DIREITO À PROVA
DOCUMENTOS
DOCUMENTOS EM PODER DE TERCEIROS
RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO
Sumário

I - O direito à prova desenvolve-se dentro dos limites da sua necessidade e pertinência: só são admitidos os documentos pertinentes para prova de factos relevantes para a decisão a proferir, sendo que, no âmbito do regime previsto no art. 432.º do Cód. Proc. Civil, a apresentação de documentos em poder de terceiro pressupõe ainda o preenchimento das exigências previstas no art. 429.º, ex vi art. 432.º, ambos do Cód. Proc. Civil, ou seja:
a) que sejam documentos em poder de terceiro que a própria parte não consiga obter;
b) a identificação do concreto documento cuja junção se pretende obter;
c) a indicação dos concretos factos que com tal documento se pretende provar (ou efetuar contraprova).
II - O requerimento de notificação de um terceiro para prestar uma informação não constitui uma notificação de terceiro para juntar um documento em seu poder, não sendo, assim, tal requerimento subsumível ao artigo 423.º do Cód. Proc. Civil.
III - A instrução do processo visa produzir prova de factos afirmados pela(s) parte(s) e negados por falsos pela parte contrária ou desconhecidos desta, sem obrigação de os conhecer. O processo civil declarativo não é um processo de inquérito, não se destinando à descoberta de factos hipotéticos desconhecidos pela parte, mas sim à prova de factos (positivos ou negativos) por esta conhecidos, e pela mesma claramente afirmados (alegados) – desconhecidos, isso sim, pelo tribunal: daí a necessidade de produção de prova sobre tais factos.
IV - Atenta a subordinação do direito à prova à finalidade que o exercício de tal direito visa satisfazer – pertinência do meio de prova requerido para a prova de factos relevantes para a decisão a proferir –, a necessidade de preenchimento dos requisitos previstos no art. 429.º, ex vi art. 432.º, ambos do Cód. Proc. Civil, não limita qualquer direito de defesa nem o direito à prova. O direito à prova incluído na previsão legal do art. 20.º da CRP é o direito à prova nos termos, meios e para as finalidades, no caso, previstas no Cód. Proc. Civil.

Texto Integral

Processo – Apelação n.º 17171/21.5T8PRT-A.P1
Tribunal a quo – Juízo Central Cível do Porto – J 1


Recorrente(s) – A..., S.A.
Recorrido(a/s) – B....


***


Sumário
………………………….
………………………….
………………………….


***




Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I – Relatório:

Apelante (ré): A..., S.A.
Apelada (autora): B....


A autora intentou em 26-10-2021 (ref. 30309549) ação de processo comum contra a ré, peticionando a condenação desta no pagamento à autora da quantia de €562.469,14, acrescido de juros de mora à taxa legal supletiva para obrigações entre comerciantes, calculados desde 26-03-2020 até integral pagamento.
Fundamenta o pedido na alegação de que, por força de contratos de seguro celebrados com o grupo empresarial denominado C... (“C...”), efetuou o pagamento dos valores reclamados na ação à C... Portugal, indemnização essa correspondente aos danos sofridos pela segurada em consequência de incêndio que deflagrou nas instalações da sociedade ré, nas quais, no âmbito da relação contratual existente entre a ré e o Grupo C... – relação essa pela qual a ré fabricava peças para a indústria automóvel que o Grupo C... destinava a integrar na sua produção – se encontravam moldes e calibradores específicos, fornecidos pela C... Espanha, empresa do Grupo C..., necessários à produção das peças encomendadas, apenas para serem utilizados pela ré para tal efeito, os quais ficaram danificados, ascendendo os prejuízos sofridos e indemnizados pela autora ao custo da reparação e aos custos suportados para minorar a interrupção do fornecimento de peças pela ré, em consequência da inutilização das instalações da ré por causa do incêndio.
A autora liquidou, assim, à referida C... Portugal o montante de € 462.529,14, deduzida a franquia de €100.000,00, e a C... Portugal sub-rogou a autora em todos os direitos relativos ao sinistro, nomeadamente, contra a ré, incluindo o direito aos danos no valor de €100.000,00 da franquia deduzida.

A ré contestou, por exceção e impugnação, tendo na contestação requerido, para contraprova dos danos invocados quanto à reparação dos moldes, nos termos do art. 432.º do Cód. Proc. Civil, a notificação da D..., S.A., para vir juntar aos autos todas as faturas relativas à reparação dos moldes que fez a pedido da C... Portugal e a notificação da C... Portugal para vir juntar aos autos todas as faturas relativas aos serviços de transportes de peças das instalações da Ré até às suas instalações.

Em 17-03-2023 (ref. 445835735) foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de prescrição invocada e fixou o objeto do litígio e os temas da prova, tendo sido ainda concedido prazo às partes para alterarem os requerimentos probatórios.
Após deferimento de reclamação, os Temas da Prova fixados foram os seguintes:
1. Circunstâncias (origem) em que deflagrou e foi combatido o incêndio
na fábrica da Ré sita em ..., ocorrido em 3/10/2016.
2. Medidas de prevenção e mitigação do sinistro;
3. Danos sofridos pela autora em consequência do incêndio descrito na p.i.
4. - O contrato celebrado entre a Ré e a C...;
5. O contrato de seguro celebrado entre a Autora e a C...;
6. O pagamento da indemnização por parte da Autora à C....

