito de retenção sobre a habitação; o executado/embargante na sequência de tal contrato-promessa e em pagamento do referido preço negociado, foi realizando diversas obras e efectuando diversos trabalhos, por si e através da referida EMP02.... no interior da habitação e em outras moradias, na “Quinta ...” e em outras obras da exequente/embargada; na Habitação ..., o executado/embargante executou obras e trabalhos no valor de 52.296,47€, sendo que essas obras e materiais ali aplicados fazem parte integrante da habitação e, por esse motivo, não podem ser levantáveis; o executado/embargante adquiriu e colocou no interior da habitação os seguintes bens que têm um valor de cerca de 52.790,00€; a EMP02... realizou obras e trabalhos para a exequente/embargada na “Quinta ...” e em outras obras da exequente/embargada no montante total 132.235,56€, sendo que desse total a exequente/embargada já reconheceu ter sido pago, pelo menos, 105.441,33€; o executado/embargante é credor do exequente/embargado em, pelo menos, de 191.955,24€; se a exequente/embargada pretende que o executado/embargante lhe entregue a casa, então que proceda, no ato da referida entrega da habitação ..., ao pagamento do referido crédito no montante de 191.955,24€».
A Exequente/Embargada contestou, pugnando por «os presentes embargos serem julgados totalmente improcedentes por não provados» e pedindo que «o embargante seja condenado como litigante de má fé em multa condigna a favor do Estado e indemnização a favor da embargante em montante nunca inferior a € 5.000,00».

Alegou, essencialmente, que: «os pedidos formulados nos embargos são ininteligíveis o que acarreta a ineptidão da petição de embargos e a consequente nulidade de todo o processado; o Tribunal declarou nulo o contrato promessa celebrado entre embargante e embargada por vício de forma, mas não se limitou a esse reconhecimento na medida em que determinou a restituição do que tiver sido prestado, logo a sentença é condenatória;  o Tribunal proferiu despacho a convolar a presente execução em execução para entrega de coisa certa, admitindo liminarmente o requerimento executivo apenas quanto ao pedido de entrega da habitação n.º ...2, do Aldeamento "Quinta ...", seguindo a tramitação prevista nos arts. 626.º, n.º 3, 855.º e 861.º do NCPC., pelo que nenhuma irregularidade processual se cometeu; a entrega da habitação ... tornou-se exequível com o transito em julgado da decisão que a decretou; não tinha a douta sentença declarativa de fixar prazo para a entrega, nem teria a embargada de interpelar o embargante para que lhe seja entrega a referida habitação; não há lugar a aplicação no caso concreto dos artigos 861º, n.º 6 e 863º, n.º 3 a 5, do CPC  porque no decurso da diligência o embargante não mencionou
padecer de qualquer doença, nem exibiu qualquer atestado médico que atestasse que a diligência de entrega do imóvel lhe pusesse em risco a vida por razões de doença aguda; o embargante não reside principalmente naquela casa, sendo antes esta uma segunda habitação; só há lugar a comunicação antecipada à Câmara Municipal e entidades assistenciais competentes quando se suscitarem sérias dificuldades no realojamento em virtude de carências económicas sérias que não resultam nem dos autos, nem foram alegadas; o embargante tem direito ao que consta do facto 6 dos factos provados e poderia os ter retirado visto que até a entrega do imóvel ocupava essa habitação; as prestações que devem ser restituídas não somente não são bilaterais como não sinalagmáticas pois que a entrega dos bens do embargante não depende da entrega do imóvel da embargada ou vice-versa; factos relativos ao direito de retenção não foram alegados em sede de ação declarativa; nos termos do artigo 860º, nº3, do CPC, a oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando baseando-se a execução em sentença condenatória o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas; na sentença condenatória unicamente ficou provado como benfeitorias feitas pelo embargante os acabamentos em gesso cartonado, bomba de calor, motores elétricos dos estores e mobília, pelo que não é admissível a oposição com base em quaisquer outras benfeitorias; só se aceitam as mobílias constantes do auto de diligencia do agente de execução; o alegado crédito de € 132.235,56 da EMP02... sobre a embargada nunca existiu e consequentemente nunca existiu a sua cessão; apesar de em sede de processo declarativo ter ficado provado que o embargante somente fez os acabamentos interiores da habitação em gesso cartonado, colocou bomba de calor, estores elétricos e mobília, o mesmo não peticionou qualquer direito de retenção por tais benfeitorias; o embargante litiga de má fé».

Na data de ../../2019, o Tribunal a quo proferiu sentença sobre o mérito dos embargos com o seguinte decisório:
“Pelo exposto, decido:
8.1.- Julgar improcedentes os presentes embargos à execução e, em consequência, determino o prosseguimento da ação executiva apensa contra o ora embargante.
8.2.- Julgar improcedente o pedido de condenação do embargante como litigante de má-fé (…)”.
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1.2. Do Recurso do Executado/Embargante

Inconformada com a sentença, na data de ../../2019, o Executado/Embargante interpôs recurso de apelação, pedindo que seja «revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão onde se julgue procedentes os embargos de executado», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:

“1. A sentença dada em execução constitui uma sentença declarativa de simples apreciação, onde se apreciou, oficiosamente, o vicio de nulidade, por falta de forma, do contrato-promessa de compra e venda relativo á habitação n.º ...2 referenciada nos autos, celebrado
verbalmente entre a exequente/embargada/apelada e o executado/embargante/apelante, este por si e enquanto único sócio e gerente da EMP02.... – EMP02... Limitada.
2. Nessa acção onde foi proferida tal sentença, por se tratar de uma acção instaurada pelo embargante/apelante, ali autor, contra a embargada/apelada, ali ré, e em virtude da reconvenção ter sido julgada inepta e dela absolvido o autor da instância, não podia o autor ser condenado, pois só ele é que tinha formulado pedidos contra a embargada/apelada, ali ré.
3. Tal sentença não constitui uma sentença condenatória e, por isso, nos termos do disposto no 703.º do Cód. Proc. Civil, não constitui um título executivo, tendo a execução, que com estes embargos se pretende extinguir, sido instaurada sem título exequível.
4. Na referida sentença dada em execução, como consequência da nulidade oficiosamente declarada e por aplicação do disposto no art. 289.º do Cód. Civil, foi determinada “a restituição do que tiver sido prestado”, ou seja, ali declarou-se que deveria ser restituído tudo o que foi prestado entre as partes.
5. Dessa declaração de nulidade proferida pelo tribunal e do disposto no art. 289.º do Cód. Civil, desse desfazer desse contrato-promessa compra e venda celebrado verbalmente, resultam obrigações de restituição para as partes contratantes, devendo essas obrigações, que são reciprocas, ser prestadas em simultâneo, não fazendo sentido que uma parte (embargada/apelada) pretenda a restituição da habitação, mas já não esteja disponível para, nesse ato de restituição, restituir ou pagar á outra parte (embargante/apelante) o valor correspondente aos trabalhos e materiais prestados pela contraparte.
6. Da referida sentença dada em execução emergiram obrigações bilaterais, aplicando-se em relação a tais obrigações e respectivos titulares a exceção do não cumprimento do contrato previsto no art. 428.º do Cód. Civil, podendo o embargante/apelante invocar tal exceção enquanto a embargada/apelada não cumprir a sua obrigação.
7. O executado/embargante goza do direito de retenção sobre a habitação n.º ...2, nos termos do artigo 754.º e seguintes do Cód. Civil, direito que expressamente pode invocar e pretende exercer enquanto a exequente/embargada não prestar a sua obrigação, ou seja, não restituir os bens e/ou valores correspondentes ás obras, trabalhos e materiais aplicados que lhe foram prestados pelo executado/embargante, parte deles, na habitação n.º ..., em cumprimento daquele contrato-promessa, incluindo os valores correspondentes ás obras, trabalhos e materiais aplicados e realizados pela “EMP02..., Limitada” na “Quinta ...” e em outras obras da exequente/embargada, cedidos ao executado/embargante.
8. Esse direito de retenção foi invocado pelo embargante/apelante nos presentes embargos de executado, sendo precisamente nestes autos o momento adequado para tal direito ser pedido e para ser reconhecido, em virtude de se verificarem os requisitos legais para o mesmo ser reconhecido, já que só com a execução é que passou a ser exigida a entrega da
habitação e na ação declarativa não estava validamente formulado nenhum pedido de entrega dessa habitação.
9. Com a citação devia o sr. agente de execução notificar ao executado/embargante o despacho liminar proferido pelo tribunal onde se decidiu que a execução para prestação de facto instaurada pela exequente passasse a ser uma execução para entrega de coisa certa, constituindo a omissão de tal notificação uma nulidade processual, que teve efeitos na tramitação dos autos e sobre o qual o executado não teve oportunidade de tomar posição, por desconhecer tal despacho.
10. Da sentença dada em execução, designadamente do ponto 16. dos Factos Provados decorre ser a habitação n.º...2, objeto da entrega levada a efeito pelo sr. agente de execução, a residência do executado/embargante, pelo que deveria ter dado cumprimento aos disposto nos artigos 859.º e seguintes do CPC.
11. Em conformidade com os factos alegados sob os artigos 26.º a 50.º dos presentes embargos de executado, que aqui se dão por reproduzidos, os atos praticados (= factos dos artigos 26.º a 29.º, 34.º, 35.º e 44.º destes embargos) e os atos omitidos (= factos dos artigos 40.º, 41.º, 45.º, 48.º e 49.º destes embargos) pelo sr. agente de execução e pela exequente, constituem nulidades e óbvias violações, entre outras, dos artigos 626.º, 855.º, 859.º, 861.º/6 e 863.º todos do C.P.C., que importam a anulação de todo o processado posterior ao Requerimento Executivo.
12. Ao julgar como julgou, o tribunal recorrido não aplicou e antes violou as normas dos artigos 428.º e 754.º e seguintes do Cód. Civil, 626.º, 703.º, 855.º, 859.º, 861.º e 863.º do CPC, decidiu contra a jurisprudência do douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-10-2018, supra citado, interpretou incorrectamente a sentença dada em execução e incorreu em erro de julgamento”.
A Exequente/Embargada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Na data de 12/12/2019, o recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.

