PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CITAÇÃO
Sumário

1. Tendo sido deduzida providência cautelar por apenso ao processo principal, que se mostra pendente, nos termos do Art. 366.º n.º 2 do C.P.C. a citação da Requerida deve ser substituída pela mera notificação.
2. Nesse pressuposto, se o tribunal procede à citação pessoal da Requerida na providência cautelar por carta registada com aviso de receção, trata-se de um mero excesso de formalismo, que, em princípio, não afeta o exercício da sua defesa.
3. Encontrando-se a Requerida já patrocinada por advogado no processo principal, deveria o tribunal proceder também à notificação desse causídico para os termos da providência cautelar (cfr. Art. 247.º n.º 1 do C.P.C.).
4. A omissão dessa notificação ao advogado da Requerida pode constituir uma nulidade secundária (Art. 195.º n.º 1 do C.P.C.), equiparável, por analogia, a uma nulidade do ato de citação (cfr. Art. 191.º do C.P.C.), em função da semelhança funcional da notificação prevista no Art. 366.º n.º 2, 2.ª parte, do C.P.C., com as finalidades típicas da citação (cfr. Art. 219.º n.º 1 do C.P.C.).
5. Essa nulidade só pode ser reconhecida desde que se alegue e prove que esse vício teve influência no exercício da defesa da Requerida.
6. O efeito cominatório semipleno resultante da revelia nos procedimentos cautelares não é operante relativamente a factos cuja prova esteja por lei dependente de documento escrito (cfr. Art. 568.º al. d) “ex vi” Art. 366.º n.º 5 do C.P.C.).

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório:
O…, S.A. veio intentar, por apenso a ação de despejo, na qual é a atual A., o presente procedimento cautelar comum, contra a Sociedade …, peticionando:
«i. a suspensão imediata de qualquer atividade no ESPAÇO, e
«ii. o corte da energia elétrica, até que a Requerida demonstre reunir as condições de segurança para a realização de eventos através da certificação do “ESPAÇO” pelo IGAC, colocação de meios de prevenção de fogo ativos e passivos devidamente certificados por entidade competente e seguro de responsabilidade civil».
Para tanto, invocou ser proprietária do prédio sito na Rua …, n.º …, da freguesia da Estrela, em Lisboa, cujos 1.º andar, esquerdo e direito, se mostram arrendados à Requerida, os quais têm acesso exclusivo ao quintal, sendo que o anterior proprietário desse prédio terá autorizado a mesma a construir um barracão, a que chamam “ESPAÇO”, onde a Requerida arrendatária realiza e promove espetáculos abertos ao público em geral.
Ocorre que a Requerida não se encontra inscrita na Inspeção-Geral da Atividades Culturais (IGAC), tendo sido a Requerente notificada de um relatório dos Serviços Municipais de Proteção Civil da Câmara Municipal de Lisboa, nos termos do qual se concluiu que os espaços ocupados pela Associação Cultural Sociedade … não têm Medidas de Autoproteção aprovadas e, relativamente aos equipamentos e sistemas de segurança, existem alguns extintores com o prazo de validade expirada, não tem saídas de emergência, nem iluminação de emergência, nem sinalética, nem deteção de incêndio, tornando-se num perigo tanto para o público como para os artistas no caso de ocorrência dum incêndio, havendo risco para a segurança e para a vida e integridade física das pessoas que frequentam o ESPAÇO, dos habitantes do prédio contíguo e, em caso de incêndio, existe perigo sério para a integridade dos próprios imóveis.
Tendo-se diligenciado pela citação da Requerida, veio a ser junta aos autos a carta registada com aviso de receção para citação, que se mostra devidamente assinada, com data de 20/10/2023 (cfr. “Aviso de Receção” de 25-10-2023 – Ref.ª n.º 37388852 - p.e.).
Por requerimento de 3 de novembro de 2023 (cfr. “Apoio Jud.” De 03-11-2023 -Ref.ª n.º 37474277 – p.e.), veio dar entrada em juízo do comprovativo da apresentação, nessa data, de requerimento subscrito pela Requerida a pedir, junto da Segurança Social, a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e para pagamento de compensação a defensor oficioso, tendo em vista contestar este processo.
Por requerimento da Requerente da providência cautelar, datado de 6 de novembro de 2023 (cfr. “Requerimento” de 06-11-2023 – Ref.ª n.º 37492058 - p.e.), veio a mesma requerer que deveriam ser dados por confessados os factos articulados no requerimento inicial e, em consequência, ser proferida sentença que declare procedente a providência cautelar.
Por despacho de 7 de novembro de 2023 (cfr. “Despacho”  07-11-2023 – Ref.ª n.º 430082029 – p.e.), foi ordenado que fosse notificado ao patrono da Requerida o teor desse requerimento.
A Requerida, através do seu patrono, veio responder por requerimento de 13 de novembro de 2023 (cfr. “Requerimento” de 13-11-2023 – Ref.ª n.º 37567509 - p.e.), informando que o patrono oficioso apenas teve acesso via “Citius” ao processo apenso, não existindo nenhuma notificação, quer nos autos principais, quer no apenso B, que indique que estivesse nomeado o patrocínio nos presentes autos na defesa da Sociedade …, invocando ainda a nulidade da citação da Requerida e a necessidade de repetição desse ato.
Tal requerimento mereceu a oposição da Requerente da providência (cfr. “Requerimento” de 13-11-2023 – Ref.ª n.º 37568671 - p.e.), por entender que, nos termos do Art. 18.º n.º 4 da LAJ, o patrocínio oficioso estende-se a todos os apensos, renovando assim o pedido formulado no seu requerimento de 6 de novembro de 2023.
Nessa sequência vem a ser proferido despacho final (cfr. “Despacho Final” de 07-12-2023 – Ref.ª n.º 430372896 - p.e.), que indeferiu a reclamada nulidade de citação e, julgando os factos alegados pela Requerente por provados, por falta de oposição, veio a deferir parcialmente a providência cautelar e ordenou que a Requerida suspendesse a realização de qualquer atividade no “Barracão” ou “Espaço - salão de festas”, construído no quintal do prédio sito na Rua …, nº …, cujo 1º andar lhe foi dado de arrendamento, até demonstrar reunir as condições de segurança para a realização de eventos através de certificação da IGAC.
É dessas decisões que a Requerida vem agora interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
51. O recorrente não se conforma com a douta sentença do tribunal a quo por considerar que o tribunal erradamente aplicou os factos e as normas jurídicas, com os seguintes fundamentos:
- Verifica-se nulidade da citação por omissão de notificação do advogado/patrono oficioso para os presentes autos;
- E, por isso, o Tribunal a quo não procedeu à aplicação das normas jurídicas aplicáveis do artigo 366.º n.º 2, por optar pela citação pessoal em vez da notificação (2ª parte artigo mencionado).
- Verifica-se também a nulidade da seguinte matéria provada:
- (….) A Requerida não se encontra inscrita na Inspeção-Geral da Atividades Culturais (IGAC), entidade pública que acompanha e fiscaliza o cumprimento das regras associadas ao regime legal aplicável, seja ao nível das condições técnicas e de segurança dos recintos fixos para tal vocacionados (cinemas, teatros, cine teatros, auditórios, etc.) seja ao nível da sua realização (independentemente do espaço), seja ainda ao nível da classificação etária – cfr. DL n.º 23/2014, de 14 de Fevereiro (…);
- O tribunal se pronunciou sobre matéria cujo valor probatório para comprovar o facto alegado que só se comprovam por Prova documental
- que não podia tomar conhecimento porque o ónus da prova é da requerente por junção documentação que não estão nos autos;
- “Existe risco para a integridade física dos arrendatários e ocupantes do prédio da Requerente, e do público que se dirija ao prédio e ao “ESPAÇO” para assistir a espetáculos” não tem correspondência com o documento nº11, relatório da ocorrência, não tendo o tribunal matéria para provar e afirmar tal facto, violando o principio do ónus da prova. E,
- “ Não oferecendo quaisquer garantias de capacidade financeira para reparar os prejuízos que a sua atividade possa causar à Requerente, na justa medida em que se trata de uma associação sem fins lucrativos, beneficiária de apoio judiciário”, são conclusões do tribunal a quo sem fundamento e suporte em prova documental e, até contrariado pelo documento nº11 junto aos autos porque o relatório não sugere obras profundas.
- O tribunal pronunciou-se sobre matérias cujo o facto alegado que só se comprovam por Prova documental
- Logo não podia considerar os mesmos provados, uma vez que cabendo o ónus da prova à requerente por junção documentação exigida, a mesma não foi junta aos autos, violando o princípio do ónus da prova.
52. O tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto relevante para a decisão da causa:
A - (….) A Requerida não se encontra inscrita na Inspeção-Geral da Atividades Culturais (IGAC), entidade pública que acompanha e fiscaliza o cumprimento das regras associadas ao regime legal aplicável, seja ao nível das condições técnicas e de segurança dos recintos fixos para tal vocacionados (cinemas, teatros, cine teatros, auditórios, etc.) seja ao nível da sua realização (independentemente do espaço), seja ainda ao nível da classificação etária – cfr. DL n.º 23/2014, de 14 de Fevereiro (…);
B -(..) Existe risco para a integridade física dos arrendatários e ocupantes do prédio da Requerente, e do público que se dirija ao prédio e ao “ESPAÇO” para assistir a espetáculos”
C- (...)“ Não oferecendo quaisquer garantias de capacidade financeira para reparar os prejuízos que a sua atividade possa causar à Requerente, na justa medida em que se trata de uma associação sem fins lucrativos, beneficiária de apoio judiciário”,
53. A recorrente considera não ter sido provados os factos supra, por inexistência de prova documental adequada e, por tal factualidade ser contraditada pelo Doc nº11.
