INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA
Sumário

I - De acordo com a teoria da impressão do destinatário, a interpretação da declaração negocial pretende determinar qual o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, imputa à declaração emitida pelo declarante, salvo se este último não puder razoavelmente contar com o sentido que o declaratário atribui à sua declaração.
II - A interpretação da declaração negocial é necessariamente contextual pois que além da declaração propriamente dita há que relevar todos os elementos que possam auxiliar na determinação do sentido da declaração negocial.
III - Estando em causa a interpretação de uma declaração negocial de um negócio jurídico formal, a declaração não poderá valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, salvo se tal sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.

Texto Integral

Processo nº 2353/22.0T8VLG-A.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 2353/22.0T8VLG-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
Em 04 de julho de 2022, no Juízo de Execução de Valongo Por despacho proferido em 15 de setembro de 2022 foi declarada a incompetência territorial do Juízo de Execução de Valongo e ordenada a remessa dos autos aos Juízos de Execução do Porto., Comarca do Porto, a Banco 1... instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa, a que foi atribuído o nº 2353/22.0T8VLG, contra AA, na qualidade de devedor e BB, na qualidade de proprietária de imóvel alegadamente hipotecado em garantia do crédito exequendo, peticionando o pagamento da quantia global de € 1.367.682,32, decorrente de livrança subscrita pelo 1º executado (em garantia de contrato de regularização de responsabilidades datado de 30.08.2011, com intervenção do executado) e garantida por hipoteca global/genérica constituída anteriormente pelos dois executados.
Citados, em 24 de setembro de 2022, os executados vieram, por apenso à execução, deduzir embargos de executado, requerendo a extinção da execução, a condenação da exequente como litigante de má-fé em multa de mil e duzentos euros e indemnização não inferior a três mil e quinhentos euros e a suspensão da ação executiva sem prestação de caução, alegando para o efeito, em síntese:
- a nulidade decorrente de não lhes ter sido entregue cópia da livrança apresentada como título executivo, para além de a livrança não estar completa, por faltar o verso da mesma;
- a extinção do direito de crédito exequendo em virtude de a exequente já ter intentado antes execução para pagamento do mesmo crédito exequendo, decorrente do contrato subjacente à livrança ora apresentada à execução, tendo a exequente declarado nessa anterior execução desistir do pedido;
- a inexistência da dívida exequenda quanto à executada/extinção da garantia hipotecária pois que as dívidas inicialmente constituídas e que poderiam responsabilizar a executada foram substituídas, por novação, pela dívida decorrente do contrato de 2011 apresentado como causa subjacente da livrança exequenda, sem que a executada tenha tido intervenção na constituição desta dívida pelo que o imóvel hipotecado, não pode responder pela dívida de 2011, tendo-se extinguido a hipoteca com a extinção da obrigação originária que garantia;
- a nulidade da garantia hipotecária, pois que a constituição da hipoteca não prevê a garantia da concreta dívida exequenda, para além de estar limitada ao máximo registado;
- a iliquidez e incerteza da obrigação pois que a exequente não esclarece, nem fundamenta o concreto valor do crédito que peticiona;
- o abuso do direito da exequente, ao peticionar o capital em dívida desde 2011, aguardando sem exigir o pagamento da dívida durante mais de 11 anos e por exigir judicialmente uma dívida relativamente à qual desistiu do pedido em anterior ação executiva.
Os embargos foram recebidos, sendo a embargada notificada para, querendo, contestar.
A exequente contestou os embargos, contrariando os fundamentos dos embargos, do seguinte modo:
- refere a junção do original da livrança logo em 26.07.2022;
- sustenta a existência de título executivo suficiente, no caso, a livrança;
- alega que, na anterior execução, a exequente apenas desistiu da instância executiva e não do pedido;
- sustenta que, em rigor, não existiu novação da dívida com os sucessivos contratos (ainda que o credor originário o tenha referido), culminando com o contrato de 2011, mas apenas substituição da livrança;
- sustenta que a hipoteca (constituída em 2001) é genérica e abrange obrigações futuras, razão pela qual garante a obrigação exequenda.
Os embargantes ofereceram requerimento rebatendo a argumentação da embargada, tendo esta requerido o desentranhamento da referida peça por ser processualmente anómala.
Designou-se data para realização de audiência prévia para os efeitos previstos nas alíneas a) a g) do nº 1 do artigo 591º do Código de Processo Civil.
Na audiência prévia frustrou-se a conciliação das partes, sendo embargantes e embargada ouvidos para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 591º do Código de Processo Civil, mantendo as partes as posições assumidas nos articulados.
Em 18 de janeiro de 2023 foi proferido despacho saneador Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 18 de janeiro de 2023. por escrito, julgando-se os embargos parcialmente procedentes, extinguindo-se a ação executiva relativamente à embargante e ordenando-se o levantamento da penhora sobre o imóvel hipotecado e determinando-se o prosseguimento da ação executiva contra o embargante.
Em 22 de fevereiro de 2023, inconformada com a decisão que precede, a Banco 1... interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. Por Requerimento Executivo datado de 17/07/2022, a aqui Recorrente promoveu a presente acção executiva, para cobrança coerciva de dívida relativa à livrança n.º ..., no valor global de € 1.367.682,32 (um milhão trezentos e sessenta e sete mil seiscentos e oitenta e dois euros e trinta e dois cêntimos) decorrente de contrato de regularização de responsabilidades celebrado entre a aqui Recorrente e o Recorrido e garantida por hipoteca genérica constituída por ambos os Recorridos em momento anterior, sobre o seguinte imóvel:
-> Prédio urbano, denominado lote n.º ..., sito em ..., ..., composto por casa edificada de cave, rés-do-chão, andar e vão do telhado, da freguesia ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória de Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... da união de freguesias ... e ....