Na data de ../../2020, este Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão com o seguinte decisório: “Nos termos que se deixam expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação, e, revogando a decisão impugnada, em julgar procedentes os embargos e extinta a execução”
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Inconformada com o referido acórdão sentença, na data de ../../2020, a Exequente/Embargada interpôs recurso de revista, pedindo que «o acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que confirme a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:

“A- Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Venerado Tribunal da Relação de Guimarães que, dando provimento ao recurso de apelação interposto pelo recorrido, revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância e nessa medida julgou os embargos de executado procedentes e ordenou a extinção da instância.
B- Na verdade, resultou entre outros provados em sede de sentença declarativa que recorrido e recorrente prometerem verbalmente a compra e venda a habitação n.º ...2 da referida “Quinta ...” pelo preço de € 200.000,00 e que o referido preço seria pago através de trabalhos de colocação de tectos falsos a realizar nas moradias em construção na referida “Quinta ...” e em outras obras que a recorrente levava a cabo, pela sociedade EMP02... Lda.
C- Ficou ainda provado que o recorrido fez à sua custa os acabamentos em gesso cartonado na referida habitação n.º ...2, colocou estores elétricos, bomba de calor e mobilou a casa.
D- E que em ...08, a recorrente entregou a casa ao recorrido.
E- Tendo a sociedade EMP02... Lda emitido diversas faturas em nome da recorrente relativas aos trabalhos de colocação de tectos falsos que a recorrente pagou.
F- Perante tais factos entendeu o Venerado Tribunal da Relação de Guimarães que a sentença declarativa não fixou o quid nem o quantum de cada prestação a ser restituída, carecendo as prestações de serem previamente liquidadas.
G- Ora, analisados os factos provados constantes da douta sentença declarativa facilmente conseguimos determinar aquilo que cada uma das partes entregou à outra em consequência da celebração, verbal, do dito contrato promessa de compra e venda.
H- Na verdade, consta da douta sentença declarativa no facto provado 8 que a prestação da recorrente, em consequência da celebração do dito contrato promessa, foi a entrega ao recorrido da casa ...2 da Quinta ....
I- Trata-se de uma prestação certa, liquida e exigível e nessa medida é esta prestação - entrega da casa n.º ...2 da Quinta ... - que o recorrido tem de restituir à recorrente.
J- Assim aliás o defendeu a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
K- Trata-se de uma prestação que tem de ser objeto de exequibilidade imediata nos termos do artigo 716º, n.º 7, do CPC.
L- Refere ainda o Tribunal recorrido que a sentença declarativa não especifica a prestação que a recorrente tem de restituir ao recorrido.
M- É verdade, mas se a sentença não o fez é porque, pura e simplesmente, não o poderia ter feito já que essa prestação não existe., nem poderia existir.
N- Na verdade, o acordado entre as partes e que consta do facto provado 4 da sentença declarativa era que o pagamento do preço por parte do recorrido seria feito mediante trabalhos a prestar pela sociedade EMP02... Lda e não pelo recorrido.
O- O recorrido nada prestou e nessa medida nada lhe tem de ser restituído.
P- A sociedade EMP02..., Lda não é parte do processo e nessa medida o recorrido não pode querer que lhe seja restituído, a ele, uma prestação alegadamente cumprida por terceira pessoa.
Q- Mas mesmo que assim não se entenda, o que só hipoteticamente se equaciona, consta do facto provado 7 da sentença declarativa que, os trabalhos de tectos falsos faturados pela dita sociedade EMP02... foram pagos pela recorrente.
R- Não ficou provado que houveram trabalhos não pagos, pelo nem àquela sociedade teria direito à restituição de qualquer prestação.
S- Entendimento defendido pela douta sentença proferida em sede de 1ª instância.
T- Não se nega que resultou provado na sentença declarativa no facto provado 6 que o recorrido fez a sua custa os acabamentos em gesso cartonado na referida habitação n.º ...2, colocou estores elétricos, bomba de calor e mobilou a casa.
U- No entanto e contrariamente ao defendido no acórdão recorrido tais bens e obras foram feitos na sequencia da traditio do bem prometido vender ao recorrido e não constituírem o pagamento do preço da casa.
V- O preço da casa deveria ter sido pago pelos trabalhos de tectos falsos por parte da sociedade EMP02..., Lda.
W- A mobília, bomba de calor, estores elétricos e acabamentos em gesso feitos na casa prometida vender não foram entregues à recorrente e nessa medida como nada lhe foi entregue nada tem de restituir ao recorrido.
X- Pelo que não está em causa a iliquidez da prestação de restituição por parte do recorrente, mas outrossim a inexistência de prestação a restituir. Decidir de forma diferente, como o fez o acórdão recorrido, é ofender a autoridade do caso julgado da sentença declarativa.
Y- Nessa medida errou o acórdão recorrido quando decidiu que a prestação de restituição da recorrente é ilíquida na medida em que essa prestação inexiste.
Z- Não se quer com isso dizer que o recorrido não tem direito a mobília que colocou na habitação, ou a bomba de calor. Tem direito a eles porque simplesmente são da sua propriedade.
AA- Não se pode é pedir a recorrente que restitui ao recorrido algo que está na posse deste e que a recorrente nunca deteve porque simplesmente nunca lhe foi entregue.
BB- A mobília e a bomba de calor são bens móveis que, nessa medida, o recorrido simplesmente pode e deve retirar do interior da habitação.
CC- Já os acabamentos em gesso e os motores elétricos são melhoramentos feitos na habitação que não constituem obras necessárias para evitar a perda, destruição ou deterioração da moradia visto que esta encontrava-se em construção aquando a celebração do contrato promessa.
DD- Poderá questionar-se se tais obras são úteis ou voluptuárias mas em qualquer dos casos o possuidor tem direito ao levantamento das mesmas desde que o levantamento não implique o detrimento/ prejuízo da coisa benfeitorizada.
EE- Esse detrimento afere-se em função da coisa benfeitorizada e não em função da benfeitoria em si e somente caso não seja possível o levantamento da benfeitoria útil sem detrimento da casa é que o recorrido terá direito a ser indemnizado.
FF- No entanto, tal significa que alguma prestação terá de lhe ser restituída.
GG- Permitir que o recorrido não entregue a casa à recorrente por causa dessas obras é violar o caso julgado da sentença declarativa que não lhe reconheceu qualquer direito de retenção.
HH- Para além de que, não há que esquecer que não resultou provado na sentença declarativa a natureza útil ou voluptuária dessas obras, nem tão pouco o seu valor. Ónus da prova que ao recorrido incumbia.
II- Nessa medida entende-se que não poderá deduzir incidente de liquidação quanto ao valor dessas obras já que em sede declarativa não provou que essas obras eram no mínimo úteis.
JJ- Mas e mesmo a considerar-se que o recorrido pode deduzir esse incidente de liquidação, o certo é que tal direito não pode impedir a entrega da casa à recorrente já que essas obras não constituíram o pagamento do preço da casa e nessa medida não constituíram a prestação entregue à recorrente e que tem de lhe ser restituída por causa da declaração de nulidade do contrato promessa prometido.
KK- Assim, terá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que confirme a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância”.
O Executado/Embargante apresentou contra-alegações, pugnando pela «não concessão da revista, julgando-se procedentes os embargos e ordenando-se a extinção da execução».
Na data de 02/09/2020, o recurso foi admitido como de revista, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.

Na data de 26/04/2023, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão com o seguinte decisório:

“Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em:
a) conceder a revista e revogar a decisão impugnada que julgou procedentes os embargos e considerar o título de execução exequível e líquido relativamente à obrigação de entrega do imóvel;
b) mandar baixar o processo ao Tribunal da Relação para conhecer das questões suscitadas pelo executado/recorrido nas conclusões 6ª a 11ª do recurso de apelação”.
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Importar dar cumprimento ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
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Foram colhidos os vistos legais.
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2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis”[1] (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida[2]).
Neste “quadro legal”, atentas as conclusões do recurso de apelação interposto pelo Embargante/Recorrente e em cumprimento do expressamente determinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/04/2023, são quatro as questões a apreciar por este Tribunal ad quem:
1) Se o Executado/Embargante pode o invocar a excepção do não cumprimento do contrato prevista no art. 428º do C.Civil, ou a existência de obrigações de restituição bilaterais, para recusar cumprir a obrigação exequenda de restituição do imóvel (habitação nº...2);
2) Se o Executado/Embargante goza do direito de retenção sobre o imóvel a restituir;
3) Se se verifica a nulidade processual decorrente da falta de notificação ao Executado/Embargante do despacho liminar;
4) E se o AE ou o Exequente/Embargado praticaram actos e/ou omitiram actos que constituem nulidades e importam a anulação de todo o processado posterior ao requerimento executivo.
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3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:

1.- No passado dia ../../2019, a exequente apresentou à execução a douta sentença proferida pelo J3 dos Juízos Centrais Cíveis de Braga da Comarca de Braga, no âmbito do processo n.º 510/13...., no passado dia 09 de maio de 2018, junta com o requerimento executivo e cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.- Nos dizeres dessa douta sentença consta, além do mais, a seguinte decisão: “Pelo exposto, decide-se: a) Julgar a acção totalmente improcedente e em consequência absolver os Réus dos pedidos formulados nos presentes autos pelo Autor; b) Declarar a nulidade do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Ré EMP01... Lda e consequentemente determinar a restituição do que tiver sido prestado. Custas pelo Autor. Registe e notifique”.
3.- Nessa douta sentença foram dados como provados os seguintes factos: “1. O Autor dedica-se à actividade de colocação de paredes e tectos falsos na construção civil tendo uma longa e antiga relação profissional com o Réu BB, sócio gerente da sociedade Ré, por força da qual se criaram laços de amizade. 2. A Ré sociedade construiu uma urbanização de moradias sita na “Quinta ...”, lugar de ..., freguesia ..., .... 3. Em data não concretamente apurada o Autor e o Réu BB, na qualidade de sócio gerente da sociedade Ré, acordaram verbalmente que esta prometia vender ao Autor, que lhe prometia comprar, a habitação n.º ...2 da referida “Quinta ...” pelo preço de €200.000,00. 4. Mais acordaram que o referido preço seria pago através de trabalhos de colocação de tectos falsos a realizar nas moradias em construção na referida “Quinta ...”, e em outras obras que a Ré sociedade levava a cabo, pela sociedade EMP02... Lda, de que o Autor era sócio gerente na altura, e ainda que a escritura seria outorgada quando o preço se encontrasse pago, ficando a cargo do Autor o pagamento da escritura, do registo e inerentes obrigações fiscais. 5. Assim, a referida habitação ... ficou com a menção de “vendida” na agência imobiliária “EMP03...”, para que eventuais outros compradores soubessem que a mesma já estava negociada. 6. Na sequência do referido em 3) e 4) o Autor fez à sua custa os acabamentos em gesso cartonado na referida habitação n.º ...2, colocou estores eléctricos, bomba de calor e mobilou a casa. 7. Na sequência do referido em 3) e 4) a sociedade EMP02... Lda realizou diversos trabalhos de colocação de tectos falsos na referida “Quinta ...”, e em outras obras que a Ré sociedade levava a cabo. 8. Em 2008 a habitação n.º ...2 encontrava-se pronta a habitar e a Ré sociedade, por intermédio do Réu BB entregou-a ao Autor. 9. Em meados do ano de 2008 a filha do Autor CC mudou-se para a referida habitação para nela residir, tendo ai morado cerca de um ano e meio. 10. O Autor interpelou a Ré sociedade para que outorgasse a escritura de compra e venda da referida moradia, designadamente através de carta datada de 20 de Fevereiro de 2013, cuja cópia consta de fls. 9 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 11. A Ré sociedade respondeu ao Autor através de carta datada de 05/03/2013 negando que a moradia estivesse paga e notificando o Autor para liquidação integral da casa até ao dia ../../2013 conforme consta do documento de fls. 8 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 12. A sociedade EMP02... Lda foi declarada insolvente por sentença de 06/06/2012, no âmbito do processo n.º 551/12...., que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, o qual encerrado por insuficiência da massa insolvente. 13. Em 18/08/2011 o Autor renunciou ao cargo de gerente da sociedade EMP02... Lda, tendo sido nomeado gerente DD. 14. Após o referido em 8) e enquanto morou na habitação n.º ... a filha do Autor assumiu o pagamento das quotas do condomínio. 15. A Ré sociedade enviou à filha do Autor, CC, carta registada com aviso de recepção, datada de 18/01/2010, solicitando que a mesma deixasse livre e desocupada até ao dia ../../2010 a habitação n.º ...2 uma vez que até à data não tinha sido liquidado o valor da sua aquisição, conforme do documento de consta de fls. 57 vº, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o que aquela de imediato cumpriu. 16. Após a saída de sua filha, o Autor mudou-se para a referida habitação, passando a nela residir. 17. Como a sociedade EMP02... Lda necessitaria sempre de liquidez mensal para pagar as suas despesas, nomeadamente salários e fornecedores, acordaram Autor e Réu BB que acertariam quais os valores que teriam de ser pagos pela Ré sociedade e quais os que não seriam pagos porque seriam abatidos aos €200.000,00 do preço de venda da referida habitação. 18. A sociedade EMP02... Lda emitiu diversas facturas em nome da Ré sociedade relativas aos trabalhos de colocação de tectos falsos a realizados nas moradias em construção na referida “Quinta ...”, e em outras obras que a Ré sociedade levava a cabo, que esta pagou. 19. A Ré sociedade e a sociedade EMP02... Lda subscreveram um documento denominado Contrato de Empreitada, datado de 21 de Abril de 2010, pelo qual aquela entregou a esta “os trabalhos de tectos falsos em placa de gesso cartonado com isolamento e sem isolamento”, pelos quais pagaria o preço de €16,25 e €14,00, respectivamente, mais IVA à taxa legal em vigor, conforme consta do documento de fls. 37 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 20. O Autor divorciou-se em Outubro de 2009. 21. O Autor emigrou para ... em 2011 e cedeu a quota que tinha na sociedade “EMP02...”.
4.- Nessa douta sentença foram dados como não provados os seguintes factos: “1. Que o Réu BB assumiu pessoalmente o cumprimento do acordo referido em 3) e 4) dos factos provados declarando que se algo acontecesse à Ré sociedade e esta não pudesse cumprir ele indemnizaria o Autor pessoalmente num valor de cerca de €200.000,00 equivalente ao valor dos trabalhos realizados pelo Autor que seriam pagos com a entrega da moradia. 2. Que a declaração referida no número anterior foi condição essencial para o Autor aceitar a celebração do referido acordo. 3. Que em finais de 2007, inícios de 2008, o Autor ou a sociedade EMP02... Lda tivessem realizado trabalhos não pagos em dinheiro no valor de €200.000,00. 4. Que em 2008, a filha do Autor, CC, sob aconselhamento e orientação do pai, negociou com a Ré sociedade a compra da habitação ..., da “Quinta ...” necessitando de recorrer ao financiamento bancário. 5. Que pouco tempo após terem negociado a compra da habitação ..., o Autor, alegando que a filha queria sair de casa e não tinha sitio onde morar, pediu ao réu marido que a deixasse habitar na referida moradia antes da realização da escritura pública de compra e venda e que o Réu marido anuiu ao pedido do Autor por este ser pessoa da sua confiança. 6. Que foi apenas após o referido em 16) que o Autor propôs ao Réu BB adquirir a referida habitação, e em nome da sua sociedade, pagando-a com os trabalhos de colocação de tecto falso que iria fazer para Ré sociedade. 7. Que a Ré sociedade efectuaria a favor da sociedade “EMP02..., Lda” uma escritura de dação em pagamento tendo por objecto a referida habitação. 8. Que no contrato referido em 19) dos factos provados não se estipulou a venda da habitação ..., porquanto era impossível definir datas e formas de pagamento prestacional, por não saberem os valores exactos que, mensalmente, seriam pagos pela Ré sociedade e quais os que iriam ficar em débito na contabilidade para posterior pagamento com a dita moradia. 9. Que após a saída da sua filha CC o Autor solicitou ao Réu BB que o deixasse ir viver na referida casa e que este anuiu. 10. Que por força da crise económica o Autor, alegando dificuldades económicas, dizia ao Réu BB que necessitava de receber a totalidade dos trabalhos efectuados porquanto necessitava de toda a liquidez possível para continuar a laborar. 11. Que a Ré sociedade pagou ao Autor e à sociedade “EMP02..., Lda” todos os trabalhos que realizaram. 12. Que a carta referida em 15) dos factos provados foi enviada pela Ré sociedade a pedido do Autor por se encontrar desavindo com a filha e pretender que esta deixasse a casa. 13. Que o comportamento dos Réus esteja a causar incómodos e prejuízos ao Autor”.
5.-[3] Nessa douta sentença consta, além do mais, o seguinte: “No caso concreto, e conforme referido o contrato promessa é nulo por não respeitar a forma legal pelo que insusceptível de execução específica. Tanto basta, parece-nos, para que tenha de concluir-se pela improcedência do pedido principal formulado nos presentes autos pelo Autor. Importa então apreciar o pedido subsidiário. Pediu o Autor, a este título, a condenação solidária dos Réus a pagar ao Autor uma indemnização na quantia de €200.000,00, valor alegadamente equivalente ao dos trabalhos realizados pelo Autor que, segundo este, seriam pagos com a entrega da moradia. Relativamente aos Réus BB e EE, é absolutamente manifesto, em face da factualidade provada (e dos factos considerados não provados; v. pontos 1) e 2)) que sobre os mesmos não recai qualquer obrigação de indemnizar o Autor. A questão, a colocar-se, respeita apenas à Ré sociedade, até porque, qualquer intervenção do Réu BB no acordo celebrado foi na qualidade de legal representante daquela. Dos factos provados não resulta que o Autor ou a sociedade EMP02... Lda, da qual à data era sócio gerente, tivessem realizado trabalhos não pagos em dinheiro no valor de €200.000,00. De todo o modo, e conforme resultou do acordado, os trabalhos foram realizados pela sociedade EMP02... Lda que procedeu à emissão de diversas facturas em nome da Ré sociedade, embora também não resultasse demonstrado que a Ré tivesse pago a totalidade dos trabalhos realizados. Não existe por isso também fundamento gerador da obrigação da Ré indemnizar o Autor na quantia de €200.000,00, improcedendo o pedido subsidiário. Assim, e em face do exposto deverá declarar-se a nulidade do contrato promessa verbal celebrado entre o Autor e a Ré sociedade, devendo por força de tal declaração ser restituído tudo o que tiver sido prestado. Não obstante o Autor ter mencionado no artigo 23º da petição inicial o direito de retenção sobre a habitação n.º...2 a verdade é que não formulou qualquer pedido respeitante à existência e reconhecimento de tal direito pelo que se não apreciará tal questão. No que toca às custas são integralmente da responsabilidade do Autor em face do seu total decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
6.- Por despacho proferido nos autos de execução no passado dia 27-03-2019, já transitado em julgado, foi doutamente decidido o seguinte: “A exequente “EMP01..., Lda.” veio interpor execução de sentença para prestação de facto, efetuando os seguintes pedidos: “-Requer seja fixado o prazo de 10 dias para o executado entregar à exequente a habitação n.º ...2, do Aldeamento "Quinta ...", sito na Rua ..., lugar de ..., ..., ..., livre e devoluta de pessoas e bens, a saber livre da mobília do executado, da bomba de calor que ele nessa habitação colocou, dos motores dos estores elétricos, com exceção do da sala, que ele lá colocou e dos acabamentos em gesso cartonado que deverão por ele ser retirados, devendo ainda o executado recolocar a caldeira de aquecimento da marca ... que lhe foi entregue aquando a habitação. - Requer-se ainda seja fixado, nos termos do artigo 868º, n.º 1, do CPC, uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 100,00 por cada dia de mora na entrega da referida habitação à exequente.” Ora, em primeiro lugar, o pedido de entrega de imóvel não se enquadra na execução para prestação de facto (art. 868.º do NCPC), mas sim na execução para entrega de coisa certa (art. 859.º do NCPC), de tal forma que a execução deve ser convolada neste sentido, seguindo a tramitação prevista nos arts. 626.º, n.º 3, 855.º e 861.º do NCPC. Em segundo lugar, a exequente não dispõe de título executivo quanto aos demais pedidos deduzidos, pois da sentença exequenda apenas resulta a condenação à restituição do que tiver sido prestado por força do contrato promessa de compra e venda do imóvel referido que a sentença declarou nulo, ou seja, no que ora releva, a condenação na restituição à exequente do imóvel que entregou por força desse contrato promessa (na sentença exequenda decidiu-se, “Declarar a nulidade do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Ré EMP01... Lda e consequentemente determinar a restituição do que tiver sido prestado”). E, se, porventura, assiste à exequente o direito à entrega de outros bens ou à prestação de algum facto pelo executado (fungível ou infungível, sendo que apenas quanto a estes seria admissível a sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 829.º-A, n.º 1, do CC), tal não resulta da condenação da sentença exequenda, sequer por referência aos factos aí provados, tendo a exequente de recorrer à ação declarativa para o efeito. Assim sendo, nesta parte, o requerimento executivo deve ser liminarmente indeferido, por falta de título executivo, nos termos do art. 726.º, n.º 2, al. a), do NCPC. Nestes termos: a) Indefiro liminarmente o requerimento executivo, por falta de título executivo, quanto aos pedidos de prestação de facto e de condenação em sanção pecuniária compulsória; b) Determino a convolação da execução em execução de sentença para entrega de coisa certa, admitindo liminarmente o requerimento executivo apenas quanto ao pedido de entrega da habitação n.º ...2, do Aldeamento "Quinta ...", sito na Rua ..., lugar de ..., ..., ..., seguindo a tramitação prevista nos arts. 626.º, n.º 3, 855.º e 861.º do NCPC. Custas pela exequente, na proporção de 50 % das devidas no presente pela execução. Notifique e cumpra-se”
7.- Em momento algum, o ora embargante informou os autos de execução ou o agente de execução de que o imóvel objeto de entrega era a sua residência.
8.- Antes de intentar a ação executiva, a exequente interpelou o embargante para proceder à entrega do imóvel.
No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido na data de ../../2020 nestes autos, foram aditados aos factos provados os seguintes dois (e que, neste segmento, não foi alterado pelo Acórdão de 26/04/2023 do Supremo Tribunal de Justiça):
9.- Na acção referida, a aqui Embargada/Exequente deduziu reconvenção contra o ora Apelante (ali Autor) pedindo a condenação deste a devolver-lhe o gozo da habitação e a pagar-lhe a quantia de € 36.000 de indemnização pelo uso da mesma, e a quantia mensal de € 600,00 até efectiva entrega do local. Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou inepto o pedido reconvencional, absolvendo da instância o Reconvindo (ora Apelante) (cfr. fls. 63v.º destes autos, que corresponde à folha 1v.º da sentença).
10.- Na petição inicial dos presentes embargos, o ora Apelante, descreveu os actos levados a efeito pelo Agente de Execução, designadamente a entrada no interior da habitação, a substituição do canhão da fechadura, e afirmou, nos artigos 30º e 31º que: “Ao pretender entrar na referida casa de habitação, sua residência, o executado/embargante constatou que as chaves não entravam na fechadura, tendo constatado de imediato que alguém tinha procedido à mudança do canhão da fechadura”. “De seguida, adquiriu um novo canhão de fechadura, retirou aquele canhão referido sob o art. 27º ali mandado colocar pelo sr. agente de execução FF e colocou na porta o novo canhão por si adquirido, de modo a poder entrar na sua residência e aí continuar a residir.” (cfr. fls. 7v.º destes autos).”
Na sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou que como não provados «os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes».
* * *
4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
           
