LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário

Cavaleiro de Ferreira explicava que a livre convicção é uma conclusão livre, porque subordinada á razão e á lógica e não limitada por prescrições formais exteriores ... o julgador, em vez de se encontrar ligado por normas prefixadas e abstractas sobre a apreciação de prova, tem apenas de se subordinar à lógica, à psicologia, e às máximas da experiência [Curso de Processo Penal, Reimpressão Univ. Católica, Lisboa 1981, Tomo II, p. 298].
Querendo-se com isto dizer que, quando avalia a prova, o julgador não se limita a fazer uma simples operação voluntarista, mas exerce uma verdadeira actividade de conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), ou seja, envolve o cotejar da credibilidade que merecem os meios de prova onde, forçosamente, intervêm elementos não racionalmente explicáveis, v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova em detrimento de outro, assinalando-se que é aqui inegável o relevo do princípio legalmente consagrado da imediação.
Contudo, soma-se-lhe, ainda, as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios aspecto que já não depende substancialmente da imediação mas que se deve basear na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, da experiência e nos conhecimentos científicos [Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 27.09.2022 – disponível em www.dgsi.pt\trl.].
A liberdade de apreciação consiste na ausência de condicionamento [para além do que resulte expresso na lei], e constitui a verdadeira essência daquela que é a actividade de «julgar».

Texto Integral

Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório
Pelo Juízo Local Criminal de Loures – J3 – foi proferida Sentença que decidiu do seguinte modo:
(…)
a) condeno o arguido AA, como autor material, pela prática de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, por referência ao disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do mesmo preceito na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), no montante global de €600,00 (seiscentos e cinquenta euros).
b) condeno a sociedade arguida “...”, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 57.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, por referência ao disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do mesmo preceito e ao artigo 58.º do mesmo diploma legal na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), no montante global de €720,00 (setecentos e vinte euros);
(…)
Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [após aperfeiçoamento ordenado]:
(…)
A) No presente recurso entende-se que a fundamentação da decisão é manifestamente insuficiente e interpretada de forma inaceitável.
B) O Tribunal a quo deu os factos de 1) a 10) como provados, quando, atendendo ao auto e aos depoimentos prestados em audiência de julgamento transcritos no presente articulado, necessariamente, os factos dados têm de ser alterados, por ausência de prova quanto a tal factualidade.
C) Efetivamente, os factos do nº 3 não podem ser dados como provados uma vez que a testemunha BB subscreve o auto de noticia mas em sede de audiência e julgamento declara (...) - “Verificámos ele a sair do contentor, preumimos que foi efetuar uma ronda, porque depois do contato com ele verificámos um bastão de rondas (…) (…) vi só do auto (…)”
D) Mais referiu a testemunha BB à pergunta “(…) O Sr. CC identificou-se como estando ali a fazer esse serviço de segurança àquele espaço ou não teve conhecimento sobre isso?” respondeu “Não, não tive. (…)”
E) Ainda a mesma testemunha “(…) Não me recordo se havia algum tipo de controlo de entradas, saídas, outro tipo de registo conexo com a actividade normal de um estaleiro.
F) A instância da Digníssima Sra. Procuradora “No local tinha alguma roupa própria? Testemunha – Já não me recordo. MP- Algum cartão? Testemunha – Já não me recordo. Eu penso que não. MP – Um cartão que o identificasse como segurança do local ou o associasse a algum tipo de empresa? Testemunha – que eu me recorde não (…) MP – Para quem é que ele estava a trabalhar Testemunha – Era para a empresa de portaria e referiu o Sr. AA.”
G) Pelo exposto, resulta da prova produzida que o indivíduo que foi fiscalizado foi contratado pela arguida e que se encontrava no interior de um contentor e, em termos da experiência do senso comum o indivíduo apenas poderia olhar o que a janela do contentor lhe permitisse, e nunca o estaleiro.
H) No que concerne ao facto provado nº 4 a testemunha BB em sede de depoimento na audiência de julgamento referiu: (...) “Verificámos ele a sair do contentor, preumimos que foi efetuar uma ronda, porque depois do contato com ele verificámos um bastão de rondas (…) vi só do auto (…) Nós vimo-lo sair. Agora se portava o bastão, não lhe consigo. (…), pelo que o facto nº 5 dado como provado terá de ser dado como não provado.
I) A testemunha DD em sede de audiência de julgamento a instância da Digníssima Sra. Procuradora “No local tinha alguma roupa própria? Testemunha – Já não me recordo. MP - Algum cartão? Testemunha – Já não me recordo. Eu penso que não. MP – Um cartão que o identificasse como segurança do local ou o associasse a algum tipo de empresa? Testemunha – que eu me recorde não”
J) Por sua vez, no que aposto nos factos 6 e 7 dados como provados deverão ser retificados, sendo-lhes retirada, por falta de prova produzida a referência ao Recorrente, nunca mencionado por qualquer testemunha.
K) Em consequência, os factos infra dados como provados na sentença revidenda sob os nºs 3, 6, 7 deverão passar a ter a seguinte redação:
L) 3. Em data não concretamente apurada, mas pelo menos entre Junho de 2019 o dia 13.10.2019, o arguido AA por si em representação da sociedade arguida “...,” contratou o arguido CC com a categoria profissional de porteiro /zelador no interior das instalações do estaleiro de obras de construção do denominado “...”, sito na ..., no concelho de Loures.
M) 6. Sucede que, o arguido CC, não era à data 13.10.2019, possuidor de qualquer cartão profissional de segurança privada, uma vez que não se encontrava a trabalhar para qualquer empresa de segurança privada, como tão pouco era titular de qualquer licença ou autorização para o desempenho das funções coincidentes com as de vigilante.
N) 7. Assim como a sociedade arguida “...,” não era titular de alvará, licença ou autorização para o desempenho das funções coincidentes com as de vigilante.
O) Na sentença recorrida, deverão ser aditados aos factos não provados os factos que de seguida se transcrevem:
P) 1) Para o efeito, o arguido AA por si e em representação da sociedade arguida “...,” entregou ao arguido CC, que recebeu um «bastão de rondas», para efetivar a passagem nos vários pontos de controlo existentes no referido estaleiro.
Q) 2) Assim, na sequência do descrito em 4.º), pelo menos no dia 13.10.2019, pelas 00h25m, no exercício das funções descritas em 3.º) o arguido CC, uniformizado com a farda descrita em 4.º), com o cartão supra descrito em 4.º) aposto na camisa e envergando o respectivo bastão efectuou um número não concretamente apurado de rondas ao perímetro exterior das instalações do respectivo estaleiro vigiando-o, controlando o acesso de pessoas a tal perímetro e precavendo a ocorrência do eventual furto de materiais ou equipamentos que se encontravam no interior das referidas instalações.