B. A supramencionada Hipoteca foi originariamente constituída a favor do Banco 2..., S.A. por ambos os Recorridos, na altura casados sob o regime de comunhão de adquiridos, para garantia de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pelos mesmos, encontrando-se registada na competente conservatória pela ap. ... de 2001/07/31.
C. Sucede que em 2004, foi o supra descrito imóvel adquirido na totalidade pela Recorrida BB, através de processo de partilha, sem que o Banco tenha sido perdido ou achado em tal processo, pelo que desconhece totalmente os termos da partilha,
D. Sabendo apenas aquilo que se afigura aferível publicamente, através da consulta da CRP - que a transmissão da totalidade do imóvel foi transferida para a titularidade da Recorrida BB.
E. O imóvel é transmitido para a Recorrida com os ónus que impendem sobre o mesmo e os quais são do conhecimento esclarecido da Recorrida, designadamente no que respeita à Hipoteca Genérica que garante as obrigações presentes e futuras de cada um dos seus constituintes, proprietários do imóvel à data da sua constituição,
F. Sendo que em momento algum a aqui Recorrida solicitou ou requereu, por qualquer meio que seja do conhecimento da ora Recorrente, a expurgação, ainda que parcial da hipoteca, no sentido de a mesma deixar de garantir obrigações contratadas por cada um dos Recorridos, conjunta ou isoladamente.
G. O registo visa dar publicidade a todos os potenciais interessados, dos ónus a que dizem respeito, garantindo assim o conhecimento esclarecido do estado em que se encontra determinado bem adquirido por terceiro, bem como assegurando a integralidade dos direitos consagrados/registadas sobre o mesmo.
H. No caso em apreço, reportamo-nos a um direito real de garantia – a hipoteca – constituído a favor da aqui Recorrente e o qual comporta em si a segurança de que as obrigações assumidas ante a mesma se encontram asseguradas pelo imóvel em causa.
I. Ora, foi com esta convicção que em 30 de Agosto de 2011, a aqui Recorrente celebrou com o Recorrido AA um Contrato de Regularização de Responsabilidades, que se reportavam a contratos anteriormente celebrados entre o Banco 2..., S.A. e o Recorrido.
J. Nos termos dos considerandos de tal contrato, junto aos autos com a contestação aos Embargos como Doc. 5, verificamos que o mesmo visa regularizar o incumprimento de contrato anteriormente celebrado, em 30 de abril de 2009 e alterado em 30 de abril de 2010, e que a sua celebração não visou a novação das obrigações decorrentes, mantendo-se em vigor “todos os vínculos do devedor principal e seus garantes”.
K. A livrança objecto da presente execução foi entregue em branco para garantia deste contrato de regularização de responsabilidades celebrado em Agosto de 2011 e, tendo presente os termos da constituição da hipoteca genérica constituída pela ap. ... de 2001/07/31, a mesma se encontraria garantida por tal hipoteca.
L. Reitera-se que foi com esta convicção que os contratos foram celebrados com o Recorrido e que a livrança foi preenchida e apresentada à presente execução.
M. Sucede que os aqui Recorridos deduziram embargos alegando inúmeras questões, de entre as quais a que releva para efeitos do presente recurso,
N. A questão de se saber se com a transmissão da totalidade do imóvel a favor da aqui Recorrida, a acrescer o facto de a mesma não ter sido parte na operação que está subjacente à presente divida exequenda, poderemos considerar que a mesma se encontra garantida pela Hipoteca Genérica registada sobre o imóvel pela ap. ... 2001/07/31.
O. Todas as demais questões suscitadas em sede de embargos, foram, e bem, consideradas improcedentes, com excepção a esta.
P. Entendeu assim, o douto tribunal a quo que da interpretação feita à escritura de constituição de Hipoteca outorgada em 09 de agosto de 2001, resultaria que a hipoteca havia sido constituída para obrigações presentes e futuras, assumidas por ambos os Executados, aqui Recorridos, em conjunto.
Q. Assim, tendo presente a não intervenção da Recorrida na celebração do contrato de regularização de responsabilidades a que está adjacente a livrança em execução, bem como a sua não prestação de aval, levaria a concluir que tais obrigações não se encontrariam protegidas/asseguradas pela hipoteca genérica.
R. É relativamente a este ponto, e apenas a este, que a doutra sentença não colhe a concordância da aqui Recorrente,
Ou seja,
S. O busílis da questão surge quanto à interpretação que é feita relativamente às declarações negociais de constituição da hipoteca,
T. Na medida em que entendeu o douto tribunal que a hipoteca genérica havia sido constituída para garantia das obrigações que viessem a ser constituídas pelo dois hipotecantes, em conjunto.
Não pode a aqui Recorrente acompanhar tal entendimento,
U. Desde logo porque não resulta do corpo do texto qualquer expressão que faça menção à necessidade de intervenção conjunta dos hipotecantes na constituição das obrigações contraídas.
V. Não se vislumbra no texto da escritura em análise, em qualquer momento, menção a expressões de onde se retire a necessidade de uma participação de ambos.
W. Imagine-se que o contrato em causa e a subscrição da livrança tivesse ocorrido ainda no seio da comunhão conjugal?! Entender-se-ia que a hipoteca não garantiria a obrigação decorrente da livrança?!
Cremos que não!
X. O facto de os segundos outorgantes serem sempre referidos como um conjunto, está relacionado com o facto de serem identificados ambos com a qualidade de “segundos outorgantes” e por uma questão de facilidade de redação do texto da escritura.