4.1. Da Excepção do Não Cumprimento do Contrato e/ou Da Bilateralidade das Obrigações de Restituição

A acção executiva pressupõe sempre o dever de realização de uma prestação, de uma obrigação e tem por finalidade a reparação efectiva de um direito violado - arts. 2º/2 e 10º/4 do C.P.Civil de 2013.
E, nos termos do nº5 do referido art. 10º do C.P.Civil de 2013, “toda a execução tem por base um título executivo, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa[4], «o título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coactiva da correspondente prestação, através de uma acção executiva. Esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar no património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação. E nas palavras de Remédio Marques[5], o título executivo «trata-se de um documento a que, com base na aparência ou na probabilidade do direito nele documentado, o ordenamento jurídico assinala um suficiente grau de certeza e de idoneidade para constitui uma condição de exequibilidade extrínseca da pretensão».
O prosseguimento da acção executiva depende da verificação de dois pressupostos: um pressuposto formal, constituído pelo título executivo (art. 10º do C.P.Civil de 2013) e um pressuposto material, constituído por uma obrigação certa, exigível e líquida (art. 713º do C.P.Civil de 2013).
Importa notar que o título executivo judicial ou extra-judicial não dá ao Tribunal a certeza absoluta da existência do direito, mas tão somente a probabilidade séria da sua existência. Como salienta Pessoa Jorge[6], «só há certeza jurídica de que o direito existe no momento em que o título é emitido; no momento em que o credor pretende desencadear as actuações coercivas, a existência do direito é hipotética».
É, por isso, que a defesa dos direitos do executado pode sempre exercitar-se através do meio de oposição previsto no art. 728º do C.P.Civil de 2013 - embargos de executado -, no qual o executado exerce a sua defesa na execução, com base num fundamento processual ou material.
A oposição à execução mediante embargos de executado consubstancia uma acção declarativa, estruturalmente autónoma, mas instrumental e funcionalmente dependente e ligada à acção executiva, pela qual o executado pretende impedir a produção dos efeitos do título executivo. Os embargos de executado apresentam-se como que uma contra-acção que visa o acertamento da situação substantiva, da obrigação exequenda, ou destruindo o título executivo ou reduzindo-o aos seus justos limites: «O credor só pode dar início à acção executiva desde que tenha título executivo. Este é a condição necessária (sem título executivo não há execução) e suficiente (apresentado a juízo seguem-se de imediato os demais termos da execução) da acção executiva... A lei atendendo ao interesse do credor na realização rápida e eficaz do seu crédito, conferiu força executiva a documentos autênticos... Ao interesse do credor em ver o seu direito satisfeito com celeridade contrapõe-se o do devedor em não ver o seu património envolvido na execução sem que o direito do credor portador do título esteja devidamente comprovado, corresponda à verdade. A lei não podia deixar de tomar em consideração como tomou, a contraposição de interesses do credor e do devedor, do exequente e do executado, tentando conciliar, na medida do razoável, o interesse do credor que exige que a execução seja pronta, com o interesse do devedor, que exige que a execução seja justa. A conciliação destes interesses faz-se concedendo a lei ao devedor a faculdade de debater a relação jurídica material, entre ele e o pretenso credor formada, numa acção de oposição enxertada pelo devedor na acção executiva - os embargos de executado»[7].
Apesar da sua função de defesa, é o tipo de título executivo que determina a maior ou menor amplitude dos fundamentos que o executado pode invocar na petição embargos.
Quando esse título for constituído por uma sentença, a oposição apenas se pode alicerçar nos fundamentos discriminados no art. 729º do C.P.Civil de 2013, sendo que, a petição aproximar-se-á, nuns casos, do recurso de revisão por ilegalidade [por exemplo, no caso previsto na alínea d)] e, noutros casos, das acções de reabertura de contraditório por factos supervenientes [por exemplo, no caso previsto na alínea g)].
Quando a execução for baseada noutro título, atento o disposto no art. 731º do mesmo diploma legal, para além daqueles que constam do art. 729º, o executado pode alegar quaisquer outros fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração, sendo que a petição de embargos aproximar-se-á de uma contestação, com conteúdo impugnatório e dedução de excepções (afirma-se no Ac. do STJ de 14/07/2009[8] que “tratando-se de oposição à execução baseada em título executivo extrajudicial, pode o oponente invocar, sem qualquer limite temporal, todas as causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do exequente, e até, por vezes, negar os factos constitutivos do mesmo direito, achando-se na mesma posição em que se encontraria perante a petição inicial de uma acção declarativa”). A razão pela qual é facultada ao executado esta defesa mais ampla contra o título executivo extrajudicial assenta precisamente na circunstância de que, não tendo ele tido a possibilidade de, antes, em acção declarativa prévia, se defender da pretensão do Exequente, então a lei possibilita-lhe agora tanto a defesa por excepção como a defesa por impugnação.
Assinale-se que, no caso da execução para entrega de coisa certa (como é o caso da execução principal a que estes embargos de executado são apensos), por força do disposto no art. 860º/1 do C.P.Civil de 2013, “ O executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados nos artigos 729.º a 731.º, na parte aplicável, e com fundamento em benfeitorias a que tenha direito”.
Nos embargos de executado a distribuição do ónus da prova observa as regras gerais sobre a matéria, cabendo, em princípio, ao executado/embargante a prova dos fundamentos alegados (cfr. art. 342º/1 do C.Civil)[9], mas há em casos em que tal ónus recai sobe o próprio exequente/embargado. Explica-se de forma muito assertiva no Ac. do STJ de 09/11/2009[10]: “ (…) o exequente/requerido na oposição já tratou de fundamentar o seu direito no momento em que apresentou o requerimento executivo e juntou o título que suporta a execução e faz presumir o direito exequendo, nessa medida cumprindo antecipadamente ao momento da dedução da oposição pelo executado o ónus de alegação e prova a seu cargo, quanto aos elementos constitutivos do crédito que pretende realizar coercivamente. Ora, da aplicação das regras gerais sobre o ónus da prova, contidas no referido art.342º, decorre que nem sempre recai sobre o opoente à execução o ónus de provar todos os fundamentos da oposição que deduz: será efectivamente assim quando o executado estruture a sua oposição numa defesa por excepção, invocando como suporte desta factos «novos», de natureza impeditiva, modificativa ou extintiva que lhe cumprirá naturalmente provar, - mas já não quando se limite estritamente a impugnar os factos constitutivos do crédito do exequente, documentado pelo título executivo, eventualmente completado pela alegação constante do requerimento executivo. Tal defesa por impugnação - e não por excepção - poderá, desde logo, ter como objecto os factos complementares ao título executivo, que, por deste não constarem, o exequente tenha alegado no requerimento executivo, nos termos previstos na al. b) do nº3 do art. 810º do CPC” [actualmente art. do C.P.Civil de 2013] “: sendo estes negados pelo opoente/executado - e não estando obviamente cobertos pela força probatória que dimana do título executivo - é evidente que recairá inteiramente sobre o exequente o respectivo ónus probatório, enquanto elementos constitutivos do direito que pretende realizar coercivamente, impugnados pela parte contrária. Para além disto, pode evidentemente o opoente deduzir impugnação que abale a força probatória de primeira aparência de que gozava o título executivo em que se fazia assentar a própria execução - e que, ao menos nos títulos desprovidos de natureza judicial, tem de ser naturalmente atacável pelo executado, ficando afectada quando este consiga abalar com a sua oposição o grau de certeza quanto à existência do crédito exequendo que normalmente lhes subjaz, passando, consequentemente, a incidir sobre o exequente/requerido na oposição - destruída que esteja a presunção de existência do direito que decorreria do título dado à execução - o ónus de prova de factos constitutivos do crédito exequendo (os sublinhados são nossos).
No caso em apreço, no requerimento executivo, a Exequente/Embargada indicou, como título executivo, a sentença proferida em ../../2018, no âmbito do processo nº510/13.... (do Juiz ... do Juízo Central Cível de Braga do Tribunal Judicial da Comarca de Braga), na qual era Autor o aqui Executado/Embargante, e foram Réus a aqui Exequente/Embargada e BB e EE, cujo dispositivo consistiu no seguinte: “a) Julgar a acção totalmente improcedente e em consequência absolver os Réus dos pedidos formulados nos presentes autos pelo Autor; b) Declarar a nulidade do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Ré EMP01... Lda e consequentemente determinar a restituição do que tiver sido prestado” - cfr. factos provados nºs. 1 e 2.
Uma vez que o título executivo apresentado no processo de execução é uma sentença, então a oposição mediante embargos de executado, no caso em apreço, apenas se pode basear nos fundamentos elencados nas diversas alíneas do citado art. 729º.  
Na petição de embargos, o Executado/Embargante (ora Recorrente) deduziu 5 (cinco) fundamentos dos embargos (por ordem de alegação): «falta de título executivo (por considerar que a sentença não é condenatória)», a «ineptidão (por considerar que a execução a instaurar não poderia ser para prestação de facto, mas sim uma execução para entrega de coisa certa)», a «anulação de todo o processado subsequente ao requerimento executivo (por considerar que o AE e/ou o Exequente praticaram e omitiram actos que constituem nulidades)», a «bilateralidade das prestações (por considerar que enquanto a Exequente não pagar os trabalhos e obras que o executado e a sociedade EMP02..., Limitada fizeram, o executado não é obrigado a entregar a habitação, tendo esta sociedade cedido ao Executado o crédito que detinha sobre a Exequente)», e o «direito de retenção (por considerar que o executado é credor da exequente em € 191.955,24, que esta terá de pagar se pretende que lhe entregue a casa)».
Destes fundamentos, o relativo à «ineptidão» foi apreciado e considerado improcedente na sentença ora recorrida e não foi objecto do presente recurso. E o relativo à «falta de título executivo» foi julgado improcedente pelo Acórdão de 26/04/2023 do STJ proferido nestes autos, no qual se considerou a sentença dada à execução como «título exequível e líquido relativamente à obrigação de entrega do imóvel».
No âmbito da presente questão cumpre apreciar o fundamento relativo à «bilateralidade das prestações», assim denominado na petição de embargos. Nesse articulado, alegou-se, essencialmente, que «decorre dos pontos 6 e 7 dos factos provados da sentença que quer o executado/embargante quer a sociedade EMP02.... prestaram trabalho e fizeram obras para a exequente; não consta da sentença o valor desses trabalhos e obras realizados, mas o seu valor é que infra se discrimina; aquela sociedade em 18/09/011 cedeu ao executado/embargante os créditos que, no montante de € 132.235,56, tinha sobre a exequente/embargada; tais trabalhos e obras não foram pagos; por estamos perante obrigações bilaterais, enquanto a exequente/embargada não pagar ao executado/embargante o valor de tais trabalhos e obras, também o executado/embargante não é obrigado a entregar a habitação; a lei confere aos credores/devedores o direito de recusar cumprir a sua obrigação enquanto a outra parte não cumprir a sua».
No presente recurso, invoca a «excepção de não cumprimento do contrato», mas não se trata da dedução de uma questão nova, uma vez que a fundamentação aduzida no recurso é a mesma, apenas ocorrendo que, nesta sede e para fundamentar juridicamente tal «direito de recurso», se refere o art. 428º do C.Civil
No recurso, o Embargante/Recorrente defende, essencialmente, que «da sentença dada em execução emergiram obrigações bilaterais, aplicando-se em relação a tais obrigações e respectivos titulares a exceção do não cumprimento do contrato previsto no art. 428.º do Cód. Civil, podendo o embargante/apelante invocar tal exceção enquanto a embargada/apelada não cumprir a sua obrigação» (cfr. conclusão 6ª).
Vejamos.
A excepção do não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus) respeita os contratos bilaterais, estando prevista no art. 428º/1 do C.Civil: “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