R) 3) Assim o arguido AA por si e em representação da sociedade arguida “...,” sabia que o arguido CC não era à data 13.10.2019 possuidor ou titular de qualquer cartão de segurança privada, assim como sabia e estava ciente que a sociedade arguida não dispunha de licença ou autorização para exercer tal actividade.
S) 4) Não obstante, o arguido AA por si e em representação da sociedade arguida “...,” decidiu contratar como contratou o arguido CC, para o exercício das funções supra descritas, a saber, fazer rondas e vigiar o estaleiro de obras supra identificado, controlar a entrada, saída e bem assim a presença de pessoas naquele local durante o dia e a noite e ainda precaver o furto de materiais ou equipamentos que ali se encontravam no interior das referidas instalações.
T) 5) Assim o arguido AA por si e em representação da sociedade arguida “...”, agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas supra descritas eram proibidas e punidas por lei como crime.
U) Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento transcrita no presente articulado conclui-se pela existência de muitas dúvidas quanto às funções e atos do senhor CC na data em apreço fiscalizado pelos Srs. agentes da PSP e uma única certeza, que o individuo em questão não estava habilitado a fazer serviços de segurança privada, mas a verdade é que também não exercia essa atividade.
V) O princípio da livre apreciação da prova, tem como limite o princípio in dubio pro reo.
W) No caso em apreço, face à factualidade que efetivamente foi provada e à não provada, não se apuraram ao certo as funções da pessoa que, no local, foi fiscalizada, e que conforme o próprio referiu à testemunha DD, “exercia prestação de serviços de portaria para arguida ...”.
X) Na verdade, o elemento definidor da aplicação do regime legal em causa presentes autos deverá sempre ser o do conteúdo funcional concretamente demonstrado nos autos e não o de uma alegada categoria profissional, sem mais.
Y) E, no caso em apreço, dúvidas não restam de que a imputação penal feita ao Recorrente traduz-se no seguinte: gerente de sociedade comercial cujo objeto é o exercício da atividade de portaria.
Z) A qualidade de represente legal também não implica necessariamente a responsabilização criminal, antes se exigindo que, além da representação legalmente registada, ocorra de facto a atuação em representação da sociedade.
AA) Logo, o regime vigente não é de responsabilidade “direta” da sociedade, e, para que o crime seja imputado à sociedade (para que se possa validamente afirmar que “a sociedade cometeu o crime”), é necessário, pelo menos em princípio, que o representante também o seja, ou possa ser, dado que o facto e a culpa do agente físico são componentes essenciais e pressupostos da imputação da pessoa coletiva (Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, Lisboa 2009, p. 296-297).
BB) Assim é que a imputação jurídico-penal dos entes coletivos assenta numa culpa erigida através do facto e da culpa das pessoas físicas, e a responsabilidade da pessoa coletiva só existe quando a pessoa física (agente singular que detenha uma posição de liderança, ou um agente subordinado em virtude da violação de deveres de vigilância ou controlo) tenha agido (ou omitido o comportamento devido) em nome e no interesse coletivo.
CC) Por isso, a existência de um nexo de imputação do ato ilícito típico (ou facto de conexão) a um elemento da sociedade com posição de liderança na organização constitui um pressuposto essencial para a imputação do crime à pessoa coletiva e depende da "identificação funcional" do líder/autor do facto concretamente acontecido (Teresa Quintela de Brito, Fundamento da responsabilidade criminal de entes coletivos: articulação com a responsabilidade individual, Direito Penal Económico e Financeiro, Conferências do Curso Pós Graduado de Aperfeiçoamento, Coimbra, 2012, p. 205 e 206, e RPCC, Ano 20, nº 1, janeiro-março 2010, p. 41 a 71).
DD) Assim, embora não seja exigível que o agente singular seja efetivamente condenado, - artigo 11º, nº 7, do Código Penal - é necessário que, pelo menos, seja apurada a culpa das pessoas físicas que atuam em nome e no interesse da pessoa coletiva; a contrario, se a pessoa que ocupa a posição de liderança dever ser declarada sem culpa, a pessoa coletiva beneficiará também da exoneração da responsabilidade (Germano Marques da Silva Responsabilidade Penal das Pessoas Coletivas, Revista do CEJ, 1º semestre 2008, nº 8, Almedina, p. 94).
EE) A impugnação da decisão fáctica que é feita tem por finalidade o reexame de erros de procedimento ou de julgamento, erros que afetem a decisão recorrida e que o Recorrente indicou.
FF) Há necessariamente que proceder à alteração da decisão fáctica tomada na sentença revidenda, em consequência da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
GG) Impõe-se essa alteração da decisão a que o tribunal recorrido chegou, fundamentadamente, sobre a matéria de facto, cfr. o disposto no artigo 412º, nº 3, al. b), do C. P. Penal.
HH) Ou seja: o tribunal a quo decidiu ao arrepio da prova produzida, ou contra tal prova, nem deu como provado determinado facto com fundamento no depoimento de uma determinada testemunha, e, analisado tal depoimento, constata-se que a dita testemunha não pronunciou sobre tal facto, ou que, pronunciando-se, disse coisa diferente da afirmada na decisão recorrida. comumente aceite, ou seja, da lógica do “Homem médio” suposto pela ordem jurídica).
II) Pelo exposto, impugna-se, através do presente recurso a sentença recorrida, devendo a mesma ser alterada nos termos supra indicados e, em consequência, ser o Recorrente absolvido do crime s pelo qual foi condenado.
(…)
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, sem apresentar conclusões, mas requerendo a final:
(…)
Pelo exposto, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto. Vossas Excelências, mantendo a decisão recorrida, farão a costumada JUSTIÇA
(…)
***
O recurso foi admitido, com subida, forma e efeito correctos.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Proferido despacho liminar e colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.
***
Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos art.ºs 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos art.ºs 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Das disposições conjugadas dos art.ºs 368º e 369º, por remissão do art.º 424º, nº 2, ambos do mesmo Cód. Proc. Penal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (art.º 379º do citado diploma legal);
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida [art.º 412º], a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no art.º 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal.
Finalmente, as questões relativas à matéria de direito.
O arguido, nas conclusões do recurso, fixa o seguinte objecto:
- insurge-se o recorrente contra a factualidade dada como provada nos pontos 1 a 10 da sentença recorrida, a qual, na sua perspectiva, foi erradamente julgada e valorada pelo Tribunal a quo, atenta a prova produzida em julgamento que impunha, a final, a sua absolvição.
