DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO
VALORAÇÃO
Sumário

I. Nos termos do disposto pelo art.º 125º do Cód. Proc. Penal, são admitidas para formação da convicção do julgador todas as provas que não foram proibidas.
Tratando-se de declarações de arguido, por maioria de razão, aquilo que entenda dizer sobre os factos deve poder dizer. O que significa que, por justaposição de argumentos, e até por maioria de razão, devem poder ser ponderadas essas declarações pelo Tribunal. Tanto naquilo que delas decorra a seu favor como contra.
O pressuposto fundamental é, pois, o da vontade que tenha em fazê-lo.
O mesmo se diga relativamente às declarações de co-arguido, cumpridas as limitações decorrentes do art.º 345º do Cód. Proc. Penal.
II. A não comparência em julgamento do arguido não tem como efeito automático a não valoração das declarações que os seus co-arguidos decidam prestar em julgamento, porquanto apenas se estivesse em causa a impossibilidade de a sua defesa contraditar os presentes é que essas limitações deviam ser consideradas.
Nada disso tendo acontecido, e sendo evidentes as cautelas com que fez essa ponderação, nada impedia o Tribunal a quo de valorar as declarações de co-arguido, ainda que essas concorressem, como se verificou de facto, para a prova de factos desfavoráveis ao recorrente. 

Texto Integral

Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório
Pelo Juízo Central Criminal de Sintra – J2 – foi proferido Acórdão que decidiu do seguinte modo:
(…)
14. Condena o arguido AA pela prática, em 28/03/2021, em co-autoria material, de um crime de roubo simples, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.ºs 1, do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão (NUIPC 303/21.0PASNT);
15. Condena o arguido AA pela prática, em 29/03/2021, em coautoria material, de um crime de roubo simples, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.ºs 1, do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão (NUIPC 304/21.9PASNT);
16. Condena o arguido AA pela prática, em 31/03/2021, em co-autoria material, de um crime de roubo simples, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.ºs 1, do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão (NUIPC 311/21.1PASNT);
17. Procedendo, nos termos dos artigos 77º e 78º do Código Penal, ao cúmulo jurídico das três penas parcelares ora aplicadas, condena o arguido AA, pela prática destes três crimes, na pena unitária de 3 (três) anos de prisão que, nos termos previstos pelos artigos 50º, 53º e 54º do Código Penal, se decide suspender por igual período, mediante sujeição a regime de prova;
18. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 16.º, da Lei n.º 130/2015, de 04/09 e 67º-A e 82.º-A, do Código de Processo Penal, decide condenar os arguidos:
(…)
- BB e AA a pagarem, a título de montante compensatório, no regime da solidariedade, €500,00 (quinhentos euros) ao ofendido CC, €500,00 (quinhentos euros) ao ofendido DD e €500,00 (quinhentos euros) ao ofendido EE;
(…)
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
1. Deve o presente recurso ser recebido e decidido nos termos requeridos, dado que o arguido em consciência, discernimento, e lucidez, não cometeu os crimes por que foi condenado.
2. Não se encontrando os elementos objectivos e subjectivos dos crimes pelos quais foi condenado, preenchidos. Tem que se proceder à reapreciação de toda a prova relativa à matéria de facto e acima já identificada, o que aqui se requer.
3.º E se assim é, forçoso será de concluir que essa ou essas outras pessoas, no caso em concreto Arguidos no processo, poderão ter praticado os factos que erradamente foram atribuídos ao arguido. Devendo aqui apelar-se ao princípio basilar do direito que determina que na dúvida se deve absolver o arguido. O que se requer.
4.º Faltam os elementos constitutivos do tipo de crime roubo simples, pelo que não pode ser o arguido punido quando não cometeu os crimes, porque não praticou factos de molde a concluir-se que se preenche o tipo de crimes p.e p. pelos artigos 210, n.ºs 1, pelo que mal andou o tribunal a quo, que erradamente interpretou e aplicou as normas acima indicadas, que deveriam ter sido interpretadas no sentido do não preenchimento pelo arguido de todos os elementos dos factos típicos e ilícitos descritos na norma.
5.º Deve assim ser o arguido absolvido, devendo ser revogada a douta decisão recorrida, sendo substituída por outra que decrete a absolvição do arguido.
6.º Desconhece-se o motivo da ausência do Arguido em Julgamento, bem como toas as suas condições pessoais.
7.º Não pode o arguido ser condenado apenas e só com base nas declarações do outro co-arguido. Pois, não resulta provado pelo depoimento das outras testemunhas qualquer facto que seja indiciário da culpa que se pretende que o arguido tenha.
8.º Não sabe o arguido, nem tem de saber, porque motivo se lembrou o outro arguido de o envolver nesta história, rocambolesca. Não pode merecer maior credibilidade o depoimento do co-arguido FF em detrimento do co-arguido AA, subsistindo aqui sempre a dúvida.
9.º Estamos perante prova que ainda que se possa considerar indiciária é insuficiente para sustentar uma condenação. Motivo pelo qual se deveria absolver o arguido ao invés de o acusar em base do princípio basilar do direito in dúbio pró réu. O que se requer. Devendo a prova ser renovada.
10.º O princípio do in dúbio pró reo foi violado, o que constitui desde logo ilegalidade e inconstitucionalidade, o que desde já se alega, com as legais consequências, tornando a sentença nula.
11.º Não há qualquer processo lógico dedutivo que tenha levado o tribunal recorrido a alcançar os factos dados como provados, bem como não vislumbramos das razões porque não se respeitou o princípio “in dúbio pró reo” no caso de evidente contradição de testemunhos e sem qualquer explicação ou sequer avaliação da credibilidade de cada um deles. Á cautela e por mero dever de patrocínio sempre se dirá que a douta sentença padece de nulidade por falta de fundamentação, art.º 379, n.º 1 alínea a), Que aqui se arguí com as legais consequências.
12.º A decisão recorrida desconsidera o Principio Fundamental da Equidade, bem como o da Igualdade (art.º 20º, n.º 4 e art.32º, n.º 1 da CRP), ao considerar a situação do Arguido aqui recorrente, do qual não se fez prova que tenha praticado os factos pelos quais vem acusado, igual ás dos seus co-arguidos, que se provou a prática dos factos, quer seja por escutas telefónicas, vigilâncias, confissão, testemunhal e documental.
13.º A não realização de prova em sede de audiência de julgamento, reflecte – pelo menos assim o impõe o Princípio da Presunção da inocência.
14.º Assim se corrigindo a matéria de facto dada como provada, numa apreciação lógica e coerente do que foi produzido em audiência e segundo as regras da livre apreciação e prova, alicerçadas nas regras da experiência, pois o princípio da livre apreciação e prova, nunca será o livre arbítrio, como ensinava o Insigne Professor Doutor Castanheira Neves.
15.º Deve o Arguido ser absolvido, devendo, após a reapreciação e renovação da matéria de facto dada como provada, ser revogada a Douta decisão recorrida, sendo substituída por outra que decrete a absolvição do Arguido, de ambos os crimes de que vinha acusado e pelos quais erradamente foi condenado. Deveria ter sido neste sentido que a Douta decisão recorrida melhor julgaria aos factos e aplicaria o direito, pelo que, ao julgar a matéria de facto do modo como o fez e acima já se referiu, errou na apreciação da prova.
16.º Deveria ter sido neste sentido que a Douta decisão recorrida melhor julgaria os factos e aplicaria o direito, pelo que, ao aplicar do modo como o fez e acima já se referiu, o direito aos factos que deu como assentes, errou tendo assim violado, além do que já se disse, e em maior incidência, os artigos 217.º, 218.º, 71.º; 72º e 73º, todos do Código Penal e ainda o artigo 29.º, n.º4 da Constituição da República.
17.º Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido, ou caso assim não se entenda, o que se aflora por mero dever de patrocínio, deve a pena ser substituída por outra que deverá ser especialmente atenuada, atenta a idade do Arguido.
(…)
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo:
(…)
I – O acórdão recorrido não é nulo por falta de fundamentação, porquanto, além da enumeração dos factos que considerou provados e não provados, do acórdão recorrido, no capítulo “Motivação da decisão de facto”, resulta de forma clara a indicação e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, sendo patente, designadamente quanto ao arguido e recorrente AA, o percurso lógico adotado pelo tribunal, no sentido de dar como provados os factos que lhe são imputados.
II - Concatenando o acórdão proferido, com a prova produzida na audiência de julgamento, afigura-se-nos que o coletivo a quo apreciou corretamente a prova, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, fazendo uso, e aplicando as regras de experiência comum à factualidade em causa, recorrendo, como não podia deixar de ser, à sua livre convicção, nos termos e com respeito pelo disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ainda que o tenha feito valorando especialmente as declarações prestadas em audiência pelo coarguido BB
III - Considera ainda o Ministério Público que o Tribunal a quo, no acórdão proferido, que não merece qualquer censura, subsumiu os factos ao direito sem violação de quaisquer preceitos legais e condenou o arguido numa medida de pena ajustada à culpa do agente e às necessidades de prevenção geral e especial.
