EXECUÇÃO DE SENTENÇA
SENTENÇA PROFERIDA EM EMBARGOS DE EXECUTADO
LIMITES DO CASO JULGADO
Sumário

I – Tendo a sentença proferida em embargos de executado decidido que havia na sentença exequenda falta de título quanto à linha de delimitação do prédio dos exequentes, a mesma integra uma decisão de mérito quanto à existência de título e, por força do art. 732º nº6 do CPC, faz caso julgado material quanto a tal.
II – Decidindo-se ali que os exequentes deviam ter instaurado uma ação de demarcação em vez de ter instaurado a execução, e que os exequentes, obedecendo a tal sentença, praticaram tal facto instaurando a respetiva ação declarativa de demarcação contra a executada, na qual porém se veio a decidir pelo seu indeferimento liminar, confirmado em via de recurso, porque se considerou que a demarcação visada, ao contrário do decidido naquela sentença de embargos, já estava afinal contida na sentença proferida na ação declarativa inicial, há que considerar que a propositura da nova ação e a interpretação nela feita (por via da decisão de indeferimento liminar e do acórdão da Relação que a confirmou), no sentido de nela afinal já constar a delimitação do prédio dos exequentes (e não ser preciso para tal a nova ação), não pode deixar de equivaler à prática do ato que, segundo a sentença proferida nos embargos, faltava praticar, e, assim, que por via da previsão do art. 621º do CPC aquele caso julgado não opera em relação a nova execução com base na mesma sentença.

Texto Integral

Processo nº2002/22.7T8LOU-A.P1
(Comarca do Porto Este – Juízo de Execução de Lousada – Juiz 2)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Manuel Fernandes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

AA e esposa, BB, instauraram execução de sentença (por violação de obrigação de facto negativo) contra CC, requerendo o seguinte:
a) Seja fixada uma indemnização, a pagar pela executada aos exequentes, de montante nunca inferior a € 6.000,00 (seis mil euros) a título de danos causados, até à presente data, pela perturbação do uso, fruição e disposição que formam o conteúdo do direito de propriedade dos exequentes.
b) Seja fixada uma sanção pecuniária compulsória, a pagar pela executada aos exequentes, no montante não inferior a € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por dia enquanto aquela passar pelo prédio dos exequentes, enquanto aí fizer regos, deitar herbicida, os impeça de o vedar ou pratique qualquer outro acto que dificulte ou diminua o direito de propriedade dos Exequentes.
c) Por forma a tornar possível a execução da sentença, seja executada advertida que incorre em desobediência caso persista em praticar os actos supra mencionados ou qualquer outro que dificulte ou diminua o direito de propriedade dos exequentes.
d) Por forma a acautelar o direito de vedação e tapagem seja determinada a possibilidade de os exequentes recorrerem às Forças de Segurança por forma a que as mesmas estejam presentes durante a execução da vedação, com custos a suportar pela executada.
e) Por forma a acautelar o montante devido a título de indemnização, nos termos do artigo 629º nº 5 do C.P.C. devem, à executada, ser penhorados imediatamente bens suficientes para cobrir a quantia destinada à indemnização dos exequentes.
A executada veio deduzir oposição por embargos. Alegou a falta de título, a exceção de caso julgado e impugnou ainda a matéria alegada no requerimento executivo, apresentando a sua versão da interpretação do título executivo.
Os exequentes deduziram contestação, pugnando pela improcedência dos embargos e requerendo no seu final a condenação da embargante como litigante de má fé.
Teve lugar tentativa de conciliação, que se frustrou.
Com o acordo das partes, dispensou-se a audiência prévia.
Veio depois a ser proferida sentença, na qual, depois de se julgar improcedente a exceção de caso julgado e remeter para o processo de execução a decisão do requerido pelos exequentes sob as alíneas b) a e), se julgou parcialmente procedente os embargos deduzidos, reduzindo-se a indemnização peticionada para o valor de 1.000,00€ e determinando, quanto ao demais, o prosseguimento da execução.
De tal sentença veio a embargante interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1 – Como resulta da matéria de facto provada, correu termos no Juízo de Execução de Lousada, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, sob o n.º 2830/20.8T8LOU, onde, de igual forma, foram exequentes e executada os mesmos dos presentes autos.