54. A não prova de que FACTO A é por não ser conhecimento oficioso pelo tribunal, mas por prova documental.
55. O tribunal a quo não tem como comprovar que recorrente não se encontra inscrita na Inspeção-Geral da Atividades Culturais (IGAC), uma vez que tal comprovação obriga prova documental, nem a requerente/recorrida logrou provar.
56. O facto B não é contraditado pelo próprio documento nº11, isto porque:
- No Relatório não existe nenhuma indicação de risco para a integridade física dos arrendatários e ocupantes do prédio da Requerente, e do público que se dirija ao prédio e ao “ESPAÇO” para assistir a espetáculos.
- Só existe indicação de que: “Face ao exposto, deverá ser dada conhecimento da situação à DMU/DAGU e UCT/UITCH para atuação no âmbito das suas competências e eventual articulação com outros serviços centrais de inspeção e fiscalização “ (doc11, 3ª paragrafo).
- À contrário, se existisse perigo tal como constante no facto supra que se impugna, haveria informação dos técnicos, em agosto de 2023, para o espaço em causa, seria imediatamente fechado e comunicado às autoridades competentes tal decisão e assim impedir acesso ao público, o que não sucedeu.
57. A recorrente entende que não foi fornecido ao Tribunal a quo informação técnica documental suficiente para concluir pela existência risco para a integridade física dos arrendatários e ocupantes do prédio da Requerente, e do público que se dirija ao prédio e ao “ESPAÇO” para assistir a espetáculos.
58. Verifica-se que, está em causa medidas de auto proteção e de compensação inerentes ao espaço e a sua funcionalidade e não quaisquer medidas e exigências legais que obstem que o espaço tivesse aberto para exercer a atividade que tem licença.
59. As medidas sugeridas no relatório, não se vislumbra a necessidade de grande capacidade financeira, uma vez que tais medidas de proteção são exequíveis. O que se conclui que,
60. O facto “Não oferecendo quaisquer garantias de capacidade financeira para reparar os prejuízos que a sua atividade possa causar à Requerente, na justa medida em que se trata de uma associação sem fins lucrativos, beneficiária de apoio judiciário”, são conclusões do tribunal a quo sem fundamento e suporte em prova documental e, até contrariado pelo documento nº11 junto aos autos.
61. O relatório não sugere obras profundas e imediatas que leve a concluir que há falta de capacidade financeira da recorrente e impossibilidade de realização das mesmas.
62. O Direito ao Apoio ao Judiciário da recorrente não implica considerar que mesma não consiga aplicar todas as medidas sugeridas pelo relatório, até porque associação pode recolher donativos para efeito; pelo que o tribunal a quo excedeu o princípio do ónus da prova, concluindo e factualidade uma realidade diversa da constante no Doc 11.
63. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre matéria que carece de prova documental, pelo que não existindo documentação de suporte para comprovar o facto alegado pela recorrida, o tribunal não podia tomar considerar provado uma vez que não existe decisão da Câmara municipal de Lisboa e, a mesma não se encontra documentada por falta do documento necessário - por a decisão ser contraria ao Documento nº11.
64. O tribunal a quo aplicou mal o direito, violando a norma jurídica , ou seja, o Artigo 366.º - (Contraditório do requerido) , não podendo citar a recorrente , tal como se iniciasse novo processo.
65. Ao patrono oficioso apenas foi dado acesso via citius ao processo apenso aos presentes autos na sequência da notificação do douto despacho de 12/10/2023, violando a lei por não ter o tribunal notificado o patrono considerado já estar nomeado quer nos autos principais, quer no apenso - B, sem notificar o patrono nomeado para os autos de procedimento cautelar.
66. A ausência de notificação ao patrono e à parte nos termos do nº2 do artigo 366º obstou o exercício do direito da defesa da recorrente Sociedade ….
67. Pelo contrário, a citação pessoal fez criar ideia à parte que estava em causa um novo processo, alheio aos autos principais 25565/20.7T8LSB, que implicava novo processo administrativo de apoio judiciário.
68. E, estando em causa um prazo tão curto inerente a um procedimento cautelar urgente, por maioria e razão obstou exercício do direito de defesa da recorrente, por desconhecimento do patrono nomeado da existência do processo – pessoa com conhecimentos técnico-jurídicos para agir adequadamente. Acresce que,
69. O Tribunal tinha o dever de notificar o patrono oficioso da sua nomeação para patrocinar a Requerida/recorrente nos presentes autos 25565/20.7T8LSB – B, para o mesmo poder agir em conformidade.
70. O Patrono tem sempre o direito de manter o patrocínio da aqui recorrida ou pedir escusa ou dispensa de patrocínio oficioso na nomeação para os novos autos inerentes ao procedimento cautelar, que é novo processo (sigiloso) e não mero incidente, pelo que a fim de cumprir o prazo de oposição o patrono teria de ser notificado.
71. Ora, há nulidade na citação da requerida/recorrente, uma vez que nos termos do artigo 366º nº2, a mesma deveria ter sido somente notificada em conjunto com o patrono oficioso.
72. Pois, em 17-10-2023, foi a Requerida citada para o procedimento cautelar, com as seguintes advertências:
“Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial”
“A apresentação da oposição implica o pagamento de taxa de justiça autoliquidada, sendo requerido nos serviços da segurança social benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono , deverá ainda, juntar aos presentes autos no prazo da contestação , documento comprovativo do referido pedido (…)”
“Nos termos do 40 do CPC é obrigatória a constituição de advogado (…)”
73. A requerida/recorrente não foi notificada nos termos do 366º nº2 do CPC, por decisão do juiz, o qual em sede de despacho liminar optou pela citação sem fundamento legal.
74. E, por isso, a recorrente não foi informada nem podia saber que o apoio judiciário nomeação de patrono e dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo abrangia os autos do procedimento cautelar se mantinha no presente processo de forma inequívoca
75. Em momento algum, o documento de citação refere que a Requerida naqueles autos já beneficia de apoio jurídico na pessoa do patrono oficioso nomeado nos autos do processo principal nº 25565/20.7T8L, assim como, de isenção de preparos e custas judiciais, pelo que a citação não foi garantística e obstou ao exercício da defesa atempadamente.
76. A citação tal como redigida obstou que a Requerida tomasse conhecimento da sua situação processual nos autos do procedimento cautelar, no momento do recebimento da citação impedindo o seu direito de defesa, prejudicando os seus direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagradas.
77. E, por isso, entende a recorrida que a douta citação de 17/10/2023 é nula, devendo o procedimento ser repetido na forma de notificação e reiniciado o prazo de defesa e, em simultâneo notificar o patrono oficioso para exercer a defesa, anulando-se a douta sentença que se recorre e todo o processado posterior.
78. A Recorrida não foi regularmente notificado nos termos do 366º nº 2 CPC , pelo que a mesma é nula, havendo por isso, a necessidade de executar a notificação da recorrente para sanar as irregularidades e erros da citação em causa e a mesma poder exercer o direito de defesa nos autos do procedimento cautelar, sob pena de violação do direito de defesa.
79. O tribunal a quo sem prova documental deu como provados factos incorretamente analisados.
80. A Prova documental é a que resulta de documento, ou seja, qualquer projeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir um facto, cfr artigo 362º C Civil.
81. No caso o documento para prova só podia ser substituído por confissão expressa judicial ou extra judicial dos recorrentes e, não por prova testemunhal do recorrido.
82. A recorrida nos autos não comprovou por qualquer documento para provar as suas alegações.
E, por isso,
83. E o tribunal a quo não pode valorar um facto em prol da ausência da prova documental.
84. Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que a parte requerente venha alegar e se pronunciar sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
85. E, por isso, o Tribunal a quo não procedeu à aplicação das normas jurídicas aplicáveis do artigo 615º nº1 d) por o tribunal se pronunciar sobre matéria - valor probatório documental a comprovar pela recorrida que só se comprovam por Prova Documental - que não podia tomar conhecimento porque o ónus da prova cabeia à recorrida.
86. O tribunal a quo não pode concluir argumentos fáctico-jurídicos invocados em defesa das teses sustentadas pelas partes sem comprovação.
87. O uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art.º 349º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos).
88. A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil).
89. Face à competência do tribunal só é lícito, com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória alegada e provada pela recorrida , abstendo-se no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do art.º 607º, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil, que não têm comprovação e são contrárias à prova documental existente, o que não sucedeu pelo tribunal a qui na sua sentença.
Pede assim que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se que seja nula e improcedente a providência.
A Requerente da providência respondeu ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões:
A. Entende a RECORRENTE estar em causa recurso de apelação com efeito suspensivo, “considerando que está em causa uma nulidade insanável no exercício do contraditório, nos termos do artigo 647.º/4” Cód. Proc. Civil,
B. sem dar cumprimento ao preceito que invoca, porquanto não só não alegou – e, consequentemente, não terá como provar – quaisquer factos que permitissem concluir pelo prejuízo considerável que resulte da execução da decisão, como não deduziu incidente de prestação de caução, indicando o valor que oferece, bem como a modalidade e modo de efetivação da mesma – cf. arts. 913.º/1 ex vi art. 915.º/1 e 2 Cód. Proc. Civil.
C. Assim, dúvidas não podem subsistir que, nos termos dos arts. 647.º/1 e 3 a contrario Cód. Proc. Civil, o recurso de apelação tem efeito meramente devolutivo, i.e., permitindo-se a execução imediata da decisão proferida nos autos.