A ré, por requerimento de 11-04-2023 (ref. 35334292), alterou o requerimento probatório apresentado com a contestação, tendo, no que aqui releva, requerido:
III. DOCUMENTOS EM PODER DE TERCEIRO:
18. Para contra-prova dos danos identificados nos arts. 39.º a 71.º da petição inicial, e para prova do alegado nos arts. 113.º a 171.º da contestação, requer-se nos termos do art. 432.º do Código de Processo Civil, a notificação da C... S.A., com sede no Parque Industrial ..., na Quinta ..., ... Quinta ..., para:
(i) informar, juntando os respectivos documentos de suporte, qual o valor do transporte bi-semanal que fazia para levantar as peças produzidas pela Ré (prova do alegado nos arts. 172.º a 186.º da contestação);
(ii) juntar aos autos as especificações do processo de injeção das peças que foram produzidas nas suas instalações após o incêndio ocorrido nas instalações da Ré (contra-prova do alegado nos arts. 67.º a 71.º da petição inicial);
(iii) juntar cópia das faturas emitidas por terceiro e documento de suporte às mesmas (mapa de trabalhos efetuados nos moldes e calibradores, tarefas, lista de materiais e tempo de execução) que justifiquem o valor de € 438.459,14 a título de custos de reparação nos arts. 40.º a 49.º da petição inicial;
(iv) nas despesas internas da C... Portugal, relacionadas com custos de pessoal e identificadas no documento em Excel constante do Doc. 5 junto pela Autora, requerer documentos comprovativos dos custos apresentados com o detalhe dos mesmos (nome e cargo; n.º horas e tarefas efectuadas; local de origem e destino da deslocação; justificativo do valor hora do colaborador);
(v) juntar aos autos documentos comprovativos da contratação de trabalho à empresa E... para aumento da força de trabalho (cargos, detalhe das tarefas desempenhadas e tempos), para contra-prova dos factos alegados nos arts. 64.º a 65.º da petição inicial;
(vi) juntar aos autos documentos comprovativos das horas extras dos seus trabalhadores (cargos, detalhe das tarefas desempenhadas e tempos), para contra-prova dos factos alegados nos arts. 64.º a 65.º da petição inicial; e
(vii) para prova do alegado nos arts. 135.º a 138.ºda contestação, juntar aos autos as facturas das peças adquiridas à F..., com discriminativo, identificação das referências das peças e respectivas quantidades.
19. Para contra-prova dos danos identificados nos arts. 58.º a 63.º da petição inicial, requer-se nos termos do art. 432.º do Código de Processo Civil, a notificação da G..., S.A., com sede na Rua ..., ..., ... ... para:
(i) juntar aos autos as especificações do processo de injeção das peças que foram produzidas nas suasinstalações após o incêndio ocorrido nas instalaçõesda Ré a pedida da C... Portugal; (ii) para informar o detalhe do custo das peças, nomeadamente custo matéria-prima, custo máquina injeção, custo operador, custo embalagem, custo transporte, outros, das referidas peças produzidas; e
(iii) para juntar cópia das facturas das peças que produziu a pedido da C... Portugal após o incêndio ocorrido nas instalações da Ré.

A autora, por requerimento de 24-04-2023 (ref. 35463945), opôs-se ao requerimento de notificação de terceiros para junção de documentos, alegando, em síntese, que se pretende uma recolha “ a eito” de documentos potenciais (podem ou não existir), sem justificação concreta da sua relevância, o que é incongruente com a prossecução da descoberta da verdade material, pronunciando-se a autora, em concreto, quanto à (ir)relevância de cada solicitação de junção de documentos efetuada.

A ré (atento o atual regime de notificação entre mandatários) apresentou em 04-05-2023 (ref. 35532372) requerimento pronunciando-se sobre o contraditório exercido pela autora em 24-04-2023 ao seu requerimento probatório quanto ao pedido de notificação de terceiros para junção de documentos.

Em 19-09-2023 (ref. 451557469) recaiu sobre o requerimento da ré de 11-04-2023, na parte referente ao pedido de junção aos autos de documentos em poder de terceiros, no que aqui releva, o seguinte despacho:
Considerando os pedidos de condenação que a autora formula, não consegue o tribunal encontrar pertinência nas notificações pedidas pela ré a entidades terceiras para que juntem os documentos que refere no requerimento de 11/04/2023, parecendo que atenta a disparidade de assuntos que versam e a sua não relação direta com o que se discute apenas serviria para protelar o andamento do processo, razão pela qual é indeferido.
Notifique.

Em 19-09-2023 (ref. 451858084 e ref. 451858137) foi elaborada a notificação de tal despacho aos mandatários das partes.