III - Assim, julgando-se o recurso improcedente deve o acórdão recorrido ser mantido.
(…)
***
O recurso foi admitido, com subida, modo e efeito devidos.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumpriu-se o formalismo subsequente.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a Conferência.
***
Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º, por remissão do art.º 424º, nº 2, ambos do mesmo Cód. Proc. Penal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (art.º 379º do citado diploma legal);
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida [art.º 412º], a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no art.º 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal.
Finalmente, as questões relativas à matéria de direito.
O arguido, nas conclusões do recurso, fixa o objecto de apreciação requerida nas seguintes questões:
- toda a reapreciação da matéria de facto com a audição das gravações, por não ter havido prova de que resulte a prática pelo arguido dos crimes por que foi condenado;
- já que a valorização de declarações de co arguido não podem sobrepor-se em termos de valoração, pois que só as declarações do co arguido ligam o recorrente aos factos, já que o recorrente não compareceu a julgamento, razão pela qual há também violação do princípio in dúbio pro reo;
- sendo que o crime de roubo também se não mostra preenchido;
- a decisão recorrida desconsidera o Principio Fundamental da Equidade, bem como o da Igualdade, com isso beneficiando os co arguidos, desde logo tendo os restantes arguidos sido condenados em penas inferiores, com violação daqueles princípios.
***
Fundamentação
O Tribunal recorrido fixou a matéria de facto do seguinte modo:
(…)
(NUIPC 303/21.0PASNT)
14. No dia ... de ... de 2021, cerca das 19h00, os arguidos BB e AA encontravam-se na já citada residência daquele arguido, juntamente com o menor GG e com outro indivíduo, a jogar Playstation online com HH, que se encontrava em outro local não concretamente apurado.
15. Nesse dia, hora e local, novamente na prossecução do plano mencionado em 1., a que todos aderiram, um deles pediu a HH se podia usar o seu número de telemóvel para fazer um pedido na aplicação Glovo, ao que este acedeu, dando o n.º ... pertencente à sua irmã II.
16. Nessa sequência, cerca das 19h06, com o uso do telemóvel com o n.º ... e da aplicação móvel denominada “Glovo”, os arguidos BB e AA, juntamente com o menor GG e com o quarto indivíduo, procederam à encomenda de quatro menus Big Tasty, quatro bebidas e quatro batatas fritas, no valor global de 35,00€ (trinta e cinco euros), junto do estabelecimento de restauração denominado McDonalds, sito na ..., em ..., e solicitaram a sua entrega na ....
17. CC, estafeta da Glovo, munido destes bens alimentares encomendados, deslocou-se à referida morada.
18. Quando se encontrava em frente ao n.º 13 da ..., em ..., cerca das 19h20, o dito CC foi interpelado na rua pelos mencionados arguidos BB e JJ, por um outro indivíduo e, ainda, por GG, que lhe ordenaram que lhes entregasse a encomenda, o que aquele fez por recear pela sua integridade física.
19. Após a entrega dos bens alimentares e sem procederem ao seu pagamento, os arguidos, o menor GG e o quarto indivíduo colocaram-se em fuga apeada.
*
(NUIPC 304/21.9PASNT)
20. No dia 29 de março de 2021, cerca das 12h30, os arguidos BB e AA encontravam-se na já mencionada residência do arguido BB, juntamente com o menor GG, a jogar Playstation online com HH, que se encontrava em outro local não concretamente apurado.
21. Uma vez mais na prossecução do plano mencionado em 1., a que os arguidos BB e JJ, bem como o GG e um indivíduo não concretamente identificado aderiram, cerca das 12h30, um deles pediu a HH se podia usar o seu número de telemóvel para fazer um pedido na aplicação Glovo, ao que este acedeu dando novamente o n.º ... pertencente à sua irmã II.
22. Nessa sequência, cerca das 12h41, com o uso do telemóvel com o n.º ... e da aplicação móvel denominada “Glovo”, estes dois arguidos, o menor GG e esse indivíduo não identificado, procederam à encomenda de seis menus (dois de salsicha, três de frango e um de hambúrguer), acompanhados de batata frita, arroz e bebidas, no valor global de €33,70 (trinta e três euros e setenta cêntimos), junto do estabelecimento de restauração denominado BB Grill Churrasqueira, sito na ..., e solicitaram a sua entrega na ....
23. DD, estafeta da Glovo, munido destes bens alimentares encomendados, deslocou-se à referida morada onde a moradora no local lhe disse que não tinha efetuado qualquer pedido de entrega.
24. Quando se encontrava em frente ao n.º 13 da ..., em ..., cerca das 13h00, o referido CC foi surpreendido, na rua, pelos arguidos BB e AA, pelo menor GG e por um individuo não identificado.
25. Atuando em comunhão de esforços e intentos, um deles ordenou-lhe que lhes entregasse a encomenda.
26. Como aquele KK não procedeu à imediata entrega dos bens alimentares, um deles fez um gesto como que detivesse, escondida, uma faca e disse-lhe “bora, dá-me o lanche”, o que aquele fez por recear pela sua integridade física.
27. Após a entrega dos bens alimentares, os arguidos BB e AA, o menor GG e o individuo não identificado colocaram-se em fuga apeada sem procederem ao seu pagamento.
*
(NUIPC 311/21.1PASNT)
28. No dia ... de ... de 2021, cerca das 20h45, os arguidos BB e AA e outro indivíduo encontravam-se na já citada residência do primeiro arguido e, na prossecução de plano combinado entre todos, agindo em comunhão de esforços e de intentos, combinaram, uma vez mais, proceder à encomenda de refeições sem procederem ao seu pagamento.
29. Nessa sequência, com o uso do telemóvel com o n.º ..., pertencente a LL e da aplicação móvel denominada “Glovo”, um dos três procedeu à encomenda de três menus Big Tasty, acompanhados de batatas fritas e bebidas, no valor global de € 22,80 (vinte e dois euros e oitenta cêntimos), junto do estabelecimento de restauração denominado McDonalds, sito na ..., em ..., e solicitaram a sua entrega na ....
30. EE, estafeta da Glovo, munido dos bens alimentares encomendados, deslocou-se à referida morada.
31. Quando se encontrava em frente ao n.º 1 da ..., em ..., cerca das 20h55, EE foi surpreendido, na rua, pelos arguidos BB, e JJ e pelo terceiro indivíduo.
32. Ato contínuo, um dos referidos arguidos ou o indivíduo que os acompanhava, em tom alto e sério, ordenou a EE que lhes entregasse a encomenda, o que este se recusou a fazer.
33. Ante a recusa de EE, um deles ordenou-lhe, em tom alto e sério, que lhes entregasse a encomenda, o que aquele fez por recear ser agredido.
34. Após a entrega dos bens alimentares, os arguidos e o terceiro indivíduo colocaram-se em fuga apeada sem procederem ao seu pagamento.
*
35. Nas circunstâncias descritas, os arguidos BB, FF e AA agiram, sempre, em comunhão de esforços e de intentos e em execução de um plano combinado entre si e pelos mesmos aceite, com o propósito, concretizado, de se apoderarem dos descritos bens alimentares, que sabiam não lhes pertencerem, sem os pagar, sabendo que, ao assim atuarem, agiam contra a vontade e sem autorização dos proprietários.
36. Para atingirem aquele desígnio, os arguidos BB e FF fizeram-se valer, nos dias 5 de março de 2021 e 17 de março de 2021, da utilização das referidas facas e, nos restantes dias, estes arguidos e o arguido AA usaram de ameaça contra a integridade física que era sugerida, além do mais, pela vantagem numérica, levando, em todas as ocasiões, os identificados estafetas a não reagirem e a não obstarem à concretização daqueles intentos, por temerem pela sua integridade física e mesmo pelas suas vidas.
37. Os arguidos BB e FF conheciam a natureza e as características das facas com que atuaram e se muniram antes de saírem de casa, bem sabendo que as mesmas se destinavam a uso doméstico e que se encontravam fora do local do seu normal emprego, mais sabendo que não as podiam usar como armas de agressão.
38. Não obstante, não se inibiram de as deter e de as usar nos termos descritos.
39. Os arguidos BB, FF e AA agiram em todas as circunstâncias descritas de forma livre, voluntária e consciente sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.
40. Os arguidos BB e FF estão arrependidos.
(…)
113. O arguido AA encontra-se em liberdade desde 14 de dezembro de 2022.
114. Este vive com a sua mãe, em casa desta.
(…)
134. O arguido AA foi condenado em 23 de agosto de 2021, por decisão transitada em 25 de outubro de 2021, no processo nº 26/21.0..., do Juiz 5, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, na pena de 70 dias de multa, pela prática, em 6/3/2021, de um crime de condução sem habilitação legal.
135. E foi condenado no processo nº 327/21.8..., do Juiz 1, doo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra, por decisão de 23 de setembro de 2021, transitada em 7 de janeiro de 2022, na pena de 50 dias de multa, pela prática, em 21/03/2021, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.
136. O arguido foi condenado no processo nº 6152/21.9..., do Juiz 5, do Juízo Local Criminal de Setúbal, por sentença de 12 de outubro de 2022, transitada em 11 de novembro de 2022, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão suspensa por igual período, com regime de prova, pela prática, em 25 de fevereiro de 2021, de um crime de roubo qualificado.