D. Defende a RECORRENTE que o Tribunal a quo violou o art. 366.º/2 Cód. Proc. Civil, devendo o procedimento ser repetido na forma de notificação e reiniciado o prazo de defesa, anulando-se a douta sentença e todo o processado posterior, sob pena da violação do direito de defesa,
E. por entender nula a citação da REQUERIDA/RECORRENTE, e que a mesma deveria ter sido somente notificada, obstando ao exercício do direito de defesa, por:
a. desconhecimento do patrono nomeado da existência do processo, por ausência de notificação;
b. criar ideia à parte que estava em causa um novo processo, alheio aos autos principais, que implicava novo processo administrativo de apoio judiciário, e
c. impedir que a Requerida tomasse conhecimento da sua situação processual nos autos do procedimento cautelar, no momento do recebimento da citação, prejudicando os seus direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagradas.
F. Apesar de invocar o art. 18.º/4 da Lei de ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS – cf. art. 27.º das Alegações de Recurso –, a RECORRENTE não parece retirar daí as necessárias conclusões, alegando que teria o patrono oficioso o direito a ser notificado da sua nomeação para patrocinar a RECORRENTE no âmbito dos autos cautelares.
G. Sucede que a letra da lei é clara – inclusive, citada nas Alegações da RECORRENTE – e prevê que “O apoio judiciário (…) é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar (…)”,
H. não havendo, pois, lugar a qualquer nomeação adicional, sendo certo que a situação do patrocínio judiciário está definida ab initio.
I. Ainda que assim não fosse, a aqui RECORRENTE foi notificada do requerimento inicial no passado dia 20 de outubro de 2023.
J. Dispondo de 10 (dez) dias para oferecer defesa – que terminaram a 30 de outubro –, não exerceu o direito que o art. 293.º/2 Cód. Proc. Civil lhe conferia.
K. Beneficiando já de apoio judiciário no âmbito da ação principal, juntou aos autos – no passado dia 03 de novembro – comprovativo de requerimento de proteção jurídica nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos e pagamento da compensação de defensor oficioso.
L. A RECORRENTE não peticionou proteção jurídica na modalidade da nomeação de patrono –, pelo que não haveria fundamento para a interrupção do prazo de Oposição (vide art. 24.º/4 da Lei de ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS, a contrario).
M. Estivesse em causa a nomeação de patrono – o que não é o caso – o pedido da RECORRENTE foi apresentado decorrido já o prazo de Oposição.
N. Dúvidas não restam que a aqui RECORRENTE não agiu em conformidade com a citação: não apresentou o documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono no prazo da Oposição,
O. e tão-pouco ofereceu defesa.
P. Fosse a efetiva convicção da RECORRENTE que tinha de requerer apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, de modo a garantir a representação em juízo no apenso e, tendo-lhe sido devidamente comunicado que dispunha de 10 dias para juntar aos autos o devido comprovativo, tê-lo-ia feito.
Q. O que a Recorrente não fez!
R. Vem ainda a RECORRENTE aos autos invocar a nulidade da citação, por entender que a mesma obstou ao seu direito de defesa.
S. Não pode vir a RECORRENTE aos autos alegar que a citação fere o seu direito de defesa, porquanto deveria ter sido somente notificada – cf. art. 30.º das Alegações de Recurso –: a própria admite que a citação configura meio mais solene e que melhor assegura os direitos da parte no processo – um plus, quando comparada à notificação.
T. A citação, nos termos em que foi elaborada, não obstou a que tomasse conhecimento da sua situação processual:
a. que era “REQUERIDA” no âmbito de um procedimento cautelar, e
b. que dispunha de 10 dias para deduzir defesa relativamente aos factos que lhe foram conveniente e regularmente dados a conhecer,
U. tendo tido acesso a todos os elementos necessários ao exercício do direito de defesa.
V. A RECORRENTE não observou os prazos a que estava obrigada, pretendendo tirar daí vantagem e arrastar um procedimento urgente tanto quanto lhe for possível.
W. Nos termos do art. 191.º Cód. Proc. Civil, sob a epígrafe “Nulidade da citação”:
“1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei. / 2 – O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; (…). / 4 - A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado”.
X. Não se verifica nenhuma das causas previstas no art. 188.º.
Y. As formalidades observadas – citação pessoal através de carta registada e com aviso de receção – foram mais solenes do que aquelas que a notificação ao patrono determinariam, tendo sido adotado pelo Tribunal o meio mais garantístico dos direitos de defesa da RECORRENTE – contrariamente ao que alega.
Z. Não foram, pois, colocados em crise quaisquer direitos de defesa da RECORRENTE, que tomou conhecimento dos factos e do prazo legal para deduzir oposição.
AA. Mais: encontrava-se já devidamente patrocinada, tendo tido 10 dias para comunicar com o seu patrono a propósito de uma providência cautelar apensa aos autos que aquele já acompanhava.
BB. Acresce que – ainda que assim não fosse – não pode passar incólume o facto de a RECORRENTE ter deixado passar o prazo de defesa para invocar a putativa nulidade da citação: tinha 10 dias desde a citação de que foi objeto.
CC. Foi citada a 20 de outubro e apenas no dia 13 de novembro invoca a dita nulidade.
DD. Houvesse alguma causa de invalidade da citação – no que não concede – e ter-se-ia a mesma sanado por decurso do prazo sem que tenha sido alegada.
EE. Entende a RECORRENTE que o Tribunal a quo excedeu o princípio do ónus da prova, pronunciando-se sobre matéria que carece de prova documental, não podendo considerar-se provados os factos que impugna em sede de Alegações, peticionando a nulidade da douta sentença, ao abrigo do disposto no art. 615.º/1 al. d) Cód. Proc. Civil.
FF. Não assiste, contudo, razão à Recorrente.
GG. Alega a RECORRENTE que:
a. “o tribunal a quo não tem como comprovar que a Requerida não se encontra inscrita na Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC), uma vez que tal comprovação obriga a prova documental, que a Requerente/Recorrida não logrou provar”;
b. «o facto “Existe risco para a integridade física dos arrendatários e ocupantes do prédio da Requerente, e do público que se dirija ao prédio e ao “ESPAÇO” para assistir a espetáculos” não tem correspondência com o documento nº11», sendo “contraditado pelo próprio documento nº11”, de onde não resulta “nenhuma indicação de que existe risco para a integridade física dos arrendatários e ocupantes do prédio da Requerente, e do público que se dirija ao prédio ao “ESPAÇO” para assistir a espetáculos”, por entender que não foi fornecido ao Tribunal a quo informação técnica documentada e suficiente para concluir pela existência de risco, determinando a nulidade da douta sentença, e
c. não poder resultar provado o facto de não oferecer “quaisquer garantias de capacidade financeira para reparar os prejuízos que a sua atividade possa causar à Requerente, na justa medida em que se trata de uma associação sem fins lucrativos, beneficiária de apoio judiciário”, por configurar conclusão do Tribunal a quo “sem fundamento e suporte em prova documental e, até contrariado pelo documento n.º 11 junto aos autos”, que determina a nulidade da sentença nos termos do art. 615.º/1 al. d) Cód. Proc. Civil.
HH. Decorre do art. 366.º/5 Cód. Proc. Civil, no âmbito dos procedimentos cautelares, que “a revelia do requerido que haja sido citado tem os efeitos previstos no processo comum de declaração”.
II. Nos termos do art. 567.º Cód. Proc. Civil, “1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.
JJ. Determina o art. 568.º Cód. Proc. Civil que “não se aplica o disposto no artigo anterior: a) Quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar; / b) Quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da incapacidade, ou houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta; / c) Quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter; / d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.”
KK. Dispõe o n.º 1 do art. 364.º Cód. Civil que “quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”.
LL. Não se verifica nenhuma das causas previstas nas alíneas a), b) e c) do art. 568 Cód. Proc. Civil,
MM. ou estão em causa – contrariamente ao que a RECORRENTE alega, sem fundamentação – factos para prova dos quais se exija documento escrito (por determinação legal ou convenção das partes, ao abrigo do art. 223.º Cód. Civil),
NN. pelo que não podem os mesmos não resultar confessados: a falta de oposição da RECORRENTE fez operar o efeito cominatório semipleno (revelia operante), que impunha ter-se por confessados os factos alegados pela aqui RECORRIDA, os quais se revelaram mais que suficientes para a procedência do pedido.
Além disso,
OO. consta do DOC. 11 que “o espaço – salão de festas, como não tem saídas de emergência, nem iluminação de emergência, nem sinalética, nem deteção de incêndio, torna-se num perigo tanto para o público como para os artistas no caso de ocorrência dum incêndio”.
PP. Tal conclusão é dos próprios Serviços Municipais de Proteção Civil da Câmara Municipal de Lisboa.
QQ. Outra conclusão não resulta do DOC. 11 se não a de que existe risco para a integridade física dos arrendatários e ocupantes do imóvel, bem como do público que se dirige ao Espaço para assistir a espetáculos,
RR. pelo que que a RECORRIDA não compreende que a RECORRENTE entenda não ter sido fornecida ao Tribunal a quo informação suficiente para concluir pela existência do risco identificado,
SS. nem tão-pouco depreende como tal facto possa resultar contraditado pela prova produzida nos autos.
TT. Acresce que do DOC. 11 não resulta prova ou indício da capacidade financeira da RECORRENTE (pois não é aquela objeto do Relatório) que contrarie o facto em questão,
UU. nem a RECORRIDA alegou sustentá-lo por intermédio desse documento.
Pede assim que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
O tribunal a quo admitiu o recurso, indeferindo a pretendida atribuição do efeito suspensivo, tal como requerido pela Recorrente, mas não se pronunciou sobre a matéria da invocada nulidade da decisão recorrida, omitindo assim o cumprimento do disposto no Art. 617.º n.º 1 do C.P.C.. Em todo o caso, em face dos termos como a questão é colocada, não se nos afigura imprescindível que os autos baixem à 1.ª instância para suprimento dessa omissão (cfr. Art. 617.º n.º 5 “a contrario” do C.P.C.).
