ACIDENTE DE TRABALHO
ACÇÃO INTENTADA PELO HERDEIRO DO TRABALHADOR
PARA OBTER INDEMNIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS PELO ACIDENTE DE TRABALHO
COMPETÊNCIA DOS JUÍZOS DO TRABALHO
Sumário

1. - A competência material do tribunal afere-se perante a pretensão trazida a juízo na petição inicial, tendo em conta a causa de pedir – esta conformada por factos de suporte (e não por quaisquer operações de qualificação jurídica, que não vinculam o juiz) – e o pedido da ação.
2. - Os juízos do trabalho são os competentes para conhecer do litígio entre o herdeiro do trabalhador e o empregador, fundado na ocorrência de acidente de trabalho, de que tenha sido vítima mortal aquele trabalhador, e decorrente indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo acidente, no caso de responsabilidade agravada da entidade empregadora, em virtude de incumprimento causal das normas de segurança/saúde no trabalho, mesmo que o demandante não seja beneficiário nos termos da LAT.
3. - Ainda neste caso, os invocados danos decorrem, em última análise, do evento infortunístico, um acidente laboral, embora com invocada responsabilidade agravada da entidade empregadora, supondo a culpa desta (nesse âmbito jus-laboral), mesmo que com definição ao abrigo do Código Civil, sendo competentes os juízos de trabalho, em razão da matéria, para conhecer dessa responsabilidade, por serem os especializados e, assim, mais vocacionados para conhecer de tal matéria infortunística laboral.

Texto Integral

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Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
         

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

intentou – no Juízo Central Cível de Castelo Branco, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – ação declarativa condenatória, sob a forma de processo comum, contra

BB, também com os sinais dos autos,

pedindo, na procedência da ação, por forma a ser o R. condenado a pagar ao A.:

a) Por invocados danos não patrimoniais:

- perda do direito à vida (do sinistrado/falecido tio do A., CC), € 75.000,00;

- dores sofridas pela vítima/sinistrado, € 15.000,00;

- danos morais sofridos pelo A. em consequência da morte do seu aludido tio, € 15.000,00;

b) Por invocados danos não patrimoniais:

- despesas de funeral, € 1.635,00;

- despesas de internamento, € 357,18;

tudo acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa supletiva legal de 4% ao ano, a contar da data da citação e até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, que:

- O A. é o único herdeiro do seu falecido tio, cujo óbito resultou de acidente durante a prestação de trabalho para o R., entidade patronal do mesmo, que não tinha celebrado seguro de acidentes de trabalho daquele seu trabalhador;

- foi nesse âmbito que, no dia 16/07/2022, aquele tio do A. – no exercício das suas funções laborais –, sofreu um «acidente no respectivo local de trabalho» (art.º 8.º da petição inicial, doravante p. i.), em consequência do que veio a falecer em 18/09/2022 (art.ºs 1.º e 9.º a 13.º);

- o A. não pode ser considerado beneficiário do falecido nos termos da legislação sobre acidentes de trabalho (art.º 16.º da p. i.);

- o R. encontrava-se a incumprir as regras sobre segurança e saúde no trabalho, do que resultou o acidente (art.ºs 17.º a 19.º);

- aplicam-se ao caso as regras gerais da responsabilidade civil constantes do Código Civil, pelo que a competência para julgar a ação cabe ao Tribunal comum (art.ºs 20.º e 21.º), âmbito em que deve ser arbitrada, a expensas do R., indemnização pelos montantes peticionados, vistos os danos sofridos (art.º 22.º e segs.).

Citada a contraparte, veio esta invocar a incompetência material do tribunal – Juízo Central Cível –, por entender que são os Juízos de Trabalho os competentes, contrapondo o A., por sua vez, que a Jurisdição Cível é a competente no caso.

Seguidamente, em despacho saneador-sentença (datado de 20/11/2023), conheceu-se desta matéria de exceção, nos seguintes termos:

«Em face de todo o exposto, decide-se:

1) Julgar verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta deste tribunal, em razão da matéria, e, em consequência, julgar o presente Juízo Central Cível incompetente em razão da matéria para a tramitação dos presentes autos, nos termos dos artigos 96.º, al. a), 97.º, n.ºs 1 e 2, 98.º, 99.º, n.ºs 1 e 2, 100.º, 278.º, n.º 1, al. a), 279.º, 577.º, al. a), 578.º, do Código de Processo Civil, e 126, n.º 1, al. c), da LOSJ.

2) Julgar o Juízo do Trabalho de Castelo Branco competente para a tramitação dos presentes autos (artigos 126, n.º 1, al. c), da LOSJ e 74.º, n.º 1, al. e), e Mapa III, do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março).

3) Absolver, em consequência, o Réu BB da instância, tudo ao abrigo dos artigos 96.º, al. a), 97.º, n.ºs 1 e 2, 98.º, 99.º, n.ºs 1 e 2, 100.º, 278.º, n.º 1, al. a), 279.º, 577.º, al. a), 578.º, do Código de Processo Civil, e 126, n.º 1, al. c), da LOSJ.» (destaques retirados).