Em 09-10-2023 (ref. 36886269) a ré interpôs recurso de apelação desse despacho, peticionando a sua revogação e substituição por outro que defira o requerimento probatório da ré, ordenando a notificação da C... Portugal, S.A., e da G..., S.A., para procederem à junção dos documentos nos termos requeridos, tendo apresentado, em síntese, as seguintes conclusões:
(…)
II – Discute-se nos presentes autos a alegada responsabilidade da Recorrente pelos danos alegadamente sofridos pela m sociedade (“C... Portugal”), segurada da Recorrida, em consequência do incêndio que deflagrou nas instalações da Recorrente no dia 2016.10.03, vindo a Recorrida pedir a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de € 562.469,14, correspondente ao valor da indemnização que a Recorrida terá pagado nos termos do contrato de seguro celebrado com o grupo empresarial em que a segurada se integra, e posto o que terá operado a sub-rogação legal daquela na posição desta.
III – Na contestação, a Recorrente defendeu-se, entre outros, impugnando a matéria alegada pela Recorrida quanto aos danos alegadamente sofridos pela C... Portugal e por si ressarcidos ao abrigo do seguro celebrado,
IV – Especificamente, quanto aos gastos alegadamente despendidos pela C... Portugal com a recolocação do material danificado em virtude do incêndio no estado anterior à sua ocorrência, bem como quanto aos custos alegadamente incorridos com a transferência de produção, nomeadamente para outras instalações internas da Recorrida em ..., para as instalações da sociedade “G..., S.A.” (“G...”), sitas em ..., e para a fábrica do grupo empresarial a que pertence sita em ..., Espanha, e ainda quanto às alegadas despesas relacionadas com outras ações de efeito imediato para garantir a continuidade de produção, como o sejam a aceleração de reparação dos moldes e respetivo pagamento de horas extraordinárias, bem como a compra de peças a terceiros.
V – Para esse efeito, a Recorrente atendeu a que, para fazer prova dos montantes peticionados a este título, a Recorrida se limitara a juntar dois documentos que identificava como “relatórios periciais” ou “perícias” (Docºs. nºs. 5 e 6 juntos com a petição inicial) que permitiriam atestar, qualificadamente, os valores dos custos em causa, tendo a Recorrente logo impugnado também o conteúdo, a força probatória e a fidelidade da reprodução mecânica desses mesmos documentos.
VI – A Recorrente, por requerimento apresentado a 2023.04.11, (…) [requereu] nos termos do disposto no artº. 432.º do CPC, a notificação da C... Portugal e da G... para virem juntar aos autos diversos documentos através dos quais se pudesse lograr quer a prova de factos por si alegados, quer a contraprova daqueles factos alegados pela Recorrida, posto que esses elementos seriam essenciais para confirmar ou infirmar, em termos cabais e completos, os alegados danos que a Recorrida peticiona nestes autos.
VII – O Tribunal a quo proferiu a decisão recorrida (…) indeferindo o requerimento probatório.
(…)
IX – Na verdade, o Tribunal a quo desconsidera que, tendo a Recorrente correta e cabalmente discriminado a matéria de facto relativamente à qual a prova e contraprova a produzir assentaria naqueles documentos, a relevância dos mesmos documentos e a sua relação direta com o que se discute nos presentes autos ficaram desde logo densificadas, de modo claro e suficiente, no requerimento de 2023.04.11.
X – (…) ao assim decidir, o Tribunal a quo acaba por aceder à leitura da Recorrida pela qual, uma vez juntos aqueles documentos pela própria (cfr. Docºs. nºs. 5 e 6 juntos com a petição inicial), estaria arrolada prova documental bastante quanto à factualidade relacionada com os danos em questão, sem que, porém, a Recorrente tenha participado na elaboração dos referidos relatórios, desconhecendo por isso as competências e capacidades de quem o subscreveu e desconhecendo os documentos que lhes serviram de suporte.
XI – Mas a verdade é que, num processo justo e em obediência pelo princípio do contraditório, não pode ser coartado à parte o direito de sindicar as provas trazidas pela parte contrária, nomeadamente os Docºs. nºs. 5 e 6 juntos com a petição inicial e que pretendem ser a prova dos danos alegados nestes autos e em cuja condenação no pagamento se pretende, sendo que no presente caso, não tendo a Recorrente participado na elaboração daqueles relatórios e desconhecendo os documentos que lhe serviram de suporte, apenas lhe é possível sindicar os valores aí referidos e as conclusões do relatório através dos elementos que requereu.
(…)
XIII – A decisão recorrida viola, por isso, grosseiramente o direito ao contraditório e o princípio da igualdade das partes, naquele que pode dizer-se ser o espaço de encontro destas duas relevâncias normativo-processuais em sede probatória: o direito à contraprova.
XIV – Com efeito, a doutrina e a jurisprudência têm já deixado claro que o sentido do direito ao contraditório abrange também o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como o direito à contraprova, em coerência permitindo-se a qualquer das partes, no exercício deste direito, lançar mão de mecanismos processuais de requisição de documentos que não estão em seu poder tanto para cumprir com o ónus da prova de determinado facto, como para infirmar a prova de factos cujo ónus recai sobre outrem.
XV – Acresce que, se a jurisprudência o tem feito fundamentalmente quanto ao mecanismo processual previsto no artº. 429.º do CPC (requisição de documentos em poder da parte contrária) cabe relevar que, por identidade de razão, a respetiva fundamentação é inteiramente pertinente para o caso em mãos, posto que, se o direito ao contraditório, havido na dimensão do direito à prova e em específico do direito à contraprova, permite à parte lançar mão do mecanismo pelo qual seja a contraparte notificada para juntar os documentos que possam infirmar a prova de factos por esta alegados, também terá de valer quanto ao mecanismo ao abrigo do qual é um terceiro notificado para proceder a essa junção, atenta a mesma fundamentação, complementada pelo dever de cooperação para a descoberta da verdade que também impende sobre terceiros (artº. 417.º, nº. 1, do CPC).
XVI – Em ambos os casos impondo-se apenas o limite do interesse, para a decisão da causa, dos factos pretendidos provar comos documentos requeridos (artº. 429.º, nº.2,do CPC, diretamente e ex vi do artº. 432.º, in fine).
XVII – O que não se pode é admitir, pois, a interpretação de que, delimitado o objeto do litígio como o foi nos termos constantes do despacho saneador, e tendo os factos pretendidos provar com os documentos cuja junção se pretendia sido cabal e suficientemente densificados pela Recorrente, mesmo assim não foi superado o limite do interesse para a boa decisão da causa, negando-se em consequência à Recorrente o exercício de um direito processual irrefutável, sob o pretexto de que dar pleno cumprimento ao contraditório em sede de prova, afinal, “apenas serviria para protelar o andamento do processo”.
XVIII – À Recorrente não pode ser negado o direito de sindicar as conclusões dos “relatórios periciais” juntos pela Recorrida e que pretendem sustentar o pedido nos presentes autos, ao que acresce que, sendo aquele relatório uma análise financeira que pretende, entre outros, demonstrar danos emergentes, custos acrescidos e lucros cessantes, à Recorrente apenas é possível escrutinar os referidos valores sendo-lhe concedido o acesso aos elementos de suporte daqueles cálculos.
XIX – Ao negar-se tal direito à Recorrente está-se a limitar, sem causa justificativa, o direito à prova, impondo-se que a mesma aceite, sem mais, os valores e as conclusões de quem elaborou aqueles relatórios, quando o interesse da sua requisição e análise para a decisão da causa decorre da própria natureza dos elementos requeridos, já que visam fazer contraprova dos montantes peticionados nos presentes autos.
XX – Aferindo-se ainda, complementarmente, a dimensão e o relevo constitucionais do direito aqui violado, já que o direito à prova se encontra previsto no artº. 20.º da CRP e faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados para a prova dos factos em discussão na causa.
XXI – Pelo exposto, a decisão recorrida violou o disposto nos artºs. 3.º, nº. 3, 4.º, 429.º, nº. 2, e 432.º, todos do CPC.