Y. Sem prejuízo, cremos que se revela como evidente que a obrigação genérica quaisquer obrigações assumidas por qualquer um dos intervenientes junto do beneficiário da garantia. Z. A título de exemplo e no exercício especulativo, imaginemos que um dos Recorridos, sempre identificados na escritura como “segundos outorgantes” pelas razões já supra expostas, tinha um descoberto autorizado junto do banco em conta de depósitos à ordem apenas titulada por si, sem intervenção do outro “segundo outorgante”?!
AA. Como resulta da escritura de constituição da hipoteca, a mesma foi também constituída para garantia de obrigações decorrentes de descobertos autorizados - Neste caso, seguindo a interpretação perfilhada pelo tribunal a quo, entender-se-ia que tal descoberto não se encontrava garantido pela hipoteca, o que não se nos afigura de todo como um entendimento plausível?!
BB. Outra situação hipotética interessante, seria a situação de não ter existido partilha de bens e de o imóvel não ter sido atribuído na sua totalidade à aqui Recorrida - Neste caso também se entenderia que a hipoteca não poderia garantir a obrigação exequenda, na medida em que não foi a livrança subscrita pela Recorrida?!
CC. Ou se o imóvel tivesse sido atribuído, na sua totalidade pelo Executados, poderíamos também chegar a essa conclusão?!
DD. Poder-se-á dizer que nos casos supra elencados, tratando-se ou de uma situação ou ocorrida na constância do matrimónio, ou de uma situação em que ambos os hipotecantes permanecem a figurar como titulares do bem a questão não se colocaria, mas assumir esta posição é admitir uma dualidade de critérios que não poder ser admitida.
EE. A interpretação da vontade manifestada no contrato tem de ser coerente e obedecer a critérios de racionalidade de razoabilidade.
FF. Afigura-se, num primeiro vislumbre, como aberrante a possibilidade de se assumir que, permanecendo ambos os hipotecantes como titulares do imóvel, a hipoteca não serviria para garantir obrigações assumidas por um deles, mas se admitirmos a interpretação levada a cabo pelo douto tribunal de primeira instância, será essa a conclusão a retirar, a qual defrauda todos os princípios de confiança jurídica preestabelecidos e que por esse motivo não se afigura como plausível.
GG. Claro que na situação desenhada nos autos, estas circunstâncias de defraudamento da confiança na proteção jurídica não ressaltam como evidentes,
HH. Pois chocará menos ao interlocutor admitir a possibilidade de alguém que adquire um imóvel onerado não poder ver o seu bem a responder pelas dívidas garantidas por uma hipoteca registada em momento anterior ao momento em que se tornou seu único proprietário, ainda que tenha consentido na constituição de uma hipoteca genérica no passado e tenha plena consciência do qual tal significa (sem nunca ter tentado expurgar tal hipoteca, pois isso forçaria ao pagamento das obrigações que foram sendo ao longo do tempo renegociadas com o banco), “Pois, imagine-se, não foi parte na operação!”
II. Face a tudo quanto supra exposto, e salvo devido respeito por entendimento contrário, outra conclusão não se afigura possível, senão a de que da letra do contrato e de todas as circunstâncias envolventes quer no acto da escritura, quer posteriormente, a hipoteca garante quer as obrigações assumidas por ambos os Recorridos, de forma conjunta, quer as obrigações assumidas por qualquer um dos intervenientes, de forma isolada.
JJ. Não podendo conformar-se com a decisão objecto do presente recurso, entende a ora Recorrente que deverá a decisão proferida em sede de sentença de Embargos, que julgou procedente a excepção de inaplicabilidade da hipoteca à garantia exequenda e que, consequentemente, determinou a extinção da execução quanto à Recorrida BB e o cancelamento da penhora registada sobre o imóvel, ser substituída no sentido de se entender que a dívida exequenda se encontra garantida pela hipoteca genérica constituída e registada pela ap. ... de 2001/07/31”.
Em 08 de março de 2023, a embargante veio requerer a suspensão da ação executiva na parte que lhe respeita até à decisão definitiva dos embargos de executado.
Os embargantes ofereceram contra-alegações pugnando pela total improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação com subida nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo, decidindo-se que a suspensão da ação executiva decorria automaticamente da decisão que conheceu dos embargos e da atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso interposto contra essa decisão.
Atenta a natureza estritamente jurídica da questão objeto do recurso e a sua relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do tribunal coletivo, dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A única questão a decidir é determinar se a hipoteca constituída em 2001 apenas garante obrigações constituídas pelos dois outorgantes que constituíram essa garantia real.
3. Fundamentos de facto enunciados na decisão recorrida que por não terem sido impugnados nem se divisar fundamento legal para a sua alteração oficiosa se mantêm
3.1 Factos provados
3.1.1
A exequente deduziu execução, alegando e juntando o que consta do requerimento executivo, com o teor que aqui se dá por reproduzido,
3.1.2
Sendo os executados citados pelos ofícios postais datados de 17.08.2022 juntos
na execução.
3.1.3
A exequente apresentou, como título executivo, a livrança cujo original foi junto na execução, antes da citação, em 06.06.2022, constando da mesma, além do mais, o seguinte: valor de € 1 364 882,26, data de emissão de 2011.08.30, data de vencimento de 2022.06.06, subscritor “AA”, com assinatura imputada ao executado desenhando o seu nome.