2 – Também de igual forma, nesse processo, vieram os aqui embargados dar à execução a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 533/16.7T8AMT, invocando os mesmos fundamentos e peticionando o mesmo que nos presentes autos.

3 – Dessa execução foram deduzidos embargos de executado, que correu por apenso a esses autos de execução sob o n.º 2830/20.8T8LOU-A, onde for proferida sentença julgando-os totalmente procedentes.

4 – Pelo que a executada/embargante entendeu, e entende, estar verificada a excepção dilatória de caso julgado impondo-se, por conseguinte, a extinção da presente execução de que estes autos constituem apenso.

5 – Entendeu a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” não assistir razão à aqui embargante por não estar verificada a apontada excepção.

6 – Justificou a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” tal entendimento dizendo que “…já entre a acção 2830/20.8T8LOU-A e a presente acção 2002/22.7T8LOU-A – ambas acções executivas – apesar de terem em comum o mesmo título executivo, não julgam a mesma causa porquanto na acção 2830/20.8T8LOU-A, porquanto apesar de interposta esta acção executiva para fazer cumprir a mesma sentença transitada em julgado, naquela instância executiva existiu um indeferimento liminar e não houve assim um conhecimento do mérito da causa, pelo que a sentença proferida no embargos de executado no processo 2830/20.8-A não tem alcance de caso julgado material, mas sim de caso julgado formal pois não foi aí proferida qualquer decisão de mérito, e portanto a ratio da excepção de caso julgado – evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior – não se verifica no presente caso dado que no processo executivo 2830/20.8T8LOU-A não foi apreciada a execução da sentença” – sublinhamos.

7 – O que não se aceita é quando se diz que naqueles autos 2830/20.8T8LOU-A existiu um indeferimento liminar.

8 – Se atentarmos na sentença proferido no âmbito daquele processo n.º 2830/20.8T8LOU-A, verificamos que ali é dito, para além do mais que:
“E com isso violou a obrigação que lhe foi imposta na sentença?
A resposta é não poi a Embargante apenas foi condenada a reconhecer o direito de propriedade dos Embargados em relação ao prédio rústico denominado «...», apenas enquanto titulares inscritos no registo predial e na matriz e não foi reconhecido, nem a Embargante foi condenada a reconhecer que o referido prédio tem a delimitação e configuração constante no levantamento topográfico junto com a petição inicial sob o doc. n.º4, nos termos peticionados pelos Embargados” – sublinhamos.

O prédio dos AA apesar de confinar com o da R/executada não está delimitado (o que os exequentes tentaram fazer com a construção de um muro sem contudo terem instaurado a necessária ação de demarcação” – sublinhamos.

Daí que existindo essa dúvida entre as partes criada pela própria sentença e que motivou a improcedência dos pedidos c) a n), a conduta da executada não viola a sentença exequenda pois inexiste ainda a demarcação dos prédios e desconhece-se se a conduta da executada foi prática fora dos limites do prédios dos exequentes pois não estão demarcados” – sublinhamos.

Decidindo, conclui essa mesma sentença “Pelo exposto, julgo totalmente procedentes, por provados, os presentes embargos, determinando, em consequência, a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso”.

9 – ESSA DELIMITAÇÃO/DEMARCAÇÃO (AINDA) NÃO ACONTECEU.

10 – Trata-se pois, ao contrário do referido na sentença ora recorrida, de uma autêntica decisão de mérito, ficando, pois, a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, devendo pois julgar-se como verificada a excepção de caso julgado.