A ré/apelada respondeu às alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, nos termos das seguintes conclusões:
I – As conclusões I a IX são essencialmente de enquadramento das subsequentes e rejeitam-se no âmbito da rejeição adiante exposta;
II – A conclusão X está errada porque em nenhuma passagem o despacho recorrido diz, ou sequer sugere, que a recusa do requerimento probatório da Ré se baseou numa ideia de que os relatórios juntos pela Autora “esgotavam” as possibilidade de prova ou contraprova sobre a matéria candente, antes se baseou numa análise do requerido em termos concretos concluindo pela sua impertinência/não relevância directa com os concretos factos a serem julgados;
III – As conclusões XI até final naufragam por o Distinto Tribunal recorrido estar correcto na sua aferição dessa não relevância/impertinência e por uma decisão nesses termos não constituir qualquer ofensa aos princípios do contraditório, do justo e equitativo processo e do direito à prova e contra-prova, incluindo todos os princípios constitucionais invocados.
IV – Com efeito, no nosso sistema processual civil, há inequivocamente uma norma restritiva da utilização dos meios de prova, restrição essa que é aquela consubstanciada na necessária aferição pelo juiz da utilidade/necessidade do requerido, a existência da qual não consubstancia qualquer desrespeito do direito acesso à justiça na sua vertente do direito do interessado produzir a demonstração de factos que, na sua óptica, suportam o seu direito ou a sua defesa. Tal desrespeito só se verificará quando se possa concluir que a norma em causa determina para o interessado, na generalidade das situações, a impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito.
V – No caso concreto, resulta manifesta a falta de aptidão (contra) probatória directa (necessidade/utilidade) do requerido face aos concretos factos em discussão, existindo apenas uma mera “correlação” com a temática candente, insuficiente para o deferimento, e uma ainda mais manifesta natureza “investigatória” e exploratória do pretendido, desideratos não acolhidos pelo nosso processo civil, ressaltando, também e finalmente, um evidente excesso e desproporcionalidade da prova desejada.

II – Questões a decidir:

A questão que se coloca neste recurso consiste em saber se o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que determine a notificação das entidades terceiras para juntarem aos autos os documentos pretendidos pela ré no seu requerimento de 11-04-2023, o que pressupõe se aprecie:
- se o requerimento de notificação de terceiros para junção de documentos apresentado pela ré cumpre os requisitos previstos no n.º 1 do art. 429.º do Cód. Proc. Civil;
- se os factos indicados no requerimento da ré como sendo os factos a cuja prova (contraprova) a requerida junção se destina têm interesse para a decisão da causa;
- se os documentos que se pretendem obter se apresentam pertinentes ou úteis para a prova ou contraprova desses factos.

III – Fundamentação:

De facto:
Os factos a considerar são os que estão descritos no relatório.

Subsunção dos factos ao direito:

1. Prova por documentos
Corolário do princípio do dispositivo que ainda vigora no regime processual civil vigente, como resulta da leitura conjugada do disposto nos arts. 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d), 571.º, 572.º, als. b) e c) e 574.º, todos do Cód. Proc. Civil, é às partes que incumbe alegar os factos essenciais que suportam as pretensões deduzidas, o que é feito nos respetivos articulados.
Além dos factos essenciais que têm necessariamente que ser alegados pelas partes, podem ainda ser considerados pelo juiz outros factos, nomeadamente, os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram e resultem da instrução da causa, nos termos e condicionalismos estabelecidos nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 5.º do Cód. Proc. Civil.
A instrução do processo reporta-se à atividade destinada à produção dos meios de prova dos factos controvertidos relevantes/abrangidos pelos temas da prova fixados (art. 410.º do Cód. Proc. Civil). Os meios de prova visam a demostração dos factos oportunamente alegados pelas partes que estão controvertidos ou que carecem de determinado meio de prova para poderem ser considerados. Da produção dos meios de prova oportunamente indicados podem ainda resultar demonstrados os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram (art. 5.º, n.º 2, als. a) e b), do Cód. proc. Civil, já referido).
No atual regime processual civil, os meios de prova são indicados/apresentados/ requeridos nos articulados em que se alegam os factos que visam provar – ver, quanto à petição inicial, o disposto no art. 552.º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil; quanto à contestação, o disposto no art. 572.º, al. d), do Cód. Proc. Civil (de onde resulta que os requerimentos probatórios apresentados com a petição inicial e a contestação podem ainda ser alterados nos termos previstos nas referidas disposições legais, na sequência da apresentação da contestação/reconvenção e de eventual réplica).
O requerimento probatório apresentado nos articulados pode ainda ser alterado na audiência prévia (art. 598.º do Cód. Proc. Civil) ou, como aqui sucedeu, face a despacho expresso nesse sentido, que fixou o prazo de 10 dias contado da notificação do despacho proferido em 17-03-2023 (que, além do mais, fixou o objeto do litígio e os temas da prova) para o efeito.
Um dos meios de prova legalmente previstos é a prova por documentos, cujo regime é estabelecido nos arts. 423.º a 451.º do Cód. Proc. Civil, estando tal meio de prova previsto e regulado no Capítulo II do Título V (Da instrução do processo) da parte geral do Cód. Proc. Civil (Livro II – Do processo em geral).

2. Documentos em poder de terceiro

Atenta a possibilidade de existência de documentos que, sendo pertinentes ou úteis para prova dos factos, não estejam em poder da parte interessada na sua utilização como meio de prova em determinada ação, estabelecem os arts. 429.º e 432.º do Cód. Proc. Civil, respetivamente, o regime regulador da junção aos autos de documentos em poder da parte contrária ou de terceiros.
As disposições legais reguladoras da apresentação de documentos em poder da parte contrária ou de terceiros, constantes dos arts. 429.º a 437.º do Cód. Proc. Civil, constituem concretizações do regime geral do dever de cooperação consagrado no art. 417.º do Cód. Proc. Civil.
Dispõe o art. 432.º (Documentos em poder de terceiro) do Cód. Proc. Civil nos seguintes termos:
Se o documento estiver em poder de terceiro, a parte requer que o possuidor seja notificado para o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado, sendo aplicável a este caso o disposto no artigo 429.º.
Por seu turno, o art. 429.º (Documentos em poder da parte contrária), dispõe nos seguintes termos:
1 - Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
2 - Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação.