***
Fundamentação
O Tribunal recorrido fixou a matéria de facto do seguinte modo:
(…)
1. A sociedade arguida “...,” é uma sociedade comercial por quotas, com NIPC ..., com sede na ..., constituída em ........2015, que tem por objecto social a prestação de serviços de portaria, limpeza em edifícios, transporte de passageiros em veículos ligeiros até nove lugares e transporte de veículos de mercadorias em veículos até 2.500kg.
2. Desde a sua constituição em ........2015 e até à presente data, que a sociedade arguida “...,” tem como único sócio e gerente o arguido AA, funções que exerce de forma efectiva, em representação da sociedade arguida, competindo-lhe tomar todas as decisões relativas à gestão e administração da referida sociedade no que respeita a todas as questões administrativas, económicas, comerciais e bem assim as relativas à gestão e contratação de trabalhadores e definição da respectiva categoria laboral e funções atribuídas aos mesmos.
3. Em data não concretamente apurada, mas pelo menos entre Junho de 2019 o dia 13.10.2019, o arguido AA por si em representação da sociedade arguida “...,” apesar de saber que a sociedade arguida não dispunha de licença ou autorização para exercer a actividade de segurança privada, contratou o arguido CC com a categoria profissional de porteiro, para entre outras funções, fazer rondas, vigiar e controlar a entrada, a saída e bem assim a presença de pessoas e ainda precaver o furto de materiais ou equipamentos, funções de resto compreendidas no âmbito do exercício da actividade de segurança privada, no interior das instalações do estaleiro de obras de construção do denominado “...”, sito na ..., no concelho de Loures.
4. Para o efeito, o arguido AA por si e em representação da sociedade arguida “...,” entregou ao arguido CC, que recebeu um «bastão de rondas», para efetivar a passagem nos vários pontos de controlo existentes no referido estaleiro.
5. Assim, na sequência do descrito em 4.º), pelo menos no dia 13.10.2019, pelas 00h25m, no exercício das funções descritas em 3.º) o arguido CC, uniformizado com a farda descrita em 4.º), com o cartão supra descrito em 4.º) aposto na camisa e envergando o respectivo bastão efectuou um número não concretamente apurado de rondas ao perímetro exterior das instalações do respectivo estaleiro vigiando-o, controlando o acesso de pessoas a tal perímetro e precavendo a ocorrência do eventual furto de materiais ou equipamentos que se encontravam no interior das referidas instalações.
6. Sucede que, o arguido CC, não era à data 13.10.2019, possuidor de qualquer cartão profissional de segurança privada, uma vez que não se encontrava a trabalhar para qualquer empesa de segurança privada, como tão pouco era titular de qualquer licença ou autorização para o desempenho das funções coincidentes com as de vigilante, o que o arguido AA por si e em representação da sociedade arguida bem sabia.
7. Assim como a sociedade arguida “...,” não era titular de alvará, licença ou autorização para o desempenho das funções coincidentes com as de vigilante, o que o arguido AA por si e em representação da sociedade arguida bem sabia.
8. Assim o arguido AA por si e em representação da sociedade arguida “...,” sabia que o arguido CC não era à data 13.10.2019 possuidor ou titular de qualquer cartão de segurança privada, assim como sabia e estava ciente que a sociedade arguida não dispunha de licença ou autorização para exercer tal actividade.
9. Não obstante, o arguido AA por si e em representação da sociedade arguida “...,” decidiu contratar como contratou o arguido CC, para o exercício das funções supra descritas, a saber, fazer rondas e vigiar o estaleiro de obras supra identificado, controlar a entrada, saída e bem assim a presença de pessoas naquele local durante o dia e a noite e ainda precaver o furto de materiais ou equipamentos que ali se encontravam no interior das referidas instalações.
10. Assim o arguido AA por si e em representação da sociedade arguida “...”, agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas supra descritas eram proibidas e punidas por lei como crime.
Provou-se ainda que:
11. A sociedade arguida tem antecedentes criminais tendo sido já condenada:
a) por sentença transitada em julgado a ........2021, pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €8,00;
12. O arguido EE tem antecedentes criminais, tendo sido já condenado:
a) por sentença transitada em julgado a ........2009, pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período;
b) por sentença transitada em julgado a ........2012, pela prática do crime de roubo, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período;
c) por sentença transitada em julgado a ........2020, pela prática do crime de detenção de arma proibida, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de €5,50
d) por sentença transitada em julgado a ........2022, pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €6,00;
e) por sentença transitada em julgado a ........2021, pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €8,00;
b) Factos Não Provados:
a) O arguido CC recebeu uma farda composta por calças e camisa pertencente à sociedade arguida a “...,” e um cartão com os seguintes dizeres “...” e “porteiro”.
(…)
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto do seguinte modo:
(…)
A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção do Juiz, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. No entanto, não se confunde esta, de modo algum, com apreciação arbitrária de prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova.
É, pois, dentro dos pressupostos valorativos da obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, suposto pela ordem jurídica, que o julgador se deve colocar ao apreciar livremente a prova, reflectindo sobre os factos, utilizando a sua capacidade de raciocínio, a sua compreensão das coisas, o seu saber de experiência feito.
É a partir desses factores que se estabelece, realmente, uma tarefa (ainda que árdua) que se desempenha de acordo com o dever de prosseguir a verdade material.
Assim, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, é nosso dever, para além da enumeração dos factos provados e não provados e a indicação das provas que serviram para formar a nossa convicção, fazer uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão sobre esta matéria, impondo-se ao tribunal, sob pena de incorrer em nulidade (cfr. alínea a) do artigo 379.º do Código de Processo Penal), o dever de explicar porque decidiu de um modo e não de outro.
Os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduzem à formação da convicção do tribunal em determinado sentido e não noutro, devem ser revelados aos destinatários da decisão que são, não apenas os sujeitos processuais, mas também a própria sociedade, o conjunto dos cidadãos.
O Tribunal tem de esclarecer porque é que valorou de determinada forma e não de outra os diversos meios de prova carreados para a audiência de julgamento.
Uma vez que só assim se permite aos sujeitos processuais e ao Tribunal Superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe, inequivocamente, o artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Deve, assim, a decisão sobre a matéria de facto assegurar pelo conteúdo um respeito efectivo pelo Princípio da Legalidade, pela independência e imparcialidade dos juízes.
Será à luz deste exacto sentido e alcance da Lei, que o Tribunal procedeu à apreciação das provas constantes dos autos e examinadas em audiência, afinal, as únicas que podem valer para a formação da convicção do tribunal, nos precisos termos do n.º 1 do artigo 355.º do Código de Processo Penal.