É desta decisão que, inconformado, vem o A. interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([1]):

«1ª - É unanimemente aceite que a competência de um tribunal se afere ou é determinada em função dos termos em que a ação é configurada pelo autor.

2ª - Dão-se aqui como reproduzidos os supra Itens II, III e IV;

3ª - O douto Tribunal a quo ao proferir a decisão acima transcrita, salvo o devido respeito, fez uma errónea interpretação e aplicação da Lei Processual ao caso sub judice, designadamente no que respeita aos artigos 96.º, al. a), 97.º, n.ºs 1 e 2, 98.º, 99.º, n.ºs 1 e 2, 100.º, 278.º, n.º 1, al. a), 279.º, 577.º, al. a), 578.º, do Código de Processo Civil, e 126.º, n.º 1, al. c), da LOSJ e 74.º, n. º1, al. e), do Mapa III, do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, à contrario sensu;

Vejamos:

4ª - No caso vertente, não estamos perante uma situação respeitante à responsabilidade infortunística laboral a que alude a Lei nº 98/2009 de 4 de setembro (L.A.T.), mas sim perante uma responsabilidade civil por actos ilícitos ou responsabilidade civil extracontratual, ao qual se aplicam as normas gerais da responsabilidade civil constantes do Código Civil.

5ª - O autor e ora recorrente é sobrinho do falecido CC, mas não vivia com o sinistrado falecido, nem se encontra nas condições previstas no nº 1, al. e) do artigo 57º, nem nas previstas no nº 1do artigo 60º da Lei nº 98/2009 de 4 de setembro, salvo melhor opinião, não se enquadra como beneficiário nos termos da LAT.

6ª - Tem sido mui doutamente entendido pela Jurisprudência que a acção para a reclamação de danos não patrimoniais por parte de familiares de sinistrado em acidente de trabalho que não são beneficiários nos termos da LAT dever ser reclamada na jurisdição dos tribunais comuns de competência genérica.

7ª - A pretensão do Autor e ora recorrente, como acima já se realçou, insere-se no âmbito da responsabilidade civil em geral, designadamente nas previsões dos artigos 483º e 496º do Código Civil, conforme resulta da causa de pedir e dos pedidos formulados na p.i., sendo por isso competente o Juízo Central Cível de Castelo Branco.

8ª - Neste sentido e porque assume especial relevância para a situação ora em apreço dá-se aqui como inteiramente reproduzido o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 23-06-2021 no Processo nº 2019/20.6T8PNF.P1, publicado na internet nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ;

9ª - No caso em apreço, o Autor e ora recorrente não reúne as condições para ser beneficiário nos termos da L.A.T. e apenas quer exercitar o seu direito à indemnização pelos danos insertos na sua p.i. e acima descritos no Item II.

Assim sendo,

10ª - Não restam dúvidas que o tribunal competente para apreciar tal matéria é o tribunal comum, neste caso, o Juízo Central Cível de Castelo Branco.

11ª - Deve, assim, a douta sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue o Juízo Central Cível de Castelo Branco- Juiz 2 do Tribunal da Comarca de Castelo Branco competente em razão da matéria apreciar a presente causa e os pedidos formulados pelo Autor na sua petição inicial, com todas as demais consequências legais e seguindo-se os demais trâmites até final.

12ª - Nestes termos e nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências deverá o presente recurso ser considerado totalmente procedente e provado e em consequência a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída em conformidade com a cima exposto, seguindo-se os demais trâmites até final.

Realizando assim a Acostumada JUSTIÇA !!!».

Não foi oferecida contra-alegação de recurso.   


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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo, após o que foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, constata-se que o thema decidendum, incidindo exclusivamente sobre a decisão de matéria de direito, consiste em saber, somente, qual o tribunal/juízo materialmente competente para conhecer da pretensão materializada na ação: se o Juízo Central Cível de Castelo Branco, como defende o Apelante, ou os Juízos do Trabalho, como sustenta o Tribunal a quo.


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III – Fundamentação

         A) Materialidade fáctica e dinâmica processual

         A materialidade fáctica e a dinâmica processual a considerar são as enunciadas no antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

         B) Aspeto jurídico do recurso

         Como dito já, a única questão a resolver na apelação é a da aferição do tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer da ação interposta, tendo em conta a pretensão formulada, perspetivada esta perante o pedido deduzido e a causa de pedir trazida aos autos, o que tudo consta da p. i., pelo que é este o articulado de referência a considerar no plano recursivo ([3]), cuja materialidade foi refletida, com o desenvolvimento necessário, no relatório antecedente.

Para tanto, cumpre, de antemão, formular sintético esclarecimento quanto à normação jurídico-processual a atender/aplicar para enquadramento e adequada decisão da questão de competência suscitada.

É consabido que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (art.º 211.º, n.º 1, da Constituição).

Em sintonia, dispõe o art.º 64.º do NCPCiv. serem da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. E o art.º 40.º, n.º 1, da LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26-08 (Lei de organização do sistema judiciário) – estabelece que os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Trata-se, então, da consagração do «princípio da competência jurisdicional residual dos tribunais judiciais, uma vez que ela se estende a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais» ([4]).