Emerge da leitura conjugada do disposto nos arts. 6.º, 410.º, 423.º, n.º 1 e 443.º, n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil, que apenas deve ser admitida a junção aos autos de documentos que sejam relevantes para a prova (ou contraprova) dos factos pertinentes para a decisão da ação, quer tais factos sejam essenciais, quer sejam instrumentais.
Tal resulta ainda, de forma clara, do disposto no art. 443.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, nomeadamente, ao consagrar que, efetuada a junção ao processo dos documentos, e facultado o contraditório, o juiz, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restitui-os ao apresentante, constituindo esta disposição legal «(…) expressão do princípio da relevância da prova, consagrado genericamente no art. 6.º, n.º 1, quando se consigna que cumpre ao juiz recusar o que for impertinente ou meramente dilatório.» - assim, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, 2018, p. 511.
Do disposto no art. 429.º do Cód. Proc. Civil, para o qual o art. 432.º do mesmo diploma remete, resulta que o regime previsto para a junção aos autos de documentos em poder de terceiro comunga, de igual modo, de tal princípio da pertinência dos meios de prova, na medida em que é tal pertinência o pressuposto e fundamento essencial e indispensável para o deferimento do requerimento de notificação, designadamente, dos terceiros possuidores dos referidos documentos, para os apresentarem.
Daí que a admissibilidade da ordem de notificação de terceiros para procederem à apresentação de documentos em seu poder dependa da verificação de determinados pressupostos e do cumprimento, pela parte requerente, nomeadamente, das seguintes exigências previstas no art. 429.º, por força da remissão para tal disposição legal operada pelo art. 432.º, ambos do Cód. Proc. Civil:
a) que sejam documentos em poder de terceiro que a própria parte não consiga obter;
b) a identificação do concreto documento cuja junção se pretende obter;
c) a indicação dos concretos factos que com tal documento se pretende provar (ou efetuar contraprova [1]).

Não sendo suscitada no recurso qualquer controvérsia quanto ao preenchimento do requisito da al. a), cumpre apreciar se o requerimento probatório apresentado pela ré/apelante preenche os requisitos das alíneas b) e c).
Quanto à necessidade de identificação do concreto documento cuja junção se pretende obter, tem a mesma por finalidade «(…) dar a conhecer ao notificado qual o documento que dele se requisita. (…)», uma vez que, para que o notificado «(…) possa tomar conscientemente qualquer atitude perante o despacho que requisitar a apresentação, é indispensável que ele saiba, ao certo, qual a espécie de documentos que se lhe exige – se uma carta, se uma letra, se um relatório, se um balanço, se um título de arrendamento, etc. E não basta que se indique a espécie em abstracto, é necessário que se caracterize a espécie, que se individualize o documento, dizendo-se, por exemplo, de que data é a carta e quem a expediu, a que prédio se refere o arrendamento e em que data se celebrou, etc.
A 2.ª exigência [indicação dos concretos factos a provar ou a fazer contraprova com a requerida junção] destina-se, em primeiro lugar, a habilitar o juiz a deferir ou a indeferir o requerimento (…)». – assim, Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora – 1987, p. 39.

Concluímos, deste modo, que o direito à prova desenvolve-se dentro dos limites da sua necessidade e pertinência: só são admitidos os documentos pertinentes para prova de factos relevantes para a decisão a proferir, sendo que, no âmbito do regime previsto no art. 432.º do Cód. Proc. Civil, a apresentação de documentos em poder de terceiro pressupõe ainda o preenchimento das acima referidas exigências previstas no art. 429.º, ex vi art. 432.º, ambos do Cód. Proc. Civil.

«Ao juiz cabe controlar a pretensa idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus (…), razão por que o requerente deve identificar, na medida do possível, o documento e especificar os factos que com ele quer provar» – José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, p. 247, Almedina, 3.ª Edição.
Assim, em ordem à apreciação da conformidade da decisão recorrida com o direito, cumpre analisar em concreto o cabimento, dentro do regime previsto no art. 432.º do Cód. Proc. Civil, de cada um dos pedidos de notificação efetuados no requerimento probatório para apresentação de documentos apresentado pela ré, aqui apelante.

3. Apreciação concretizada do preenchimento dos pressupostos do art. 432.º do Cód. Proc. Civil

3.1. Notificação da C... S.A. (C... Portugal)

A ré requereu ‘nos termos do art. 432.º do Cód. Proc. Civil’, a notificação da C... S.A. (C... Portugal):

(i) para prova do alegado nos arts. 172.º a 186.º da contestação, para 1) prestar informação do valor do transporte bi-semanal que fazia para levantar as peças produzidas pela Ré e 2) juntar os documentos de suporte da informação a prestar.
Lidos os arts. 172.º a 186.º da contestação, verifica-se que o que dos mesmos consta é a explanação do raciocínio da ré de que há que subtrair à indemnização dos custos acrescidos suportados pela C... Portugal peticionados, os custos que essa mesma C... Portugal terá deixado de suportar com o transporte das encomendas fabricadas nas instalações da ré (dada a alegação, efetuada pela autora na petição inicial, dos custos que suportou com a necessidade de encontrar alternativas a paragem de produção pela ré das peças, sendo uma dessas soluções a passagem da produção de parte dessas peças para as suas próprias instalações).
A ré afirma, no art. 180.º da contestação, que “Era a C... Portugal quem contratava e pagava os serviços de transporte, sendo as vendas efectuadas pelaRé no regime ex works, desconhecendo a Ré qual o valor de cada um daqueles transportes.” (sem realce nem sublinhado no original).
Portanto, o que a ré afirma é o seu desconhecimento de um facto, e o que pretende é a notificação da C... Portugal para lhe dar o conhecimento que a mesma tinha que, antecipadamente, ter tido para poder alegar, na contestação, um facto eventualmente ou potencialmente relevante para a sua defesa.
O que a ré pretende não é fazer prova de um facto alegado, mas antes, no âmbito da ação em curso, efetuar diligências investigatórias para tentar obter informações passíveis de lhe permitirem vir a obter os factos concretos – que não estão alegados na contestação, porque a ré os desconhece – de sustentação da tese aventada na defesa, a saber: a necessidade de descontar aos custos suportados pela C... (que foram alegados pela autora) os hipotéticos custos que esta teria deixado de suportar.
Ora, o regime previsto no art. 432.º do Cód. Proc. Civil não tem tal desiderato, nem a notificação aqui requerida pela ré tem cabimento no âmbito da referida diligência instrutória.
Com efeito, em primeiro lugar, o requerimento de notificação de um terceiro para prestar uma informação não constitui uma notificação de terceiro para juntar um documento em seu poder, não sendo, assim, tal requerimento subsumível ao artigo 423.º do Cód. Proc. Civil. Não existe, deste modo, qualquer fundamento para deferir, nesta parte, o requerimento da ré de notificação da C... Portugal para prestar a referida informação.
E, em segundo lugar, a instrução do processo visa produzir prova de factos afirmados pela(s) parte(s) e negados por falsos pela parte contrária ou desconhecidos desta, sem obrigação de os conhecer. O processo civil declarativo não é um processo de inquérito, não se destinando à descoberta de factos hipotéticos desconhecidos pela parte (que é o que a ré pretende com o requerimento de notificação da C... para prestar a informação requerida e juntar os documentos de suporte dessa informação), mas sim à prova de factos (positivos ou negativos) por esta conhecidos, e pela mesma claramente afirmados (alegados) – desconhecidos, isso sim, pelo tribunal: daí a necessidade de produção de prova sobre tais factos.