3.1.4
A livrança acima referida foi emitida, em branco (quanto à data de vencimento e valor), como garantia associada ao “Contrato de Regularização de Responsabilidades” junto como documento 5 da contestação, datado de 30.08.2011, no qual o executado AA interveio como segundo outorgante, aí apondo a sua assinatura, constando do mesmo, além do mais, o seguinte:
“(…)

(…)
(…)
(…)”,
3.2.5
O executado AA apôs a sua assinatura na seguinte convenção de preenchimento da livrança:

(…)”.
3.2.6
Por escritura pública de 09.08.2001, os dois executados declararam a constituição de hipoteca sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., conforme escritura junta como documento 7 do requerimento executivo, constando da mesma, além do mais, o seguinte:
“(…)



(…)”.
3.1.7
A hipoteca referida mostra-se registada sob a ap. ..., de 31.07.2001, garantindo o máximo de Esc. 128.025.000$00.
3.1.8
Do registo predial do imóvel hipotecado acima referido consta ainda o registo da aquisição, por partilha, a favor da executada BB, sob a ap. ..., de 16.09.2004.
3.1.9
Foram outorgadas as escrituras de trespasse e cessão de créditos juntas como documentos 1 a 3 do requerimento executivo.
3.1.10
No âmbito do processo executivo n.º 16079/18.6T8PRT, a ora exequente apresentou o requerimento datado de 07.10.2019, junto como documento 1 dos embargos, com o seguinte teor:
“Banco 1... – Pessoa Coletiva de Utilidade Pública, Contribuinte Fiscal nº ..., matriculada na 1ª Secção da Conservatória de Registo Comercial de Lisboa sob o nº ..., com sede na Rua ..., nºs. ..../..., ... Lisboa, Exequente nos autos à margem melhor identificados, vem nos termos e para os efeitos do art. 277º, al. d) desistir da ação executiva, pelo que requerque seja decidida a extinção da instância.”,
3.1.11
Vindo, nessa sequência, a execução a ser extinta pelo agente de execução, mediante decisão de 10.12.2019, conforme documento 2 da contestação aos embargos, onde refere o seguinte “Atento o requerimento da Exequente junto aos presentes autos com a referência nr.º 33616769 datado de 07 de Outubro de 2019, cumpre decidir pela extinção dos presentes autos por desistência, nos termos e para o disposto no artigo 277.º
alínea d), do Código Processo Civil.”
3.1.12
Colocando informação no processo como desistência do pedido, conforme documento 2 dos embargos.
3.1.13
No âmbito do processo executivo n.º 3141/09.5TBMTS, o Banco 2... apresentou o requerimento datado de 09.09.2011, junto como documento 3 da contestação, com o seguinte teor:
3.1.14
Tendo tal execução sido antes interposta, com data de 13.05.2009, mediante o
requerimento executivo junto como documento 4 da contestação.
4. Fundamentos de direito
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida argumentando para tanto, em síntese, o seguinte:
- foi com a convicção de que o contrato de regularização de responsabilidades em agosto de 2011 se encontrava garantido pela hipoteca exequenda e bem assim que a livrança entregue para garantia do seu pagamento foi preenchida e apresentada à execução;
- a interpretação da decisão recorrida frustra as legítimas expetativas decorrentes da hipoteca registada a favor da recorrente e bem assim todos os considerandos subjacentes ao contrato de regularização de responsabilidades;
- a recorrente não interveio na separação de meações que esteve na base da adjudicação do imóvel hipotecado à embargante pelo que supôs que a embargante ao aceitar adquirir a totalidade da propriedade do imóvel hipotecado assumia o passivo garantido pela mesma, seja o já existente, seja o futuro que viesse a ser assumido por cada um deles;
- não tendo a embargante requerido a expurgação da hipoteca relativamente às obrigações futuras presume-se que aceitou que o seu imóvel continuasse a servir de garantia para todas as obrigações que viessem a ser contraídas junto do banco;
- não se retira da escritura de constituição de hipoteca expressões de que resulte a necessidade de intervenção de ambos os donos do imóvel na constituição das obrigações garantidas;
- a circunstância de os segundos outorgantes serem sempre referidos como um conjunto está relacionado com o facto de serem identificados ambos com a qualidade de “segundos outorgantes” e por uma questão de facilidade de redação do texto da escritura;
- é aberrante a assunção de que se ambos os hipotecantes permanecessem como titulares do imóvel hipotecado a hipoteca não serviria para garantir obrigações assumidas por um deles.
A decisão recorrida fundamentou o segmento decisório que motiva a insatisfação da recorrente nos seguintes termos:
Agora, questão diversa prende-se com a apreciação da abrangência da garantia hipotecária, quanto às dívidas garantidas, seja presentes, seja futuras.
Na verdade, interpretando as declarações negociais da constituição da hipoteca, entende o tribunal que, seguindo a teoria da impressão do destinatário (art. 236.º do CC), as partes constituíram a hipoteca para garantia de obrigações que viessem a ser constituídas pelos dois hipotecantes, em conjunto, sendo este o sentido que decorre das cláusulas constantes da escritura pública referidas nos factos provados. Aí refere-se a garantia de obrigações constituídas pelos segundos outorgantes/mutuários, ou seja, com a participação dos dois executados, sem que se utilize expressão que traduza garantia de obrigações constituídas apenas por um dos hipotecantes, o que, aliás, está em consonância com a especificidade de estar em causa património conjugal detido em comum, com a natural associação da hipoteca a obrigações constituídas por ambos e, no fundo, por ambos controláveis.