Quanto especialmente ao caso dos autos, resulta do art.º 126.º da LOSJ a delimitação da competência dos juízos do trabalho, em matéria cível, aos quais cabe, relativamente ao que ora importa, conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais [cfr. al.ª c) do respetivo n.º 1].

E como lembra a jurisprudência citada ([5]):

«O art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais), considera como “acidente de trabalho” «aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte».

Por «questões emergentes de acidentes de trabalho», entende-se «as questões relativas a um tal evento danoso, como a sua constatação, a determinação do dano e a correspondente indemnização, com todas as suas componentes de dano à saúde e integridade física do trabalhador, ao seu património/retribuição, à sua capacidade de ganho, porque são estas as questões que, quanto a acidentes de trabalho, se reportam à relação jurídica de trabalho subordinado, pedra basilar do direito do trabalho que, por sua vez, determina a existência dos tribunais do trabalho como tribunais de competência especializada».

Assim, tais questões podem fundar os pedidos que têm como causa de pedir o acidente de trabalho, originando os processos que o CPT designa de processos de acidente de trabalho (visando a fixação de pensão, indemnização pecuniária ou prestações em espécie), incluindo os respectivos incidentes de revisão, remissão ou actualização de pensões.

Nos termos do art.º 18.º, n.º 1, da mesma lei, “[q]uando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.».

Pode, então, dizer-se que «A resolução dos litígios emergentes de acidentes de trabalho há muito que está atribuída a uma jurisdição especializada – a jurisdição do Trabalho – que aborda esta competência num quadro processual próprio – o processo dos acidentes de trabalho – que integra disciplina processual específica para a realização deste ramo do Direito, articulando a dimensão pericial da determinação das consequências do acidente, com a realização dos interesses de natureza pública que estão subjacentes à reparação da perda da capacidade de ganho.» ([6]).

Diversa é, como é consabido, a situação em que um acidente seja simultaneamente de viação e de trabalho, caso em que há complementaridade – obviamente, sem dupla indemnização de um mesmo dano sofrido – entre a indemnização concedida na jurisdição laboral (por acidente de trabalho) e a que vier a ser fixada, em matéria de acidentes de viação, pelos tribunais cíveis ([7]).

Assim sendo, a competência atribuída aos tribunais do trabalho diz respeito a «questões que, directa ou indirectamente, emergem de acidentes de trabalho, o que significa que a existência do próprio acidente há-de integrar a causa de pedir das acções em que as mesmas sejam discutidas» ([8]).

É sabido, por outro lado, que um acidente de trabalho é um evento/acontecimento, «preenchido pelas mais diversas ocorrências que a vida possa comportar, que, ocorrido no tempo e no local de trabalho, bem como em todas as circunstâncias que a lei a tanto equipare, cause, ao menos indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte uma redução da capacidade de trabalho ou ganho, seja temporária ou definitiva, mais grave ou menos grave ou mesmo a morte» ([9]).

Âmbito este em que tem vindo a ser entendido que os tribunais do trabalho são os competentes – maxime, por competência por conexão – «para apreciar o pedido formulado pela autora de reparação dos danos não patrimoniais resultantes de acidente que vitimou mortalmente o seu filho, quando este trabalhava por conta da ré e que, no entender daquela, foi devido a culpa desta, por falta de condições de segurança no trabalho e por não ter tomado as precauções necessárias para evitar o acidente». Termos em que, competindo «aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria civil, das questões emergentes de acidentes de trabalho (…), não se vislumbra razão de ser para atribuição a tribunais distintos da competência para a fixação das indemnizações a atribuir ao trabalhador e seus familiares resultantes do mesmo evento (embora possuindo estas naturezas jurídicas distintas)» ([10]).

Focado no caso dos autos, entendeu o Tribunal a quo que, tendo o A./Apelante invocado danos resultantes diretamente do acidente de trabalho, “visando-se a condenação do Réu no pagamento de indemnização que os repare, as questões relacionadas com esta matéria são da competência especializada dos Juízos do Trabalho, nos termos do citado artigo 126.º, n.º 1, al. c), da LOSJ», pelo que a estes “competirá, nomeadamente, integrar os factos nas hipóteses normativas de direito substantivo atinentes a acidentes de trabalho e qualificá-los juridicamente como sendo um acidente de trabalho, averiguando da responsabilidade subjectiva do empregador, pois «[s]ão os Juízos do Trabalho, pela sua especialização, que estão mais vocacionados (do que os Juízos Cíveis) para abordar e decidir aquelas e outras questões diretamente relacionadas com o acidente» ([11])”.