(ii) para contra-prova do alegado nos arts. 67.º a 71.º da petição inicial, para juntar aos autos as especificações do processo de injeção das peças que foram produzidas nas suas instalações após o incêndio ocorrido nas instalações da Ré;
Nos artigos 67.º a 71.º da PI a autora alegou que os custos de produção nas instalações da C... em ... foram superiores ao custo de compra à ré em € 23.313,00, remetendo para o Doc. 6 que juntou.
No referido relatório junto como Doc. 6, é no ponto 3.2.3. que se referem e analisam os custos de produção adicionais nas instalações de ... – que se imputa ‘ao aumento dos ciclos de mecanização, dos resíduos e do gasto de energia’ –, fazendo-se referência a que ‘Os custos limite em ... foram analisados em comparação com os custos de aquisição e transporte da H.... Os detalhes são apresentados nos anexos 4, 5 e 6.’.
Refere-se ainda a forma como foi determinado ‘o volume total de peças processadas para substituir a produção da H...’, indicando-se que ‘O anexo 3 inclui uma indicação detalhada da determinação do volume de peças.’
Por fim, refere-se a forma como foram determinados os custos incrementados, indicando-se que ‘Os detalhes do cálculo por produto são apresentados no anexo 7.’
Tal como o tribunal recorrido, não se vislumbra, nem a ré explica, em que medida ‘as especificações do processo de injeção das peças que foram produzidas nas suas [da C...] instalações’ assume relevância para contraprova da matéria em causa.
Confirma-se, deste modo, o juízo de impertinência dos documentos em causa para contra-prova dos factos alegados artigos 67.º a 71.º da PI efetuado na decisão recorrida.

(iii) juntar cópia das faturas emitidas por terceiro e documento de suporte às mesmas (mapa de trabalhos efetuados nos moldes e calibradores, tarefas, lista de materiais e tempo de execução) que justifiquem o valor de € 438.459,14 a título de custos de reparação nos arts. 40.º a 49.º da petição inicial;
Nos arts. 40.º a 49.º da PI alegou a autora que foram efetuadas as tarefas de reparação e de substituição do material danificado no incêndio, na empresa D..., contratada para o efeito, descrevendo as tarefas de reconstrução do material e indicando que o custo de cada uma das tarefas em causa são os indicados nas págs. 23 a 26 do Doc. 5, indicando, em seguida, que o valor dos custos de reparação validados pelos peritos que elaboraram tal relatório ascendeu a € 438.459,14.
A pretensão da ré de junção aos autos dos documentos requeridos, nomeadamente, no que concerne às faturas emitidas pelos terceiros com os trabalhos executados para a reparação e substituição do material danificado no incêndio, que suportam as despesas consideradas no relatório junto como Doc. 5 (e os eventuais documentos de suporte dessas faturas que a C... possa ter na sua posse, consistentes nos referidos mapa de trabalhos efetuados nos moldes e calibradores, tarefas, lista de materiais e tempo de execução) não se mostra impertinente nem dilatória, na medida em que a documentação em causa – nomeadamente, as faturas dos trabalhos prestados por terceiros e pagos pela C... – terá que existir e é adequada a servir de suporte documental dos custos alegados, tendo a ré, no âmbito do direito de contraditar (contraprova) os valores considerados no aludido relatório junto pela autora como Doc. 5, interesse em obter a junção aos autos da documentação de suporte dos valores considerados nesse mesmo relatório (sendo que tal meio de prova pode servir para confirmar ou infirmar os valores da reparação indicados no relatório junto pela autora como Doc. 5, os quais integram o pedido de condenação da ré efetuado na ação, assumindo, por conseguinte, pertinência para a decisão da causa).
Assim, no que concerne a este requerimento de junção de prova documental, o requerimento cumpre os requisitos da identificação dos concretos documentos cuja junção se pretende e de indicação dos concretos factos a cuja prova (ou contraprova) a requerida junção se destina, sendo que os factos em causa – o custo da reparação efetuada e suportado pela C... – são pertinentes para a decisão da causa, e os documentos cuja junção é requerida são relevantes para a prova (ou contraprova) de tais factos, pelo que, quanto a estes documentos, não colhem as razões invocadas no despacho recorrido para o indeferimento do requerimento de notificação da C... Portugal para proceder à sua junção.

(iv) juntar os documentos comprovativos das despesas internas da C... Portugal, relacionadas com custos de pessoal e identificadas no documento em Excel constante do Doc. 5 junto pela Autora (nome e cargo; n.º horas e tarefas efetuadas; local de origem e destino da deslocação; justificativo do valor hora do colaborador)
Consta do documento em excel que integra o Doc. 5 junto com a PI a discriminação do tipo de custos suportados em consequência do incêndio, constando, quanto a despesas internas com custos de pessoal aí identificadas, as seguintes:



Valem aqui as considerações acima expendidas em (iii), quanto a este requerimento de notificação da C... Portugal para a junção dos documentos que serviram de suporte ao cálculo dos custos salariais internos (custos com pessoal) suportados pela C... Portugal e que foram considerados no relatório junto como Doc. 5.
Assim, deve ser revogada a decisão recorrida no que concerne à notificação da C... Portugal para juntar aos autos os documentos de suporte das despesas acima discriminadas com pessoal com base nos quais foram considerados os referidos custos salariais do Pessoal da C... PT e o custo de horas extraordinárias do pessoal (e só esses, uma vez que a indicação efetuada pela ré de ‘nome e cargo; n.º horas e tarefas efetuadas; local de origem e destino da deslocação; justificativo do valor hora do colaborador’ não integra qualquer identificação concretizada de determinado documento).