(…)
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto do seguinte modo:
(…)
A convicção do tribunal assentou, em suma, no confronto das declarações produzidas pelos arguidos BB e MM com os depoimentos de II, HH, DD, EE e NN, com os documentos carreados para os autos, tudo crivado por um critério de experiência comum.
Apenas estes dois arguidos se decidem prestar declarações e esclarecer os autos, optando o arguido OO por se remeter ao silêncio e o arguido AA por não comparecer nas várias sessões, não tendo o tribunal logrado trazê-lo sob detenção.
Este arguido também não colaborou com a DGRSP, sendo desconhecidas as atuais condições económicas e sociais, com exceção de se saber, por informação colhida pela PSP, que vive com a sua mãe, em casa desta, após ter saído, recentemente, do Estabelecimento Prisional, o que resulta de pesquisa na base de dados dos Serviços Prisionais.
O arguido BB adotou uma postura colaborante, admitindo o grosso dos factos que lhe eram imputados, bem como a censurabilidade dos mesmos, ainda pareça resultar das suas declarações que poderá procurar, pelo menos a espaços, alijar responsabilidades – as suas e, sobretudo, das pessoas que o acompanhavam.
No entanto, a prova carreada para a audiência não permite contrariar as suas declarações, bem como as de MM, que se lhe seguiram.
Assim, BB admite que esteve presente nas cinco situações que lhe eram imputadas, mas insiste que apenas nas duas primeiras ocasiões é que foram exibidas aos estafetas (e não direcionadas) facas de cozinha, cujas caraterísticas não consegue descrever cabalmente.
Efetivamente, não se mostra apreendida, nos autos, qualquer faca que pudesse ter sido usada nestes atos, sendo que a descrição de tais objetos não era detalhada, sequer, na acusação (nomeadamente no que tange às dimensões).
Assim, quanto à primeira situação, o arguido BB admite que estava com o MM em casa deste, a conviver, quando resolveram encomendar comida para todos (no que incluiria a sua prima e uma amiga).
Fizeram o pedido e, apesar de terem dinheiro, decidiram não pagar por “estupidez”.
Assim, quando o estafeta da Globo chegou, este entrega a encomenda porque o declarante tira, da cintura, a faca de cozinha que trazia consigo, exibindo-a.
No entanto, quer o declarante, quer o MM deram ordens ao estafeta para que lhes entregasse a comida, admitindo que este o fez por medo de ser ferido. Atuou para “assustar”, admite, nos termos ora assentes de 1. a 6. da matéria de facto provada.
Para além desta confissão e do seu coarguido, o valor da encomenda e os dados a ele atinentes encontram-se plasmados na impressão dos logs da plataforma informática da Glovo, de fls. dos autos principais.
Quanto à segunda situação, BB admite que atuou da forma assente de 7. a 13. Ou seja, confessa ter atuado conforme descrito na acusação, com exceção de ter direcionado a faca para o estafeta, esclarecendo que apenas a exigiu, ainda que desincentivando a resistência deste.
E quanto à faca, ainda que não a consiga descrever, admite como possível tratar-se de uma faca com serrilha.
Os dados referentes ao pedido encontram-se corporizados no CD junto a fls. 29 do NUIPC 264/21.6...
Aliás, dos dados extraídos da plataforma Glovo ali vertidos (que se repetem nos CD´s juntos nos NUIPC 303/21.0PASNT, 304/21.9PASNT e 311/21.1PASNT), resultam documentadas não apenas as contas associadas a este pedido, mas também as associadas aos demais pedidos assentes em 16, 22 e 29, bem como as encomendas e horas dos registos, números utilizados e os nomes dos utilizadores.
Estes dados estão compactamente impressos a fls. 67 dos autos principais e foram reunidos, ainda, a fls. 133 a 135.
Quanto à terceira situação, o arguido BB salvaguarda que o arguido MM não estava presente, encontrando-se, apenas, na companhia do menor PP, que sabia ter por volta de 15 anos, o JJ e o OO a quem, note-se, não eram imputados estes factos pela douta acusação.
Assim, ainda que relutantemente, acaba por admitir que deram a ordem vertida em 18. e que o estafeta lhes entregou, por medo, a encomenda, cujo valor e composição confirma.
Aliás, o arguido BB nota que, nas primeiras e segundas situações, atuaram com exibição de uma faca por serem apenas dois amigos, enquanto que nas demais situações atuaram sem faca por serem mais numerosos.
No que tange à quarta situação, o arguido BB confirma ter atuado como se agora deu por assente, conjuntamente com o arguido AA e com o menor PP.
No entanto, salvaguarda que não transportava, também aqui, qualquer faca ou instrumento cortante.
Assim, perante a recusa inicial do estafeta de entregar a encomenda, os elementos que, então, integravam o grupo, usaram de um tom agressivo na voz, o que levou a que aquele ficasse com medo e entregasse a encomenda sem receber o dinheiro, que fizeram, mais uma vez, coisa sua.
Questionado expressamente pela razão pela qual, sendo apenas três amigos, encomendaram 6 menus, o arguido ora declarante esclarece que o fizeram para compor a encomenda até perto do limite máximo para compras em numerário.
No que respeita à quinta e última situação, o arguido afiança que o OO não estava, presente, estando com ele, em vez, o menor PP.
E ressalva que não foi o declarante quem fez a encomenda, ainda que não recorde quem o fez.
No entanto, admite que, também aqui, à semelhança de todas as demais situações, atuou de acordo com um plano comum, a que todos aderiram, por forma a fazer seus bens alimentares que até tinham condições de pagar e que atuaram todos em conjugação de esforços, nem que seja com a presença que marcava ou ampliava a vantagem numérica, colocando as vítimas na impossibilidade de oferecer resistência.
Procurando-se explorar as razões que levaram o arguido a atuar da forma que atuou, admite que se tratou de um período em que estava menos orientado e ocioso, sem supervisão parental. Estudava, por força do estado de pandemia, através de zoom, estando a tirar um curso técnico.
Quanto ao MM, o declarante esclarece, numa sessão em que o OO não estava presente, que este seria parecido com este último, mas teria o cabelo mais longo, tendo este último “as rastas mais soltas”.
Ora, essas diferenças capilares - observou o tribunal nas sessões em que o quarto arguido compareceu - evidenciam-se neste momento, em que o arguido OO tem o cabelo maior, mas existem algumas diferenças morfológicas que ressaltam rapidamente à vista, não sendo fácil a confusão entre ambos.
Questionado, o arguido BB esclarece que, no entanto, usaram capuz e máscara cirúrgica em todas as situações.
E esclarece, igualmente, que quando fizeram a encomenda, em todas as cinco situações, já sabiam, por terem assim combinado, que não a iriam pagar.
O arguido BB verbaliza, de forma que nos merece confiança, até porque alicerçada nas observações que se encontram no respetivo relatório social, que quando começou a trabalhar, uns meses antes de ser preso, pensou que não queria “fazer mais isso”, mais reiterando que está arrependido.
Ora, perpassa inevitavelmente destas declarações que o arguido BB não pretende, nem vislumbra obter qualquer vantagem em termos estratégicos à custa dos demais arguidos.
Também resulta evidente, do modo como presta estas declarações, que não guarda animosidade a qualquer um dos arguidos, em particular o arguido AA.
Este é “colocado” nas três situações pelo arguido BB, em declarações escorreitas e fundamentada.
Ora, o arguido AA optou por não comparecer, não contribuindo para o esclarecimento dos factos.
A valoração em exclusivo das declarações de coarguido não está vedada ao tribunal, desde que assegurado o referido princípio do contraditório, como vem sendo o entendimento do Tribunal Constitucional “de que não é inconstitucional a norma do artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133.º, 126.º e 344.º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do co-arguido que entenda não prestar declarações sobre o objecto do processo” cfr. Acórdão n.º 133/2010 do TC, publicado em Diário da República n.º 96/2010, Série II de 18 de maio.
Como clarividentemente se assinala em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2008, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, com publicação online em www.dgsi.pt, “importa precisar alguma confusão que está subjacente à cruzada empreendida contra o arguido que produz depoimento incriminatório. Na verdade, uma coisa são proibições de prova que são verdadeiros limites à descoberta da verdade, barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo e outra, totalmente distinta, a valoração da prova. Nesta última está implícita uma apreciação da credibilidade da prova produzida em termos legais. Portanto a questão que se coloca é tão só, e singelamente, saber se é válida processualmente a admissibilidade do depoimento do arguido que incrimina os restantes coarguidos. A resposta é, quanto a nós, frontalmente afirmativa e dimana, desde logo, da regra do artigo 125º do Código Penal que dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei; por outro lado não se sente qualquer apoio numa interpretação rebuscada da Constituição que aponte a inconstitucionalidade de uma tal interpretação. Bem pelo contrário, a consideração de que o depoimento do arguido que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos, reveste à partida de uma “capitis diminutio” só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do co-arguido. Esta credibilidade (…) só pode ser apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas de apreciação da credibilidade retornando ao sistema da prova tarifada, opção desejada pelo sistema inquisitorial. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei”.