11 – Refere-se no Requerimento Executivo, além do mais, que “…a executada continuou, e continua, a praticar os mesmos actos que foi condenada a não praticar no prédio dos executados, aí entrando e passando diariamente, fazendo regos, colocando herbicida e entulho”.

12 – Ora, tais factos, em sede de Requerimento Inicial de Embargos foram devidamente impugnados, não foi feita qualquer prova quanto aos mesmos e nem sequer constam do elenco dos factos provados.

13 – Não obstante não se ter feito qualquer prova sobre esses factos, nem os mesmos constarem do elenco dos factos provados (nem podia), decidiu a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” julgou apenas parcialmente procedentes os embargos, fixando a indemnização peticionada pelos exequentes no valor de 1 000,00 €.

14 – Ora, como é pacífico, para que haja lugar a uma indemnização, é necessário que tenha existido um facto, facto esse ilícito, culposo, que esse facto tenha originado um dano.

15 – Nada disso está provado, pelo que é inconcebível a fixação de qualquer indemnização, pelo que sentença também deve ser revogada nesta parte.

16 – Ao decidir da forma como decidiu, violou a sentença recorrida, entre outros, os artigos 577º, 578º, 580º, 581º, 619º, 620º, 876º e 577º do Código de Processo Civil,

17 – Pelo que deve ser revogada e substituída por uma outra que julgue procedentes, por provados, os presentes embargos, e, em consequência, determine a extinção da execução.”

Os embargados apresentaram contra-alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar se nos presentes autos ocorre a exceção de caso julgado por referência à decisão proferida no processo de embargos de executado nº2830/20.8T8LOU-A;
b) – apurar da procedência da condenação da executada na quantia de 1.000 euros.

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II – Fundamentação

A factualidade a ter em conta é a da sentença recorrida, com as seguintes alterações: suprime-se a factualidade referida sob o nº1 por já se encontrar referida sob os nºs 6 e 13, suprime-se a factualidade referida sob o nº2 por já se encontrar integrada na referida sob os nºs 13, 14 e 15, suprime-se a factualidade referida sob o nº3 por já se encontrar integrada na referida sob os nºs 16, 17, 18, 19 e 20 e suprime-se a factualidade referida sob o nº21 por já se encontrar integrada na referida sob os nºs 4 e 5, o que se faz ao abrigo do disposto nos arts. 663º nº2 e 607º nº4, 2ª parte, do CPC.
Conformando-se toda ela com uma nova numeração, é a seguinte:

1. Por sentença transitada em julgado no dia 28 de Janeiro de 2020 e proferida no processo 533/16.7TBAMT, foi a ora executada condenada a reconhecer o direito de propriedade dos exequentes sobre o prédio rústico denominado “...”, composto por cultura, ramada e fruteiras, sito em ..., União de Freguesias ... (...), ..., ... e ... (anterior freguesia ...), concelho de Amarante, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob a ficha ....
2. Na ação referida em 1. peticionaram os embargados, aqui exequentes:
a) - Ver declarado e reconhecido o direito de propriedade dos aqui embargados sobre o prédio rústico melhor identificado no art. 1.º da petição;
b) Condenação dos ali réus a reconhecer o alegado direito de propriedade referido na alínea anterior, bem como abster-se da prática de quaisquer atos que por qualquer forma ponham em crise o mesmo direito de propriedade dos aqui Embargados sobre o seu prédio;
c) Ver declarado que o limite do identificado prédio corresponde à linha vermelha assinalada no levantamento topográfico junto;
d) Serem os ali réus condenados a reconhecer tal direito de propriedade com os limites indicados no levantamento topográfico;
e) Ver declarado e judicialmente reconhecido que a linha de partilha entre o prédio dos embargados e os prédios dos ali réus é a linha sombreada a amarelo no levantamento topográfico junto;
f) Condenação dos ali réus a reconhecer este limite;
g) Condenação dos ali réus a repor as portadas das janelas a abrir para o interior da habitação;
h) Condenação dos ali réus a retirar as telhas colocadas para fora da parede na parte que confina com o prédio dos exequentes, linha vermelha sombreada a amarelo;
i) Condenação dos ali réus a retirarem os vasos do prédio dos aqui Embargados;
j) Condenação dos ali réus a absterem-se de passar pelo prédio dos aqui embargados e aí praticarem qualquer ato;
k) Condenação dos ali réus a uma sanção pecuniária compulsória no montante de 100,00 € por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhes forem impostas por sentença, nos termos previstos no artigo 829 – A do C. Civil;
l) Condenação dos ali réus a abster-se da prática de quaisquer atos que atentem contra o referido direito de propriedade dos aqui embargados;
m) Condenação dos ali réus a pagar aos aqui embargados o prejuízo constante do derrube do muro no total de 430,00 €;
n) Condenação dos ali réus a pagar aos aqui embargados o montante das despesas que estes venham a suportar para ver garantido o seu direito cujo cômputo se relega para execução de sentença.
3. Na sentença proferida em tal processo julgou-se procedentes os pedidos elencados em a) e b), tendo tudo mais sido julgado improcedente e, por conseguinte, sido absolvidos os ali réus dos restantes pedidos.
4. Como se pode ler nessa sentença “Ora, se é verdade que aos autores não pode ser recusado o reconhecimento do seu direito de propriedade, desde logo pela presunção registral e, depois, pela usucapião, já não será fundado condenar os réus a respeitá-lo no terreiro até ao preciso limite das telhas e janelas…”
5. Acrescentando, mais à frente que “…mas sem condenação dos réus a abster-se de actos violadores dessa propriedade, os quais não foram perpetrados ou consumados sobre o prédio que aos autores pertence e com a procedência do segmento c) do pedido no sentido de que os prédios dos autores e dos réus são duas realidades materiais diversas, sendo que a zona da faixa em litígio consubstancia o prédio dos autores, embora não ao ponto de bater na paredes da casa dos réus onde eles aliás têm escadas,janelas e tiveram uma porta”, “… mas nada que abarque ou contemple a faixa situada imediatamente sobre as telhas e janelas, isto é, o limiar contíguo ao prédio urbano dos réus” e ainda “…constituir o prédio dos autores mas nunca e jamais ao ponto de bater nas aberturas da casa dos réus”;
6. Concluindo, refere-se na sentença que “Mas o que sobreveio da prova produzida foi que essa faixa é, sem hesitação, do prédio dos autores mas não com a ambição e generosidade de se imiscuir nas janelas e telhas dos réus. Em síntese, antolha-se como procedente a acção quanto às alíneas a) e b), sem que contudo se condene os réus no impetrado nas alíneas c) a n)” ;
7. Tal sentença veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto tendo transitado em julgado no dia 28/01/2020;