(v) juntar aos autos documentos comprovativos da contratação de trabalho à empresa E... para aumento da força de trabalho (cargos, detalhe das tarefas desempenhadas e tempos), para contra-prova dos factos alegados nos arts. 64.º a 65.º da petição inicial; + (vi) juntar aos autos documentos comprovativos das horas extras dos seus trabalhadores (cargos, detalhe das tarefas desempenhadas e tempos), para contra-prova dos factos alegados nos arts. 64.º a 65.º da petição inicial
Alegou a autora, nos arts. 64.º e 65.º da PI que ‘Além da dita transferência de produção e medidas de efeito imediato, para responder à interrupção de produção, a C... Portugal aumentou a acção da sua força de trabalho própria e de trabalho contratado a terceiros, nomeadamente à empresa E...’, e que ‘Tal aumento de horas de trabalho significou um custo no valor de € 35,745,00 (ver Doc. 6).’
Consta do Doc. 6, no ponto ‘3.2.2. Despesas incrementadas com pessoal’, que ‘Para processar a produção de peças de injeção no local de ..., o Segurado recorreu a pessoal adicional’ e que ‘As despesas incrementadas com pessoal foram recolhidas com base nas faturas da empresa de pessoal temporário, E..., até abril de 2017, e nas horas extra internas, até dezembro 2016.’
Como ficou dito, é um ónus do requerente da notificação de terceiros para apresentar documentos a identificação do concreto documento cuja junção se pretende obter. A ré não requereu a junção dos documentos que no relatório elaborado se refere terem sido o suporte documental dos custos com pessoal considerado (faturas da empresa de pessoal temporário, E..., até abril de 2017, e nas horas extra internas, até dezembro 2016); o que a ré solicitou foi a junção de ‘documentos comprovativos da contratação de trabalho à empresa E...’ que identifica como ‘cargos, detalhe das tarefas desempenhadas e tempos’; e de ‘documentos comprovativos das horas extras dos seus trabalhadores’ que identifica como ‘cargos, detalhe das tarefas desempenhadas e tempos’.
A ré não cumpriu aqui – diferentemente do que sucedeu com o requerimento de junção de documentos (iv), uma vez que aí, apesar da ininteligibilidade da indicação que efetuou entre parenteses, solicitou os documentos comprovativos das despesas internas da C... Portugal, relacionadas com custos de pessoal e identificadas no documento em Excel, ou seja, os documentos que serviram de suporte à consideração de tais despesas – o seu ónus de identificação mínima dos concretos documentos que cuja junção pretende, não esclarecendo – nem se alcançando – quais são esses documentos, o que inviabiliza o deferimento da sua pretensão, sendo assim, e em consequência, de confirmar a decisão de indeferimento do tribunal a quo no que concerne ao requerimento de notificação para junção de documentos elencados em 18., (v) e (vi).

(vii) para prova do alegado nos arts. 135.º a 138.ºda contestação, juntar aos autos as facturas das peças adquiridas à F..., com discriminativo, identificação das referências das peças e respectivas quantidades.

Alegou a ré nos arts. 135.º a 138.º da contestação o seguinte:
135.º
Mas mais: na indemnização peticionada a Autora inclui, ainda, a quantia de € 23.259,00 referente a peças sobresselentes alegadamente vendidas pela F... para evitar paragens de produção.
136.º
Sucede que, foi a própria C... Potugal que, por carta enviada à Ré em 17.10.2016, agradeceu a rápida actuação e a diligencia da Ré relativamente aos moldes, o que evitou –alega a própria – a interrupção da cadeia de distribuição, conforme documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais (Doc.º nº. 5).

137.º
Acresce que as referidas peças alegadamente adquiridas à F... não consubstanciaram um dano para a C... já que, após incorporar as referidas peças nos para-choques que esta constrói, vendeu novamente as mesmas peças (agora incorporadas no para-choques) à F..., recebendo o respectivo preço,
138.º
O que demonstra à saciedade que a C... não teve qualquer paragem de produção nem nenhum dano decorrente daquela compra de peças, não sendo, como tal, o referido custo no valor de € 23.259,0, a existir, devido.

Resulta evidente a impertinência da requerida junção das faturas das peças adquiridas pela C... Portugal à F... para prova do que consta dos acima transcritos arts. 135.º a 138.º da contestação.
Sendo os documentos em causa impertinentes para a finalidade pretendida, é correta a decisão da primeira instância de indeferimento do requerimento em causa, quanto à pretendida notificação para junção destes documentos.

3.2. Notificação da G..., S.A.

A ré requereu ainda, ‘nos termos do art. 432.º do Cód. Proc. Civil’, para contra-prova dos danos identificados nos arts. 58.º a 63.º da petição inicial, a notificação da G..., S.A., para:
(i) juntar aos autos as especificações do processo de injeção das peças que foram produzidas nas suas instalações após o incêndio ocorrido nas instalações da Ré a pedido da C... Portugal;
(ii) para informar o detalhe do custo das peças, nomeadamente custo matéria-prima, custo máquina injeção, custo operador, custo embalagem, custo transporte, outros, das referidas peças produzidas; e
(iii) para juntar cópia das facturas das peças que produziu a pedido da C... Portugal após o incêndio ocorrido nas instalações da Ré.