Ora, cabe dizer se que concorda, em tese geral, com este entendimento, aliás, já sufragado também pelo aqui Relator na decisão singular do TRC de 15/12/2021, Proc. 401/21.0T8LRA.C1, disponível em www.dgsi.pt – e citada na decisão aqui recorrida –, em cujo sumário pode ler-se:

«1. - A competência material do tribunal afere-se perante a pretensão trazida a juízo na petição inicial, tendo em conta a causa de pedir e o pedido da ação. // 2. - Os tribunais do trabalho são os competentes para conhecer do litígio entre trabalhador e empregador fundado na ocorrência de acidente de trabalho, de que aquele tenha sido vítima, e decorrente indemnização, também por danos não patrimoniais causados pelo acidente, no caso de responsabilidade agravada da entidade empregadora em virtude de incumprimento causal das normas de segurança no trabalho. // (…).» (itálico aditado).

Acontece que, algo diversamente das situações em causa nessas decisões de Tribunais da Relação, o caso dos autos apresenta uma especificidade a ter em conta: o A., pedindo, como visto, enquanto herdeiro do sinistrado, indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, alegou que não pode ser considerado beneficiário da vítima nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho, pugnando, em matéria de direito, pela aplicação das normas civilísticas referentes à responsabilidade por factos ilícitos e concluindo, assim, pela competência da jurisdição comum/cível.

Poderia, então, pensar-se que a sua causa de pedir respeita à responsabilidade civil extracontratual, deixando, pois, de lado, por inteiro, a perspetiva da relação contratual laboral (de si, embora, indiscutivelmente existente) e do acidente, ali gerado, como acidente de trabalho.

Assim, invocando a inexistência de cobertura de seguro, o A. pretende responsabilizar a entidade patronal do sinistrado em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, fundando a ilicitude e a culpa na violação causal de normas/regras de segurança no trabalho.

Seria, pois, exclusivamente num invocado ilícito civil que faria assentar a causa de pedir, assim retirando relevância ao ilícito laboral.

Numa tal lógica da petição tratar-se-ia, então, de um dano de índole cabalmente cível, a dever ser indemnizado à luz das regras do direito civil sobre responsabilidade extracontratual, e não de um dano da esfera laboral, por o A. entender que, sendo familiar/herdeiro, não é beneficiário, à luz da regulamentação do direito a indemnização no foro laboral.

Se esse direito indemnizatório por suportado dano civil existe, ou não, é já matéria, nesta perspetiva, que se prende com o mérito da ação e não com a prévia determinação da competência material para julgar o pleito.  

Invoca, nesta senda, o Apelante o Ac. TRP de 23/06/2021, Proc. 2019/20.6T8PNF.P1 (Rel. Jerónimo Freitas), disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:

«I- A extensão da competência material do Tribunal de Trabalho, prevista no n.º 11 do art. 18.º da Lei 98/2009, de 04 de Setembro AT, é uma típica competência por conexão e não uma competência própria e directa em função da matéria em causa.

II- Tal extensão de competência só funcionará quando a pretensão principal que se quer fazer valer tenha em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral.

III- Se a parte não pretende fazer valer o direito à reparação tipicamente contemplado na lei laboral, mas apenas quer exercitar o direito à indemnização por danos morais, nos termos da lei geral, não se vê qualquer razão para ter de intentar a acção no Tribunal de Trabalho, que não tem competência directa para apreciar tal matéria a não ser por via da conexão acima referida.» (itálico aditado).

Para tanto, foi ali entendido, em análise ao peticionado:

a) Quanto a danos patrimoniais:

“O subsídio por despesas de funeral é uma prestação reparatória prevista na Lei 98/2009 e destina-se a compensar as despesas efectuadas com o funeral do sinistrado, com a particularidade do direito ao mesmo poder ser reconhecido a pessoas distintas dos familiares e equiparados do sinistrado, desde que comprovadamente tenham efectuado o pagamento dessas despesas (art.º 66.º n.ºs 1, 3 e 4, da Lei 98/2009).

Assim, este pedido só poderia ser deduzido pela autora, independentemente de reunir as condições previstas no art.º 49.º n.º 1, al. d), da Lei 98/2009, no processo emergente de acidente de trabalho (…).”;

b) Quanto a danos não patrimoniais (contra o empregador):

«Já quanto aos pedidos dirigidos contra a Ré empregadora, atento respectivo âmbito e os fundamentos invocados, designadamente, a qualidade em que a autora demanda, ou seja, de herdeira e não de beneficiária, nos termos previstos na LAT, a solução é diversa.

(…)

Ora, em caso de morte, os familiares da vítima só terão direito à reparação por acidente de trabalho – circunscrevendo-se esta à pensão anual aí prevista –, caso se enquadrem dentro do conceito de beneficiário legal previsto no citado art. 20º.

Como tal, não invocando a situação de dependência económica relativamente ao falecido como fundamento do seu pedido indemnizatório, e não formulando o correspondente pedido de atribuição da pensão por acidente de trabalho prevista no art. 20º da LAT, os AA. (pais do falecido) colocaram-se fora do âmbito da reparação por acidentes de trabalho.

E, para que não fiquem dúvidas quanto ao enquadramento que damos à questão em causa, a nosso ver, o que exclui a competência do tribunal de trabalho não é a circunstância de o pedido assentar na responsabilidade subjectiva, nem sequer o facto de se encontrarem em causa, unicamente, danos não patrimoniais (tais circunstâncias encontram-se abrangidas pelo alargamento da responsabilidade expressamente consagrado no art. 18º da LAT).