8. Os ora embargados vieram então dar à execução aquela sentença proferida no âmbito do supra referido processo n.º 533/16.7T8AMT que veio a ser objeto de embargos de executada por parte da aqui embargante, processo esse que veio a correr termos neste mesmo Juízo de Execução de Lousada, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, sob o n.º 2830/20.8T8LOU-A;
9. No âmbito deste processo n.º 2830/20.8T8LOU-A veio a ser proferida sentença que julgou totalmente procedentes os embargos de executado e, em consequência, determinou a extinção da execução;
10. Escreveu-se na sentença proferida no processo 2830/20.8T8LOU-A, e entre o mais que “Daí que existindo essa duvida criada aliás pela própria sentença e que motivou a improcedência dos pedidos c) a n), a conduta da executada não viola a sentença exequenda pois inexiste ainda a demarcação dos prédios e desconhece-se se a conduta da executada foi prática fora dos limites do prédios dos exequentes pois não estão demarcados. Assim, deveriam os exequentes ter instaurado uma acção de demarcação em vez de ter instaurado esta execução, o que deveriam ter feito antes de ter tentado construir o muro sem que esteja definidos os limites entre os prédios. Assim terão de proceder os embargos.”
11. Seguidamente, os ora embargados vieram a intentar nova ação, desta feita apenas contra a ora executada CC que correu termos no Juízo Local Cível de Amarante, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, sob o n.º 708/21.7T8AMT;
12. Neste processo n.º 708/21.7T8AMT peticionaram os ora embargados:
a) Que se determinasse a ali Ré, ora embargante, a concorrer para a demarcação das estremas do seu prédio com o prédio dos embargados na sua confrontação a poente e na precisa faixa situada debaixo das janelas e telhas da casa da executada;
b) Que a respetiva demarcação fosse feita com base na douta sentença proferida nos autos sob o nº 533/16.7T8AMT;
c) Que se determinasse a colocação de marcos por peritos para delimitação geográfica dessa faixa nessa confrontação a Poente.
13. Tal processo foi distribuído à mesma Meritíssima Juiz do Juízo Local Cível de Amarante e foi objeto de indeferimento liminar nos termos do artigo 590º n.º1 do CPC por exceção dilatória insuprível de caso julgado.
14. Como se pode ler nesse despacho “em ambas as acções é irrefragável que as lides provêm da mesma causa de pedir, a cofinancia dos prédios de autores e ré, aliás, abundantemente versada na acção anterior onde se pediu a fixação de limites de acordo com um levantamento topográfico e onde expressamente, com trânsito em julgado, se reconheceu que o direito de propriedade dos autores não foi beliscado e se consagrou que o prédio dos réus[Autores] não vai até à zona debaixo das janelas e beirada, com o que ficou perfeitamente delimitada a zona que pertence aos autores”.
15. E mais à frente explicita que “Consoante deflui da alínea A dos factos provados este prédio está registado em nome dos autores, mais se provando no facto 1, que há mais de 20 anos que os autores o cultivam e aproveitam sem oposição de ninguém e na crença de serem os únicos donos. Como se viu, esta asserção não se aplica totalmente à faixa litigiosa que se provou integrar o prédio dos autores, mas não na exacta fronteira da esquina/parede da casa dos réus, até pela existência de escadas, porta antiga e janelas aí, mas, tal, não invalida que o direito de propriedade seja certificado e sancionado sobre o imóvel em si, na sua identidade registral (descrição) e matricial (artigo).”
16. Os exequentes recorreram de tal despacho para o Tribunal da Relação do Porto, cujo recurso correu termos junto da 2ª Secção sob o nº 708/21.7T8AMT-P1, invocando fundamentos vertidos na sentença proferida no âmbito do processo executivo supra referido. A Relação julgou o recurso improcedente e confirmou o despacho recorrido.
17. Refere o Acórdão da Relação: “Pode assim ser autonomizado da sentença transitada em julgado, que os limites do prédio dos autores vão até às janelas e telhas dos réus”. E continua: “Pressupondo a acção de demarcação que a linha divisória dos prédios seja incerta ou duvidosa, já que a mesma visa precisamente tornar essa linha certa e definida, podemos dizer, que no caso em apreço não ocorre tal indefinição, pois as estremas ficaram definidas com o julgamento na acção nº 533/16.7TBAMT …”.