Nos arts. 58.º a 63.º da petição inicial alegou a autora que transferiu a produção que devia ter ocorrido na fábrica da ré para outros locais, em concreto, para instalações suas, que preparou para o efeito, para uma entidade denominada “G...”, que tem sede em ... e para a fábrica do Grupo C... em ..., Espanha; que essa transferência de produção implicou os custos inerentes a transporte de ferramentas para os novos locais; avaliação de potencial de produção nesses novos locais; deslocação de técnicos a tais locais, entre outras, e que foram tomadas outras medidas para que não fosse interrompida a produção da Ford Volkswagen por falta de produção da C..., nomeadamente, foi acelerada a reparação dos moldes, com inerente pagamento de horas extraordinárias e foi efectuada compra de peças a terceiros, mormente a uma empresa denominada J..., ascendendo os custos incorridos com as ações de transferência de produção e ações de efeito imediato para garantir a continuidade de produção a € 64.952,00, conforme avaliação que consta do Doc. 6 que juntou com a PI.
O detalhe das despesas que ascendem ao referido valor de € 64.952,00 consta do ponto. 3.2.1. Despesas únicas e aceleradas dos locais de produção alternativos do Relatório junto como Doc. 6.

Tais despesas, aí elencadas, são as seguintes:

Transporte de ferramentas para locais alternativos: 10.599 EUR
Despesas de viagem para avaliar e estabelecer a produção em locais alternativos: 1.972 EUR
Pinças de peças sobresselentes para utilização em ... 5.091 EUR
Despesas para acelerar o regresso à produção e para evitar possíveis faltas de entrega: Reparação acelerada de moldes (sobrecarga por horas extras, etc.) 23.737 EUR
A VW proporcionou peças sobresselentes para evitar possíveis paragens da produção durante a fase de transição, sendo as despesas incrementais determinadas com base na quantidade faturada menos as despesas economizadas: 23.259 EUR
Embalagem das peças entregues pela VW 294 EUR


É ainda referido no aludido relatório, no final deste ponto 3.2.1.:
“As verbas individuais figuram no Anexo 1.
As despesas foram validadas com base nos comprovativos deduzindo as despesas economizadas.
Nos anexos 1a e 1b são apresentados exemplos de despesas de transporte e de VW.”

Tal como o tribunal recorrido, não se vislumbra, nem a ré explica, em que medida ‘as especificações do processo de injeção das peças que foram produzidas nas suas [da G...] instalações’ assume relevância para contraprova da matéria em causa.
No que concerne ao requerimento para a G... ‘informar o detalhe do custo das peças’, além da total impertinência da informação em causa para a contra-prova do alegado nos arts. 58.º a 63.º da petição inicial, valem aqui as considerações já acima expendidas quanto ao facto de não ter cabimento no âmbito do regime do art. 423.º do Cód. Proc. Civil a notificação de terceiro para prestar informações.
E, por fim, quanto ao requerimento de notificação da G... para juntar cópia das faturas das peças que produziu a pedido da C... Portugal, a junção das referidas faturas é impertinente para contraprova dos factos alegados nos indicados arts. 58.º a 63.º da PI.
Mantém-se assim, in totum, no que concerne ao requerimento de notificação da G... para juntar documentos (e prestar informação), a decisão de indeferimento proferida pelo tribunal a quo.

4. Conclusão

Concluímos, assim, que atenta a subordinação do direito à prova à finalidade que o exercício de tal direito visa satisfazer – pertinência do meio de prova requerido para a prova de factos relevantes para a decisão a proferir –, a necessidade de preenchimento dos requisitos previstos no art. 429.º, ex vi art. 432.º, ambos do Cód. Proc. Civil, não limita qualquer direito de defesa nem o direito à prova. O direito à prova incluído na previsão legal do art. 20.º da CRP é o direito à prova nos termos, meios e para as finalidades, no caso, previstas no Cód. Proc. Civil, pelo que não há qualquer violação desse direito no indeferimento do requerimento probatório (na parte não revogada) apresentado pela ré, por impertinência da prova requerida e não preenchimento das exigência legais para o seu deferimento, de acordo com o regime legal previsto no art. 432.º do Cód. Proc. Civil. – assim, Ac. do TRC de 21-04-2015, proc. 124/14.1TBFND-A.C1.

5. Responsabilidade pelas custas

A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Reg. Cus. Processuais).
A responsabilidade pelas custas desta apelação cabe à apelante e à apelada, na proporção de 8/10 para a apelante e de 2/10 para a apelada, ou seja, na proporção do vencimento, atendendo a que, das 10 notificações de terceiro para junção de documentos indeferidas na decisão recorrida, o recurso interposto apenas procede quanto a duas delas (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).

IV – Dispositivo:

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso de apelação e, em consequência, altera-se a decisão proferida pelo tribunal a quo, a qual se substitui por outra a deferir parcialmente o requerimento probatório apresentado pela ré, nomeadamente na parte em que requereu a notificação da sociedade C... S.A. (C... Portugal) para juntar ao processo:
1) cópia das faturas emitidas pelos terceiros que efetuaram os trabalhos de reparação e substituição do material danificado no incêndio, que serviram de suporte às despesas consideradas no relatório junto como Doc. 5 com a PI (e os eventuais documentos de suporte dessas faturas que a C... possa ter na sua posse, consistentes nos referidos mapa de trabalhos efetuados nos moldes e calibradores, tarefas, lista de materiais e tempo de execução);
2) cópia dos documentos que serviram de suporte aos custos salariais internos (custos com pessoal da C... PT) suportados pela C... Portugal que foram considerados no relatório junto como Doc. 5;
no mais se mantendo a decisão apelada quanto ao indeferimento das restantes notificações requeridas.

Custas do recurso a cargo da ré/apelante e da autora/apelada, na proporção de 8/10 para a apelante e de 2/10 para a apelada, nos termos do artigo 527.º Cód. Proc. Civil.

Notifique.



Porto, 4 de abril de 2024
Ana Luísa Loureiro
João Maria Espinho Venade
Paulo Dias da Silva
_______________
[1] Sobre a admissibilidade da junção de documentos em poder da parte contrária ou de terceiros para contraprova de factos cujo ónus de prova recai sobre a parte contrária, ver Ac. TRE de 14 de julho de 2021, proc. 119262/16.9YIPRT-B.E1 e Ac. TRC de 21-04-2015, proc. n.º 124/14.1TBFND-A. C1