O que verdadeiramente define a competência do tribunal de trabalho é a determinação sobre se nos encontramos, ou não, perante a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho a que o trabalhador e seus familiares tem direito nos termos da LAT e da legislação complementar.

E, para tal, não basta que o acidente em causa se possa qualificar como de trabalho, sendo ainda necessário, em caso de morte do trabalhador, que o requerente seja um dos beneficiários previstos no art. 20º da LAT (caso contrário, pura e simplesmente, a situação encontrar-se-á fora da “reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho) e que se encontre em causa a típica reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho – a compensação pela perda da capacidade de ganho da vítima, sob a forma de pensão anual.

Desde que se imponha a competência do tribunal de trabalho por se encontrar em causa a atribuição da típica reparação por acidente de trabalho, este será igualmente competente para conhecer da eventual indemnização por danos não patrimoniais a suportar pela entidade patronal.

[..]

No caso em apreço, os danos em questão encontram-se fora da reparação por acidentes de trabalho, só sendo ressarcíveis nos termos da responsabilidade civil por factos ilícitos. (…).

Concluindo, não abrangendo a presente acção qualquer “questão emergente de acidente de trabalho”, encontrando-nos perante uma normal acção de responsabilidade civil com fundamento na prática de actos ilícitos por cada uma das rés, a competência para a sua apreciação e julgamento residirá nos tribunais comuns» ([12]) ([13]).

Ora, com todo o respeito devido por diverso entendimento, importa referir, desde logo, que, como visto, o aqui A./Apelante não se limitou a pedir indemnização por danos não patrimoniais, mas também, diversamente, por danos patrimoniais.

Depois, a determinação da competência do tribunal depende apenas – reitera-se – da causa de pedir, na sua conjugação com o pedido, termos em que não releva a qualificação jurídica operada pelo A. – que não vincula o Juiz (art.º 5.º, n.º 3, do NCPCiv.) – nem qualquer juízo (prévio) sobre o mérito (procedência ou improcedência da pretensão formulada).

Ora, se apenas importa a causa de pedir e o pedido, tal como formulados pelo demandante, aquela (causa de pedir) traduz-se no «conjunto dos factos que integram a previsão normativa substantiva que estabelece o efeito jurídico pretendido na ação», sendo, pois, constituída/conformada por factos, os «factos constitutivos da situação jurídica» que o autor «quer fazer valer ou negar, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma» ([14]).

Ora, na sua petição, o aqui A. sempre referiu/significou que o seu pedido indemnizatório – como dito, por danos patrimoniais e não patrimoniais – decorre, nele se fundando, de um acidente, ocorrido no local de trabalho e no tempo da prestação laboral da vítima, no quadro de um contrato de trabalho e no cumprimento da prestação a cargo do trabalhador, tratando-se, pois, inevitavelmente de um acidente de trabalho, um sinistro laboral, gerador de danos, que importa reparar.

É perante esse acidente de trabalho – os factos inerentes – que o A. afirma que a entidade patronal incumpriu as normas/regras sobre segurança e saúde no trabalho, ao ponto de considerar tal incumprimento como gerador do evento/acidente em serviço e decorrente morte do trabalhador.

Assim, é fora de dúvida que os danos invocados resultam, causalmente, nos termos invocados, dos factos inerentes a um acidente de trabalho, no âmbito da relação contratual laboral, quadro em que o empregador teria incumprido deveres a seu cargo, originando a sua responsabilidade agravada.

Ainda que se entenda que se trata aqui, em determinando enquadramento jurídico, de um autónomo ilícito civil (gerador de responsabilidade civil por factos ilícitos), certo é que tudo decorre, em derradeira análise, de um acidente de trabalho, o qual está na origem de todos os danos.

Este – acidente laboral, com todos os factos que o compõem e caraterizam – situa-se no núcleo da causa de pedir, pelo que nele radica, originariamente, a causa petendi dos autos, muito embora a mesma haja de se estender ainda, em decorrência, aos factos alegados de suporte do pretendido agravamento da responsabilidade infortunística (laboral).

Perante tal causa de pedir, não se vê como possa negar-se a primazia da esfera laboral, âmbito em que importa determinar, desde logo, a existência/caraterização de um acidente de trabalho e decorrentes danos.

Por isso, pode aplicar-se ao caso dos autos, com propriedade, salvo sempre o devido respeito por orientação diversa, a afirmação de que, «tendo os Tribunais de trabalho a competência exclusiva para a apreciação das problemáticas decorrentes dos acidentes de trabalho, a eles competirá, mutatis mutandis, igualmente, o conhecimento de todas as questões cíveis relacionadas com aqueles que prestem apoio ou reparação aos respectivos sinistrados, já que, o cerne da discussão se concentra na ocorrência do sinistro e eventual violação por banda da entidade empregadora das regras de segurança» ([15]).