E como é relatado no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 15 de abril de 2015, “Não há qualquer impedimento do co-arguido a, nessa qualidade, prestar declarações contra os co-arguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valoração da prova feita por um co-arguido contra os seus co-arguidos. Porém, com uma limitação, constante do n.º 4 do art.º 345.º do CPP, de acordo com o qual não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio. Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório”.
O arguido BB não se negou a responder a qualquer pergunta, tendo as suas declarações esmiuçadas pelo exercício do contraditório.
As declarações do arguido BB são, aliá, amplamente confessórias, pelo que também resultam na prova de factos que o prejudicam.
Por tudo o que se disse, as declarações deste arguido deverão ser valoradas na parte em que admite factos que lhes são desfavoráveis, sendo, igualmente, de conceder crédito na parte em que envolve o arguido AA.
Quanto ao arguido FF, este secunda, em audiência, as declarações do seu co-arguido e amigo, admitindo ter intervindo, tão somente, nas situações de 5 e 17 de março.
No que tange à primeira situação, admite que estava em sua casa, onde estava a prima de ambos, abusando do telemóvel desta e da aplicação Glovo ali instalada.
Assim, o arguido MM admite os factos tal como assentes e tal como narrados pelo seu co-arguido que foi quem exibiu a faca. Quanto a este instrumento, explica que teria, no máximo, cerca de 20 cm, no total. A faca era sua, não a conseguindo ou não querendo descrever melhor.
Quanto à segunda situação, admite-a como se considerou assente.
O arguido MM expressa arrependimento.
E conta-nos que tinha começado a trabalhar em junho, antes de ser preso, tendo mudado de atitude.
Ainda assim, quanto ao dia 28 de março de 2021, o arguido MM reconhece que estava a jogar playstation com o MM, mas on line, encontrando-se na sua casa.
Assim, rejeita a intervenção nessa situação, asseverando que o OO é parecido consigo, sendo suscetível de ser com ele confundido.
O arguido conta que tinha estado em Inglaterra a tentar jogar futebol e que teria voltado nesta altura em que praticou estes factos.
A testemunha II reconhece ser a irmã do HH e do NN e declara saber que foi feita uma encomenda de comida para a Glovo, com a utilização do seu telemóvel. Recusa, no entanto, que o tenha emprestado a alguém. E rejeita que tenha nome de utilizador atribuído na aplicação da Glovo, jamais tendo feito, ali, encomendas.
Quanto ao HH, este vive consigo, mas não tem acesso ao seu telemóvel, que se encontra bloqueado.
A testemunha HH reconhece ser amigo dos arguidos MM e BB, que conhece por jogarem, juntos, Play Station.
O depoente revela que, todos os meses troca de número de número de telemóvel, por forma a beneficiar dos melhores preçários e evitar os carregamentos, mais onerosos.
Assim, na altura, foi de ânimo leve que cedeu o número de telefone para eles fazerem a encomenda.
Segundo a testemunha, estavam a jogar on line quando eles pediram o seu número para chamar a Glovo e ele não questionou.
E, de forma pouco espontânea e apenas insistência do tribunal, acaba por admitir que forneceu o número da sua irmã, explicando que os arguidos lhe adiantaram que o número que dera previamente não servia.
E afiança que foi apenas dessa vez que forneceu o número da irmã.
DD declara expressamente que reconhece o arguido MM e o arguido BB.
E revela que os conhece desta situação, com exceção do arguido MM que já o tinha abordado, de forma semelhante, assaltando-o, m na Cova da Moura “30 ou 60 dias antes, acredita”.
No que ajuda a perceber que a testemunha guarda memória visual dos arguidos, esta explica que os voltou a ver, por diversas vezes, na rua.
O depoente revela que, na altura, prestava funções de estafeta para a plataforma Glovo.
Foi feito um pedido e foi-lhe entregue, pela plataforma, uma morada.
O depoente dirigiu-se a essa morada e bateu à porta, onde foi recebido por um senhor que lhe disse que não fez pedido.
A testemunha desceu o prédio e depara-se, ao sair do mesmo, com 4 ou 5 indivíduos que o cercaram. Estes estavam, explica, à sua espera à porta do prédio.
Estes disseram-lhe que o pedido era deles e disseram o nome do cliente, dizendo que iam pagar a encomenda. No entanto, quando pergunta pelo dinheiro, um deles aponta para um volume sob a camisa, dando a entender que estava armado.
O depoente reconhece que não viu qualquer arma, explicando que o gesto foi feito de molde a convencê-lo de que o assaltante transportava, efetivamente, uma arma.
Assim, percebendo que não valia a pena oferecer resistência, o depoente abriu a mochila e entregou o pedido da churrasqueira, que corresponderia a quase € 35,00 euros. A testemunha esclarece que não valia a pena descobrir que arma se tratava, já que tal poderia ter consequências negativas para si, temendo, pois, pela sua integridade física.
O depoente revela que manteve a sua mala transportadora e que eles apenas levaram os bens alimentares encomendados.
A testemunha afiança que o indivíduo que reconhece, apontando para o arguido MM, é que simulou que trazia a arma. Este trazia um capuz, mas a cara parcialmente descoberta, enquanto os outros 3 ou 4 elementos teriam capuzes e um deles máscara cirúrgica.
E esclarece que quando lhe deram a ordem para entregar a comida, eles falaram num tom mais alto e sério, jamais o tendo agredido.
A testemunha fala com certezas e com conhecimento direto dos factos. E depõe com aparente objetividade, mas o certo é que não é possível ser-lhe conferido inteiro crédito quanto ao “reconhecimento” impróprio que ora faz em audiência.
O arguido MM, após a sessão de audiência em que a testemunha foi inquirida, junta o registo da sua viagem Londres/Dublin/Lisboa em 26 de fevereiro de 2021, tudo indicando, até do cruzamento da informação carreada para o relatório social deste arguido, que esta terá sido aquela em que regressou, em definitivo, a Portugal. Mesmo que não seja desprezível a possibilidade do arguido ter estado, previamente a esta viagem, em Portugal tal hipótese é pouco plausível, face aos elementos biográficos que dispomos do arguido. Pelo que não se mostra muito credível que o arguido MM já tivesse assaltado, tanto tempo antes, a testemunha.
Para mais, o depoimento da testemunha não é conciliável com o teor do auto de reconhecimento negativo de fls. 33 do NUIPC 304/21.9PASNT, do qual de alcança, além do mais, que o depoente jamais tinha visto, antes, os autores dos factos.
O que nos conduz, inevitavelmente, a excluir, até pela manutenção de uma dúvida razoável, o posicionamento do arguido MM como interveniente nos factos que se deram por assentes de 14. a 19.
A testemunha EE, também ele estafeta, confirma que recebeu um pedido de entrega de 3 menus Big Tasty no dia 31 de março, por volta das 20h00 / 20h35m.
Na execução do pedido, tocou à campainha e ninguém atendeu, tendo ficado desconfiado.
Um rapaz com cerca de 1,80 m abordou-o, na rua, dizendo que o pedido era dele. A testemunha desconversou, respondendo-lhe que já tinha entregue a encomenda e procurou caminhar para o seu motociclo.
Em determinada altura, saem dois outros indivíduos detrás dele e ordenam-lhe que entregasse a encomenda. Um deles segura a mala. O depoente atira a mala para o chão e eles rebentaram-na, tirando as encomendas, tendo um deles exclamado “é assim que eu gosto”.
A testemunha confirma que, nesse mesmo dia, foi apresentar a sua participação após ter falado com a Glovo.
O depoente deixa claro que não seria capaz de reconhecer os indivíduos que o abordaram, já que pensa que tinham qualquer coisa a cobrir a boca, tendo capuzes a cobrir a cabeça.
Descreve, no entanto, um dos assaltantes como sendo um jovem da sua altura - a testemunha tem 1,69m de altura – sendo que o que o abordou era mais forte, enquanto os demais eram magros.
A testemunha, não permitindo infirmar as declarações do arguido BB quanto aos participantes do assalto de que foi vítima, confirma a dinâmica que se deu por assente de 28. a 34.
NN, confirmando ser irmão de HH, declara que jamais fez pedidos à Glovo, informando o tribunal de que usou o cartão telefónico da irmã para ter internet, evidência de que, tanto um como o outro irmão, poderiam aceder ao telefone da da II para processar o pedido de encomenda.
A prova dos antecedentes criminais ou da falta deles deriva dos certificados de registo criminal.
A prova das condições económicas e sociais dos arguidos BB, MM e OO resulta, além do mais, dos respetivos relatórios sociais e dos documentos oferecidos pelos segundo e terceiro.
Os demais factos que se deram por não assentes justificam-se pelo que fica dito e pela falta de meios de prova que os corroborassem.