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 109).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A nulidade da citação da Requerida;
b) A nulidade da decisão por violação do Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C.;
c) A impugnação da matéria de facto; e
d) O mérito da providência requerida.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida julgou por provados, com fundamento na sua confissão, por falta de oposição da Requerida à providência cautelar, os seguintes factos (com numeração por nós aditada) alegados na petição inicial  e que transcreveu:
1- A Requerente, é proprietária do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, da freguesia de Santos-o-Velho, inscrita na respetiva matriz, sob o art. …, da freguesia da Estrela;
2- A Requerida tomou de arrendamento os 1.ºs andares esquerdo e direito, os quais têm acesso exclusivo ao quintal;
3- Em 28 de julho de 1930, foi apresentado pelo anterior proprietário do prédio (JJ), projeto de ampliação de terraços para colocação das pias e wc, resultando do termo de responsabilidade do construtor que concretizaria a obra, emitido a 28 de julho de 1930, que estavam em causa: “(…) construções civis para a alteração que o Sr. JJ pretende fazer no seu prédio na Rua … n.º … e para a qual solicitou da Exma. Câmara Municipal a devida licença cuja petição tem o n.º 94/8.”;
4- O acesso ao quintal fazia-se através do 1.º andar do prédio, ficando nos rés-do-chãos um saguão;
5- Mercê do arrendamento acordado, o pretérito senhorio proporcionou à Requerida o gozo temporário das frações correspondentes aos 1ºs andares e do quintal ao qual apenas desse andar havia e há acesso, mediante a respetiva retribuição, apenas existindo contrato escrito dessa relação com data de 1 de dezembro de 1968, já JJ falecera;
6- Em 1931, com a autorização do proprietário, a Requerida requereu licença para construção no quintal de um barracão para servir de sala de ensaios e concertos da banda musical da Sociedade;
7- A 17 de agosto de 1931, o proprietário, JJ, declarou em requerimento reconhecido pelo notário …, dirigido à Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lisboa e com carimbo de entrada no respetivo serviço a 10 de outubro de 1931, o seguinte: “autorizo a Sociedade … – aqui Requerida –, com sede na minha propriedade, Rua …, n.º …, 1º, a construir um barracão num recinto vedado que possuo, d´harmonia com a seguinte planta”;
6- Estando inscrito no desenho do projeto que se tratava do “Projeto de barracão que o Sr. JJ pretende construir na sua propriedade sita na Rua … n.º …, em substituição de um de madeira destinado para os ensaios da música da Sociedade ….”;
8- Em consequência do que a Requerida assinou, nesse mesmo dia 17 de agosto de 1931, pedido de licença de autorização de construção dirigido ao Presidente daquela mesma Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lisboa, instruindo o processo respetivo com o projeto e autorização do proprietário, com data da entrada no Registo “Obras” de 10 de outubro de 1931;
9- Em 24 de abril de 1943, o proprietário à data dirige novo requerimento ao Presidente da CML no qual “pede a V. Exa. que lhe mande passar certidão do Barracão que a Sociedade … mandou construir no terreno do requerente, sito na Rua …, …, freguesia de Santos, que o foi com a sua autorização.”;
10- Sendo que, ao encontro de nova informação camarária, se declara “poder certificar-se que o barracão (…) teve autorização do requerente (identificado no canto superior direito como sendo JJ), conforme consta a fls. 8 do mesmo processo, feita em 18 de agosto de 1931 e reconhecida pelo Notário …”;
11- A Requerida realiza e promove espetáculos no barracão a que chamam “ESPAÇO”, os quais são abertos ao público em geral em função da idade recomendada dos conteúdos;
12- A Requerida faz uso de plataformas digitais para a venda dos bilhetes;
13- A Requerida não se encontra inscrita na Inspeção-Geral da Atividades Culturais (IGAC), entidade pública que acompanha e fiscaliza o cumprimento das regras associadas ao regime legal aplicável, seja ao nível das condições técnicas e de segurança dos recintos fixos para tal vocacionados (cinemas, teatros, cine teatros, auditórios, etc.) seja ao nível da sua realização (independentemente do espaço), seja ainda ao nível da classificação etária – cfr. DL n.º 23/2014, de 14 de Fevereiro;
14- A Requerente foi notificada do relatório dos Serviços Municipais de Proteção Civil da Câmara Municipal de Lisboa, nos termos do qual se concluiu que: «Trata-se de um imóvel particular de 5 pisos, construção tipo gaioleiro, com 9 frações maioritariamente habitacionais. O n.º … é uma única fração comercial - Restaurante "Marias de Vinho Tinto". Pelo n.º … acede-se ao Rés-de-Chão Direito (habitação) e à escada comum de acesso ao 1.º andar (sede da associação educativa e cultural designada por "Sociedade … " que ocupa todo este piso), 2.º andar Esq. e Dt., 3.º andar Esq. e Dt. e o 4.º andar Esq. E Dt. Conforme se pode constatar no registo fotográfico que se anexa, no tardoz existe um espaço fechado "salão de festas” (…) Da visita efetuada (dia 19/05/2023) constatou-se que os espaços ocupados pela Associação Cultural Sociedade …, não têm Medidas de Autoproteção aprovadas. Relativamente aos equipamentos e sistemas de segurança, existem alguns extintores mas com o prazo de validade expirada e alguma sinalética. O Espaço - salão de festas, como não tem saídas de emergência, nem iluminação de emergência, nem sinalética, nem deteção de incêndio, torna-se num perigo tanto para o público como para os artistas no caso de ocorrência dum incêndio.»;
15 - Não dispõe o estabelecimento de qualquer saída de emergência, já que a porta de entrada serve, igualmente, de saída: pelo n.º …, através da escada comum do prédio de acesso ao 1º andar, e deste para o “ESPAÇO”;
16 - Qualquer sinalética ou planta de eventuais percursos que houvesse, em caso de calamidade, poderia moderar, mas nunca reduzir, em termos relevantes, os riscos da situação;
17 - Mesmo que houvesse sinalética e extintores em condições regulamentares, não existe iluminação de emergência, nem sequer sistema de deteção e supressão de incêndios;
18 - A acrescer a isto, o facto de não existir qualquer saída (ou saídas) destinada à evacuação organizada e segura das pessoas e eventual salvamento dos ocupantes do estabelecimento em caso de ocorrência de incêndio, e mesmo em caso de fenómenos naturais, tecnológicos de origem humana, tumulto ou outros comportamentos que possam ocorrer no público ou ser assumidos pelos artistas, que pode determinar uma situação de emergência que imponha a evacuação de pessoas – tanto do barracão como do próprio prédio, tem de concluir-se que não estão reunidas as condições de segurança minimamente exigíveis para o mesmo funcionar – muito menos como sala de espetáculos;
19 - Apesar de o legal representante ter estado presente aquando da vistoria da proteção civil, onde foram identificadas estas questões, a Requerida promoveu vários espetáculos com venda de bilhetes ao público, com afluência de público;
20 - A Requerida conhece o relatório que confirma o risco que a inexistência de saída de emergência, iluminação e sinalética de emergência certificada representa para pessoas e bens e realizou um espetáculo no fim de semana seguinte;
21 - Estando anunciada a realização de outros tantos em outubro e novembro (5 por semana, de 25 de outubro a 12 de novembro);
22 - Sem prejuízo do risco para a segurança, para a vida e integridade física das pessoas que frequentam o ESPAÇO (associados e público), também a integridade física e vida dos habitantes do prédio contíguo ao barracão – os arrendatários da Requerente – constitui bem supremo a acautelar por que pode a Requerente vir a ser responsabilizada em caso de lesão;
23 - Em caso de incêndio existe perigo sério para a integridade dos próprios imóveis objeto do arrendamento cuja declaração de resolução foi já requerida e das demais frações do prédio;
24 - Em caso de incêndio no barracão, a destruição deste e propagação ao edifício habitacional é quase certa, já que a proximidade dos edifícios é absoluta e o acesso dos bombeiros ao Espaço apenas se faz pelo interior do prédio, sem qualquer acesso à via pública ou comunicação com esta, reduzindo as hipóteses de sucesso do combate ao incêndio, nomeadamente por meios externos;
25 - E o perigo de incêndio é real: as instalações elétricas do ESPAÇO são velhas e degradadas, há sobrecarga de tomadas e circuitos para assegurar eventos musicais e peças de teatros, o pavimento do ESPAÇO é em pinho;
26 - A realização de eventos reclama a utilização de recursos eletrónicos de não desprezível perigosidade;
27 - O aglomerado de pessoas existe, em contexto de festa e lazer;
28 - A Requerida não dispõe de seguro de seguro de responsabilidade civil ou instrumento financeiro equivalentes, que cubra eventuais danos decorrentes da realização dos espetáculos;
29 - Não oferecendo quaisquer garantias de capacidade financeira para reparar os prejuízos que a sua atividade possa causar à Requerente, na justa medida em que se trata de uma associação sem fins lucrativos, beneficiária de apoio judiciário;
30 - O eventual dano para a Requerida circunscreve-se à não obtenção de receitas enquanto não demonstrar reunir as condições de segurança para o efeito: meios de prevenção de fogo ativos e passivos devidamente certificados por entidade competente, seguro de responsabilidade civil e registo no IGAC;
31 - Existe risco para a integridade física dos arrendatários e ocupantes do prédio da Requerente, e do público que se dirija ao prédio e ao “ESPAÇO” para assistir a espetáculos.
Tudo visto, cumpre apreciar.