Constitui uma excepção peremptória de direito material, cujo objectivo e funcionamento se ligam ao equilíbrio das prestações contratuais, valendo (tipicamente) no contexto de contratos bilaterais, quer haja incumprimento, ou cumprimento defeituoso.
Consiste na “faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação se a outra, por seu turno, não realizar ou não oferecer a realização simultânea da respectiva contraprestação”[11], sendo que tal excepção “tem por função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente que reclama a execução da obrigação de que é credor sem, por sua vez, cumprir a obrigação correspectiva a seu cargo ou sem, pelo menos, oferecer o seu cumprimento simultâneo. É, pois, uma causa justificativa de incumprimento das obrigações, que se traduz numa simples recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem a alega”[12]. Portanto, corresponde a uma concretização do princípio da boa fé e é um meio de compelir os contraentes ao cumprimento do contrato e de evitar resultados contraditórios com o equilíbrio ou equivalência das prestações que caracteriza o contrato bilateral[13].
Mas para que esta excepção tenha efectiva aplicação, não basta que o contrato crie obrigações para ambas as partes: é preciso tais obrigações sejam correspectivas, correlativas ou interdependentes, ou seja, que uma seja recíproca (sinalagma) da outra.
Referem Pires de Lima e Antunes Varela[14] que “a exceptio non adimpli contractus (…) pode ter lugar nos contratos com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante de outra. É o que se verifica nos contratos tradicionalmente chamados bilaterais ou sinalagmáticos. É necessário ainda que não estejam fixados prazos diferentes para as prestações, pois, neste caso, como deve ser cumprida uma delas antes da outra, a exceptio não teria razão de ser”. E mais acrescentam que “A exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral. Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode (cfr., quanto ao caso de falência de um dos contraentes, o disposto no art. 1196º do Código de Processo Civil). E vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227° e 762°, n°2 (…)”.
Esta excepção é apenas um meio de assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas, sendo que estas, no quadro contratual, restringem-se às obrigações principais, isto é, àquelas que prosseguem directamente o interesse de cada um dos contraentes, aliás em conformidade com a fisionomia (direitos/deveres) que a lei consagra na definição do contrato que estiver em causa[15]. Explica José J. Abrantes[16] que “a relação sinalagmática não abrange (…) obrigações secundárias que têm carácter acessório ou complementar em relação à estrutura do contrato e ao escopo fundamental prosseguido pelas relações obrigacionais dele derivadas; de facto, tal estrutura tem por objecto uma «troca de prestações», isto é, uma troca entre as obrigações principais desse contrato ( e não entre outras quaisquer)”.
Ora, o Embargante/Recorrente olvida por completo que a sentença dada à execução não respeita ao cumprimento do contrato-promessa celebrado entre a Embargada/Exequente (promitente-vendedora) e o Embargante/Executado (promitente-comprador), isto é, não integra qualquer condenação na satisfação das (ou de alguma) obrigações principais emergentes de tal contrato (obrigações essas que eram a obrigação de celebrarem o contrato de compra e venda, emitindo as respectivas declarações de venda e de compra do imóvel em causa e pelo preço convencionado).
Na verdade, como resulta da factualidade provada (cfr. factos provados nºs. 1 a 5) e já foi frisado quer na decisão recorrida quer nos acórdãos (desta RG e do STJ) proferidos nestes autos (e que, neste ponto, têm o mesmo sentido), a sentença apresentada como título executivo declarou a nulidade desse contrato-promessa por falta de forma e, ao abrigo do disposto no art. 289º, «determinou a restituição do que tiver sido prestado», pelo que a obrigação exequenda não tem qualquer conexão com o cumprimento das obrigações emergentes do contrato-promessa, o que pressupõe a respectiva validade do contrato e constitui uma situação contrária à que ocorre no caso em  apreço já que a obrigação exequenda emerge da invalidade do negócio jurídico (nulidade declarada judicialmente).
Relembre-se que, por força do Acórdão de 26/04/2023 do STJ proferido nestes autos, está definitivamente decidido que a sentença dada à execução constitui um título exequível e líquido relativamente à obrigação de entrega do imóvel e que este corresponde à «habitação nº...2 da “Quinta ...”, lugar de ..., freguesia ..., ...».
Neste contexto, considerando que a obrigação exequenda de restituição (entrega) do imóvel corresponde a uma consequência da declaração judicial de nulidade do contrato-promessa em causa, e não ao cumprimento de qualquer obrigação emergente desse contrato, e considerando que a excepção do não cumprimento do contrato prevista no art. 428º/1 do C.Civil constitui apenas um meio de assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas no âmbito dos contratos bilaterais, restringindo-se mesmo às obrigações principais, então impõe concluir-se que, no caso em apreço, a invocação do direito de recusa de cumprimento da obrigação exequenda ao abrigo de tal excepção carece em absoluto de fundamento legal, não sendo a mesma oponível por não estarmos perante uma situação de cumprimento de obrigações contratuais bilaterais e sinalagmáticas.
Mais acresce que, ao contrário do invocado pelo Executado/Embargante, a sentença dada à execução não «criou obrigações para ambas as partes contratantes» e não «existem obrigações de restituição bilaterais». Para tal basta recordar aqui o já decidido no Acórdão de 26/04/2023 do STJ proferido nestes autos, e que constitui caso julgado sobre a questão e vincula este Tribunal da Relação: “(…) não só não existem obrigações recíprocas de restituição como a obrigação de restituição do imóvel não carece de liquidação (…) Sucede, porém, que da sentença e da fundamentação da mesma (necessária à sua interpretação, como sustentam, entre outros, o acima citado acórdão de ....9.2011 e o Ac. STJ de 18.1.2022, proc. 3396/14.3T8GMR.2.G1.S1) não resultam demonstradas obrigações recíprocas entre a recorrente e o recorrido. Com efeito, apesar de o contrato-promessa ter sido celebrado entre o recorrido autor (executado/embargante) e a recorrente sociedade ré (exequente/embargada), esta acordou com o autor executado que o preço seria pago através de trabalhos de colocação de tectos falsos nas moradias em construção e em outras obras efectuadas pela sociedade EMP02... Lda de que o autor era sócio gerente, à data. Assim, e em conformidade, foi a sociedade, de que o autor era sócio-gerente, que realizou diversos trabalhos de colocação de tectos falsos na Quinta ... e em outras obras (facto 7). E, por isso, argumenta a recorrente, com razão, que não tem de restituir ao recorrido qualquer prestação, na medida em que os trabalhos de colocação dos tectos falsos (e que integravam a prestação do preço) foram prestados apenas pela EMP02... e não pelo recorrido (art. 767º, nº 1 do CC). Assim sendo, e não se estando perante o caso do art. 715º, nº 1 do CPC, não incumbia à exequente alegar e provar documentalmente, ou por outro meio, de que tinha efectuado ou oferecido ao executado (devedor) a prestação correspondente ao valor dos trabalhos que executou e não foram pagos (…)” (os sublinhados são nossos).
Ainda, assim, importa tecer três considerações.
Primeira.
Ao contrário do que o Executado/Embargante quer fazer crer, a matéria que integra o facto provado nº6 da sentença dada à execução («na sequência do referido em 3) e 4) o Autor fez à sua custa os acabamentos em gesso cartonado na referida habitação n.º ...2, colocou estores eléctricos, bomba de calor e mobilou a casa» - cfr. facto provado nº3 da sentença recorrida) não tem qualquer relação/conexão com o pagamento do preço de compra e venda ajustado no contrato-promessa: como se assinala no aludido acórdão de 26/04/2023 do STJ e resulta do facto provado nº7 da sentença dada à execução, o que foi acordado entre o Executado/Embargante e a Exequente/Embargada é que «o preço seria pago através de trabalhos de colocação de tectos falsos nas moradias em construção e em outras obras efectuadas pela sociedade EMP02... Lda» - cfr. facto provado nº3 da sentença recorrida). Logo, jamais o valor de tais «acabamentos realizados» e «bens colocados» pelo Executado/Embargante podem integrar a obrigação de restituição do preço eventualmente pago (em consequência da aludida declaração de nulidade do contrato) porque não correspondem ao cumprimento de obrigação de pagamento do preço.
Segunda.  
Como muito bem se refere na sentença recorrida, “(…) duma leitura, mesmo que superficial, da douta sentença, temos como indiscutível que nenhum crédito foi reconhecido ao embargante ou a outra entidade. Com efeito, apesar de discutida essa questão no âmbito da ação comum, é inequívoco que a douta sentença não reconhece qualquer crédito à dita sociedade EMP02... Lda (…)”.
Efectivamente, a factualidade provada e não provada no âmbito da sentença dada à execução, não permite concluir pela existência de algum crédito a favor da sociedade EMP02.... sobre a aqui Exequente/Embargada relativamente à restituição do valor do preço pago: na verdade, resulta do facto provado nº18 da sentença dada à execução (cfr. facto provado nº3 da sentença recorrida), «a sociedade EMP02... Lda emitiu diversas facturas em nome da Ré sociedade relativas aos trabalhos de colocação de tectos falsos a realizados nas moradias em construção na referida “Quinta ...”, e em outras obras que a Ré sociedade levava a cabo, que esta pagou». Ora, embora não tenha ficado provado «que a Ré sociedade pagou ao Autor e à sociedade “EMP02..., Lda” todos os trabalhos que realizaram» (facto não provado nº11 da sentença dada à execução - cfr. facto provado nº4 da sentença recorrida), certo é que ficou demonstrado que, afinal, a aqui Exequente/Embargada acabou por pagar à sociedade EMP02.... os trabalhos que esta fez de colocação de tectos falsos nas moradias em construção e em outras obras, quando tais trabalhos teriam como finalidade o pagamento do preço ajustado no contrato-promessa, o que determina que tais trabalhos (que lhe foram pagos e não deviam ser) não serviram, óbvia e necessariamente, para satisfazer (total ou parcialmente) tal preço.  
Deste modo, para além de dela não emergirem obrigações de restituição «bilaterais, recíprocas e/ou simultâneas», a sentença dada à execução também jamais permitiria e permite reconhecer à sociedade EMP02.... qualquer crédito sobre a Exequente/Embargante relativo à restituição de um valor que tenha satisfeito (total ou parcialmente) a obrigação de pagamento do preço (e muito menos no valor alegado de € 132.235,56).
Terceira.
Tendo-se verificado que a sentença dada à execução não reconhece a existência de uma obrigação de Exequente/Embargante de restituir à sociedade EMP02.... algum valor a título de preço já pago (através de trabalhos realizados), então mostra-se absolutamente irrelevante a alegação do Executado/Embargante no sentido de que «a sociedade EMP02...., em 18/09/011, lhe cedeu os créditos que, no montante de € 132.235,56, tinha sobre a exequente/embargada» já que não está demonstrada a existência do crédito alegadamente cedido. E, ainda que assim não fosse, atento o teor da decisão de facto que integra a sentença recorrida, especialmente confrontando o teor da factualidade provada com o teor da factualidade provada, sempre se verificaria que o Tribunal a quo não considerou provada a matéria alegada pelo Executado/Embargante relativamente a tal cessão (não consta qualquer facto relativo a tal matéria nos factos provados, sendo que o Tribunal a quo considerou que como não provados «os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes»), decisão de facto essa que não foi objecto de impugnação no presente recurso.
Assim sendo, para além da inexistência obrigações de restituição «bilaterais, recíprocas e/ou simultâneas», jamais se poderia e pode reconhecer qualquer direito ao Executado/Embargante relativamente à restituição de um valor que tenha sido satisfeito (total ou parcialmente) a obrigação de pagamento do preço.
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que não assiste ao Executado/Embargante o direito de recusar o cumprimento da obrigação exequenda de restituição do imóvel com fundamento na excepção do não cumprimento do contrato prevista no art. 428º do C.Civil ou na existência de obrigações de restituição bilaterais e, por via disso, o recurso terá que improceder quanto a este fundamento.
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4.2. Do Direito de Retenção