(…)
Quanto à matéria de direito, deixa o Tribunal recorrido dito que:
(…)
1.1. Dos crimes de roubo.
Como se viu e como resulta do relatório social, que aqui se considera reproduzido, foi imputada a cada um dos arguidos, a prática, em coautoria material de dois ou mais crimes de roubo simples (previstos e punidos pelo art.º 210.º n.º 1 e n.º 2 al. b), por referência ao art.º 204.º n.º 2 al. f) e n.º 4, ambos do Código Penal ou previstos e punidos pelo art.º 210.º n.º 1 do Código Penal.
Estabelece o citado art.º 210º, nº 1, que “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”.
De acordo com o nº 2 do mesmo preceito, “A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se: (....) b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no nº 4 do mesmo artigo”.
Prevê o artigo 204º do CP circunstâncias modificativas agravantes especiais.
E, em concreto, no artigo 204, n º 2 “Quem furtar coisa móvel ou animal alheios: “f) Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta; (…) é punido com pena de prisão de dois a oito anos”.
O nº 4 prevê que: “Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor”.
O artigo 202º, c) do mesmo diploma define valor diminuto como “Aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto”.
Nos termos do art.º 22º do Decreto – lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, a Unidade de Conta é fixada em um quarto do valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS - LEI 53- B/2006, 29.12) vigente em Dezembro do ano anterior, arredondada à unidade Euro. Para determinação da Unidade de Conta, o valor a considerar é o do IAS vigente (aprovado pelo art.º 2º da Portaria 9/2008, 03.01), ou seja 407,41 €. Assim, o valor da UC para vigorar no ano de 2020 era de 102.00€ ( ¼ do IAS, arrendondada à unidade de Euro
“O roubo é um crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais – o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – quer bens jurídicos pessoais – a liberdade individual de decisão e de acção (em certos casos, a própria liberdade de movimentos) e a integridade física (...) ”. Nesse sentido, vide, nomeadamente, Ac. STJ de 15 de fevereiro de 1995, in CJ, Acs. STJ, III, tomo I, 216.
São elementos objetivos do crime de roubo:
- a ilegítima intenção de apropriação;
- a subtração ou constrangimento a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia (ou animal alheio);
- por meio de violência contra uma pessoa.
O objeto do crime de roubo é, então, no que nestes casos interessa, e excluída a subtração, no caso de animal, “coisa móvel alheia”, sendo que “coisa deve ser valorada mais no sentido que o comum das pessoas (a esfera do valor de uso das palavras referidas a um leigo) empresta a tal vocabulário do que expressão daquilo que o art.º 202º do Código Civil define como “coisa”.
Relativamente à “subtração de coisa móvel alheia”, deve entender-se a passagem da “coisa móvel” da esfera de domínio do detentor para nova esfera de domínio, contra a vontade daquele”.
Já no que respeita ao conceito de violência, ainda que este esteja longe de ser pacífico, tem-se entendido que, “é equiparada à violência qualquer maneira ardilosa, subreptícia ou similar pela qual o agente, embora sem o emprego da força ou incutimento de medo, consegue privar a vítima do poder de agir” – Ac. STJ de 19 de dezembro de 1989, BMJ, 392, pág. 251.
Os elementos adicionais do tipo objetivo de roubo qualificado, que podem ter contacto com a situação do caso concreto, consistem, antes de mais, no transporte, pelo agente, no momento do roubo, de uma arma, aparente ou oculta.
Ora, temos que o artigo 4.º do DL 48/95, de 15 de março, diploma que aprovou o Código Penal de 1995, dispõe que “Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim”.
Não obstante a posterior entrada em vigor da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o novo regime jurídico das armas e suas munições, aquele artigo 4º mantém atualidade para densificação do conceito de arma, à luz do supra enunciado artigo 204º, nº 2 f), para o qual remete o nº 2 do artigo 210º, ambos do Código Penal.
Aliás, norma semelhante era já encontrada no n.º 1º do artigo 426º do Código Penal de 1852.
Como se defende no Código Penal Anotado de Leal-Henriques e Simas Santos, 1996, 2º volume, página 443, “o conceito de arma só abrange a que possa ser usada como meio eficaz de agressão, quer sejam armas ditas próprias destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas, quer as impróprias, todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos”.
Sem necessidade de fazer um excurso sobre a evolução da jurisprudência e suas divergências, dúvidas inexistem de que se tem considerado unanimemente, pelos Tribunais superiores, que o crime de roubo é agravado pela alínea f) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal quando o agente traz consigo (escondida ou aparente) objeto que possa ser utilizado como instrumento eficaz de agressão.
Aqui, “aparente”, (adjetivo que é utilizado na alínea f) por oposição a “oculta”) diz respeito ao objeto que aparece ou se mostra.
Quanto ao tipo subjetivo de ilícito, trata-se de um tipo legal doloso (art.º 14º C.P.), pelo que, terá sempre que haver dolo, nem que seja o eventual. “Assim, é suficiente que o agente esteja consciente de que a violência ou a ameaça é adequada a constranger à entrega do bem ou a constranger à tolerância da subtracção do bem, conformando-se com tal resultado”. O tipo exige, ainda, uma intenção ilegítima de apropriação para si ou para terceiro de um bem (que se sabe alheio e sobre o qual se age sem direito legítimo de apropriação). A intenção ilegítima traduz-se na atuação com o conhecimento dos “pressupostos fácticos da valoração”, na expressão do Prof. Figueiredo Dias (Crimes contra a Vida e a integridade física, 2ª edição, 2007, AAFDL, pág. 354)
Ora, realizando a subsunção dos factos provados à norma incriminadora, atente-se na matéria que se deu por assente relativamente a cada uma das cinco situações descritas na acusação, que aqui se dá por reproduzida, em que se considerava que podíamos estar perante crimes de roubo.
Quanto à primeira situação (NUIPC 222/21.0...), ficou provado que os arguidos BB e MM, na execução de um plano delineado por ambos, dirigiram-se ao estafeta da Glovo, QQ e, com ameaça do emprego de faca que o primeiro transportava e exibiu, retiraram-se os bens alimentares que aquele transportava, no valor global de €30,54.
Na segunda situação (NUIPC 264/21.6...), os mesmos dois arguidos, atuando novamente juntos e em comunhão de esforços e intentos, dirigiram-se a RR. O arguido BB, mais uma vez, exibiu uma faca, pelo que os arguidos fizeram a encomenda que aquele transportava, no valor de €32,00 (trinta e dois euros), coisa sua.
Na terceira situação (NUIPC 303/21.0PASNT), os arguidos BB e JJ, o menor GG e um indivíduo não identificado dirigiram-se ao estafeta CC, constrangendo-o a entregar a encomenda que este transportava, no valor total de €35,00 (trinta e cinco euros), que fizeram coisa sua.
Para tanto, puseram o ofendido na impossibilidade de resistir pelo medo que sentiu.
Na situação seguinte (NUIPC 304/21.9PASNT) os arguidos BB e AA, o menor GG e um indivíduo não identificado abordaram DD e, da mesma maneira, dando-lhe ordens e atuando um deles como se tivesse uma arma, colocaram-no na impossibilidade de resistir. Assim, retiraram bens alimentícios que a vítima transportava, no valor de €33,70.
Finalmente, na quinta situação (NUIPC 311/21.1PASNT), os arguidos BB e AA e outro indivíduo ordenaram a EE que circundaram, que lhes entregasses a encomenda de € 22,80 (vinte e dois euros e oitenta cêntimos), que este transportava e, mercê da ameaça com emprego de violência, (sugerida, também aqui, pela vantagem numérica), fizeram aqueles bens coisa suas.
Resulta evidente o compromisso dos arguidos BB e AA com os elementos objetivos do tipo de crime de roubo simples, nas três últimas situações.
A ameaça empregue foi, assim, suficiente para colocar as vítimas na impossibilidade de resistirem à subtração das encomendas.
Ou seja, verifica-se que a ameaça empregue é séria e idónea ao constrangimento a esta ação de subtração. É que a ameaça exigida pelo tipo tem de ter por efeito o condicionamento da liberdade de determinação da vítima. A intimidação é o efeito psicológico causado pela utilização da ameaça.
E a ameaça pode manifestar-se não só por palavras, mas também por gestos, ou por qualquer forma de atuação que revele à vítima a intenção de anunciar um mal.
Relativamente aos elementos subjetivos do tipo incriminador, resultou provado que estes dois arguidos agiram dolosamente, ou seja, com conhecimento e vontade de produzir o resultado almejado, querendo retirar os bens às vítimas mediante a ameaça com o emprego de força, sabendo estes não lhes pertenciam e de que atuava contra a vontade dos proprietários.
Bem sabiam estes dois arguidos, como se viu, que tal conduta não lhes era permitida, mas ainda assim, quiseram livremente agir do modo descrito, atuando com dolo direto, porquanto dispõe o art.º 14º, nº 1 do C.P. que “Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar”.
E atuaram, em conjugação de esforços, com a especial intenção de subtrair estes bens com recurso à surpresa e à ameaça de força, mesmo sabendo que sobre ele não podiam exercer qualquer direito e que atuavam contra a vontade do dono.
Preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal do crime de roubo simples, na forma consumada, e inexistindo causas de exclusão da ilicitude do ato ou da culpa dos arguidos, conclui-se que os arguidos AA e BB cometeram, em co-autoria material (cfr. artigo 26º do Código Penal), três crimes de roubo simples, previstos e puníveis pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal.