*
IV- Fundamentação de direito:
Delimitadas as questões a apreciar no presente recurso, iremos então delas tomar conhecimento pela sua ordem de precedência lógica, começando pela questão prévia da nulidade da citação da Requerida.
1. Da nulidade de citação da Requerida.
A primeira questão decidida pelo Tribunal a quo, antes mesmos de se debruçar sobre o mérito da providência cautelar requerida, teve a ver com a alegada nulidade da citação da Requerida, tal como havia sido suscitada por esta pelo Requerimento de 13 de novembro de 2023 (cfr. “Requerimento” de 13-11-2023 – Ref.ª n.º 37567509 - p.e.).
Para compreender integralmente esta questão há que considerar a sequência histórica dos factos que se mostram documentados nos autos.
Em primeiro lugar, temos de relevar que a ação principal, que é uma ação de despejo, foi instaurada por anteriores proprietários do prédio, onde se insere o locado e o “Espaço” arrendado e usado pela Requerida (cfr. “Petição” de 27-11-2020 – Ref.ª n.º 27845796 – p.e. do processo principal). A Requerente nos presentes autos de providência cautelar só passou a figurar na ação principal, como A., na sequência de ter adquirido o prédio aos anteriores proprietários e ter deduzido o incidente de habilitação de cessionário, constante do apenso “A”, que apenas veio a ser deferido por sentença de 22 de junho de 2022 (cfr. “Sentença” de 22-06-2022 – Ref.ª n.º 416885382 - p.e. do apenso “A”).
Em segundo lugar, a Requerida, que figura como R. no processo principal de ação de despejo, mostra-se ali citada desde 20 de dezembro de 2020 (cfr. “Aviso de Receção” de 08-01-2021 – Ref.ª n.º 28158474 – p.e. do processo principal), tendo aí apresentado comprovativo da apresentação junto da Segurança Social de requerimento de concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de compensação de patrono para contestar essa ação (cfr. “Ofício” de 04-02-2021 – Ref.ª n.º 28410772 - p.e. do processo principal), o qual veio a ser deferido, nessas modalidades (cfr. “E-Mail – Recibos” de 19-04-2021 – Ref.ª n.º 28980181 – p.e.), vindo a ser nomeado seu patrono e defensor oficioso o Dr. JFV (cfr. “Email – Recibos” de 16-04-2021 – Ref.ª n.º 28964900 – p.e.), que veio a subscrever a contestação que apresentou em 18 de maio de 2021 (cfr. “Contestação” de 18-05-2021 – Ref.ª n.º 29286658 – p.e.).
Em terceiro lugar, o presente procedimento cautelar só veio a dar entrada em juízo em 10 de outubro de 2023 (cfr. “Requerimento (Início de Processo)” de 10-10-2023 – Ref.ª n.º 37221545 – p.e.), portanto, já na pendência da ação principal, por apenso ao qual foi deduzido.
Feito este primeiro enquadramento prévio, a Requerida veio efetivamente a ser citada para deduzir oposição à presente providência cautelar por carta registada com aviso de receção que se mostra assinada com data de 20/10/2023 (cfr. “Aviso de Receção” de 25-10-2023 – Ref.ª n.º 37388852 - p.e.).
Ora, nos termos do Art. 366.º n.º 2 do C.P.C.: «2 - Quando seja ouvido antes do decretamento da providência, o requerido é citado para deduzir oposição, sendo a citação substituída por notificação quando já tenha sido citado para a causa principal».
No caso, porque a Requerida já havia sido citada para a ação principal, a mesma deveria efetivamente ser apenas notificada.
A diferença funcional entre os dois atos considerados é nos explicitada no Art. 219.º do C.P.C.. Assim, nos termos do n.º 1 desse preceito esclarece-se que: «1 - A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa». Já no n.º 2 clarifica-se que: «2 - A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto».
Compreende-se assim que, tendo a R. sido citada na ação principal e até aí já apresentado a sua contestação, porque já se mostrava assegurada a sua intervenção pessoal no processo e, bem assim, que a mesma estava em condições de exercer de forma plena a sua defesa, não haveria agora mais a necessidade de se proceder a uma nova “citação”, mas sim à sua mera notificação, tal como estabelece o Art. 366.º n.º 2 do C.P.C..
Evidentemente que o ato de citação é formalmente mais importante, sendo rodeado por particulares preocupações legais, porque por ele se visa garantir que a parte demandada tenha conhecimento efetivo de que contra si foi instaurada uma ação, devendo o tribunal certificar-se que essa pessoa fica a saber de todos os factos e elementos necessários a exercer de forma plena e informada a sua defesa.
Por isso a falta de citação é um vício fulminado por lei com a nulidade (cfr. Art.s 187.º al. a) e 188.º do C.P.C.), a qual é de conhecimento oficioso (Art. 196.º do C.P.C.), podendo ser conhecida pelo tribunal em qualquer momento do processo, salvo se for considerada sanada (cfr. Art. 198.º n.º 2 do C.P.C.).
Nos termos do Art. 189.º do C.P.C., essa nulidade deve, no entanto, ser arguida logo de imediato, com a primeira intervenção da parte no processo, sob pena desse vício se considerar sanado.
Por outro lado, nos termos da lei processual, a citação deve ser feita, preferencialmente, de forma pessoal (cfr. Art.s 225.º e ss. do C.P.C.) e, estando em causa uma pessoa coletiva, pode ser realizada por carta registada com aviso de receção, remetido para a sede inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do RNPC (cfr. Art. 246.º n.º 2 do C.P.C.), com todos os demais formalismos estabelecidos na lei (v.g. Art. 238.º do C.P.C.).
A notificação, por contraposição, é evidentemente, neste contexto e em termos relativos, um ato de importância formal relativamente menor que a citação, porque pressupõe que a parte já interveio no processo e, eventualmente, como era o caso dos autos, até já tem advogado constituído, ou nomeado, para assegurar a sua defesa. Nessa medida, por regra, a notificação nunca é feita com um formalismo tão exigente, como seja o recurso à carta registada com aviso de receção, bastando a simples carta registada, se não houver mandatário constituído (cfr. Art. 249.º n.º 1 do C.P.C.). Havendo advogado constituído, ou defensor oficioso nomeado, as notificações às partes processam-se através desse advogado (cfr. Art. 247.º n.º 1 do C.P.C.).
Portanto, após a citação, todos os atos de comunicação realizados pelo tribunal passam a assumir a forma de mera notificação, o que justifica doutrinalmente a solução legal estabelecida no Art. 366.º n.º 2 do C.P.C..
Em todo o caso, essa “notificação”, prevista no Art. 366.º n.º 2 do C.P.C., porque se refere a uma instância nova (de providência cautelar), ainda que subordinada e dependente da instância principal (no caso, da ação de despejo), não deixa de dever assemelhar-se a um ato de “citação”, porque por ela se visa principalmente dar conhecimento de que contra o Requerido foi formulada uma nova pretensão, constante de um “novo” processo, relativamente ao qual deverá exercer os seus direitos de defesa.
Em face do exposto, a realização formal duma citação, no contexto do Art. 366.º n.º 2 do C.P.C., nunca poderá ser entendida como mais do que um excesso de formalismo, uma mera irregularidade que, em princípio, deveria ser inconsequente, porque se fez uso da comunicação de atos por carta registada com aviso de receção, quando poderia bastar uma mera carta registada dirigida à parte (cfr. Art. 249.º n.º 1 do C.P.C.). Ou melhor, porque no caso já havia advogado constituído, uma comunicação eletrónica dirigida a este último, enquanto representante forense dessa parte (cfr. Art. 132.º n.º 2 “ex vi” Art. 248.º n.º 1 do C.P.C.).
No caso, foi remetida, com registo e aviso de receção, uma carta, com um formulário standard típico das citações, com os seguintes dizeres:
«Assunto: Citação por carta registada com AR
«Nos termos do disposto no art.º 228.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª citado para, no prazo de 10 dias, querendo, deduzir oposição à providência acima identificada, oferecendo logo as respetivas provas, com a advertência de que a falta de oposição importa a confissão dos factos articulados pelo(s) requerente(s).
«Ao prazo de defesa acresce uma dilação de: 0 dias.
«No caso de pessoa singular, quando a assinatura do Aviso de Receção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias (art.º s 228.º e 245º do CPC).
«A dilação aplicável, individualmente considerada ou o somatório delas, nunca pode ser superior a 10 dias (nº 3 do Art.º 366.º do CPC).
«A citação considera-se efetuada no dia da assinatura do AR.
«O prazo é contínuo, não se suspendendo durante as férias judiciais.
«Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
«Fica advertido de que sim é obrigatória a constituição de mandatário judicial.
«Juntam-se, para o efeito, um duplicado da petição inicial e as cópias dos documentos que se encontram nos autos».
Em nota de rodapé constam ainda as seguintes menções:
«- Indicar na resposta a referência deste documento e o n.º de processo;
«- A apresentação de oposição, implica o pagamento de taxa de justiça autoliquidada. Sendo requerido nos Serviços de Segurança Social benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá o citando, juntar aos presentes autos, no prazo da contestação, documento comprovativo da apresentação do referido requerimento, para que o prazo em curso se interrompa até notificação da decisão do apoio judiciário;
«- As férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro; de domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto;
«- Nos termos do art.º 40.º do CP,. é obrigatória a constituição de advogado nas causas da competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário; nas causas em que seja admissível recurso, independentemente do valor; nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores».
Este procedimento não deixa de ser aceitável, na medida em que cumpre exatamente o mesmo propósito da notificação, apesar de se poder considerar haver um excesso de formalismo no ato, decorrente do uso inútil da carta registada com a aviso de receção, que serve fundamentalmente como garantia complementar relativamente à prova da receção efetiva da carta de citação.