No âmbito da presente questão cumpre apreciar o fundamento de embargos relativo ao «direito de retenção» que o Executado/Embargante invocou por considerar que «é credor da exequente em € 191.955,24, que esta terá de pagar se pretende que aquele entregue a casa».
Na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou “duma leitura, mesmo que superficial, da douta sentença, temos como indiscutível que nenhum crédito foi reconhecido ao embargante ou a outra entidade (…) apesar de discutida essa questão no âmbito da ação comum, é inequívoco que a douta sentença não reconhece qualquer crédito à dita sociedade EMP02... Lda. que possa agora ser reclamado pelo embargante (em virtude de uma putativa cessão de créditos). E o mesmo se dirá quanto ao direito de retenção agora invocado pelo embargante para reverter a entrega do imóvel que desconhecia que tinha de restituir à exequente na sequência da douta sentença apresentada à execução”.
No recurso, o Embargante/Recorrente defende, essencialmente, que «goza do direito de retenção sobre a habitação n.º ...2 direito que pretende exercer enquanto a exequente/embargada não restituir os bens e/ou valores correspondentes às obras, trabalhos e materiais aplicados que lhe foram prestados pelo executado/embargante, parte deles, na habitação n.º ..., em cumprimento daquele contrato-promessa, incluindo os valores correspondentes às obras, trabalhos e materiais aplicados e realizados pela EMP02.... na “Quinta ...” e em outras obras da exequente/embargada, cedidos ao executado/embargante; é nestes autos o momento adequado para tal direito ser pedido e para ser reconhecido, já que só com a execução é que passou a ser exigida a entrega da habitação e na ação declarativa não estava validamente formulado nenhum pedido de entrega dessa habitação» (cfr. conclusões 7ª e 8ª).
Não assiste razão ao Embargante/Recorrente. Concretizando.
Estatui o art. 754º do C.Civil: “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.
Por força do disposto nos arts. 758º e 759º do C.Civil, o titular do direito de retenção é equiparado ao credor pignoratício quando incide sobre coisa móvel ou ao credor hipotecário quando incide sobre coisa imóvel, sendo que, neste último caso, concede-lhe a faculdade de executar a coisa para pagamento do seu crédito e o direito de ser pago com preferência sobre os demais credores do devedor.
Neste quadro legal, Antunes Varela[17] define o direito de retenção como “o direito conferido ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores”, afirmando que não constitui “apenas um meio  de coerção do cumprimento da obrigação” já que “incorpora uma verdadeiro direito real de garantia”. Nesta mesma linha de entendimento, refere-se no Ac. do STJ de 03/06/2003[18] que “o direito de retenção, em princípio, dois objectivos: por um lado, possibilita ao seu titular que não entregue a coisa a quem a ela tem direito enquanto este não cumprir uma obrigação que tem para com aquele; por outro, permite-lhe, em caso de venda do bem em execução, ser pago pelo seu valor com preferência a qualquer outro credor do mesmo devedor que não disponha de privilégio imobiliário sobre ela. Ou seja: tem uma dupla função, a de coerção e a de garantia”.
Para que exista direito de retenção devem estar preenchidos três requisitos: 1) que o devedor detentor detenha licitamente a coisa que deve entregar a outrem [cfr. art. 756º/a) do C.Civil]; 2) que o devedor detentor seja, simultaneamente, credor daquele a quem deve restituir a coisa; e 3) que entre os dois créditos haja uma relação de conexão (debitum cum re junctum) nas condições definidas no citado art. 754º (despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados)[19].       
Portanto, quanto a este terceiro requisito, são duas as circunstâncias cuja verificação, em alternativa, a lei faz depender a existência do direito de retenção: para que a recusa da entrega da coisa seja legítima, é necessário que o crédito do retentor sobre o titular da coisa (dono ou seu legítimo possuidor) advenha (tenha como causa) de «despesas feitas por causa dela» ou de «danos por ela causados»[20], sendo que, como exemplo da primeira situação, pode referir-se o crédito por benfeitorias feitas pelo possuidor de boa fé (cfr. arts. 1273º e 1275º do C.Civil).
No já citado Ac. do STJ de 08/10/2015[21] acentua-se a necessidade de existência de uma “conexão direta e material” entre o crédito do detentor e a coisa detida, frisando-se que “é admitido o direito de retenção, só nos dois casos tipificados na lei: despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados é que nasce o direito de retenção, nesta modalidade genérica”, e explicando-se que: “E assim é porque esse direito está baseado ou na circunstância de desta forma a coisa se haver valorizado no interesse da generalidade dos credores, ou na hipótese dos prejuízos serem provenientes da própria coisa detida, considerando, por isso, o legislador justificada a prevalência concedida ao detentor na satisfação do seu crédito. Foi apenas nestes termos restritos que o legislador quis reconhecer este direito em termos gerais e sem a verificação da conexão nos termos apontados se não justifica a atribuição do referido direito”.
No Ac. da RC de 01/06/2010[22] afirma-se a necessidade de existir “uma conexão causal entre a coisa e o crédito sobre a pessoa que a deva receber podendo essa conexão resultar de despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados (754º)” mas também se recorda que tal conexão pode resultar “de uma relação legal ou contratual que tenha implicado a detenção da coisa e cuja garantia que a lei atribua a esse efeito ou de uma relação legal ou contratual que tenha implicado a detenção da coisa a cuja garantia que a lei atribua esse efeito”, o que está em consonância com os casos especiais de do direito de retenção previstos no art. 755º do C.Civil (nos quais já não se exige a relação/causa prevista na parte final do art. 754º).
O crédito invocado pelo Executado/Embargante para fundamentar o direito de retenção representa um conjunto de três créditos distintos e autónomos: por um lado, as obras, os trabalhos e os materiais que, alegadamente, ele próprio realizou e colocou no imóvel (habitação ...) no valor de € 52.296,47 e que não podem ser levantados; por outro lado, os bens que, alegadamente, colocou no interior do imóvel no valor de € 52.790,00; e, por fim, as obras e os trabalhos que, alegadamente, a sociedade EMP02.... realizou para a Exequente/Embargada na “Quinta ...” e em outras obras desta, no montante total € 132.235,56, crédito este que, alegadamente, aquela cedeu ao Executado/Embargante em 18/08/2011.
Importa, então, verificar o preenchimento dos requisitos legais de que depende a existência do direito de retenção relativamente a cada um deles.
No que concerne ao alegado crédito da sociedade EMP02...., e alegadamente cedido ao Executado/Embargante, mostra-se insusceptível de preencher o requisito da relação de conexão (directa e material) entre os dois créditos: tal crédito emergirá de obras e trabalhos que a sociedade EMP02.... realizou para a Exequente/Embargada na “Quinta ...” e em outras obras desta; ora, uma vez que tais obras/trabalhos não foram realizados no próprio imóvel a restituir (aliás, nem isso sequer foi alegado), então é inequívoco que não representam «despesas feitas por causa da coisa» nem «danos por ela causados».
Para além do não preenchimento do aludido requisito, afigura-se que também não está verificado o requisito do devedor (no caso, o Executado/Embargante) ser detentor de um crédito sobre o titular da coisa (no caso, a Exequente/Embargada). Com efeito:
- por um lado, como já se referiu no âmbito da questão anterior, a factualidade provada e não provada no âmbito da sentença dada à execução, não permite concluir pela existência de algum crédito a favor da sociedade EMP02.... sobre a aqui Exequente/Embargada (como então se explicou, no âmbito dessa sentença, ficou provado que «a sociedade EMP02... Lda emitiu diversas facturas em nome da Ré sociedade relativas aos trabalhos de colocação de tectos falsos a realizados nas moradias em construção na referida “Quinta ...”, e em outras obras que a Ré sociedade levava a cabo, que esta pagou», pelo que, embora não tenha ficado provado «que a Ré sociedade pagou ao Autor e à sociedade “EMP02..., Lda” todos os trabalhos que realizaram», certo é que não ficou demonstrado a existência de qualquer crédito);
- por outro lado, e ainda que assim não fosse, atento o teor da decisão de facto que integra a sentença recorrida, especialmente confrontando o teor da factualidade provada com o teor da factualidade não provada, sempre se verificaria que o Tribunal a quo não considerou provada a matéria alegada pelo Executado/Embargante relativamente a tal crédito (não consta qualquer facto relativo a tal matéria nos factos provados, sendo que o Tribunal a quo considerou que como não provados «os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes»), decisão de facto essa que não foi objecto de impugnação no presente recurso;
- e, por fim, como igualmente já se salientou no âmbito da questão anterior, atento o teor da decisão de facto que integra a sentença recorrida, também sempre se verificaria que o Tribunal a quo não considerou provada a matéria alegada pelo Executado/Embargante relativamente à cessão de créditos, decisão de facto essa que não foi objecto de impugnação no presente recurso e, por via disso, jamais se pode concluir que o Executado/Embargante passou a ser o titular do alegado crédito da sociedade EMP02.... sobre a Exequente/Embargada.