Repare-se que na escritura de constituição de hipoteca e na parte em que se alude ao âmbito da garantia, os dois hipotecantes são sempre identificados em conjunto, quase como sendo um só (na senda da relação conjugal que os unia e da inerente propriedade em comum sobre o imóvel), em momento algum resultando das declarações negociais expressões que traduzissem o sentido de a garantia abranger dívidas constituídas por cada um deles, sem o outro. Refere-se, por exemplo, na escritura, que a hipoteca garantiria “responsabilidades assumidas ou a assumir, por eles, segundos outorgantes” e que o credor poderia preencher livranças “entregues pelos mutuários…e nas quais os mutuários serão subscritores” (sublinhado e negrito nosso). Estas expressões são reveladoras do sentido referido pelo tribunal, sem que exista razão atendível para considerar que o credor admitiria outro sentido, nomeadamente o de a garantia abranger obrigações que viessem a ser assumidas apenas por um dos “mutuários” - e muito menos após o divórcio/partilha (com adjudicação ao cônjuge que não constituísse a dívida) -, nomeadamente livranças em que não fossem subscritores os dois (como sucede com a livrança apresentada na presente execução).
Acresce que, mesmo que se suscitassem dúvidas sobre o sentido da declaração, sempre prevaleceria aquele que acima se sustentou, por força do regime previsto no art. 237.º do CC. Assim seria, independentemente de o negócio de constituição de hipoteca ser considerado gratuito ou oneroso, na medida em que tal sentido é o menos gravoso para os hipotecantes e, na verdade, atento o acima exposto, é o que conduz ao maior equilíbrio das prestações, na perspetiva de os hipotecantes assumirem os dois o controlo das dívidas a constituir e sem que daí resultasse prejuízo para o credor, sendo apenas exigível a este que, para poder beneficiar da garantia, providenciasse por obter o acordo dos dois hipotecantes na constituição das dívidas futuras.
É certo que nada impedia que os executados tivessem constituído a hipoteca para garantia de obrigações constituídas por cada um deles, inclusive sem a participação do outro, ou até para garantia de obrigações de terceiros “stricto senso”, mas a verdade é que assim não foi declarado na constituição da hipoteca e nem tal sentido pode ser extraído do conteúdo das declarações negociais, muito menos, como já referido, na perspetiva de tal garantia abranger obrigações futuras a constituir apenas por um dos hipotecantes e após a partilha do bem a favor de quem não constituísse a dívida (o que corresponde à situação dos autos).
Cumpre apreciar e decidir.
A questão que importa resolver é a de determinar o sentido da declaração mediante a qual os recorridos constituíram hipoteca voluntária a favor do recorrente e que no essencial tem o seguinte teor:
- “pela presente escritura, constituem, a favor do Banco 2..., S.A. hipoteca voluntária, já registada provisoriamente a favor daquele Banco pela inscrição C-dois, sobre o prédio atrás identificado, com todas as suas construções e benfeitorias edificadas ou a edificar, para garantia do bom e pontual pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir, por eles, segundos outorgantes, perante o Banco 2...”.
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 236º do Código Civil, a “declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.”
No normativo que se acaba de transcrever consagra-se a denominada teoria da impressão do destinatário, pois que que se pretende, em primeira linha, determinar qual o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, imputa à declaração emitida pelo declarante, salvo se este último não puder razoavelmente contar com o sentido que o declaratário atribui à sua declaração.
A interpretação da declaração negocial é assim necessariamente contextual pois que além da declaração propriamente dita há que relevar todos os elementos que possam auxiliar na determinação do sentido da declaração negocial, como seja: “(i) o contexto negocial em que a declaração aparece; (ii) eventuais antecedentes próximos ou elementos preparatórios; (iii) o ambiente ou contexto externo, de facto e jurídico, em que a declaração é emitida; (iv) a finalidade da declaração (ou negócio); (v) o tipo de negócio em causa, bem como os valores e interesses em jogo; (vi) as práticas negociais gerais, os usos, especialmente relevantes no comércio internacional, e as conceções do tráfico que tenham relação com o negócio em causa; (vii) a anterior e subsequente prática negocial entre declarante e declaratário, se existir; (viii) o modo como a declaração ou o negócio em que se integra vem sendo executado” Citação extraída do Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2.ª edição revista e atualizada, UCP Editora 2023, página 647, parte final da anotação II ao artigo 236º do Código Civil, da responsabilidade de Evaristo Mendes e Fernando Oliveira e Sá. .
No caso dos autos está em causa a interpretação de uma declaração negocial de um negócio jurídico formal (artigo 714º do Código Civil), razão pela qual, a declaração não poderá valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do Código Civil), salvo se tal sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (artigo 238º, nº 2, do Código Civil).
Na hipótese em apreço, os elementos contextuais são muito escassos, circunstância que, segundo cremos, não será alheia ao facto de nos articulados destes autos não se ter explícita e inequivocamente revelado qualquer dissídio interpretativo quanto às obrigações garantidas pela hipoteca exequenda, pois que embora os embargantes vincassem na petição de embargos que a obrigação exequenda não vinculava a embargante por não ter tido intervenção da mesma (vejam-se por exemplo os artigos 69º e 79º, ambos da petição de embargos), essa afirmação decorreria de ter havido novação objetiva, tendo-se por isso extinto a obrigação que vinculava a embargante e, concomitantemente, a hipoteca voluntária (veja-se o artigo 861º nº 1, do Código Civil) e ainda por não ter subscrito a livrança exequenda, o que determinaria a inexistência de título executivo contra a embargante, mas nunca com o fundamento de a obrigação exequenda não ter guarida na garantia hipotecária por não resultar de ato com a intervenção de ambos os dadores da hipoteca.