Além desta factualidade, cumpre dar conta de que na exposição de factos constante do requerimento inicial da execução os exequentes fazem referência ao decidido na ação nº 708/21.7T8AMT e transcrevem nela os dizeres do acórdão do Tribunal da Relação referidos supra sob o nº17, alegando ainda, sob o nº2 da factualidade que consta sob a epígrafe “Da Execução” e após identificar sob o nº1 o seu prédio, que “Ficou determinado que os limites do prédio dos exequentes vão até às janelas e telhas da executada”.

Vamos agora à análise da primeira questão enunciada.
Na sentença recorrida, julgou-se improcedente a exceção de caso julgado invocada pela embargante e por esta referenciada à sentença proferida nos embargos de executado nº2830/20.8T8LOU-A com base, em síntese, na seguinte consideração: em tal sentença “existiu um indeferimento liminar” e, por isso, a mesma não tem alcance de caso julgado material, mas sim de caso julgado formal pois não foi aí proferida qualquer decisão de mérito, e portanto a ratio da excepção de caso julgado – evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior – não se verifica no presente caso dado que no processo executivo 2830/20.8T8LOU-A não foi apreciada a execução da sentença”.
Não se perfilha este entendimento, desde logo porque, como resulta provado sob os nºs 8, 9 e 10 da matéria de facto que acima se elencou, aquela decisão não integra um qualquer indeferimento liminar mas antes uma sentença ali proferida que conheceu do conteúdo e alcance do título dado à execução e veio a julgar procedentes os embargos (a única situação de indeferimento liminar que é reportada com atinência aos autos é da ação nº 708/21.7T8AMT, referida sob os nºs 11, 12 e 13).
De qualquer modo, sempre já se adianta que o caso julgado formado com a sentença proferida naqueles embargos não impede a execução a que respeitam os presentes autos.
Vejamos.
Naquela sentença, proferida no âmbito de uma primeira execução também instaurada pelos ora exequentes/embargados contra a executada/embargante e tendo como título executivo a mesma sentença que baseia a execução destes autos, proferida na ação nº533/16.7T8AMT, considerou-se, tanto quanto se interpreta (veja-se o nº 10 da factualidade elencada), que havia falta de título quanto à linha de delimitação do prédio dos exequentes, pois tal delimitação não constava da sentença exequenda e como tal “deveriam os exequentes ter instaurado uma acção de demarcação em vez de ter instaurado esta execução”.
Na sequência de tal sentença, os exequentes instauraram contra a executada a ação declarativa nº 708/21.7T8AMT, pedindo nela a demarcação entre o seu prédio e o prédio da executada e que tal demarcação fosse feita com base na sentença proferida naquela ação declarativa nº533/16.7T8AMT (nºs 11 e 12 da factualidade elencada).
Nesta outra ação declarativa (nº708/21.7T8AMT) ocorreu, porém, o seu indeferimento liminar por verificação da exceção dilatória insuprível de caso julgado, porque se considerou que na sentença proferida na ação nº533/16.7T8AMT afinal já havia delimitação do prédio dos exequentes (ao contrário do decidido naquela sentença de embargos), tudo como referenciado sob os nºs 13, 14 e 15 da factualidade supra mencionada.
De tal indeferimento liminar veio a ser interposto recurso pelos exequentes – inclusivamente invocando nele os fundamentos vertidos na sentença proferida naqueles embargos –, tendo o Tribunal da Relação julgado o recurso improcedente e confirmado aquele indeferimento liminar, referindo no respetivo acórdão, designadamente, que “Pode assim ser autonomizado da sentença transitada em julgado, que os limites do prédio dos autores vão até às janelas e telhas dos réus” e que “Pressupondo a acção de demarcação que a linha divisória dos prédios seja incerta ou duvidosa, já que a mesma visa precisamente tornar essa linha certa e definida, podemos dizer, que no caso em apreço não ocorre tal indefinição, pois as estremas ficaram definidas com o julgamento na acção nº 533/16.7TBAMT” (nºs 16 e 17 da factualidade elencada).
Então, no pressuposto do decidido nesta última ação declarativa (nº708/21.7T8AMT) – que é o de que, ao contrário do afirmado na sentença de embargos, na sentença proferida na ação nº nº533/16.7T8AMT está já definida uma delimitação entre o prédio dos exequentes e o da executada – é que os exequentes vieram instaurar a execução de que estes autos são apenso, fazendo constar da exposição de factos do respetivo requerimento inicial exigida pelo art. 724º nº1 e) do CPC (ex vi do art. 551º nº2) a referência ao decidido em tal ação, transcrevendo inclusivamente aqueles dizeres do acórdão da Relação, e referindo ali, em sede de factualidade concreta, os concretos limites do seu prédio que se assinalaram naquele acórdão.
Como se prevê no art. 732º nº6 do CPC, “(…) a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”.
Tendo a sentença proferida nos embargos decidido que havia falta de título quanto à linha de delimitação do prédio dos exequentes, a mesma integra uma decisão de mérito quanto à existência de título e, por força daquele preceito, faz caso julgado material quanto a tal.
Porém, como se preceitua sobre o alcance do caso julgado no art. 621º do CPC, “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”.
Naquela sentença, como já se referiu, decidiu-se que a delimitação do prédio dos exequentes não constava da sentença exequenda e como tal deveriam os exequentes ter instaurado uma ação de demarcação em vez de ter instaurado a execução.
Isto é, decidiu-se que faltava a prática de determinado facto (a demarcação do prédio).
Ora, os exequentes, obedecendo-lhe, procuraram praticar tal facto, e instauraram a respetiva ação declarativa de demarcação contra a executada.
Nesta, porém, veio a decidir-se pelo seu indeferimento liminar porque se considerou que a demarcação visada, ao contrário do decidido naquela sentença de embargos, já estava afinal contida na sentença proferida na ação declarativa inicial, sendo que tal indeferimento liminar, como já se referiu antes, foi ainda confirmado por acórdão do Tribunal da Relação.
A propositura da nova ação e a interpretação nela feita, por via da decisão de indeferimento liminar e do acórdão da Relação que a confirmou, no sentido de nela afinal já constar a delimitação do prédio dos exequentes (e não ser preciso para tal a nova ação), não pode deixar de equivaler à prática do ato que, segundo a sentença proferida nos embargos, faltava praticar.
Efetivamente, a assim não se considerar e antes “obrigássemos” os exequentes a propor mais uma nova ação, estes estariam sujeitos a novo indeferimento liminar com o mesmo fundamento já perfilhado na ação nº 708/21.7T8AMT ou, caso a ação prosseguisse, a ver contra si excecionado e decidido o caso julgado que constituiu fundamento daquele indeferimento liminar, do que decorreria que os exequentes ficavam impedidos de fazer valer, por via da execução da sentença, o direito de propriedade sobre o seu prédio que nela lhes é reconhecido e cuja delimitação, como nesta última ação se decidiu, já ali constava definida.
Deste modo, por via do alcance do caso julgado previsto no art. 621º do CPC e sua aplicação ao caso vertente nos termos que acima se referiram, é de concluir que não opera em relação a esta execução o caso julgado formado com a sentença proferida nos embargos de executado nº2830/20.8T8LOU-A.
Assim, ainda que por fundamento diverso do perfilhado na sentença recorrida, improcede esta questão recursória.