Os factos provados de 1. a 10., resultou da valoração concedida pelo Tribunal aos depoimentos das testemunhas BB e DD, em conjugação com o auto de notícia por detenção de fls. 2v, o print da consulta do SIGESP, verificando a ausência de cartão de vigilante de CC cf. fls. 16, print da consulta do SIGESP, verificando a ausência de alvará da sociedade arguida, para o exercício da actividade de segurança privada cf. fls. 17, fotograma do bastão de ronda e respectivo ponto de controlo cf. fls. 25, fotogramas do local da obra cf. fls. 24, fotogramas da publicidade respeitante aos serviços prestados pela sociedade arguida cf. fls. 9 a 11, fotograma do horário de trabalho da obra, cf. fls. 13, fotograma do guia de prestação de serviços cf. fls. 12, fotograma do recibo de prestação de serviços cf. fls. 8 e, ainda, mediante o recurso ás regras de experiência comum.
Senão vejamos:
A testemunha BB, agente da PSP, de forma isenta e credível, referiu que pertencia ás brigadas de segurança privada e iam aos locais para verificar se as pessoas estavam a fazer serviço de portaria ou se segurança privada. Que foram mais do que uma vez ao estaleiro de obras de construção do ... no ... fazer vigilância ao espaço e ás movimentações existentes no local, sendo que das vezes que lá foram verificaram que não existia actividade de portaria.
Referiu que no dia 13.10.2019, cerca das 00h25 viram o senhor a sair do contentor e foi fazer uma ronda. Esclareceu que após terem abordado o Senhor CC ao mesmo foi-lhe apreendido um bastão de rondas, sendo que o mesmo confirmou trabalhar para a sociedade arguida a recibos verdes.
Confirmou que de todas as vezes que lá foram não visualizaram nada conexo com o exercício de portaria, mas sim de exercício ilícito de segurança privada.
Mais adiantou que apenas o senhor CC se encontrava no local e este não tinha cartão de segurança privada, sendo que após consulta na base de dados, apuraram que, efectivamente, o senhor CC não estava habilitado para o exercício de segurança privada.
A testemunha confrontada com o teor de fls. 15 confirmou tratar-se do bastão de rondas que apreenderam ao senhor CC.
Igualmente confrontado com o teor do auto de notícia de fls. 2 e 3, que elaborou e subscreveu, a testemunha confirmou na íntegra o seu teor.
A testemunha DD, agente da PSP, de forma muito isenta referiu que no dia 13.10.2019, cerca da meia noite deslocou-se ao local dos factos e estiveram foram do estaleiro a verificar as movimentações, sendo que verificou o senhor CC sempre muito atento a tudo o que se passava em torno do estaleiro (alerta aos sons e quando os carros passavam), como se estivesse a prevenir a ocorrência de furtos e a entrada de pessoas no estaleiro, visto que este se encontrava encerrado àquela hora.
Mais mencionou que após abordarem o senhor CC pelo mesmo foi-lhes entregue um bastão de rondas, que o mesmo disse que usava quando fazia as rondas.
Relatou que o senhor CC se queixou de estar a trabalhar muitas horas, sem folgas, tendo apresentado um recibo de vencimento.
Por fim, e com interesse, mais referiu que o senhor CC não tinha cartão de segurança privada e que consultaram o sistema e verificaram que o mesmo não estava habilitado para serviços de segurança privada.
Pois bem, da conjugação de toda a prova testemunhal e documental junta aos autos o Tribunal não ficou com margem para quaisquer dúvidas de que o senhor CC se encontrava na porta do estaleiro a exercer funções de segurança privada e não de porteiro.
Na verdade, as testemunhas foram unânimes em referir que o senhor CC se encontrava no local a exercer funções de segurança privada e não de porteiro. Por outro lado, as testemunhas visualizaram o senhor CC a fazer uma ronda, sendo certo que após a abordagem ao senhor, foi-lhe apreendido um bastão de rondas, que o mesmo confirmou usar para fazer rondas.
Confrontado o fotograma de fls. 15, visualiza-se o bastão de rondas apreendido, sendo certo que no local existiam pontos de controlo onde deveria ser passado o bastão de ronda.
Mais se saliente que o horário de trabalho do estaleiro esta bem visível do fotograma de fls. 13, sendo o horário de funcionamento do estabelecimento era até às 20h, pelo que à 00h25 o senhor CC apenas poderia estar a exercer serviços de segurança privada, visto que a essa hora era de todo impossível exercer serviços de portaria, pois não existia quaisquer entradas e saídas para controlar pois o estaleiro já estava encerrado.
Por outro lado, do fotograma de fls. 12 verifica-se que o senhor CC era um dos “zeladores” que a sociedade arguida tinha registados. Ora, se conciliarmos esse facto, com a página online da sociedade arguida com publicidade da mesma (vide prints de fls. 9 a 11), constatamos que da mesma consta a seguinte frase “presença do zelador, mesmo que não seja do tipo atlético, inibe o ladrão” (vide fls. 12). Ou seja, como facilmente se constata, os zeladores tinham como funções prevenir furtos, sendo que isso não são funções de porteiro, mas antes sim de segurança privada.
Saliente-se igualmente que se atentarmos na página online da sociedade arguida com publicidade da mesma (vide prints de fls. 9 a 11), os serviços nela descritos, como sendo levados a cabo pela sociedade arguida, facilmente se confundem com uma empresa de segurança privada titulada de alvará.
Refira-se também que do fotograma de fls. 8 (recibo de prestação de serviços), do mesmo não consta a menção de serviços de portaria.
Por fim, mais se refira que do print da consulta do SIGESP, verificando a ausência de cartão de vigilante de CC de fls. 16 e do print da consulta do SIGESP, verificando a ausência de alvará da sociedade arguida, para o exercício da actividade de segurança privada de fls. 17, dúvidas não restaram que o Senhor CC e a sociedade arguida não podiam exercer serviços de actividade de segurança privada, pois para tal não estavam habilitados.
Em face de todo o exposto, dúvidas não restaram ao Tribunal em dar os factos de 1) a 10) como provados.
Cumpre, ainda, salientar que os factos provados e relativos ao dolo, porquanto insusceptíveis de prova directa, decorrem dos factos objectivos provados, o que, considerando as regras da experiência comum e através de presunções naturais, permite de forma segura inferir tais conclusões.
No que tange à demonstração dos antecedentes criminais dos arguidos, evidenciada em 11. e 12., tomou-se em atenção os seus Certificados de Registo Criminal juntos aos autos.
No que concerne aos factos não provados, fundou-se na ausência de prova quanto a tal factualidade, uma vez que não foram confirmados por quaisquer das testemunhas inquiridas em julgamento, pelo que nada mais restava ao Tribunal senão dar os factos descritos em a) como não provados.
(…)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão do arguido recorrente.
Comecemos por atender aos elementos relevantes resultantes do processo.