Por isso, à semelhança do que fez o tribunal recorrido, a determinação das obrigações garantidas pela hipoteca constituída mediante escritura pública celebrada em 09 de agosto de 2001, em que tiveram intervenção o Banco 2..., S.A., na qualidade de, além do mais, beneficiário da garantia hipotecária, e os embargantes na qualidade de dadores da hipoteca voluntária, deverá fazer-se tendo essencialmente em linha de mira as declarações emitidas por estes últimos.
As passagens da escritura pública de constituição de hipoteca relevantes para a determinação das obrigações garantidas são as que de seguida se reproduzem e que se sublinharão:
“E DECLARARAM OS SEGUNDOS OUTORGANTES: Que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, composto por uma casa de cave, rés do chão, andar e vão do telhado, sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número ..., freguesia ..., estando o aludido prédio registado a seu favor pela inscrição ....
Que, pela presente escritura, constituem, a favor do Banco 2..., S.A. hipoteca voluntária, já registada provisoriamente a favor daquele Banco pela inscrição C-dois, sobre o prédio atrás identificado, com todas as suas construções e benfeitorias edificadas ou a edificar, para garantia do bom e pontual pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir, por eles, segundos outorgantes, perante o Banco 2..., provenientes:
a) de todas e quaisquer operações bancárias legalmente permitidas, designadamente mútuos, aberturas de crédito, descobertos autorizados, desconto de letras e/ou livranças, empréstimo em moeda estrangeira, remessas de exportação, créditos documentários, financiamentos à exportação e importação, garantias bancárias e avales, até ao limite global de NOVENTA MILHÕES DE ESCUDOS, e respectivos acessórios, concedidos e/ou a conceder pelo referido Banco;
b) Dos juros às taxas consignadas e a consignar para qualquer das operações referidas, computados, para efeitos de registo à taxa anual de oito vírgula setenta e cinco por cento;
c) Das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados, computadas para efeitos de registo, no montante de TRÊS MILHÕES E SEISCENTOS MIL ESCUDOS, que o Banco 2... tenha de fazer para cobrança dos seus créditos.
(…)
Que a presente hipoteca abrange todas as construções e benfeitorias e acessões presentes e futuras do prédio urbano ora hipotecado, pelo que, desde já se obrigam os mutuários a proceder aos respectivos averbamentos.
Que o Banco 2..., sempre que o julgue necessário, poderá mandar inspecionar ou examinar, bem como avaliar à custa dos mutuários, o prédio urbano ora hipotecado, designadamente para o efeito do artigo 701º. Do Código Civil, ficando as respectivas despesas cobertas pela garantia ora prestada.
Que, caso o prédio urbano ora hipotecado venha a ser objecto de penhora, arresto ou de qualquer outra forma de indisponibilidade decretada pelos meios judiciais, e sem autorização expressa do Banco 2..., vier o mesmo prédio a ser dada de exploração ou locado, se for objecto de constituição de direito de habitação periódica, vier a ser alienado total ou parcialmente, ou por qualquer outra forma onerado ou, de modo geral, for prejudicada a sua livre disposição, designadamente por promessa de alienação, de oneração ou de constituição de qualquer dos direitos acima referidos, ou ainda por qualquer outra causa a presente hipoteca diminuir de valor, pode o Banco 2...:
a) – Exigir imediatamente o cumprimento das obrigações que a presente hipoteca assegura, podendo esta ser executada.
b) – Exigir a substituição ou reforço da hipoteca e se os mutuários, o não fizerem no prazo que o Banco 2... para o efeito lhes conceder, exigir então o imediato cumprimento das obrigações, podendo também, neste caso, a hipoteca ser executada.
Que os mutuários se obrigam a contratar, numa Companhia de Seguros de reconhecido crédito e de confiança do Banco 2..., um seguro de incêndio sobre o prédio urbano ora hipotecado, cujo capital será igual ou superior ao montante dos financiamentos concedidos, e a pagar atempadamente os respectivos prémios, fazendo inserir na respectiva apólice a existência desta hipoteca, para o efeito de, em caso de sinistro e vencida a obrigação, o Banco 2..., receber a respectiva indemnização, assim como a trazerem pontualmente pagas as contribuições que incidirem sobre o prédio urbano ora hipotecado, autorizando desde já, o Banco 2..., a efectuar na sua falta e por sua conta, o pagamento dos prémios e das contribuições em dívida, casos em que, os correspondentes recibos e conhecimentos ficarão a constituir elementos referidos a esta escritura, para efeitos da sua exequibilidade.
Que os mutuários também se obrigam a trazer pontualmente pagas as contribuições devidas à Segurança Social, assim como, todos os impostos e taxas à Fazenda Nacional e a comprovar a regularidade da situação sempre que o Banco 2... o exija, sob pena de não cumprindo, o Banco 2... poder exigir o imediato cumprimento das obrigações garantidas.
Que todos os documentos, sejam de que natureza forem, em que os mutuários, figurem como responsáveis perante o Banco 2... e que porventura se encontrem em conexão com a presente escritura, dela ficarão a fazer parte integrante para efeitos de execução.
(…)
PELOS SEGUNDOS OUTORGANTES, FOI DITO:
Sempre que os saldos devedores não estejam, total ou parcialmente titulados por livrança, o Banco 2... poderá, em qualquer momento, exigir dos mutuários, a sua titulação por livrança, suportando estes as correspondentes despesas.
O Banco 2... poderá usar a faculdade prevista no número anterior uma ou mais vezes, sem que se produza novação e mantendo-se em pleno vigor todas as cláusulas da presente escritura.
Que o Banco 2... poderá preencher livremente quaisquer livranças que, a cada momento lhe sejam entregues pelos mutuários, designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento e local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos que em cada momento o Banco 2... seja titular por força de quaisquer obrigações decorrentes dos financiamentos previstos nesta escritura bem como de todos os encargos com eles efectuados, e nas quais os mutuários serão subscritores.