Quanto à primeira e segunda situação, ficou assente que os arguidos BB e MM agiram, os dois, livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e propósitos, com a intenção concretizada de se apoderarem, pela ameaça e com a utilização de uma faca, se necessário, dos bens dos ofendidos, bem sabendo que os mesmos lhe não pertenciam e que agiam contra a vontade do seu legítimo possuidor.
Ora, vale aqui, mutatis mutandi, todo o excurso feito a propósito dos elementos essenciais do tipo de crime de roubo.
Ou seja, resulta aparente o compromisso destes dois arguidos com os elementos objetivos do tipo de crime de roubo agravado.
Com efeito, na execução de um plano comum, os dois arguidos forçam as vítimas a suportar a subtração das encomendas, empregando, para o efeito, a mera ameaça de emprego de arma.
Estas ameaças foram, assim, suficientes para colocar as vítimas na impossibilidade de resistirem à subtração.
Ou seja, verifica-se que a ameaça empregue é idónea ao constrangimento a esta ação de subtração. E logrou-se demonstrar que os arguidos traziam consigo, em cada uma das duas situações, um instrumento que podia ser usado, de forma eficaz, como instrumento de agressão, potenciando a desvantagem e vulnerabilidade efetiva da vítima, pois que está apurado que o arguido BB exibiu um instrumento cortante – faca - às vítimas, demovendo-as de resistir.
Os bens, que os arguidos quiseram e conseguiram fazer seus contra as vontades dos respetivos proprietários, tinham um valor inferior a €102,00 – cfr. artigo 202 c) do Código Penal, o que faz operar a norma do nº 4 do artigo 204º, que funciona como limite negativo ao tipo objetivo de ilícito de roubo qualificado.
Pelo que estes dois arguidos, apesar de comprometidos com a circunstância especial qualificativa prevista no nº 2 f) do artigo 204º, ex vi artigo 210º b), ambos do Código Penal, não podem ser condenados por crimes de roubo agravado pelo qual não estavam, aliás, acusados.
Relativamente aos elementos subjetivos do tipo incriminador, resultou provado que os arguidos BB e MM, nestas duas situações, agiram dolosamente, ou seja, com conhecimento e vontade de produzir o resultado almejado, querendo retirar os bens à vítima mediante a ameaça do emprego de violência, sabendo estes não lhe pertenciam e de que atuavam contra a vontade do proprietário.
Bem sabiam, os dois, como se viu, que tal conduta não lhes era permitida mas, ainda assim, quiseram livremente agir do modo descrito, atuando com dolo direto, porquanto dispõe o art.º 14º, nº 1 do C.P. que “Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar”.
E atuaram, também aqui, com a especial intenção de subtrair estes bens e valores com recurso a um ambiente de intimidação, mesmo sabendo que, sobre ele, não podia exercer qualquer direito e que atuava contra a vontade do dono.
Preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal do crime de roubo simples, na forma consumada, e inexistindo causas de exclusão da ilicitude do ato ou da culpa dos arguidos, conclui-se que estes cometeram, em coautoria material (cfr. artigo 26º do Código Penal), o crime de roubo, previsto pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), em conjugação com a alínea f) do n.º 2 e nº 4 do artigo 204.º, ambos do Código Penal.
Sem necessidade de mais considerandos, e por não se considerar, quanto a ele, existir o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime imputado, o arguido OO deverá ser absolvido dos crimes de roubo de que estava acusado.
E, igualmente, por não se ter comprovado o seu envolvimento em duas situações, também o arguido MM deverá ser absolvido de dois crimes de roubo por que estava acusado, previstos e puníveis pelo art.º 210.º n.º 1 e n.º 2 al. b), por referência ao art.º 204.º n.º 2 al. f) e n.º 4, ambos do Código Penal.
(…)
Concretamente na escolha e determinação da pena, fundamentou:
(…)
Os arguidos BB, FF e AA são, atento o acima exposto, condenados pela prática de crimes de roubo simples, previstos e puníveis pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal ou previstos e puníveis, em outras situações, pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência aos artigos 202º c) e 204.º, n.º 2 alínea f) e nº 4, todos do Código Penal, com pena de prisão de 1 a 8 anos.
Em sede de determinação das consequências jurídicas do crime e da reação criminal adequada, a culpa e a prevenção funcionam como critérios gerais orientadores da medida da pena, tendo esta, sempre, como limite, aquela, que é justamente o seu suporte. Relevantes para encontrar a "medida da culpa", são os próprios ilícitos típicos, enquanto apreciados nas suas consequências típicas, que lhe conferem uma certa "imagem" ou sentido social.
Excluída a aplicação, em alternativa, de duas penas, há que determinar a medida da pena.
No entanto, verifica-se, no entanto, que os três arguidos ora condenados eram, todos, à data dos factos, menores de 21 anos.
Nos termos do art.º 9º do Código Penal, “aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”.
Esta legislação especial está contida no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro (Regime Especial para Jovens), e assenta na ideia de que o jovem delinquente é merecedor de um tratamento penal especializado, “não só porque a sua capacidade de ressocialização é mais fácil, por se encontrar no limiar da maturidade, como ainda porque se deve evitar, em princípio, um tratamento estigmatizante”.
O Decreto-Lei nº 401/82, aplica-se a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime – nº 1 do art.º 1º.
Para efeitos do Decreto-Lei nº 401/82, é considerado jovem o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos – art.º 1º, nº 2. É o caso dos três arguidos ora condenados.
Nos termos do art.º 4º daquele regime, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Analisada a matéria de facto provada, verifica-se que todos os arguidos eram primários à data, ainda que os arguidos MM e o arguido JJ tenham, entretanto, sido condenados, além do mais, pela prática de crimes de roubo e de crimes de roubo qualificado, respetivamente.
A conduta globalmente adotada pelo arguido BB é mais censurável, mas este contribui ativamente para a descoberta da verdade, revelando arrependimento.
Também o arguido MM acaba por contribuir decisivamente para a descoberta da verdade, sendo que, também ele, se mostra arrependido.
Os relatórios sociais, ainda que apontem fatores de risco, permitem concluir que estamos, no que tange a estes dois arguidos, perante personalidades ainda propensas à recuperação social.
O regime especial para jovens delinquentes oferece opções para o cumprimento de penas que sejam mais adequadas para a idade e desenvolvimento dos jovens.
Vista a juventude dos arguidos BB e MM e as personalidades que se refletem não apenas nos factos assentes, bem como reação e reflexão sobre o processo de que são alvo, entende-se que, em concreto, existem vantagens para a recuperação social destes dois jovens na aplicação do regime especial para jovens delinquentes.
Já quanto a AA, para além das condenações que, entretanto, sofreu, denunciarem uma personalidade propensa para as práticas delituosas, este demonstrou desprezo quanto à sua situação processual, não contribuindo para a realização do relatório social. Sendo que o arguido se decidiu por não comparecer em audiência.
Assim, nada permite concluir pela existência de vantagem para a recuperação social do arguido na aplicação do regime especial para jovens ao arguido AA.
Decide-se que se deverá ser aplicar apenas aos arguidos BB e FF o regime punitivo mais favorável consagrado no DL nº 401/82, de 23 de setembro, já que favorável à respetiva reintegração social.
Excluída a adequação de medidas corretivas previstas neste diploma, atenta a gravidade dos factos, entendemos que estes dois arguidos deverão beneficiar tão somente da atenuação especial da pena, contemplada no artigo 73º, nº 1 do Código Penal ( “a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço; b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos e ao mínimo legal se for inferior”).
Pelo que as penas abstratamente aplicáveis pelos crimes de roubo simples devem ser fixadas entre o mínimo de um mês e o máximo de 5 anos e 4 meses.
Importa, assim, determinar a medida de cada pena de prisão aplicável a cada um dos crimes e a cada um dos arguidos, sendo sempre a medida da culpa e as exigências de prevenção a marcar o limite da pena (cfr. art.º 71º do CP). Este artigo estabelece, no seu nº 1, a orientação base para a medida da pena a aplicar: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
No nº 2 alude-se às “circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.”.
Posto isto, analisar-se-á a situação de cada arguido.
(…)
2.4. Arguido AA.
Considera-se, quanto a este arguido:
a) Repetem-se, aqui, as considerações já aduzidas a propósito da pena a aplicar ao arguido BB, pelo que o grau de ilicitude é mediano. A atuação do arguido AA não é descriminada em qualquer ato concreto, mas é indispensável à realização dos factos que ora se punem por aumentar a vantagem numérica sobre as vítimas.
b) O dolo é direto e a intensidade do dolo é média, ainda que este arguido adira a um modo de atuação já ensaiado pelos seus outros dois coarguidos que são, agora, condenados.
c) No plano da prevenção especial, observa-se que também este arguido era primário, mas veio a ser, entretanto, condenado em três processos, num dos quais por roubo agravado.
d) As exigências de prevenção geral são, pelo que já se observou a propósito do arguido BB, elevadas.
e) os aspetos vitimológicos não são, como se disse, preocupantes, não tendo sido relatada qualquer alteração de rotinas.
f) O arguido demonstra desprezo pela sua situação processual.