O arguido vem condenado pela prática de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, previsto e punido pelo art.º 57º, nº 4 da Lei nº 34/2013 de 16.05, por referência ao disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do mesmo preceito legal.
Crime esse que, de acordo com a norma de previsão, se estrutura do seguinte modo:

Artigo 57º - Exercício ilícito da atividade de segurança privada



1 - O exercício da atividade de segurança privada sem alvará, ou a adoção de medidas de autoproteção previstas nas alíneas a), b), d) e e) do n.º 1 do artigo 3.º sem a respetiva licença são punidos com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - Quem exercer funções de segurança privado não sendo titular de cartão profissional é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
3 - A pena prevista no número anterior é aplicável a quem exercer funções de segurança privado sem vínculo laboral a entidade devidamente habilitada ao exercício da atividade, ou quando o mesmo se encontre suspenso.
4 - A pena prevista no n.º 2 é aplicável a quem utilizar os serviços da pessoa referida nos números anteriores, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará ou que as funções de segurança privado são exercidas por quem não é titular de cartão profissional ou que o mesmo se encontra suspenso.
5 - Quem praticar atos previstos no n.º 1 do artigo 5.º é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
6 - Quem praticar atos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 5.º é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
7 - A pena prevista no número anterior é aplicável a quem realizar revistas de prevenção e segurança intrusivas em violação das condições previstas no artigo 19.º


O Tribunal a quo entendeu dar como provados os factos que inscrevem a prática desse ilícito, conforme consta da matéria provada.
O arguido diz que pretende a reapreciação da matéria de facto que impugna quando, no entanto, como diz o Ministério Público da primeira instância, se limita a aduzir argumentos de discordância relativamente à forma como foi apreciada a prova, sem apresentar as alternativas de valorização. De facto, ao dizer que, simplesmente, o arguido deve ser absolvido porque foi mal julgada a causa, está apenas a dizer que os factos não se provam e, como tal, deve absolver-se o arguido. Não está a impugnar nos anunciados termos do art.º 412º do Cód. Proc. Penal.
Como bem refere o Ministério Público em primeira instância:
(…)
O tribunal de recurso apenas pode modificar a matéria de facto quando, nos termos do artigo 431º, do Código de Processo Penal, se verifiquem os seguintes requisitos: “ a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou c) Se tiver havido renovação de prova.”.
A situação mais comum de impugnação da matéria de facto é a que respeita à alínea b) do artigo 431º do Código de Processo Penal, a qual pretendeu a recorrente utilizar para impugnar a matéria de facto.
A alínea b) do artigo 431º, Código de Processo Penal, conjugada com o artigo 412.º, n.º 3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devam ser renovadas.”
O n.º 4 deste artigo 412º, do citado diploma legal, acrescenta que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação”.
(…)
Já a discordância, ou divergência, assenta na adução de argumentos que inviabilizem a conclusão que se combate, por considerá-la desconforme com o processo de avaliação a fazer da prova.
E é isto que o arguido vem fazer.
Atento o que acaba de dizer-se – e muito embora o arguido, mesmo nas conclusões aperfeiçoadas, tal como foi ordenado, não venha localizar as passagens que cita dos depoimentos com o registo fonográfico dos mesmos – impõe-se apreciar, então, se o Tribunal a quo decidiu ao arrepio do que a prova consentia, uma vez que a divergência, como se sabe, apenas é relevante quando em causa não esteja o princípio da livre convicção (art.º 127º do Cód. Proc. Penal).
Figueiredo Dias1 ensina que a apreciação da prova é na verdade discricionária, tem evidentemente como toda a discricionalidade jurídica os seus limites que não podem ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios de objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo, (…) e não a pura convicção subjectiva (...) se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão ... a convicção do juiz há-de ser em todo o caso uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros ... em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.
E Cavaleiro de Ferreira2 explicava que a livre convicção é uma conclusão livre, porque subordinada á razão e á lógica e não limitada por prescrições formais exteriores ... o julgador, em vez de se encontrar ligado por normas prefixadas e abstractas sobre a apreciação de prova, tem apenas de se subordinar à lógica, à psicologia, e às máximas da experiência.
Querendo-se com isto dizer que, quando avalia a prova, o julgador não se limita a fazer uma simples operação voluntarista, mas exerce uma verdadeira actividade de conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), ou seja, envolve o cotejar da credibilidade que merecem os meios de prova onde, forçosamente, intervêm elementos não racionalmente explicáveis, v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova em detrimento de outro, assinalando-se que é aqui inegável o relevo do princípio legalmente consagrado da imediação.
Contudo, soma-se-lhe, ainda, as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios aspecto que já não depende substancialmente da imediação mas que se deve basear na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, da experiência e nos conhecimentos científicos3.
Esta avaliação, como se percebe com alguma facilidade, constitui uma percepção do julgador, tanto mais próxima da realidade que avalia [a prova] quanto beneficie, ou não, da imediação nessa avaliação.
Assim, o juiz é livre na apreciação da prova que faz, como regra, tal como dispõe o citado normativo.
Quais são, pois, as condicionantes ou excepções?
Entre o mais, a prova com valor tabelado, que impõe ao juiz acrescida fundamentação e adicional esforço probatório para que a possa afastar, como acontece com as perícias.
No entanto, ao contrário do que a ignorância mais ou menos generalizada vem propalando, demonstrando com isso apenas a circunstância de ser ignorância, toda a decisão penal assenta em convicção. Na convicção de que os factos aconteceram de um modo e não de outro, de que nem aconteceram ou, ainda, na convicção de que a prova não esclareceu o suficiente para um lado ou para outro. Em tudo se decide com convicção, e nem podia ser de outro modo.
Ao contrário do que a dita ignorância presume [a ignorância atrevida, como caricaturava Jean de La Bruyére]4, toda a decisão judiciária é uma decisão de convicção. Como não poderia deixar de ser.
E a ser assim, como de facto é, impõe-se concluir que o arguido se limita, na sua peça recursiva, a divergir quanto à convicção de prova formada pelo julgador, resumidamente, defendendo que deve ela ser substituída pela sua.
Analisando.
Na decisão recorrida diz-se5, concreta e directamente sobre este contexto, que:
(…)
Os factos provados de 1. a 10., resultou da valoração concedida pelo Tribunal aos depoimentos das testemunhas BB e DD, em conjugação com o auto de notícia por detenção de fls. 2v, o print da consulta do SIGESP, verificando a ausência de cartão de vigilante de CC cf. fls. 16, print da consulta do SIGESP, verificando a ausência de alvará da sociedade arguida, para o exercício da actividade de segurança privada cf. fls. 17, fotograma do bastão de ronda e respectivo ponto de controlo cf. fls. 25, fotogramas do local da obra cf. fls. 24, fotogramas da publicidade respeitante aos serviços prestados pela sociedade arguida cf. fls. 9 a 11, fotograma do horário de trabalho da obra, cf. fls. 13, fotograma do guia de prestação de serviços cf. fls. 12, fotograma do recibo de prestação de serviços cf. fls. 8 e, ainda, mediante o recurso ás regras de experiência comum.