Não parece proceder, neste horizonte, o argumento – quanto à relevância que lhe possa ser atribuída para dirimir a questão da competência – no sentido de o direito indemnizatório haver de ser aferido à luz das normas gerais civilísticas aplicáveis à responsabilidade por factos ilícitos e à obrigação indemnizatória, posto sempre haver de determinar-se, desde logo, quanto à existência e caraterização do acidente (um acidente de trabalho, na génese dos danos) e, do mesmo modo, ao agravamento da responsabilidade (por incumprimento de regras de sobre segurança e saúde no trabalho), tudo matéria(s) tipicamente do foro laboral, ao que acresce que aos Juízos do Trabalho cabe aplicar, comummente, tais normas civilísticas em casos de acidente laboral com responsabilidade agravada do empregador, a quem tenha, por isso, sido peticionada indemnização à luz do direito civil (como no caso de reparação de dano não patrimonial ou moral, em que opera a dita competência por conexão).

Em suma, na raiz do caso sempre estará um acidente de trabalho, cuja factualidade sempre impregnará, essencialmente, a causa de pedir e suportará o pedido indemnizatório, âmbito em que – quadro da sinistralidade laboral – melhor apetrechados sempre estarão os Juízos do Trabalho, enquanto jurisdição especializada e, por isso, especialmente vocacionado para a decisão.

Assim, sendo certo que a causa de pedir é complexa, não deixando de abarcar factos relacionados com uma relação de trabalho subordinado, é de concluir que ainda estamos na esfera (de competência) da jurisdição laboral, mesmo que esta seja, como frequentemente acontece, em casos de agravamento da responsabilidade do empregador, chamada a aplicar o direito civil regulador da obrigação indemnizatória, mormente por danos de pendor não patrimonial.

Daí, pois, a seguinte questão: na lógica da petição – e na economia da ação, tendo em vista o pedido e a causa de pedir, de índole indemnizatória –, essencial, como elemento produtor dos danos invocados (aqueles por que, independentemente da sua natureza, se reclama reparação), é o ocorrido acidente de trabalho? Ou outros factos alegados, voltados para a responsabilidade (civil) extracontratual?

Ora, olhando à pretensão formulada, sendo patente que o A./Recorrente pretende indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais, a causalidade geradora dos danos a indemnizar reconduz-se sempre, a final, a um evento que constitui um acidente de trabalho.

Assim colocada a questão, claro se torna – salvo sempre o devido respeito – que na génese da apresentada pretensão de reparação está sempre o evento/acidente laboral, embora acompanhado pelo dito incumprimento de regras de segurança e saúde no trabalho, ilícito este que, na lógica do A., influiu no desencadear desse mesmo evento – nas palavras do demandante, o acidente «resultou da falta de observação, pelo Réu, das regras sob[re] segurança e saúde no trabalho» (art.º 18.º da petição).

Donde que o fundamento da ação – de pendor indemnizatório (por danos patrimoniais e não patrimoniais, aos quais, e só a eles, se reporta o pedido) –, que consubstancia a causa de pedir, assente na alegação de um acidente de trabalho, sendo o mais complementar.

Em suma, o objeto da causa é representado por direitos emergentes de acidente de trabalho, havendo um irrecusável nexo de causalidade, no âmbito alegado pelo A./Recorrente, entre os danos invocados (consequência) – cuja reparação se pretende – e o descrito acidente de trabalho (causa), nada impedindo que o Juízo do Trabalho aplique normas de direito civil para solução do pleito, no campo indemnizatório.

E não é, como visto, o facto de também ser pedida indemnização por danos não patrimoniais que faz desvirtuar esta caraterização e a estabelecida causalidade – os invocados danos também decorrem do acidente –, sabido que, como jurisprudencialmente acolhido, quando é invocada responsabilidade agravada ([16]) da entidade empregadora ([17]) – alegação, in casu, de que o acidente ocorreu por falta de observância (logo, incumprimento) das normas de segurança no trabalho, com o consequente agravamento, em termos jurídicos, da responsabilidade daquela –, a responsabilidade por danos não patrimoniais, emergentes de acidente de trabalho, supondo a culpa da entidade patronal, deve ser determinada ao abrigo do Código Civil, mas sendo competentes os tribunais de trabalho, em razão da matéria, para conhecer dessa responsabilidade.

A competência destes tribunais não está confinada ao arbitramento da reparação por danos patrimoniais de acordo com a Lei dos Acidentes de Trabalho, sendo, porém, indesmentível que é a Jurisdição Laboral a que está vocacionada para conhecer dos acidentes de trabalho e das indemnizações por danos daí decorrentes.

De modo que não pode triunfar a argumentação do Recorrente, ainda que este – como alegou – não seja beneficiário nos termos da LAT, antes havendo de manter-se a decisão recorrida, inexistindo nesta violação de lei, ou “errónea interpretação e aplicação”, mormente das normas jurídicas invocadas pelo Apelante.

Improcede, pois, a apelação, cabendo, como bem decidido, a competência material ao Juízo do Trabalho de Castelo Branco, com a decorrente incompetência do Tribunal a quo.