Deste modo, ao Executado/Embargante não assiste qualquer direito de retenção com base no alegado crédito da sociedade EMP02.... e alegada posterior cedência do mesmo.
Quanto ao alegado crédito relativo aos «bens colocados no interior» do imóvel a restituir, é manifesto que o Executado/Embargante elabora em confusão: para além de se trataram de bens da sua propriedade relativamente aos quais não foi alegado qualquer desaparecimento ou destruição (saliente-se, aliás, que na sua totalidade, ou na quase sua totalidade, constam como arrolados no auto de diligência de entrega do imóvel e junto aos autos principais de execução na data de 03/05/2019), donde não se vislumbra qual o direito de crédito que aquele poderá ter sobre a Exequente/Embargada relativamente a tais bens (não estando, por isso, preenchido o aludido requisito do devedor ser detentor de um crédito), mais acresce que a «colocação de tais bens» no interior do imóvel a restituir é, por si só, completamente insusceptível de consubstanciar uma «despesa feita por causa da coisa» ou um «dano por ela causado» (não se preenchendo, por isso, o requisito da relação de conexão). Assim sendo, não assiste ao Executado/Embargante qualquer direito de retenção com base no alegado crédito relativo a tais bens.
No que respeita ao alegado crédito por obras, trabalhos e materiais que o Executado/Embargante realizou e colocou no imóvel, é patente que não ficou demonstrada a sua existência: na verdade, atento o teor da decisão de facto que integra a sentença recorrida, especialmente confrontando o teor da factualidade provada com o teor da factualidade não provada, é claro o Tribunal a quo não considerou provada nenhuma da matéria invocada relativamente a tais obras, trabalhos e/ou materiais (não consta qualquer facto relativo a tal matéria nos factos provados, sendo que o Tribunal a quo considerou que como não provados «os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes»), decisão de facto essa que não foi objecto de impugnação no presente recurso. Ora, perante tal conteúdo da decisão de facto, jamais se pode concluir no sentido da existência deste crédito.
Acresce que, na petição de embargos, o Executado/Embargante não alegou quaisquer factos que, a provarem-se, permitiriam qualificar tais obras, trabalhos e/ou materiais como benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias nos termos do art. 216º do C.Civil (relembre-se que se limitou a alegar que «não são levantáveis», nada alegando sobre a razão, a necessidade e/ou a finalidade da sua realização - cfr. arts. 67º e 68º da petição de embargos). Ora, perante a ausência da alegação de tais factos, jamais poderiam ser consideradas como necessárias ou úteis, sendo que, no caso de serem voluptuárias, apenas lhe assistiria o direito a levantá-las caso não se dê o detrimento da coisa, mas, no caso contrário, nem sequer teria o direito a levantá-las e/ou haver o valor delas (cfr. art. 1275º/1 do C.Civil). Logo, também por esta razão se revela impossível reconhecer àquele um direito de crédito com fundamento numa indemnização por benfeitorias.
Recorde-se que na sentença dada à execução ficou provado que «o Autor fez à sua custa os acabamentos em gesso cartonado na referida habitação n.º ...2, colocou estores eléctricos, bomba de calor e mobilou a casa» (facto provado nº6 da sentença dada à execução - cfr. facto provado nº3 da sentença recorrida). Como é evidente, não só tal factualidade demonstra a realização de obras/trabalhos e colocação de materiais (bens) num grau muitíssimo inferior ao que foi agora (e apenas agora) alegado na petição de embargos, como a mesma é insuficiente para configurar a realização de benfeitorias necessárias ou úteis: por um lado, a colocação de mobília não constitui a efectivação de qualquer benfeitoria; e, por outro lado, a execução de acabamentos em gesso cartonado e colocação de estores eléctricos e bomba de calor, perante a existência de qualquer outra factualidade, mostra-se totalmente insuficiente para demonstrar que «tiveram por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa» ou que «aumentaram o valor da coisa» (quando muito apenas podem representar benfeitorias voluptuárias). Assim, também a factualidade provada na sentença dada à execução não permite reconhecer ao Executado/Embargante um direito de crédito com fundamento numa indemnização por benfeitorias.
Por fim, o não reconhecimento de tal direito de crédito por benfeitorias sempre resultaria necessariamente do disposto no nº3 do art. 860º do C.P.Civil de 2013: “A oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas”. No caso em apreço, é manifesto que Executado/Embargante não deu cumprimento a este normativo (não fez valer oportunamente o seu direito às benfeitorias invocadas na petição de embargos).
Nestas circunstâncias, ao Executado/Embargante igualmente não assiste qualquer direito de retenção com base no alegado crédito relativamente a obras, trabalhos e materiais que realizou e colocou no imóvel (como se viu, não está preenchido o requisito relativo a ser detentor de um direito de crédito sobre o titular da coisa).
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que o Executado/Embargante não goza do direito de retenção sobre o imóvel a restituir e, por via disso, o recurso terá que improceder quanto a este fundamento.
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3.3. Da Nulidade Processual - Falta de Notificação do Despacho Liminar

Apenas em sede de recurso, veio o Executado/Embargante invocar esta nulidade processual, defendendo que «com a citação devia o sr. agente de execução notificar ao executado/embargante o despacho liminar proferido pelo tribunal onde se decidiu que a execução para prestação de facto instaurada pela exequente passasse a ser uma execução para entrega de coisa certa, constituindo a omissão de tal notificação uma nulidade processual, que teve efeitos na tramitação dos autos e sobre o qual o executado não teve oportunidade de tomar posição, por desconhecer tal despacho» (cfr. conclusão 9ª).
Este fundamento recursivo configura, nítida e manifestamente, a dedução de uma questão nova.
No nosso sistema processual civil, os recursos constituem um mecanismo destinado a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, não sendo lícito invocar questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.
Como explica Luís Filipe Espírito Santo[23], “No conhecimento do objecto do recurso é basicamente apreciada a legalidade da decisão recorrida, em concreto o juízo de facto e de direito que incidiu sobre pretensão submetida ao veredicto judicial, naquele único e singular circunstancialismo, e não a tomada em consideração (pelo tribunal superior) de questões novas não suscitadas nem discutidas em 1ª instância. Está em causa a avaliação em segundo grau de uma decisão judicial pré-existente e não a possibilidade de iniciar uma nova e diversa discussão sobre temas não versados (que se viesse a reabrir originariamente). Trata-se de sindicar a valoração do juízo de facto e de direito emitidos pelo juiz de 1ª instância e não o conhecimento de novos factos ou de novas questões de direito que as partes - podendo fazê-lo - entenderam não apresentar, nem configurar ou esgrimir, no processo que decorreu na instância inferior. Com efeito, são as partes que definem, no âmbito da sua liberdade de actuação, predominante e decisiva no campo do direito privado, os termos enformadores da causa, por via da causa de pedido e pedido que nessa sede expõem, não fazendo sentido que, uma vez apreciadas em 1ªinstância as questões jurídicas que dividem os litigantes e obtida a decisão que sobre elas incide (esgotando-se nessa altura o poder jurisdicional do julgador, nos termos do artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil), venham a suscitar-se, por via do recurso, questões que extravasam aquilo que constituiu o objecto da discussão travada perante o juiz a quo. A natureza da fase recursiva revela-se, assim, enquanto continuação da instância e não como configuração de uma nova instância, o que baliza, delimitando o objecto do recurso a conhecer pelo tribunal superior” (os sublinhados são nossos).
E tem sido este o entendimento unânime da jurisprudência do STJ: para além do já citado Ac. de 07/07/2016[24], refere-se também o Ac. de 29/09/2016[25], no qual se decidiu que “Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se estas forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente modificar as decisões do tribunal recorrido sobre pontos questionados e «dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu»” e se concluiu que “não pode o tribunal de recurso “conhecer de questões que não tenham sido objeto da decisão recorrida ou que as partes não suscitaram perante o tribunal recorrido (arts. 627º, n.º 1 e 635º, n.º 2 e 4 do CPC)”. E mais se realça que no Ac. do STJ de 07/10/2021[26] decidiu-se que “Não é lícito que um recorrente invoque, em qualquer recurso, questões que não tenham sido objeto de apreciação pela decisão recorrida, pois os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação  e consequente alteração e/ou revogação”.
Ora, como é manifesto, até ser proferida a sentença recorrida, o Embargante/Recorrente não deduziu qualquer pretensão relativamente à alegada falta de notificação do despacho liminar proferido pelo Tribunal a quo na execução principal na data de 27/03/2019 (cfr. facto provado nº6): não arguiu tal nulidade nem no processo principal de execução nem na petição de embargos. Em consequência, nem na sentença recorrida, nem em qualquer outra decisão (seja dos autos principais, seja destes autos apensos), o Tribunal a quo apreciou e decidiu se tal falta de notificação ocorreu e se mesma constitui uma nulidade processual.  
Deste modo, porque este concreto fundamento baseia-se na dedução de uma questão nova (nova pretensão), não pode ser objecto de conhecimento e apreciação por este Tribunal ad quem, até porque também não constitui matéria do conhecimento oficioso do Tribunal, o que, por si só, implica a sua improcedência.
Ainda que assim não fosse, mesmo que tivesse ocorrido a alegada falta de notificação ao Executado/Embargante, sempre estaríamos perante uma alegação que é insusceptível de enquadrar um fundamento de oposição à execução legal e válido. Com efeito, estamos perante uma execução para entrega de coisa certa cujo título executivo é uma sentença pelo que, em face do disposto no art. 860º/1 do C.P.Civil de 2013, os embargos de executado apenas se podem basear nos fundamentos discriminados no art. 729º ou em benfeitorias a que tenha direito, sendo muito claro que a arguição deste tipo de nulidade processual (omissão de notificação do despacho liminar) não consubstancia nenhum desses fundamentos. Assim sendo, também por esta razão sempre teria que improceder este fundamento (por não ser legalmente admissível para alicerçar a oposição à execução).
Mais acresce que, embora o presente recurso de apelação não pudesse deixar de ser admissível porque interposto da sentença que julgou improcedente os embargos de executado (e sustenta-se na invocação de outros fundamentos), certo é que este fundamento, que consiste na omissão da notificação do despacho liminar, configura a alegada prática de uma nulidade processual secundária (não se insere em nenhum das previstas nos arts. 186º a 194º do C.P.Civil de 2013, pelo que se enquadra no regime do art. 195º do mesmo código), a qual, em conformidade com o estipulado no respectivo regime, tem que ser suscitada perante o Tribunal onde foi praticada e no prazo de arguição consagrado no art. 199º do C.P.Civil de 2013, e não em sede de recurso.
Como explicava Alberto dos Reis[27], “Dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se (…). A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários do tribunal praticam ou omitem atos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infração de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso”.
Resulta expressamente das alegações e conclusões do recurso, o Embargante/Recorrente alega ter tomado conhecimento do despacho liminar com a notificação da sentença recorrida (o que ocorreu em ../../2019), pelo que deveria de imediato ter reclamado (arguido) da eventual nulidade, o que manifestamente não fez de forma tempestiva: tinha o prazo de 10 dias (cfr. art. 149º do C.P.Civil de 2013) para a reclamar/arguir, tal prazo findou a 21/10/2021, sendo que só o fez no presente recurso, o qual foi interposto em 11/11/2019. Assim, a mesma sempre terá que ser considerada como sanada: só tendo reclamado da referida nulidade apenas nas alegações de recurso, mostra-se completamente excedido o prazo para, processualmente, se insurgir quanto à sua prática, ficando exte Tribunal impedido de a conhecer no âmbito do presente recurso em face da manifesta intempestividade da respectiva arguição[28], pelo que sempre estará prejudicada a sua apreciação. Decidiu-se no Ac. desta RG de 17/12/2020[29] que “A omissão de um acto que a lei prevê constitui nulidade secundária nos casos previstos art. 195º do Código de Processo Civil, e essa está dependente de arguição nos termos do art. 199º, do mesmo Código”. No mesmo sentido, explica-se no já citado Ac. desta RG de 23/01/2020[30] que “A verificação de uma irregularidade processual, que possa influir no exame ou decisão da causa ou que a lei expressamente comine com a nulidade, terá de ser arguida segundo o seu próprio regime, não podendo, nunca – a não ser que o processo tenha de ser expedido em recurso antes do fim do prazo da respectiva arguição -, ser atacada por via de recurso”. Frise-se que caso tivesse sido reclamada/arguida e de forma tempestiva, seria da respectiva decisão desfavorável (arts. 200º/3 e 201º do C.P.Civil de 2013) que caberia o recurso (desde que estivessem verificados os demais pressupostos). E sempre se assinale que no caso em apreço é patente e manifesto que a invocada nulidade processual não está coberta pela decisão judicial impugnada, nem sequer de forma indireta ou implícita.
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, improcede este fundamento do recurso relativo à aludida invocação de «nulidade processual».
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3.4. Da Anulação do Processado Posterior ao Requerimento de Execução