Que o Banco 2... poderá descontar quaisquer livranças que lhe forem entregues pelos mutuários, utilizando o seu produto para cobrança dos seus créditos, debitando na conta de depósitos à ordem número ..., dos mutuários, não só os juros e demais encargos aplicáveis, como também os diversos impostos, nomeadamente o de selo, comprometendo-se, por tal facto aqueles, a manter a referida conta de depósitos à ordem devidamente habilitada.
Que a presente hipoteca pode ser executada quando vencida qualquer das obrigações cujo cumprimento assegura ou quando não for cumprido qualquer dos deveres assumidos pelos mutuários, perante o Banco 2..., S.A., emergentes da presente escritura.
Constitui-se ainda como causa de vencimento antecipado de todas as obrigações decorrentes da presente escritura, o não cumprimento, total ou parcial, de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos, incluindo as emergentes da prestação de qualquer garantia, celebrados com o Banco 2..., S.A. e/ou qualquer outra sociedade com este em relação de grupo ou domínio.”
O tribunal recorrido entendeu que a declaração de que a hipoteca se destinava à “garantia do bom e pontual pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir, por eles, segundos outorgantes,” perante o Banco 2..., S.A. devia ser interpretada como significando que apenas estavam hipotecariamente garantidas obrigações constituídas com a intervenção dos dois dadores da garantia hipotecária, conclusão que subsequentes referências a ambos os dadores, na qualidade de mutuários, confirmariam.
Além disso, se porventura se entendesse que o resultado interpretativo a que chegou o tribunal a quo era duvidoso, sempre deveria ser o adotado por força do disposto no artigo 237º do Código Civil já que é o que “conduz ao maior equilíbrio das prestações, na perspetiva de os hipotecantes assumirem os dois o controlo das dívidas a constituir e sem que daí resultasse prejuízo para o credor, sendo apenas exigível a este que, para poder beneficiar da garantia, providenciasse por obter o acordo dos dois hipotecantes na constituição das dívidas futuras.”
Que dizer?
A nosso ver, a expressão “garantia do bom e pontual pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir, por eles, segundos outorgantes,” não tem como significado único o que o tribunal recorrido lhe atribuiu, sendo compatível tanto com esta leitura, como com uma leitura no sentido de que a garantia hipotecária cobriria as responsabilidades dos segundos outorgantes, fossem elas com a intervenção de ambos, fossem apenas com a intervenção de um deles Pode até atribuir-se um terceiro sentido à declaração e que seria a de a responsabilidade dos dois dadores da hipoteca se aferir de acordo com as regras que definem as dívidas da responsabilidade comum do casal..
Para que essa expressão tivesse um sentido unívoco, como o que lhe atribui o tribunal a quo, cremos que seria necessário que se dissesse que a hipoteca era para garantia do bom e pontual pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir conjuntamente pelos segundos outorgantes.
Pelo contrário, para que o sentido da declaração fosse inequivocamente no sentido que a recorrente lhe atribui seria necessário que o texto da declaração fosse de que a hipoteca tanto era para garantia do bom e pontual pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir conjuntamente pelos segundos outorgantes, como para garantia e pontual pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir por um só de qualquer dos segundos outorgantes.
Em termos de elementos adjuvantes da determinação do sentido da declaração há que ponderar a razão última da intervenção dos segundos outorgantes na escritura pública de constituição de hipoteca e que, segundo cremos, foi a circunstância do bem imóvel dado em hipoteca ser um bem comum do casal constituído pelos segundos outorgantes desse instrumento.
Importa também relevar que a constituição da hipoteca ocorre num momento em que ambos os dadores são casados um com o outro, sendo de ponderar se cada um dos então cônjuges estaria na disposição de aceitar que o outro cônjuge pudesse mesmo depois da dissolução do casamento continuar a contrair dívidas garantidas por tal hipoteca e isso mesmo na eventualidade de o bem hipotecado vir a ser adjudicado a quem não fosse o autor de tais dívidas.
Atentando no leque das diversas operações bancárias identificadas como possíveis fontes das obrigações garantidas constata-se que boa parte delas dificilmente se compatibiliza com uma intervenção conjunta de ambos os embargantes nas mesmas, correspondendo antes, em regra, a atos praticados no exercício singular do comércio, ainda que eventualmente em representação de uma sociedade comercial Anote-se que se desconhece qual era a atividade profissional desenvolvida pelos embargantes na data da constituição da hipoteca, nomeadamente, se algum deles era comerciante ou se ambos tinham essa qualidade ou se porventura era algum deles ou ambos titulares de uma sociedade comercial..
No entanto, à cabeça das operações bancárias garantidas surgem o mútuo e a abertura de crédito, negócios que facilmente se compatibilizam com uma intervenção plural do lado passivo.
Desconhece-se se a escritura pública de constituição de hipoteca teve por base uma minuta e, se teve, quem a apresentou.
Contudo, dada a finalidade de reforço da garantia patrimonial do negócio em causa, é provável que o beneficiário da garantia tenha tido um papel preponderante na definição dos termos do negócio.
Desconhece-se qual foi a primeira operação bancária que esteve na origem da prestação da garantia hipotecária exequenda e se porventura alguma vez foi constituído um mútuo.
Os embargantes procederam à separação de meações, com adjudicação do bem imóvel hipotecado a um dos ex-cônjuges (ver facto provado em 3.1.8), sem que resulte dos autos que alguma deliberação tenha sido tomada quanto ao passivo hipotecário ou que a embargante a quem foi adjudicado o imóvel hipotecado tenha encetado diligências para a expurgação da hipoteca.