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(…)

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V – Decisão
Pelo exposto, julgando-se improcedente a apelação, confirma-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo A./Apelante, ante o seu decaimento no recurso (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.), sem prejuízo do decidido em matéria de proteção jurídica.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 23/04/2024

        

Vítor Amaral (Relator)

Fonte Ramos

Fernando Monteiro


([1]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([2]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Cfr., por todos, o Ac. STJ de 13/10/2020, Proc. 483/19.5T8LRS.L1.S1 (Cons. Fernando Samões), em www.dgsi.pt, em cuja fundamentação pode ler-se: «(…) conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado, a aferição do pressuposto processual da competência, nomeadamente da competência em razão da matéria, deve ser equacionada em função dos contornos da pretensão deduzida tal como se encontra configurada na petição inicial. // Assim, a competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos na petição inicial, já que ela não depende nem da legitimidade das partes nem da procedência da acção.».
([4]) Cfr. ainda o aludido o Ac. STJ de 13/10/2020.
([5]) Aludido Ac. STJ.
([6]) V. Ac. TRL de 19/09/2017, Proc. 27786/15.5T8LSB.L1-7 (Rel. Cristina Coelho), em www.dgsi.pt, que segue o Ac. do STJ de 08/06/2017, Proc. 5515/15.3T8OAZ-A.P1.S1 (Cons. António Leone Dantas), também em www.dgsi.pt.
([7]) Cfr. Ac. STJ de 06/07/2017, Proc. 3559/05.2TBVCT.G1.S1 (Cons. António Joaquim Piçarra), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «I - Constitui entendimento uniforme e reiterado que as indemnizações consequentes a acidente simultaneamente de viação e laboral não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário.». No mesmo sentido, por todos, o Ac. STJ de 11/12/2012, Proc. 40/08.1TBMMV.C1.S1 (Cons. Lopes do Rego), também em www.dgsi.pt.