Assim, tudo sopesado, e ponderando a juventude do arguido, entende-se ser de graduar as penas de prisão parciais a aplicar ao arguido AA em 2 (dois) anos de prisão.
2.4.1. Do cúmulo jurídico da pena aplicadas ao arguido AA
Também este arguido é condenado por três crimes, em penas da mesma natureza, que estão numa relação de concurso.
Havendo que aplicar a este arguido uma pena única, verifica-se que este arguido deverá ser condenado, de acordo com o artigo 77º do Código Penal, numa pena entre 2 anos de prisão e 6 anos de prisão.
Vista a moldura penal, as consequências para as vítimas e o panorama geral da atuação deste arguido, entendemos ser de graduar a pena em 3 anos de prisão, igualmente correspondente ao terço da moldura penal.
2.5. Da suspensão da execução das penas de prisão aplicadas a todos os arguidos.
Os arguidos são, todos, condenados em penas de prisão de duração inferior a 5 anos.
Dispõe o art.º 50 º do Código Penal, que o “1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. (…)
O nº 5 prevê que “O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”.
Pelo que está reunido, em relação a todos os arguidos, o pressuposto formal de aplicação da pena – foi-lhes aplicada uma pena de prisão igual ou inferior a 5 anos.
Os relatórios sociais dos arguidos MM e BB permitem antever que as personalidades demonstradas pelos arguidos permitem fazer crer que se podem ressocializar para o direito.
Os arguidos são os três jovens.
O arguido BB é primário os arguidos JJ e MM só sofreram condenações após os factos.
Acresce que o arguido BB e MM permanecem privados da liberdade há mais de um tempo, tempo que lhes serviu de reflexão e contribui para atingir as finalidades da punição.
Assim, este primeiro contacto dos arguidos com esta realidade é de molde a concluir que a mera ameaça com pena de prisão poderá contribuir para alcançar as finalidades de prevenção especial.
Pelo que se entende que será possível fazer, em relação a todos os arguidos, um juízo de prognose favorável de reintegração social.
Pelo que decidimos pela suspensão das penas aplicadas aos arguidos ora condenados pelo tempo correspondente à medida das respetivas penas.
Prevê o artigo 53º do Código Penal que: “1 - O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade”.
O nº 2 explicita que “O Regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado sobre vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.”
O nº 3 prevê que “regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade”.
Ora, os arguidos eram, à data da prática dos factos, como se viu, todos menores de 21 anos, não se podendo deixar de se lhes impor o regime de prova.
(…)
***
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão do arguido recorrente.
I. o invocado recurso da matéria de facto
Como se deixou dito, o recorrente pretende impugnar a matéria de facto, no sentido de proceder este Tribunal de recurso à audição de toda a prova para reapreciar a mesma.
Ao que resulta desta forma de dizer, diríamos que o arguido recorrente anuncia uma impugnação nos termos do disposto pelo art.º 412º do Cód. Proc. Penal.
De facto:
Em matéria de apreciação da prova, o art.º 127° do Cód. Processo Penal dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
É o chamado princípio da livre apreciação da prova.
No entanto, ao contrário do que afirma a ignorância1, esta liberdade afirmada como princípio de apreciação de prova está longe de ser arbítrio ou valoração puramente subjectiva, obedecendo, ao invés, a critérios lógicos e objectivos que determinam uma convicção racional, objectivável e motivável.
Não totalmente objectiva pois que, nessa actividade, o (…) desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais (...) 2.
No mesmo sentido, ensina Cavaleiro Ferreira que o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza cientifica que se devem incluir no âmbito do direito probatório 3.
Assim, a livre valoração da prova, não podendo ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, deverá antes ser entendida como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitia objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.
Valorar a prova implica racionalizar os elementos probatórios dentro da lógica de um sistema de regras pré determinadas quanto à validade deles, e depois discerni-los na dinâmica da apreciação crítica que se integra na lógica e regras de experiência e normalidade [relativas a contextos de que se extraiam similitudes e/ou dissidências], com recurso aos conhecimentos científicos [quando necessário], de modo a garantir uma motivação da decisão de facto íntegra e da máxima linearidade.
Estas fases por que passa o juízo de valoração constituem, na realidade, níveis de depuração do processo intelectual que deve fazer o decisor: num primeiro momento, fazendo a avaliação da prova dentro do quadro da respectiva legalidade/admissibilidade e, interferência da imediação, de acordo com critérios de maior ou menor credibilidade; e num segundo momento, interligando esses elementos através de deduções e induções que realiza a partir dos factos probatórios, baseadas nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos [tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência], sendo, no entanto, que esta objectividade não é a objectividade científica (sistemático-conceitual e abstracto-generalizante), é antes uma racionalização de índole prático-histórica, a implicar menos o racional puro do que o razoável, proposta não à dedução apodíctica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, o que se manifesta não em termos de intelecção, mas de convicção (integrada sem dúvida por um momento pessoal), ou seja, a convicção da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável 4.
Ora, o arguido vem afirmar que o Tribunal a quo, errando o julgamento dos factos, deu como assentes factos que não resultam de qualquer prova.
No entanto, ao pretender impugnar aquela convicção e enquadrando a questão nos termos do disposto pelo art.º 412º do Cód. Proc. Penal, que aliás nem invoca, o arguido recorrente fá-lo de forma absolutamente anómala, sem cumprir, sequer pelos mínimos, os ónus impostos pelos números 3 e 4 desse preceito.
A bem dizer-se, não cumpre esses e nem quaisquer outros, uma vez que nem sequer indica, por salvaguarda que fosse, potenciais vícios decorrentes, ou do art.º 379º do Cód. Proc. Penal, ou do art.º 410º desse mesmo diploma.
Neste caso [art.º 412º citado], o recorrente pretende que o tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1ª instância, alegadamente mal apreciada.
O incumprimento, porém, das formalidades impostas pelo art.º 412º, n.ºs 3 e 4 citados, por omissão ou por deficiência, impossibilita e inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto pela via ampla, deteriorando a exequibilidade da sindicância da decisão de facto ao nível mais alargado.
Por esse motivo, é absolutamente inviável a reapreciação da prova nos termos pretendidos, ou seja, a reapreciação de toda a prova com recurso às gravações.
No entanto, do incumprimento das especificações pelo recorrente daquelas exigências legais, não resulta que a Relação fique desobrigada de sindicar o acórdão recorrido, mesmo na parte relativa à decisão da matéria de facto, devendo fazê-lo através da análise do seu texto, perscrutando se enfermará de um eventual erro notório na apreciação da prova (ou de outro vício) que possa ter condicionado a demonstração dos factos que se encontram impugnados no recurso.
Ou seja, a apreciação será feita nos termos previstos pelo disposto no art.º 410º do Cód. Proc. Penal, ainda assim.
Desde já se notando que da leitura da decisão recorrida não decorre a existência de qualquer dos vícios de conhecimento oficioso a que alude o art.º 379º daquele mesmo diploma.
Vejamos, então.
II. apreciação de eventuais vícios do art.º 410º do Cód. Proc. Penal
Estes serão os vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do art.º 410º citado, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento5.
Ora, lida a decisão de facto da decisão recorrida, nada resulta de onde se extraia a verificação de qualquer dos enunciados vícios.
Ao contrário, lida a motivação de recurso do arguido, a convicção com que se fica, errada por sinal, é de que o Tribunal a quo se limitou a credibilizar as declarações dos seus co arguidos, numa audiência a que o arguido não compareceu, com isso invertendo a realidade dos factos.
Porém – e quanto às declarações de co-arguido voltaremos adiante -, não é nada disso que resulta da decisão.
O Tribunal a quo deixou esclarecido logo no início da motivação que:
(…)
A convicção do tribunal assentou, em suma, no confronto das declarações produzidas pelos arguidos BB e MM com os depoimentos de II, HH, DD, EE e NN, com os documentos carreados para os autos, tudo crivado por um critério de experiência comum.
Apenas estes dois arguidos se decidem prestar declarações e esclarecer os autos, optando o arguido OO por se remeter ao silêncio e o arguido AA por não comparecer nas várias sessões, não tendo o tribunal logrado trazê-lo sob detenção.
Este arguido também não colaborou com a DGRSP, sendo desconhecidas as atuais condições económicas e sociais, com exceção de se saber, por informação colhida pela PSP, que vive com a sua mãe, em casa desta, após ter saído, recentemente, do Estabelecimento Prisional, o que resulta de pesquisa na base de dados dos Serviços Prisionais.
(…)
Depois de enunciar as situações, como se percebe, por reporte aos NUIPCs indicados nos factos provados, o Tribunal a quo vai explicando, em cada uma delas, que elementos ponderou e, confrontado com as declarações dos arguidos que estiveram presentes e quiseram prestá-las, o Tribunal a quo ainda explica porque razão não contou com as declarações do recorrente – porque este não compareceu às várias sessões e, quando tentado levar com mandados, ainda assim não se logrou conseguir.