No entanto, como a Requerida já tinha advogado nomeado no processo principal, em consequência da concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o que se verificou foi que este último não foi, ele próprio, formalmente notificado nos mesmos termos para este processo.
Mas, assim sendo, a questão não é de “falta de citação da Requerida”, pois esta foi formalmente cumprida e até, sob certo ponto de vista, com excesso de formalidade, pois poderia bem entender-se que bastaria uma mera notificação.
A questão é assim de mera “falta de notificação do advogado”, seu defensor oficioso, em violação do disposto no Art. 247.º n.º 1 do C.P.C., que estabelece que: «1 - As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais». O que deveria ser feito por via eletrónica (cfr. Art. 132.º n.º 2 “ex vi” Art. 248.º n.º 1 do C.P.C.) e não o foi. Pelo menos, não o foi em simultâneo com a “citação” feita diretamente à parte por ele representada.
Acrescente-se que, inquestionavelmente, beneficiando a Requerida de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, e tendo sido efetivamente nomeado advogado para assegurar o patrocínio judiciário obrigatório na ação principal, esse patrocínio estende-se necessariamente a todos os processos apensos, incluindo os autos de providência cautelar (cfr. Art. 18.º n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29/7). Em consequência, o patrono da Requerida deveria ter sido notificado do requerimento inicial do procedimento cautelar instaurado contra a Requerida (cfr. Art. 247.º n.º 1 do C.P.C.) e, formalmente, não o foi.
O que é que se passou de seguida?
A Requerida, citada no dia 20/10/2023 (cfr. “Aviso de Receção” de 25-10-2023 – Ref.ª n.º 37388852 - p.e.), ficou assim advertida de que contra ela havia sido instaurado o presente procedimento cautelar e que tinha 10 dias para apresentar a sua defesa (cfr. Art.s 366.º, 365.º n.º 3 e 295.º n.º 2 do C.P.C.). Portanto, o prazo terminaria no dia 30 de outubro de 2023 (uma 2.ª feira).
A oposição ainda poderia ser apresentada até ao dia 3 de novembro de 2023 (3.º dia útil posterior, considerando que o dia 1 de novembro de 2023 foi feriado nacional), desde que viesse a ser paga uma multa (cfr. Art. 139.º n.º 5 ou n.º 6 do C.P.C.).
Ora, nesse preciso dia 3 de novembro, a Requerida não apresentou oposição, mas apenas comprovou que havia apresentado nesse dia um requerimento de apoio judiciário (cfr. “Apoio Jud.” de 03-11-2023 -Ref.ª n.º 37474277 – p.e.).
Sucede que, a Requerida pediu apenas a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e para pagamento de compensação a defensor oficioso. Claramente não preencheu o campo destinado à “nomeação e pagamento de compensação de patrono”.
Na verdade, também não fazia sentido que pedisse a nomeação de patrono, quando já gozava desse benefício na ação principal e o mesmo era extensivo ao processo apenso (cfr. Art. 18.º n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29/7).
Seja como for, nos termos do Art. 24.º n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29/7, apenas o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono – que claramente não foi formulado –, poderia ter por efeito a interrupção do prazo para deduzir oposição, ainda que, no caso, condicionado necessariamente pelo pagamento da multa estabelecida no Art. 139.º n.º 5 (ou n.º 6) do C.P.C..
Fica assim claro que a Requerida deixou esgotar o prazo que lhe foi conferido para contestar o procedimento cautelar, sem ter apresentado qualquer oposição, relembrando-se que durante todo esse tempo poderia perfeitamente ter consultado o patrono nomeado na ação principal para esse efeito, se nisso tivesse interesse efetivo.
Ainda assim, poderia, em abstrato, continuar a sustentar-se que subsistiria o vício relativo à falta de notificação do advogado da Requerida, por falta de cumprimento oficioso, pelo tribunal, do disposto nos Art.s 132.º n.º 2, 247.º n.º 1 e 248.º n.º 1, por decorrência do Art. 366.º n.º 2 do C.P.C..
Sucede que o advogado da Requerida veio a ser notificado da existência deste processo, na sequência do despacho de 7 de novembro de 2023 (Ref.ª n.º 430082029 - p.e.), interpelando-o desse modo para responder ao requerimento da Requerente da providência cautelar, datado de 6 de novembro de 2023 (Ref.ª n.º 37492058 - p.e.), nos termos do qual esta solicitava que deveriam ser julgados por confessados os factos articulados no requerimento inicial em consequência da falta de oposição.
Significa isto que, a partir de então, nem a Requerida (que já havia sido citada para os termos da providência), nem o seu defensor oficioso, poderiam deixar de ter conhecimento de que havia sido instaurado o presente processo.
O patrono, perante esta notificação judicial, por mais surpreendido que estivesse, tinha de consultar necessariamente a providência cautelar, fosse na sua versão em papel, fosse na sua versão eletrónica (cfr. Art. 247.º n.º 7 do C.P.C.), podendo assim verificar que contra a Requerida, que patrocinava, havia sido instaurada um procedimento cautelar, com determinados fundamentos de facto e de direito, pois a sua Requerente pretendia que os factos que havia alegado fossem julgados por confessados e a providência deferida imediatamente.
Fica assim claro que, a partir da notificação do despacho de 7 de novembro de 2023, já não era legítimo ao patrono nomeado o argumento do alegado desconhecimento da existência deste processo. Mais, a partir desse momento, já estava em condições plenas de exercer o contraditório relativamente ao alegado na petição inicial da providência (isto no pressuposto, que se desconhece se é verdadeiro, de que a Requerida lhe não deu conhecimento anterior da citação de que havia sido alvo).
Ora, perante o conhecimento da existência desde processo, o patrono veio efetivamente responder por requerimento de 13 de novembro de 2023 (cfr. “Requerimento” de 13-11-2023 – Ref.ª n.º 37567509 - p.e.), invocando a “nulidade de citação da Requerida”, mas não aproveitou a mesma oportunidade para deduziu oposição à providência cautelar de que deveria já então ter conhecimento necessário. De facto, pelas razões que fomos expedindo, só será de admitir o seu eventual desconhecimento dos termos da providência por manifesta negligência indesculpável, porque não justificável.
Visto isto, diremos ainda que: por um lado, como já referido, não há “falta de citação da Requerida”, quando muito haverá “falta de notificação do seu advogado”; por outro, nesta última eventualidade, o que se verifica é apenas uma omissão de um ato previsto na lei (v.g. nos Art.s 132.º n.º 2, 247.º n.º 1 e 248.º n.º 1, por decorrência do Art. 366.º n.º 2 do C.P.C.), que só pode determinar a nulidade quando a lei assim o declare ou quanto a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (Art. 195.º do C.P.C.). Ou seja, estaremos perante uma nulidade secundária do processo, consistente num desvio ao formalismo processual prescrito na lei.
Diga-se também que, pelas evidentes semelhanças da notificação prevista no Art. 366.º n.º 2 do C.P.C., com as finalidades funcionais das citações, também se poderia justificar a aplicação ao caso, por analogia, da previsão do Art. 191.º do C.P.C., por ter sido omitida uma formalidade prescrita na lei para a citação/notificação. Pelo que, o prazo para a arguição desse vício deveria ser o prazo estabelecido para a dedução da oposição (no caso, 10 dias, conforme Art.s 366.º, 365.º n.º 3 e 295.º n.º 2 do C.P.C.) ou, não tendo sido indicado prazo para a defesa, a arguição deveria ser feita logo com a primeira intervenção dessa pessoa (cfr. Art. 191.º n.º 2 do C.P.C.), sendo que esse vício só seria atendível se a falta afetasse o exercício da defesa (cfr. Art. 191.º n.º 4 do C.P.C.).
Se assim não se entendesse, a solução sempre passaria pela aplicação do regime das nulidades secundárias previstas, em termos genéricos, no Art. 195.º do C.P.C..
A propósito do teor do Artigo 201º do Código de Processo Civil que correspondia ao atual Artigo 195º, escrevia Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 2º, pág. 484) que: «omitindo-se um ato ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infração, mas nem sempre esta infração é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verificar um destes casos: a) quando a lei expressamente a decreta; b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». No segundo caso, continua o mesmo autor: «é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entende que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa».
Refira-se ainda que as nulidades secundárias têm de ser arguidas pela parte através de reclamação (Art. 196.º do C.P.C.) no momento em que ocorrer a nulidade, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário. Caso não esteja presente, o prazo geral de arguição de dez dias conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo, ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (cfr. n.º 1 do Art. 199.º e Art. 149.º n.º 1 do C.P.C.).
No caso, se admitirmos que a Requerida omitiu ao seu defensor que havia sido citada para a providência cautelar, o problema não estará na tempestividade da arguição da nulidade secundária. O problema está na perda de oportunidade para, em simultâneo com a arguição da falta de notificação do advogado (alegando e provando que a Requerida não lhe fez chegar a si o conhecimento da citação), logo não se ter deduzido oposição à providência cautelar, à semelhança do regime previsto no Art. 191.º n.º 2 do C.P.C..
É que a nulidade por falta de notificação da providência cautelar ao advogado, quando a Requerida foi citada pessoalmente, mas alegadamente disso não deu conhecimento ao seu patrono, perde sentido no caso concreto, em face da circunstância de o despacho de 7 de novembro de 2023 lhe ter sido notificado, o que implicava que o patrono da Requerida devesse saber da existência deste processo e que a Requerida já havia sido citada, dispondo assim de todas as condições objetivas para, no prazo de 10 dias (pelo menos contados da data em que lhe foi notificada a existência deste processo), deduzir oposição.