Senão vejamos:
A testemunha BB, agente da PSP, de forma isenta e credível, referiu que pertencia ás brigadas de segurança privada e iam aos locais para verificar se as pessoas estavam a fazer serviço de portaria ou se segurança privada. Que foram mais do que uma vez ao estaleiro de obras de construção do ... no ... fazer vigilância ao espaço e ás movimentações existentes no local, sendo que das vezes que lá foram verificaram que não existia actividade de portaria.
Referiu que no dia 13.10.2019, cerca das 00h25 viram o senhor a sair do contentor e foi fazer uma ronda. Esclareceu que após terem abordado o Senhor CC ao mesmo foi-lhe apreendido um bastão de rondas, sendo que o mesmo confirmou trabalhar para a sociedade arguida a recibos verdes.
Confirmou que de todas as vezes que lá foram não visualizaram nada conexo com o exercício de portaria, mas sim de exercício ilícito de segurança privada.
Mais adiantou que apenas o senhor CC se encontrava no local e este não tinha cartão de segurança privada, sendo que após consulta na base de dados, apuraram que, efectivamente, o senhor CC não estava habilitado para o exercício de segurança privada.
A testemunha confrontada com o teor de fls. 15 confirmou tratar-se do bastão de rondas que apreenderam ao senhor CC.
Igualmente confrontado com o teor do auto de notícia de fls. 2 e 3, que elaborou e subscreveu, a testemunha confirmou na íntegra o seu teor.
A testemunha DD, agente da PSP, de forma muito isenta referiu que no dia 13.10.2019, cerca da meia noite deslocou-se ao local dos factos e estiveram foram do estaleiro a verificar as movimentações, sendo que verificou o senhor CC sempre muito atento a tudo o que se passava em torno do estaleiro (alerta aos sons e quando os carros passavam), como se estivesse a prevenir a ocorrência de furtos e a entrada de pessoas no estaleiro, visto que este se encontrava encerrado àquela hora.
Mais mencionou que após abordarem o senhor CC pelo mesmo foi-lhes entregue um bastão de rondas, que o mesmo disse que usava quando fazia as rondas.
Relatou que o senhor CC se queixou de estar a trabalhar muitas horas, sem folgas, tendo apresentado um recibo de vencimento.
Por fim, e com interesse, mais referiu que o senhor CC não tinha cartão de segurança privada e que consultaram o sistema e verificaram que o mesmo não estava habilitado para serviços de segurança privada.
Pois bem, da conjugação de toda a prova testemunhal e documental junta aos autos o Tribunal não ficou com margem para quaisquer dúvidas de que o senhor CC se encontrava na porta do estaleiro a exercer funções de segurança privada e não de porteiro.
Na verdade, as testemunhas foram unânimes em referir que o senhor CC se encontrava no local a exercer funções de segurança privada e não de porteiro. Por outro lado, as testemunhas visualizaram o senhor CC a fazer uma ronda, sendo certo que após a abordagem ao senhor, foi-lhe apreendido um bastão de rondas, que o mesmo confirmou usar para fazer rondas.
Confrontado o fotograma de fls. 15, visualiza-se o bastão de rondas apreendido, sendo certo que no local existiam pontos de controlo onde deveria ser passado o bastão de ronda.
Mais se saliente que o horário de trabalho do estaleiro esta bem visível do fotograma de fls. 13, sendo o horário de funcionamento do estabelecimento era até às 20h, pelo que à 00h25 o senhor CC apenas poderia estar a exercer serviços de segurança privada, visto que a essa hora era de todo impossível exercer serviços de portaria, pois não existia quaisquer entradas e saídas para controlar pois o estaleiro já estava encerrado.
Por outro lado, do fotograma de fls. 12 verifica-se que o senhor CC era um dos “zeladores” que a sociedade arguida tinha registados. Ora, se conciliarmos esse facto, com a página online da sociedade arguida com publicidade da mesma (vide prints de fls. 9 a 11), constatamos que da mesma consta a seguinte frase “presença do zelador, mesmo que não seja do tipo atlético, inibe o ladrão” (vide fls. 12). Ou seja, como facilmente se constata, os zeladores tinham como funções prevenir furtos, sendo que isso não são funções de porteiro, mas antes sim de segurança privada.
Saliente-se igualmente que se atentarmos na página online da sociedade arguida com publicidade da mesma (vide prints de fls. 9 a 11), os serviços nela descritos, como sendo levados a cabo pela sociedade arguida, facilmente se confundem com uma empresa de segurança privada titulada de alvará.
Refira-se também que do fotograma de fls. 8 (recibo de prestação de serviços), do mesmo não consta a menção de serviços de portaria.
Por fim, mais se refira que do print da consulta do SIGESP, verificando a ausência de cartão de vigilante de CC de fls. 16 e do print da consulta do SIGESP, verificando a ausência de alvará da sociedade arguida, para o exercício da actividade de segurança privada de fls. 17, dúvidas não restaram que o Senhor CC e a sociedade arguida não podiam exercer serviços de actividade de segurança privada, pois para tal não estavam habilitados.
Em face de todo o exposto, dúvidas não restaram ao Tribunal em dar os factos de 1) a 10) como provados.
Cumpre, ainda, salientar que os factos provados e relativos ao dolo, porquanto insusceptíveis de prova directa, decorrem dos factos objectivos provados, o que, considerando as regras da experiência comum e através de presunções naturais, permite de forma segura inferir tais conclusões.
(…)
Ora, a esta fundamentação que se mostra cuidada, lógica e minuciosa, o arguido vem contrapor o que a testemunha BB deixou consignado no auto de notícia, atento a que, como aí mesmo refere a testemunha, a lembrança à data do julgamento não é já integral.
No entanto, tal como refere o Tribunal a quo, o depoimento da testemunha é claro, dizendo que a pessoa que ali estava mantinha uma postura de atenção e vigilância, sendo que a empresa já não estava em horário de trabalho e actividade, pelo que já não havia porque estar de porteiro que, como o próprio nome indica, é a pessoa que está na porta a exercer as funções de abertura e fecho da mesma, fundamentalmente.
Até aqui, como se percebe, nada do que o arguido diz contraria a ponderação feita pelo Tribunal a quo.
Mas seguimos.