Na petição de embargos, o Executado/Embargante alegou que «os atos praticados que constam dos factos dos artigos 26º a 29º, 34º, 35º e 44º, e os atos omitidos referidos nos factos dos artigos 40º, 41º, 45º, 48º e 49º, pelo sr. agente de execução e pela exequente constituem nulidades e violações, entre outras, dos arts. 626º, 855º, 861º/6, 863º e 868º do C.P.C. e importam a anulação de todo o processado posterior ao requerimento executivo». Os actos a que se reportou são os seguintes: 1) «a execução instaurada é para prestação de facto, pelo que antes de qualquer outra diligência (penhora, entrega de bens e outras), há sempre lugar à citação do executado para, em 20 dias, deduzir oposição por embargos, pelo que, ao realizar a diligência de entrega antes da citação, o AE agiu à revelia da lei, tinha primeiro que dar cumprimento ao disposto no art. 868º do C.P.C»; 2) «como decorre da sentença, o imóvel constitui a casa de habitação que é residência oficial, fiscal e única do executado/embargante, mas o AE não deu cumprimento ao disposto nos arts. 861º/6 e 863º do C.P.C.»
Na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou que: «(…)Por douto despacho liminar proferido na ação executiva, esta execução seguiu a forma de execução de sentença para entrega de coisa certa, “seguindo a tramitação prevista nos arts. 626.º, n.º 3, 855.º e 861.º do NCPC”. Conforme prescreve o citado artigo 626.º, nº 3, do C.P.C., na execução de decisão judicial que condene na entrega de coisa certa, feita a entrega, o executado é notificado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 860.º  Ora, aplicando o regime jurídico acabado de expor ao caso em apreço, não vislumbramos que a tramitação da ação executiva e respetiva conduta processual do agente de execução contenda com o regime jurídico concebido pelo nosso legislador. Com efeito, o agente de execução, conforme resulta dos atos por si praticados e certificados nos autos de execução, cumpriu estritamente o douto despacho proferido nos autos porquanto, após a entrega, como reconhece expressamente o embargante, notificou-o para deduzir embargos/oposição à execução, o que aconteceu. Acresce que, conforme resulta do auto de entrega e qualquer outro ato praticado no âmbito da execução apensa, em momento algum foi colocada pelo embargante ou alguém a seu mando a questão do imóvel objeto de entrega ser a sua residência e, em consequência, a necessidade do seu deferimento para momento futuro. Na verdade, ultrapassando o facto do embargante “estar emigrado em ...” – cfr. douta sentença – o incidente de deferimento da desocupação podia, em tempo, ser deduzido pelo mesmo, o que não se verifica - cfr. artigo 863.º, do C.P.C. (…)».
No recurso, o Embargante/Recorrente que vem, novamente, defender que «os factos alegados sob os artigos 26.º a 50.º dos presentes embargos de executado, que aqui se dão por reproduzidos, os atos praticados (= factos dos artigos 26.º a 29.º, 34.º, 35.º e 44.º destes embargos) e os atos omitidos (= factos dos artigos 40.º, 41.º, 45.º, 48.º e 49.º destes embargos) pelo sr. agente de execução e pela exequente, constituem nulidades e violações, entre outras, dos artigos 626.º, 855.º, 859.º, 861.º/6 e 863.º todos do C.P.C., que importam a anulação de todo o processado posterior ao Requerimento Executivo» e que o imóvel restituído «é a residência do executado/embargante, pelo que deveria ter dado cumprimento aos disposto nos artigos 859.º e seguintes do CPC» (cfr. conclusões 10ª e 11ª).
Não assiste qualquer razão ao Embargante/Recorrente.
Analisando a motivação deduzida no recurso, não se vislumbra um único argumento que seja susceptível de colocar em causa o entendimento do Tribunal a quo.
Por um lado, decorre do despacho liminar proferido pelo Tribunal a quo na execução principal na data de 27/03/2019 (cfr. facto provado nº6) que, embora a Exequente/Embargada tenha instaurado a execução como «execução de sentença para prestação de facto», para além do mais, foi determinada «a convolação da execução em execução de sentença para entrega de coisa certa, admitindo liminarmente o requerimento executivo apenas quanto ao pedido de entrega da habitação n.º ...2 (…), seguindo a tramitação prevista nos arts. 626.º, n.º 3, 855.º e 861.º do NCPC».
Logo, perante esta convolação, estamos perante uma execução para entrega de coisa certa fundada em decisão judicial, cuja tramitação segue o regime legal definido no art. 636º/3 que estatui: “Na execução de decisão judicial que condene na entrega de coisa certa, feita a entrega, o executado é notificado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 860.º e seguintes” (o sublinhado é nosso).
Neste “quadro”, são incorrectas e infundadas todas as alegações (contidas na petição de embargos e no recurso) quer no sentido de que o processo de execução principal corresponde a uma execução para prestação de facto, quer no sentido de que o AE deveria ter, previamente à realização da diligência de entrega do imóvel, à citação do Executado (não era aqui aplicável o disposto no art. 859º do C.P.Civil de 2013, e o disposto no art. 860º do mesmo código só tinha lugar após a efectivação da entrega da coisa).
Inexistiu, portanto, a invocada violação do disposto nos arts. 626º, 855º e 859º do C.P.Civil de 2013, não tendo sido cometida qualquer nulidade por acção ou por omissão do AE ou da Exequente/Embargada.
Por outro lado, resulta quer do auto de diligência de entrega do imóvel e junto aos autos principais de execução na data de 03/05/2019 (no qual o Executado/Embargante não esteve presente), quer do aditamento do auto de diligência de entrega do imóvel e junto aos autos principais de execução na data de 31/05/2019 (no qual o Executado/Embargante esteve presente), que nenhum elemento foi recolhido pelo AE e nenhum elemento foi fornecido pelo próprio Executado/Embargante (frisando-se que relativamente a tais autos não foi deduzido qualquer incidente de falsidade) no sentido de que o imóvel em causa era a habitação principal deste e/ou no sentido de que existiam séria dificuldades no seu realojamento (salientando-se que naquele «aditamento» o Executado/Embargante e o seu mandatário estiveram presentes).
E embora resulta da factualidade provada no âmbito da sentença dada à execução que, após a saída da sua filha durante o ano de 2010, o Executado mudou-se para a habitação nº...2, passando a nela residir (cfr. factos provados nºs. 8, 15 e 16 da sentença dada à execução - cfr. facto provado nº3 da sentença recorrida), certo é que também ficou provado que o Executado emigrou para ... em 2011 (cfr. facto provado nº21 da sentença dada à execução - cfr. facto provado nº3 da sentença recorrida), pelo que jamais tal decisão permite comprovar que tal imóvel era a habitação principal.
Neste contexto, não estando comprovado que, à data da sua entrega, o imóvel era a habitação principal do Executado/Embargante, impõe considerar-se que o AE não incumpriu o disposto no art. 863º/3 do C.P.Civil de 2013, aplicável ex vi da 1ªparte do nº6 do art. 861º do mesmo código, tal como não incumpriu o dever de comunicação consagrado na 2ªparte do nº6 do art. 861º do C.P.Civil de 2013 [“Tratando-se da casa de habitação principal do executado (…) e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes”].
Inexistiu, assim, a invocada violação do disposto nos arts. 861º/6 e 863º/3 do C.P.Civil de 2013, não tendo sido cometida qualquer nulidade por acção ou por omissão do AE.
Uma nota final: embora a arguição da nulidade relativamente à forma de processo e à tramitação prosseguida (execução para prestação de facto e falta prévia de citação) possa integrar o fundamento de embargos previsto na alínea d) do art. 729º do C.P.Civil de 2013, é manifesto que a arguição de nulidade por falta de cumprimento do disposto nos citados arts. 861º/6 e 863º/3 é totalmente insuscpetível de integrar algum dos fundamentos previstos naquele art. 729º pelo que jamais poderia constitui fundamento de oposição à execução legal e válido (como resulta das considerações jurídicas no âmbito da apreciação da questão anterior, esta nulidade secundária tinha que ser arguida no processo principal de execução em conformidade com o regime e prazo previstos nos arts. 195º e 199º do C.P.Civil de 2013, o que não sucedeu de forma tempestiva – o executado foi citado no dia 31/05/2019, pelo que o prazo de 10 dias para arguir a nulidade terminou a 10/06/2019, sendo que a petição de embargos só foi apresentada a 14/06/2019, pelo que já nem podia ser validamente convolada nessa parte como arguição de nulidade processual). 
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que não se verifica qualquer nulidade cometida pelo AE ou pela Exequente/Embargada que determina a anulação do processado posterior ao requerimento executivo e, por via disso, o recurso também terá que improceder quanto a este último fundamento.
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4.5. Do Mérito do Recurso

Perante as respostas alcançadas na resolução das questões supra apreciadas, deverá julgar-se totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Embargante/Recorrente (nomeadamente quanto aos fundamentos cuja apreciação foi determinada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido na data de 26/04/2023), mantendo-se a sentença recorrida.
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4.6. Da Responsabilidade quanto a Custas

Improcedendo o recurso, uma vez que ficou vencido, deverá o Embargante/Recorrente suportar as custas do recurso - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
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5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Embargante/Recorrente, mantendo a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo Embargante/Recorrente.
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Guimarães, 02 de Maio de 2024.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
 
Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1ªAdjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade;
2ºAdjunto - José Alberto Moreira Dias.


[1]António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
[2]Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[3]A sentença recorrida contém dois factos provados nºs. 6 (passa do facto provado nº4 para o facto provado nº6, sendo que o facto seguinte também foi numerado com um «6»), o que se trata de um manifesto lapso de escrita que aqui se corrige ao abrigo do disposto no art. 249º do C.Civil. 
[4]In Acção Executiva Singular, 1998, p. 63.
[5]In Curso de Processo Executivo, 1998, p. 57.
[6]In Lições de Direito Processo Civil, Acção Executiva, 1972/73, p. 8.
[7]Ac. da RC de 23/04/91, in CJ, 1991, II, p. 95.
[8]Juiz Conselheiro Hélder Roque, proc. nº379/09.9YFLSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[9]Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, p. 177.
[10]Juiz Conselheiro Lopes do Rego, proc. nº2971/07.7TBAGD-A.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[11]José João Abrantes, in A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, p. 37.
[12]José João Abrantes, in obra referida, p. 127.
[13]Cfr. Ac. STJ de 11/12/1984, in BMJ, 342º, p. 355.
[14]In Código Civil Anotado, Volume I , 4ªedição revista e actualizasa, p.  405 e 406.
[15]Cfr. Ac. STJ 17/09/2013, Juiz Conselheiro Martins Sousa, proc. nº 5002/06.0TBSTB.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj
[16]In obra referida, p. 42.
[17]In Das Obrigações em Geral, Volume II, 4ªedição, Almedina, p. 561 e 562
[18]Juiz Conselheiro Silva Salazar, proc. nº03A1432,  disponível em http://www.dgsi.pt/jstj
[19]Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, 4ªedição revista e actualizada, Coimbra Editora, p. 773. Neste mesmo sentido, Ac. STJ 08/10/2015, Juiz Conselheiro João Camilo, proc. nº6998/13.1TBBRG.S1,  disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[20]Cfr. Antunes Varela, in obra referida, p. 562.
[21]Juiz Conselheiro João Camilo, proc. nº6998/13.1TBBRG.S1.
[22]Juiz Desembargador Távora Vítor , proc. nº827/06.0TBFIG.C1,  disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.  
[23]In Recursos Civis, Edição CEDIS, Set. 2020, p. 7 e 8.
[24]Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1.
[25]Juiz Conselheiro Ribeiro Cardoso, proc. nº291/12.4TTLRA.C1.S2, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[26]Juiz Conselheiro Jorge Dias, proc. nº235/14.9T8PVZ.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[27]In Código de Processo Civil anotado, Vol. V, Coimbra, 1984, p. 424.
[28]Cfr. Ac. RL 17/12/2014, Juíza Desembargadora Graça Amaral, proc. nº2075/13.3TYLSB.L1-7, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.
[29]Juiz Desembargador José Flores, proc. nº608/20.8T8VRL.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[30]Juiz Desembargador Jorge Teixeira, proc. nº510/15.6T8VNF.G1.