Nestas condições, o conhecimento de todos estes factos não estava efetivamente dependente da notificação do tribunal, mas da diligência do patrono. Isto para já não falar da diligência da parte que representa em dar conta (em tempo) ao seu advogado de que havia sido citada para os termos da presente providência cautelar.
Esta falta de diligência sana o vício e, na mesma medida, justifica que devesse ser indeferido o pedido de ser conferido um novo prazo ao patrono para apresentar a oposição à providência.
Concluímos assim que a omissão da notificação do patrono da Requerida objetivamente não determinou que esta não pudesse, em tempo, exercer o seu direito de defesa.
A falta de oposição oportuna ficou a dever-se principalmente à falta de diligência da parte e/ou do seu patrono. Neste último caso, só na eventualidade (que se desconhece ser verdadeira) de a Requerida não ter informado o seu advogado, em tempo, da citação de que havia sido alvo. Pelo que, nos termos do Art. 195.º n.º 1 do C.P.C., conclui-se, por estas razões, que o ato de notificação ao advogado inicialmente omitido acabou por não determinar diretamente a impossibilidade de exercício oportuno da defesa pela Requerida, pois tal ficou a dever-se principalmente à falta de diligência da parte. Em conformidade, julgamos não dever reconhecer a nulidade invocada, porque nestas condições a omissão não teve influência na decisão da causa.
Em conformidade, resta-nos dizer que improcedem as conclusões apresentadas em sentido diverso do exposto, devendo manter-se a decisão recorrida na parte que julgou indeferir a alegada nulidade por “falta de citação da Requerida”.
2. Da nulidade por violação do Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C..
Sustenta a Recorrente que a decisão recorrida violou o disposto no Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., por não ter sido aplicado as normas sobre o valor probatório relativas à prova documental, sendo que não poderia conhecer de matérias de cujos ónus de prova era da Recorrida, não sendo legítimo o recurso a presunções judiciais.
A Recorrida pugnou pela improcedência desta alegada nulidade, por não estar em causa, em nenhum dos factos pretendidos impugnar, qualquer factualidade subordinada a prova documental necessária, improcedendo assim semelhante alegação.
Apreciando, temos de ter em consideração que o vício apontado está previsto no Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., nos termos do qual a sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Esta nulidade está diretamente relacionada com o Art. 608.º n.º 2 do C.P.C., segundo o qual: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Para melhor compreender o sentido dos vícios previstos no Art. 615.º do C.P.C., escrevia a propósito Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil A Anotado”, Vol. V, pág. 122): «Temos (…) dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; a segunda de erro de atividade (erro de construção ou formação)». E, como realçava Antunes Varela, a este respeito (in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Ed., revista e atualizada, pág. 686): «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou o erro na construção do silogismo judiciário».
Ora, o que no caso é invocado nas alegações de recurso da Recorrente não é que o tribunal não tivesse apreciados as concretas questões que lhe foram suscitadas. Para mais, numa providência cautelar que foi julgada parcialmente procedente, na sequência da falta de oposição da Requerida e em que só haveria que decidir o que havia sido requerido unilateralmente pela demandante.
O que é sustentado pela Recorrente é apenas que o tribunal, ao apreciar as concretas questões que lhe foram suscitadas pela petição inicial da providência, alegadamente não aplicou normas de direito probatório material, relativas à força probatória de certos tipos de documentos, e portanto não poderia conhecer de factos que estariam dependentes de determinados meios de prova, nem lançar mão de presunções judiciais. Por outras palavras, a questão, tal como suscitada, não é de omissão ou excesso de pronúncia, mas de erro de julgamento.
Como logo fizemos notar, o Art. 615.º do C.P.C. não compreende, em circunstância alguma, alegadas situações de “erro de julgamento”. Se há erro de julgamento a solução do caso passa pela simples revogação da sentença, conformando-a ao direito aplicável. A nulidade da sentença é um vício doutra sorte, que inquina o ato judicial por se verificar um erro de procedimento formal interno no ato decisório. Mas, no caso, nada disso se verifica, porque houve pronúncia sobre as concretas questões suscitadas na providência cautelar e só essas questões foram apreciadas, não havendo assim violação do disposto no Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C..
Em conformidade, improcedem as conclusões que sustentam a nulidade da sentença recorrida.
3. Da impugnação da matéria de facto.
A Recorrente veio impugnar a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, entendendo que não poderiam ser dados por provados os factos que identificou pelas letras A, B e C, que correspondem aos factos por nós numerados (em face da ausência de numeração original na decisão recorrida) constantes dos pontos 13, 22 e 29.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que ao Recorrido caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/5/2016 (Proc. n.º 1393/08 – Relatora: Maria Amélia Ribeiro) que: «É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum».
No Acórdão da Relação do Porto de 6.3.2017 (Proc. n.º 632/14 – Relator: Miguel Morais,), afirma-se que: «tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas, nos termos do Art. 607º, nº 4), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando, designadamente, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos ou indicar, de forma acrítica, um determinado documento.
«Deste modo, na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.
«Nesse sentido tem sido interpretado o segmento normativo “impunham decisão diversa da recorrida” constante da 2ª parte da al. b) do n.º 1 do Art. 640º, acentuando-se que o cabal exercício do princípio do contraditório pela parte contrária impõe que sejam conhecidos de forma clara os concretos argumentos do impugnante.»
Importa ainda ter em atenção que estamos perante um procedimento cautelar comum, que tem uma finalidade meramente preventiva ou conservatória, relativamente a uma alegada lesão grave ou de difícil reparação de um direito (cfr. Art. 362.º n.º 1 do C.P.C.). Desse modo, como referia Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Ed., pág. 24 a 25): «o juiz não poderá exigir, na prova da existência e da violação do direito do requerente, nem na demonstração do perigo de dano que o procedimento se propõe evitar, o mesmo grau de convicção que naturalmente se requer na prova dos fundamentos da ação».
Em todo o caso, há que referir que não foi produzida prova em audiência de julgamento, tendo os factos alegados pela Requerente sido julgados por provados por mera decorrência da falta de oposição à providência.
Visto isto, a Recorrente vem defender nas suas alegações de recurso que os factos, agora por nós numerados em 13, 22 e 29, não poderiam ser julgados por provados, porque: ou só poderiam ser provados por documento (autêntico); ou só poderiam ser provados pela Requerida; ou não se mostram conformes com a prova documental junta, nomeadamente o documento n.º 11, junto com a petição inicial; sendo que, em caso algum, se poderiam presumir.
Contrapõe a Recorrida que os factos alegados na petição inicial da providência cautelar foram julgados por provados com base na falta de apresentação de oposição pela Requerida, tendo assim funcionado o efeito cominatório semipleno estabelecido no Art. 567.º n.º 1 do C.P.C..
De facto, nos termos do Art. 567.º n.º 1 do C.P.C.: «1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor». Norma que se aplica aos procedimentos cautelares, por força do Art. 366.º n.º 5 do C.P.C., onde se estabelece que: «5- A revelia do requerido que haja sido citado tem os efeitos previstos no processo comum de declaração».
Ora, no facto impugnado constante do ponto 13 (numeração por nós adotada) consta por provado que a Requerida não está inscrita na IGAC (Inspeção-Geral da Atividades Culturais), que é a entidade pública que acompanha e fiscaliza as condições técnicas e a observância das regras de segurança dos recintos vocacionados para espetáculos dirigidos ao público em geral.
Entende a Recorrente que esse facto está dependente de prova documental, que não se mostra junta, sendo que o documento n.º 11, junto com a petição inicial, não permite tê-lo por demonstrado.
Apreciando, temos de reconhecer que evidentemente não se pode questionar que o registo da Requerida na IGAC, ou a ausência desse registo, apenas pode ser certificado por documento emitido por essa entidade, que centraliza em si toda essa informação pública. Trata-se, portanto, de facto que objetivamente apenas pode ser provado por documento escrito, emitido pela entidade pública competente para esse efeito (cfr. Art. 369.º do C.C.), não sendo admissível a substituição desse meio de prova, por documento autêntico, por qualquer outro meio de probatório (cfr. Art. 364.º do C.C.), nomeadamente por confissão – para mais ficta, por força do efeito cominatório semipleno estabelecido no Art. 567.º n.º 1 “ex vi” Art. 366.º n.º 5 do C.P.C. –, pois ela deve ser tida por legalmente insuficiente para esse efeito (cfr. Art. 354.º al. a), 1.ª parte, conjugado com o Art. 364.º n.º 1 do C.C.).
Acresce que, quando o Art. 366.º n.º 5 do C.P.C. determina a aplicação à revelia verificada em procedimento cautelar dos efeitos previstos no processo declarativo comum, em causa está não só o disposto no n.º 1 do Art. 567.º n.º 1, mas ainda o disposto no Art. 568.º do C.P.C, do qual resulta que não se aplica o disposto no artigo anterior: «d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito» (nesse sentido: Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 4.ª Ed., pág. 33; e Teixeira de Sousa in “CPC Online”, versão 2024/04, anotação n.º 4 ao Art. 366.º do C.P.C.). Consequentemente, o efeito cominatório semipleno da revelia, em sede dos procedimentos cautelares, não opera relativamente a factos cuja prova está legalmente dependente da apresentação de documento escrito.
Certo é também que o documento n.º 11, junto com a petição inicial da Requerente da providência, não é sequer da autoria da IGAC e, portanto, nunca poderia provar que a Requerida não está registada nessa entidade pública. Sendo certo que esse escrito também não se refere diretamente a esse facto.
Em conformidade com o exposto, o facto por nós numerado como ponto 13 dos factos provados, deve ser eliminado da factualidade provada e passar a figurar como facto não provado.
Vejamos agora os restantes dois factos impugnados.