E diz o arguido:
(…)
j) Certamente uma pessoa sozinha num contentor, perto da meia noite, se, se dá conta de um carro a parar, pelas regras da experiência comum, deverá ficar atento quanto mais não seja pela sua própria segurança.
k) Mais se refere que, pelas regras da experiência comum, em caso de exercício da actividade de segurança privada, ao tomar consciência de carros a parar, o indivíduo nunca se manteria dentro de um contentor, a olhar pela janela existente, não tendo visão do que acontecia ao seu redor.
(…)
Como se percebe daqui, ao contrário do que afirma, é o arguido quem conclui daquele depoimento mais do que ele consente. Presume e conclui.
Presume uma coisa que não pode presumir porque o depoimento afirma o contrário [a polícia fazia vigilância ao espaço e movimentações que ali aconteciam, estando o indivíduo sempre numa postura vigilante] e conclui o que ali não se diz, ou seja, que o indivíduo, estando sempre dentro do contentor, não estava a vigiar nada.
Logo por aqui se vê que o arguido, o que pretende concretamente é contrariar a convicção formada pelo Tribunal a quo, que a assentou em elementos de prova objectivos, contrapondo-lhes presunções e conclusões que não decorrem dos factos presenciados pela testemunha, mas daquilo que o próprio arguido acha que a testemunha devia ter dito.
Adiante, ainda, dizendo o arguido:
(…)
l) Refere ainda a testemunha no auto de notícia a fls: “O suspeito efetuava vigilância a todo o perímetro das instalações, com o intuito e finalidade exclusiva de precaver que nenhum intruso acedia ao interior das instalações, para efetuar furto de material ou praticar outros crimes em relação ao objeto da sua proteção. Pelos factos ora descritos e inequivocamente verificados, nomeadamente, vigiar, controlar a entrada, presença e saídas, proteger bens em locais de acesso vedado ou condicionado ao público, (…)”
m) E, em sede de depoimento na audiência de julgamento a referida testemunha refere:
(...)
Testemunha - “Verificámos ele a sair do contentor, presumimos que foi efetuar uma ronda, porque depois do contato com ele verificámos um bastão de rondas (…) (…) vi só do auto (…)”
(…)
MP - O Sr. CC identificou-se como estando ali a fazer esse serviço de segurança àquele espaço ou não teve conhecimento sobre isso?
Testemunha – Não, não tive.
MP - Também falou do bastão de rondas?
Testemunha- O bastão de rondas, são colocados vários pontos ao longo de um perímetro e o bastão de rondas é usado para depois de picar todos esses pontos com significado, com o elemento ali, a um tempo previamente definido, efetua a ronda ao espaço.
MP - (…) no mesmo dia, horário, local estava mais alguém? se só o sr. CC?
Testemunha- Não. Só falámos com o Sr. CC por aquilo que nos apercebemos porque não fomos fazer uma ronda ao perímetro, se só ele estava àquela hora, naquele local.
Advogada da ... – Aquela portaria, daquela obra, tinha alguma indicação que trabalharia 24 horas ou poderia haver entrada e saída de veículos durante o dia todo?
Testemunha – Não lhe sei precisar. Sei que o horário, penso que foi junto ao processo, o horário de funcionamento do estaleiro (…) àquela hora não estava ninguém em funcionamento ou pelo menos não deveria estar (…) Não lhe sei responder.
Advogada – Relativamente aqui ao bastão que falou, vocês em algum momento das vigilâncias que fizeram ao local viram alguém sair com o bastão e fazer as rondas? Aquela pessoa em si?
Testemunha- Nós vimo-la sair. Agora se portava o bastão, não lhe consigo. Sei que quando depois o contactámos e identificámos e nos dirigimos ao interior, o bastão estava de facto no interior do contentor”
(…)
E o mesmo se diga dos restantes depoimentos de onde pretende o arguido tirar o inverso do que eles afirmam.
Também a testemunha DD disse o mesmo. Ao remeter para o auto de notícia e ao afirmar que o tempo decorrido terá poderá ter causado erosão da memória.
Descreveu a vigilância que fizeram, a abordagem a quem lá estava como segurança e até diz que o mesmo foi logo muito sincero e disse o que lá estava a fazer.
Ora, também esta testemunha, ouvidas as declarações, vem dizer exactamente o que o Tribunal a quo consignou na fundamentação.
O Tribunal não diz que o indivíduo estava com o bastão quando abordado pela polícia, diz que lhe foi apreendido, o que não contraria o facto de ser essa a única pessoa que ali estava, com acesso e dentro do contentor onde estava o bastão que depois entregou à polícia.
Sem contradições e com muita clareza.
Com a conjugação destas declarações com a restante prova, como ali se mencionou.
E também não se encontra qualquer contradição entre declarações das testemunhas e autos juntos ao processo, nem com qualquer outro elemento de prova.
De facto, as próprias testemunhas começam por dizer que já passou tempo e a memória pode não ser integral e acrescentam, adiante, que confirmam o que documentado ficou pelo próprio no processo.
Dando-se até a circunstância de o auto ser particularmente detalhado (fls. 2 e 3).
Para além disto, destas transcrições que o arguido traz a recurso nas partes que entende demonstrarem o que pretende, extrai-se precisamente aquilo que delas retirou o Tribunal a quo, que citou os referidos depoimentos e os resumiu no acórdão, sem alterar ou falsificar o respectivo teor.
Ademais, como diz o Tribunal a quo, estando o horário de exercício de actividade fixado (fls. 13) e sendo a fiscalização posterior a esse período (fls. 2), é obvio que o serviço não podia ser de portaria, a menos que se esperasse um transporte de material para o local excepcionalmente, circunstância que também teria de ser documentada.
Não sendo de portaria a actividade que ali se desenvolvia naquele contexto temporal, até porque a porta já não estava a laborar, descrita como foi a circunstância, outra solução que não seja a do exercício de vigilância [que a documentação junta a fls. 8 e seguintes até confirma6] constitui, para dizermos o menos, uma contradição com a prova produzida em julgamento. Ou seja, da prova produzida e documentada não pode retirar-se outra conclusão senão a que o Tribunal recorrido retirou.
Aliás, numa circunstância em que, fechada a empresa, a portaria não está em funcionamento, uma pessoa com postura vigilante, que dispõe de um contentor onde fica fora daquele período, na posse de um bastão de ronda, com registos próprios, estaria no local a fazer o quê exactamente? Não levou consigo o bastão quando foi falar com a polícia? E então, era suposto que defendesse a empresa da autoridade policial? Foi a empresa ameaçada pelos polícias? Se não, ia de bastão, que aliás sabia que não podia usar, fazer o quê? Mostrar o mesmo à polícia?