([8]) Cfr. Ac. STJ de 14/05/2009, Proc. 09S0232 (Cons. Sousa Peixoto), disponível em www.dgsi.pt. Veja-se ainda o Ac. STJ de 01/10/2001, Proc. 02S561 (Cons. Mário Torres), igualmente em www.dgsi.pt, defendendo que a competência material dos tribunais do trabalho para julgar sobre as questões emergentes de acidentes de trabalho (e doenças profissionais), «sem distinguir o fundamento da responsabilidade accionada (objectiva ou subjectiva)», «justifica-se plenamente em razão da sua especialização, pois a apreciação da procedência da pretensão deduzida não deriva apenas da verificação dos requisitos genéricos da responsabilidade civil, mas também – e decisivamente – do apuramento do respeito, pela ré, das normas aplicáveis em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, questão para a qual os tribunais do trabalhos estão naturalmente mais vocacionados do que os tribunais cíveis».
([9]) V. Ac. TRC de 05/05/2011, Proc. 188/07.0TTCTB.C1 (Rel. José Eusébio Almeida), em www.dgsi.pt, em cujo sumário é afirmado ainda: «III - Há um número de acidentes de trabalho em que, além de haver reparação, essa reparação (as prestações que lhe correspondem) é agravada – são os “casos especiais de reparação” – artº 18º da LAT. // IV - São estes os casos de os acidentes terem sido provocados pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultarem de falta de observação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho. // V - A dita reparação culposa agravada radica na causalidade: o acidente há-de ser provocado pelo empregador (ou seu representante) ou ser o resultado (a conclusão adequadamente causal) da falta de observação (pelo empregador ou representante) das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.». Já no Ac. TRC de 12/06/2007, Proc. 966/03.9TBACB.C1 (Rel. Ferreira de Barros), em www.dgsi.pt, enfatizou-se que «a responsabilidade por danos não patrimoniais, emergentes de acidente de trabalho, supondo a culpa da entidade patronal ou seu representante, deve ser determinada ao abrigo do Código Civil (art. 496º), mas sendo competentes os tribunais de trabalho, em razão da matéria, para conhecer dessa responsabilidade. A competência dos tribunais de trabalho não está confinada ao arbitramento da reparação por danos patrimoniais de acordo com a Lei dos Acidentes de Trabalho.».
([10]) V. Ac. TRC de 27/03/2012, Proc. 1251/09.8TBFIG.C1 (Rel. Jaime Carlos Ferreira), disponível em www.dgsi.pt (com itálico aditado).
([11]) Citou, a respeito, o Ac. TRP de 23/03/2023, Proc. 5423/22.0T8VNG.P1 (Rel. Filipe Caroço), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «Não é da competência material dos Juízos Cíveis, mas sim dos Juízos do Trabalho, a ação instaurada na sequência e por causa de um acidente de trabalho de onde resultou a morte do cônjuge e pai dos AA., tendo estes por fim a condenação do empregador e da sociedade seguradora no pagamento de indemnizações por danos que não constituem os danos típicos da cobertura do risco tutelada pela LAT, designadamente os danos não patrimoniais sofridos pela falecida vítima, o cônjuge (agora viúva) e os seus descendentes».
([12]) Em abono deste entendimento, invoca-se o Ac. STJ de 24/09/2013, Proc. 2796/10.2TBPRD.P1.S1 (Cons. Moreira Alves), também disponível em www.dgsi.pt, sintetizando essa posição no sumário seguinte:
«I- A extensão da competência material do Tribunal de Trabalho, prevista no n.º 2 do art. 18.º da LAT, é uma típica competência por conexão e não uma competência própria e directa em função da matéria em causa.
II- Tal extensão de competência só funcionará quando a pretensão principal que se quer fazer valer tenha em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral.
III- Se a parte não pretende fazer valer o direito à reparação tipicamente contemplado na lei laboral, mas apenas quer exercitar o direito à indemnização por danos morais, nos termos da lei geral, não se vê qualquer razão para ter de intentar a acção no Tribunal de Trabalho, que não tem competência directa para apreciar tal matéria a não ser por via da conexão acima referida» (itálico aditado).
([13]) No mesmo sentido, podem ver-se ainda: (i) o Ac. TRP de 09/10/2012, Proc. 2796/10.2TBPRD.P (Rel. Maria João Areias), em www.dgsi.pt, enfatizando que: «(…) II- A competência do tribunal de trabalho com fundamento na al. c) do art. 85° da LOFTJ – questão emergente de acidente de trabalho –, pressupõe que se encontre em causa a reparação de danos emergentes de acidente de trabalho a que os trabalhadores ou seus familiares tenham direito nos termos previstos na lei do trabalho e demais legislação regulamentar (n°1 do art. 1° da LAT). // III- Em caso de morte do trabalhador, os familiares da vítima só terão direito à reparação nos termos previstos na lei do trabalho – consistente na pensão anual prevista no art. 20º da Lei nº 100/97 –, caso se incluam no conceito de beneficiário legal aí contido. // IV- Desde que se imponha a competência do tribunal de trabalho por se encontrar em causa a atribuição da típica reparação por acidente de trabalho, este será igualmente competente para conhecer da eventual indemnização por danos não patrimoniais a suportar pela entidade patronal. // V- Pretendendo os pais do trabalhador falecido a condenação da entidade patronal, solidariamente com as demais rés, unicamente no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, com fundamento na responsabilidade subjectiva das mesmas, por inobservância [de] regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, a competência para julgar tal acção pertence ao tribunal comum. // VI- Caso para o acidente de trabalho tenha concorrido a culpa de terceiros, a responsabilização destes terá necessariamente de operar-se nos termos da lei geral, mediante acção a instaurar junto dos tribunais comuns.» (destaque aditado); (ii) o Ac. TRP de 12/01/2016, Proc. 917/14.5TBVCD.P1 (Rel. Rodrigues Pires), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «I- O tribunal de trabalho, pretendendo-se fazer valer o direito à reparação especialmente previsto na legislação de acidentes de trabalho, é igualmente competente para conhecer do pedido de indemnização por danos não patrimoniais. // II- Se aos familiares do trabalhador falecido não é reconhecida a qualidade de beneficiários do sinistrado nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho, a competência para julgar a acção em que estes peticionam o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais com fundamento na inobservância das regras sobre saúde e segurança no trabalho pertence ao tribunal comum.» (sublinhado aditado).
([14]) Assim, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º,4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 490. No mesmo sentido se pronunciam, por todos, Abrantes Geraldes e outros (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 605), enfatizando que a «causa de pedir tem um substrato fáctico, aí radicando a fundamentação da pretensão formulada em juízo», com reporte ao «quadro factual atinente ao tipo legal de que [o autor] pretende prevalecer-se», não prescindindo, pois, de «concretos factos» de suporte da pretensão, ao ponto de ser «exigível a indicação específica ou concreta dos factos constitutivos do direito feito valer», sendo, assim, «pela demonstração desses factos em juízo que o autor alcançará a tutela jurisdicional desejada».
([15]) Assim foi entendido no Ac. STJ de 30/04/2019, Proc. 100/18.0T8MLG-A.G1.S1 (Cons. Ana Paula Boularot), em www.dgsi.pt (destaques aditados). No mesmo sentido, o Ac. TRP de 15/06/2023, Proc. 897/22.3T8PVZ-A.P1 (Rel. Isoleta de Almeida Costa), também em www.dgsi.pt.
([16]) Caso em que «a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais», como explicitado no Ac. STJ de 21/09/2017, Proc. 1855/11.9TTLSB.L1.S1 (Cons. Ribeiro Cardoso), em www.dgsi.pt.
([17]) Veja-se o Ac. STJ de 13/10/2016, Proc. 443/13.0TTVNF.G1.S1 (Cons. Pinto Hespanhol), em www.dgsi.pt, em cuja fundamentação pode ler-se: “O direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde recebeu expresso reconhecimento constitucional na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, prevendo a alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito constitucional, o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doenças profissionais. // (…) no plano infraconstitucional, aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2010 (artigo 188.º) e regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais. // O artigo 2.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (…) estabelece que o trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos naquela lei. // E o n.º 1 do artigo 18.º, intitulado «Atuação culposa do empregador», reza que, «[q]uando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais»”.