No ponto n.º 22 está em causa o facto de existir risco para a integridade física dos arrendatários e ocupantes do prédio da Requerente, e do público que se dirija ao prédio e ao “ESPAÇO” para assistir a espetáculos. E no ponto 29 ficou provado que a Requerida não oferece garantias de capacidade financeira para reparar os prejuízos que a sua atividade possa causar à Requerente, por se tratar de uma associação sem fins lucrativos e beneficiária de apoio judiciário.
Entende a Recorrente que esses factos não podem resultar da prova documental junta, nomeadamente do documento n.º 11; são conclusivos; e não podem ser dados por provados com recurso a meras presunções judiciais.
No entanto, adiante-se já, não está em causa qualquer recurso a presunções judiciais para a demonstração de qualquer destes factos, pois a sua prova decorre da circunstância de terem sido alegados na petição inicial da providência cautelar e não terem sido contestados, ou objeto de qualquer impugnação especificada oportuna. Pelo que, a sua prova decorre do efeito cominatório semipleno constante do Art. 576.º n.º 1 do C.P.C., que ficciona a sua confissão pela Requerida.
Acresce que, quaisquer desses factos podem ser afirmados como realidades efetivas, ou eventos externos suscetíveis de serem objeto de perceção, ou mais não são que meras constatações de facto, não sendo por isso, em si mesmo, conclusivos.
Finalmente, a prova desses factos, pelas razões expostas, não resulta do documento n.º 11, mas de “confissão ficta” (cfr. Art. 567.º n.º 1 ex vi” Art. 366.º n.º 5 do C.P.C.), não sendo verdade que se possa concluir desse, ou doutros documentos juntos, que se fez prova de factos contrários aos que assim foram julgados por provados.
Na verdade, o documento n.º 11 não se refere a esses factos, com a pequena exceção relativa ao segmento desse relatório, transcrito no ponto 14, onde se diz explicitamente que: «Da visita efetuada (dia 19/05/2023) constatou-se que os espaços ocupados pela Associação Cultural Sociedade …, não têm Medidas de Autoproteção aprovadas. Relativamente aos equipamentos e sistemas de segurança, existem alguns extintores mas com o prazo de validade expirada e alguma sinalética. O Espaço - salão de festas, como não tem saídas de emergência, nem iluminação de emergência, nem sinalética, nem deteção de incêndio, torna-se num perigo tanto para o público como para os artistas no caso de ocorrência dum incêndio».
Em suma, com exceção do que ficou consignado sobre o facto constante do ponto 13 (segundo a numeração por nós adotada), razões não existem para se deixar de considerar como provados os restantes factos pretendidos impugnar pela Recorrente, improcedendo assim as conclusões apresentadas em sentido diverso do exposto.
4. Do mérito da providência cautelar.
Fixada a factualidade provada nos termos supra considerados, vejamos agora da conformidade da decisão recorrida com o direito aplicável.
Recorde-se que a Requerente veio apresentar um procedimento cautelar comum pedindo a “suspensão imediata de qualquer atividade no ESPAÇO” e que fosse determinado “o corte da energia elétrica, até que a Requerida demonstre reunir as condições de segurança para a realização de eventos através da certificação do “ESPAÇO” pelo IGAC”, em particular com a “colocação de meios de prevenção de fogo ativos e passivos devidamente certificados por entidade competente e seguro de responsabilidade civil”.
A decisão recorrida não deferiu a estes pedidos, tal como formulados, tendo antes determinado à Requerida para suspender a realização de qualquer atividade no “Barracão” ou “Espaço - salão de festas”, construído no quintal do prédio sito na Rua …, nº …, cujo 1º andar lhe foi dado de arrendamento «até demonstrar reunir as condições de segurança para a realização de eventos através de certificação da IGAC».
Neste aspeto, há que ter em atenção que o Art. 376.º n.º 3 do C.P.C. estabelece que o Tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, o que constitui uma certa derrogação ao princípio do dispositivo (vide, a propósito: Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, 3.ª Ed., pág. 84). Portanto, em tese, poderia ser admissível o estabelecimento duma medida cautelar que concretamente não tivesse sido requerida pelo lesado, desde que essa medida fosse adequada à concretização da finalidade pretendida pelo Requerente da providência.
Foi isso que aconteceu no caso concreto, sendo que a Requerida, nesta parte, também não suscitou a questão em termos de haver excesso de pronúncia, mesmo sendo certo que o exercício desse poder de adequação deveria ser precedido do contraditório, nos termos do Art. 3.º n.º 3 do C.P.C. (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimentas e Pires de Sousa in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, pág. 444), o que implicava que o Tribunal devesse ter o cuidado de anunciar previamente essa possibilidade de decisão. O que, no caso, não foi observado.
Diremos assim que, não está em causa a violação do Art. 609.º n.º 1 do C.P.C., nem, por referência a ele, uma violação da al. d) do n.º 1 do Art. 615.º do C.P.C., por excesso de pronúncia relativamente ao pedido concretamente formulado pela Requerente da providência. No entanto, poderia admitir-se que foi proferida uma decisão-surpresa, ainda que a mesma se enquadrasse perfeitamente dentro do espírito e da satisfação dos interesses que estavam subjacentes à petição inicial da providência, não se podendo dizer que a decisão fosse completamente estranha ao que as partes poderiam legitimamente esperar.
Sucede que, este último apontado vício, a existir, não é de conhecimento oficioso, sendo que a Recorrente não colocou a questão da nulidade da decisão recorrida nesses termos, não parecendo, por isso, que a decisão assim tomada tenha ferido nesse sentido qualquer expectativa jurídica das partes. Pelo que, não podermos tomar conhecimento desse vício.
Quanto ao mais, a decisão compreende-se perfeitamente dentro do sentido prático mais lato do pedido e causa de pedir objeto do procedimento requerido, não podendo ser interpretada como uma decisão definitiva, mas sim como uma mera decisão provisória e com finalidade meramente cautelar.
Mais, os efeitos da decisão também estão longe de ser definitivos, porque são reversíveis, bastando para o efeito que a Requerida faça a demonstração, através da entidade pública competente (a IGAC), que reúne as condições de segurança necessárias para a realização de eventos nesse “ESPAÇO”.
Cumpre ainda referir que a Recorrente, apesar de pretender pôr em causa o julgamento sobre o mérito da sentença recorrida, a verdade é que, tirando os argumentos em que suportou a impugnação da matéria de facto, no final, nada apresenta de novo que ponha em causa a decisão recorrida. Pelo que, tendo improcedido no essencial a impugnação da decisão da matéria de facto e subsistindo toda a factualidade provada e relevada na decisão recorrida, com exceção do ponto 13, muito difícil será chegarmos à conclusão de que a decisão recorrida não deverá ser confirmada.
Em todo o caso sempre termos de dizer que, nos termos do Art. 362º n.º 1 do C.P.C., os procedimentos cautelares comuns têm como requisitos:
a) A possibilidade séria da existência de um direito segundo um juízo de probabilidade ou verosimilhança;
b) O justo e fundado receio de que outrem lhe cause lesão grave e de difícil reparação (periculum in mora) segundo um juízo de realidade ou de certeza;
c) A inexistência de providência cautelar típica que tutele a mesma situação (Art. 362º n.º 3 do C.P.C.);
d) A adequação da providência solicitada para evitar a lesão; e
e) O prejuízo resultante do decretamento da providência não exceda o dano que com ela se quer evitar.
Se os últimos 3 requisitos formais não foram, nem podem ser, postos em causa, em face da sua evidência no caso concreto, julgamos que os 2 primeiros, de natureza mais substantiva, também não, nomeadamente tendo em conta a factualidade provada.
Veja-se que, em termos muito sucintos, está demonstrado que a Requerida usa o tal “Barracão”, integrado no prédio locado, que é propriedade da Requerente, para realizar espetáculos abertos ao público em geral, não cumprindo condições técnicas e de segurança para esse efeito, existindo um risco sério e efetivo de incêndio e para a segurança de pessoa e bens, se continuar a prosseguir essa atividade sem que a autoridade competente certifique que estão a ser cumpridas as regras técnicas e de segurança impostas por lei.
Essas regras de segurança pressupõe a observância do disposto no Dec.Lei n.º 23/2014 de 14/2, nomeadamente nos Art.s 3.º n.º 1 (comunicação prévia ao IGAC, para efeitos de registo), 4.º (garantia de que se encontram reunidas as condições de segurança e ordem pública adequadas à realização de cada espetáculo, de acordo com a legislação aplicável), 12.º (adequação urbanística dos recintos aos espetáculos) e 15.º (observância das regras técnicas e de segurança, nomeadamente contra incêndios, de acordo com o Dec.Lei n.º 220/2008 de 12/11, Decreto Regulamentar n.º 34/95 de 16/12, alterado pelos Dec.Lei n.º 65/97 de 31/3 e 220/2008 de 12/11, e pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2010 de 28/12), o que está sujeito a vistoria ou inspeção periódica da IGAC.
Acresce que, não só existe um comprovado risco para o direito de propriedade da Requerente da providência (cfr. Art. 1305.º e ss. do C.C.), como a Requerida, enquanto arrendatária, não pode fazer uso imprudente da coisa locada (cfr. Art. 1038.º al. d) do C.C.).
Em suma, a decisão recorrida é conforme ao direito aplicável, sendo de elementar bom senso e adequação à situação verificada, devendo por isso ser confirmada.

V- Decisão:
Pelos fundamentos expostos, julgamos acordar na improcedência da presente apelação, mantendo-se a decisão final aqui recorrida.
- Custas pela Recorrente (Art. 527º do C.P.C.), sem prejuízo da isenção de pagamento das mesmas, por força do benefício de apoio judiciário que lhe foi deferido.

Lisboa, 7 de maio de 2024
Carlos Oliveira
Edgar Taborda Lopes
Cristina Coelho