Se o que distingue as pessoas dos animais é a intercorrência das chamadas sinapses cerebrais que permite discernir e inteligir sobre as coisas, pergunta-se: que conclusão de prova quereria o arguido retirar do que se passou em julgamento?
Por um lado, fica a satisfação de o recorrente não ter concretizado a resposta a esta pergunta, já que, como se disse antes, limita-se a discordar das conclusões que o Tribunal a quo retira da prova.
Por outro lado, fica a certeza de que, verificada sem dúvida a prova da factualidade que integra a prática do referido crime pelo qual o arguido, aliás, foi só condenado numa pena de multa, e que [atenta a moldura prevista, oscila de 10 a 480 dias] o Tribunal a quo situou no terço inferior daquela moldura abstracta a uma razão diária de 5€, que é o mínimo legal, nada tinha do que recorrer o arguido, pois que a decisão não viola qualquer regra normativa quanto à prova ou sua apreciação e foi, não há como evitar dizê-lo, até [objectivamente] benevolente. Certamente, porque atendeu aos demais factores que ali se enumeram (art.º 71º do Cód. Proc. Penal) e que, mais uma vez, ponderou de forma criteriosa e adequada.
Do que se diz logo se extrai também que o arguido, ao pugnar pela não prova dos factos 6 e 7 terá laborado num lapso, até porque se há coisa que a prova junta aos autos demonstra é logo a evidência de tal factualidade. Parte dela verificada imediatamente no local pela polícia quando ali se deslocou e a outra, como refere a decisão recorrida, resultando directamente do que se documentou no processo.
Ao invés, os factos cuja redacção propõe o arguido não fazem qualquer sentido, não decorrendo sequer da prova realizada parte desse conteúdo e o restante resultando já da decisão.
De facto, o que o Tribunal a quo deu como provado em 3 corresponde exactamente ao que se extrai da prova produzida em julgamento. E não o que o arguido ficciona no recurso que devia ter sido dado como provado.
Tudo o que se disse antes é demonstrativo disso, tal como os documentos a que o Tribunal a quo faz referência pormenorizada na decisão.
Correspondentemente se extraindo do supra exposto que, em nenhuma circunstância, a prova consente que se tenha como não provada, como pretende o arguido, a factualidade que diz dever transitar de provada para não provada.
Pretender o arguido que passe a não provada a matéria de facto relativa à sua autoria dos factos, que é o responsável da empresa e o decisor, por si e em nome dela, ou a matéria relativa ao conhecimento que tinha de ter sobre as proibições legais, ou o dolo, é o mesmo que dizer para se esquecer a prova e se decidir de acordo com a sua vontade, apenas porque sim.
O arguido é empresário, de um ramo de actividade até exigente, que sabe muito bem as exigências legais a que está sujeita a actividade de portaria e a actividade de segurança, que sabe muito bem como publicitar a segunda com a aparência de primeira, para com isso contornar as limitações legais, estando em todo este processo com perfeita e esclarecida consciência.
De tudo isto estava ciente o arguido, continuando, como tal, sem razão quando pretende, no recurso interposto, contrariar a conclusão de que os elementos típicos do crime estão todos verificados, como, aliás, é evidente.
Sabe o que é necessário para o exercício de qualquer daquelas actividades, sabe que não pode exercer uma delas, sabe como publicitar a que pode exercer de forma a deixar insinuado como exerce também a que não pode exercer de facto, sem que, no entanto, isso fique absolutamente claro, bastando para isso ver-se o que se deixa na nota de pé de página 6 e que pode ser replicado relativamente a quase todas as páginas do documentação que se juntou.
Se há consciência evidente, é esta que se prova.
A certidão da empresa consta de fls. 75 e 164.
Daí resulta o objecto social que condiz formalmente com o que o arguido afirma, tendo a sociedade um gerente que é o arguido, titular da respectiva quota e que obriga sozinho a sociedade.
Tendo em conta que o objecto exercido era, como resulta provado, também a prestação de serviços de segurança, quem contratou, fiscalizou, decidiu e ordenou foi sempre o arguido. Aliás, como resulta da prova conjugada com as regras de experiência e normalidade, sem que isto seja contrariado por qualquer elemento que possa ser ponderado.
Nem se percebe como vem o arguido dizer que ser representante legal não implica necessariamente responsabilidade penal. Isso, que é uma evidência, não está sequer aqui em causa, porque nada permite concluir, pelo contrário, que os actos não foram praticados pelo arguido. Aliás, é o próprio arguido que vem confirmar isso mesmo na redacção que propõe para o facto 3) e que já se disse não proceder, embora não quanto à contratação feita pelo próprio, aliás, como se provou efectivamente em 2) e 3) pela forma como a decisão recorrida entendeu fazê-lo.
O demais que alega são considerações sobre direito, que não está aqui em causa além do que acima já se deixou dito quanto à tipicidade e preenchimento do tipo, pelo que nenhuma resposta aqui suscita.
Bem assim quanto à responsabilidade da sociedade, já que o recurso vem interposto pelo arguido, em nome próprio, ficando isso perfeitamente claro na interposição e alegações iniciais.
Em face de todo o exposto, importa concluir pela total improcedência do recurso.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente não provido o recurso interposto por AA, confirmando-se e mantendo-se a decisão do Tribunal a quo.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s e demais encargos legais.

Lisboa, 08 de Maio de 2024
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO
Hermengarda do Valle-Frias
Ana Paramés
Alfredo Costa
_______________________________________________________
1. Direito Processual Penal, Coimbra ed. 2004, p. 202.
2. Curso de Processo Penal, Reimpressão Univ. Católica, Lisboa 1981, Tomo II, p. 298.
3. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 27.09.2022 – disponível em www.dgsi.pt\trl..
4. Les Caractères ou Les moeurs de ce siècle – ed. Emmanuel Bury, Livro I, 1976 – [tradução livre da signatária] - «É a ignorância profunda que inspira o tom dogmático. Aquele que nada sabe pensa ensinar aos outros o que acaba de aprender; aquele que sabe muito mal compreende que o que diz possa ser ignorado, e fala com maior indiferença. As maiores coisas só precisam de ser ditas de forma simples; elas estragam-se quando enfatizadas: é preciso dizer de forma nobre as coisas simples; elas sustentam-se só pela expressão, pelo tom e pela sua maneira»
5. O destaque é nosso.
6. Com a habilidade própria de quem tem consciência de que pode tanger os limites da legalidade, a documentação refere «actividade de portaria primium (…) onde não há necessidade ou exigência legal de segurança armada», e a prestação de «serviços de protecção» da empresa que são exercidos por pessoas treinadas «para seguirem rotinas rígidas quando o assunto é segurança», entre o muito mais que da documentação “…” se fez constar.