A nosso ver, todas estas circunstâncias não dissipam as dúvidas quanto ao sentido da declaração interpretanda e por isso, há que lançar mão do disposto no artigo 237º do Código Civil.
No caso, a constituição de hipoteca por parte dos devedores da obrigação garantida deve ser havida como um negócio oneroso, pois que seguramente sem essa prestação de garantia real o credor não acederia a realizar a sua prestação, já que a hipoteca é um mais relativamente à garantia geral das obrigações, diminuindo fortemente os riscos de insatisfação do interesse do credor garantido e conferindo uma posição de prevalência do credor hipotecário face aos credores comuns.
Diferente seria se estivesse em causa a constituição de hipoteca por parte de um terceiro sem qualquer contrapartida.
Neste enquadramento, de acordo com a lei civil prevalece o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
Ora, o sentido da declaração negocial de constituição de hipoteca objeto destes autos que melhor realiza este equilíbrio das prestações é, a nosso ver, como entendeu o tribunal recorrido, a de que apenas estão hipotecariamente garantidos por força da escritura pública celebrada em 09 de agosto de 2001 as obrigações constituídas por ambos os hipotecantes.
De facto, imputando este sentido à declaração negocial de constituição de hipoteca, os hipotecantes têm o controlo das dívidas que podem beneficiar dessa garantia e o credor, se quiser beneficiar dessa garantia real, deve cuidar por que ambos os hipotecantes tenham intervenção na constituição das dívidas que pretendem sejam cobertas por tal garantia.
A convicção que a recorrente possa ter tido aquando da celebração do contrato de regularização de responsabilidades em agosto de 2011, a ter existido, não deve relevar para a interpretação da declaração negocial porque, além de ser muito distanciada no tempo da data em que a declaração interpretanda foi emitida, não contou com a participação de ambos os dadores da hipoteca. Repare-se ainda que a recorrente nem sequer teve intervenção no negócio de constituição da hipoteca.
Além disso, a livrança entregue e posteriormente preenchida e dada à execução, por estar apenas subscrita pelo embargante, não se conforma com o que a esse propósito estava previsto no negócio de constituição da hipoteca.
Não cremos que a não intervenção da recorrente na separação de meações que esteve na base da adjudicação do imóvel hipotecado à embargante possa ser base segura para que a recorrente supusesse que a embargante ao aceitar adquirir a totalidade da propriedade do imóvel hipotecado assumia o passivo garantido pela mesma, seja o já existente, seja o futuro que viesse a ser assumido por cada um deles, tal como a embargada o interpreta. Dessa conduta o que se pode retirar é que a embargante se sujeitava a que sobre o bem imóvel que lhe foi adjudicado pudessem vir a incidir pretensões creditórias fundadas em fontes negociais tal como previstas no negócio de constituição de hipoteca.
A circunstância de a embargante não ter requerido a expurgação da hipoteca pode dever-se a múltiplas razões, desde logo de ordem financeira, não sendo lícito concluir, como faz a recorrente, que ao não proceder desse modo, a embargante aceitou que o seu imóvel continuasse a servir de garantia para todas as obrigações que viessem a ser contraídas junto do banco pelo seu ex-cônjuge.
Ao contrário do que afirma a recorrente, não é aberrante a assunção de que se ambos os hipotecantes permanecessem como titulares do imóvel hipotecado, a hipoteca não serviria para garantir obrigações assumidas por um deles, pois que, tendo a hipoteca sido constituída quando ambos os dadores da mesma eram casados um com um outro, não se aceita com facilidade que cada um deles estivesse disponível para dar um cheque em branco ao outro para contrair dívidas garantidas por um bem que a ambos continuava a pertencer.
Assim, tudo sopesado, conclui-se que apenas estão hipotecariamente garantidos por força da escritura pública celebrada em 09 de agosto de 2001 as obrigações constituídas por ambos os hipotecantes, assim se confirmando a interpretação da declaração negocial feita pelo tribunal a quo, improcedendo totalmente o recurso de apelação interposto pela Banco 1....
Deste modo, confirma-se a decisão recorrida no segmento impugnado pela recorrente e que foi a parte em que julgou extinta a ação executiva contra a embargante e ordenou o levantamento da penhora do imóvel hipotecado.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente porque improcedeu totalmente a apelação por si interposto (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Banco 1... e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida na parte em que julgou extinta a ação executiva contra BB e ordenou o levantamento da penhora do bem imóvel hipotecado.
Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de vinte e seis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 08 de abril de 2024
Carlos Gil
Miguel Baldaia de Morais
Fernanda Almeida
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[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Por despacho proferido em 15 de setembro de 2022 foi declarada a incompetência territorial do Juízo de Execução de Valongo e ordenada a remessa dos autos aos Juízos de Execução do Porto.
[3] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 18 de janeiro de 2023.
[4] Citação extraída do Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2.ª edição revista e atualizada, UCP Editora 2023, página 647, parte final da anotação II ao artigo 236º do Código Civil, da responsabilidade de Evaristo Mendes e Fernando Oliveira e Sá.
[5] Pode até atribuir-se um terceiro sentido à declaração e que seria a de a responsabilidade dos dois dadores da hipoteca se aferir de acordo com as regras que definem as dívidas da responsabilidade comum do casal.
[6] Anote-se que se desconhece qual era a atividade profissional desenvolvida pelos embargantes na data da constituição da hipoteca, nomeadamente, se algum deles era comerciante ou se ambos tinham essa qualidade ou se porventura era algum deles ou ambos titulares de uma sociedade comercial.