Passemos agora à análise da segunda questão enunciada (apurar da procedência da condenação da executada na quantia de 1.000 euros).
Na sentença sob recurso, julgou-se improcedente a exceção de caso julgado e condenou-se a executada, por via da previsão dos arts. 876º nº1 a) e 877º nº1 do CPC, no pagamento aos exequentes da quantia de 1.000 euros a título de indemnização.
Ainda que o valor da causa, de 6000 euros, seja superior à alçada do tribunal de primeira instância (5000 euros – art. 44º da Lei 62/2013 de 26/8), a sucumbência da executada/recorrente em relação à indemnização em que foi condenada foi de 1.000 euros, valor este que é inferior a metade daquela alçada.
Assim, ainda que o recurso da sentença, pudesse, independentemente do valor da causa e da sucumbência, sempre ter lugar por força do fundamento da ofensa de caso julgado apresentado para o mesmo (art. 629º nº2 a) do CPC), já quanto àquele valor de indemnização, por via da previsão do art. 629º nº1 do CPC, não há sucumbência que o permita.
Isto é, quanto à indemnização decidida, a sentença não admite recurso.
Como tal, não se conhece do recurso quanto a ela.

As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
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Porto, 8/4/2024
Mendes Coelho
Fernanda Almeida
Manuel Domingos Fernandes