Da avaliação que faz dos elementos de prova que sucessivamente indica não resulta nenhuma contradição na sua ponderação.
As conclusões do Tribunal a quo relativas à matéria de facto estão em consonância com a prova produzida. Resultando, assim, perfeitamente claro que a discordância do recorrente de pouco vale, porque se impõe o estatuído no citado art.º 127º do Cód. Proc. Penal.
Ora, a valoração das provas, reportada à credibilidade dos depoimentos, é eminentemente subjectiva, dependendo, essencial e substancialmente, da imediação.
Este princípio, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas, maxime testemunhal, e permite, num quadro de emissão e recepção de sinais de comunicação, potenciar a adequada apreciação dos depoimentos.
Importando, com isso, ter assente que sempre que os critérios subjectivos expressos pelo julgador se apresentem com o mínimo de consistência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, a convicção sobre os factos se mostre alicerçada, para além da dúvida razoável, de forma consistente, coerente e consequente, tal juízo há-de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais.
E é precisamente o que aqui se demonstra: o Tribunal a quo pondera a prova com razoabilidade, colhendo dela a verdade dos factos que se mostra, de acordo com o seu juízo crítico que faz, consequente e decorrente daquela prova, concluindo, com a liberdade imposta pelo art.º 127º citado, como conclui, o que lhe determinou a fixação da matéria de facto da forma como ficou feita.
Não se vê qualquer falha neste processo.
Razão pela qual, quanto a isto, improcede o recurso interposto.
III. as declarações de co-arguido e a conformação da prova
Convém ter presente que as declarações de arguido constituem um meio de prova específico, advindo essa qualidade do facto de não lhe ser imposto sequer o dever de falar, de, falando, não lhe ser imposto o dever de verdade [factores que afastam desde logo as suas declarações das das testemunhas, sejam elas assistentes ou deponham em qualquer outra qualidade], e poderem essas declarações, quando confessórias, ser valoradas até em detrimento da restante prova [por declarações], como é o caso da confissão integral e sem reservas.
Também importa não olvidar que o direito penal assenta no princípio da culpa que, numa das suas diversas dimensões, concorre de forma decisiva, também para avaliação da chamada questão da culpabilidade e escolha/determinação da pena.
Assim, as declarações de arguido revestem uma importância fundamental no processo penal. Tal como o seu silêncio.
Nos termos do disposto pelo art.º 125º do Cód. Proc. Penal, são admitidas para formação da convicção do julgador todas as provas que não foram proibidas.
Tratando-se de declarações de arguido, por maioria de razão, aquilo que entenda dizer sobre os factos deve poder dizer. O que significa que, por justaposição de argumentos, e até por maioria de razão, devem poder ser ponderadas essas declarações pelo Tribunal. Tanto naquilo que delas decorra a seu favor como contra.
O pressuposto fundamental é, pois, o da vontade que tenha em fazê-lo.
Assim que o faça, como é óbvio, pode ser ponderado o que diga.
Isto é assim, independentemente da fase do processo em que estejamos.
Certamente aceitamos, como parece de óbvia conformidade ao direito, que o Tribunal possa, e deva ponderar as declarações de co-arguidos no processo penal.
Tal possibilidade decorre, desde logo, do art.º 125º citado, conjugado com outras normas de onde resulta essa possibilidade.
E sem que disto resulte qualquer inconstitucionalidade, como tem vindo a afirmar o Tribunal Constitucional, sobretudo desde 20046.
Ao nível a que estamos aqui, no entanto, a questão que se coloca é mais a de credibilidade do que a de admissibilidade, o que sempre dependerá da prudência com que o decisor souber avaliar cada declaração no contexto da prova, deixando esse juízo absolutamente clarificado na motivação da decisão.
Ou seja,
A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais co-arguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada á prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal nomeadamente no que toca á luta contra criminalidade organizada.
Como refere o Professor Costa Andrade é evidente que ninguém coloca em causa o princípio do “nemo tenetur se ipsum accusare” que deriva desde logo da tutela jurídico constitucional de valores ou direitos fundamentais como a dignidade humana, a liberdade de acção e a presunção de inocência em geral referenciados como a matriz jurídico constitucional do princípio. A lei processual penal portuguesa contém uma malha desenvolvida e articulada de normas através das quais se assegura acolhimento expresso às mais significativas exigências do princípio “nemo tenetur”. A começar e em se tratando de factos pertinentes à culpabilidade ou medida da pena, o Código de Processo Penal garante ao arguido um total e absoluto direito ao silêncio (art.º 61, nº l, al. c). Um direito em relação ao qual o legislador quis deliberadamente prevenir a possibilidade de se converter num indesejável e perverso privilegium odiosum, proibindo a sua valorado contra o arguido. E tanto em se tratando de silêncio total (art.º 343 nº1) como em se tratando de silêncio parcial (art.º 345° nº 1). Para garantir a eficácia e reforçar a consistência do conteúdo material do princípio “nemo tenetur” a lei impõe às autoridades judiciárias ou órgãos de polícia criminal, perante os quais o arguido é chamado a prestar declarações, o dever de esclarecimento ou advertência sobre os direitos decorrentes daquele princípio (confr a v. g. arts. 58 nº2, 61 nº1, al. a); 141 nº 4. 343 nº1).
A eficácia de tais normas é contrafacticamente assegurada através da sanção da proibição de valoração. Porém, a proibição de valoração incide sobre o silêncio que o arguido adoptou como a melhor estratégia processual e, como é evidente, não poderá repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal e que venha a precisar e demonstrar a responsabilizar criminalmente o arguido.
Seria necessária uma visão fundamentalista, e unilateral do processo penal, defender que o exercício do direito ao silêncio tivesse potencialidade para inquinar todo o meio de prova que, não obstante a sua regularidade, viesse a demonstrar a falência de tal estratégia de silêncio.
É evidente que tal argumentação não é aceite para quem, nos processos de grande criminalidade organizada, aposta a defesa dos arguidos no seu silêncio conjunto por uma questão de estratégia processual. Porém, não são tais visões parcelares e parciais que irão contribuir para elucidar a questão em apreço. Bem ao contrário daquela perspectiva, estamos em crer que o eixo fundamental da mesma questão reside no facto de o depoimento incriminatório estar sujeito ás mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, a sua sujeição á regra da investigação; da livre apreciação e do princípio in dubio pro reo. Assegurado que esteja o funcionamento de tais princípios e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artigo 32 da Constituição nenhum argumento subsiste á validade de tal meio de prova.
Aliás, a partir do momento em que o arguido depõe no exercício do seu direito de defesa é evidente que as suas palavras têm uma dupla conotação. sendo emergentes de um inviolável direito de defesa elas são também um meio de prova. Não é possível, em termos práticos, separar aquela realidade concreta que é o depoimento do arguido considerando ora como um exercício legítimo de um direito ora como meio de prova. Tal visão, para além de um inequívoco maniqueísmo, esquece que o processo penal visa a descoberta da verdade material e não de tantas realidades quanto aquelas que interessam aos diversos sujeitos processuais7.
Nem faria grande sentido excluir do acervo probatório uma prova que assenta no princípio de que os arguidos, principais actores nos factos, terem o direito a deles falarem, independentemente de a sua versão colher, ou não [conclusão que já decorre de pressupostos diversos], em obediência ao escopo do processo que terá de ser sempre a busca da verdade, ou da verdade material como se vai dizendo.
Se é um direito fundamental a defesa [verbalizada] de um arguido, não será menor direito a possibilidade de manter-se em silêncio. Já que a busca dessa verdade, sendo embora um fim do processo, não pode, em violação da justeza do mesmo, fazer-se a qualquer custo.
O que distingue o Estado de direito dos restantes é, precisamente, o cumprimento de regras que visam manter a integridade do direito do Estado. E não há Estado de direito quando se atropelem as exigências da lealdade e legalidade processuais.
Ao contrário do que se vulgarizou considerar, esta lealdade/legalidade processual, que encerra em si mesma a ideia do due processo of law, não se confunde com a idealização de que ao arguido tudo se permite no processo penal. Longe disso. Muito mais importante do que isso. O que está em causa é a necessidade de o Estado garantir que o processo através do qual se apura a culpabilidade, ou não, de uma pessoa é justo e digno, em face dos valores fundamentais que o Estado visa proteger e promover.
E o processo só é justo quando cumpre regras.
E as regras, em Democracia, visam a protecção de bens jurídicos fundamentais, sejam eles os tutelados pelas normas proibitivas penais, sejam aqueles que a Constituição garante, mas todos assentes no primado da dignificação da pessoa e da humanidade.
O que aqui está em causa é, como parece resultar evidente da alegação feita pelo recorrente, bem mais do que a questão de saber se pode o Tribunal de julgamento ponderar, como prova válida, as declarações incriminatórias de co-arguido.
A essa pergunta já respondemos, sem hesitação, de forma afirmativa, dentro dos condicionalismos resultantes da lei.
O que aqui está em causa é a credibilidade que mereceram tais declarações ao Tribunal de julgamento.
E essa credibilidade fica expressamente assumida no texto da decisão.
Daquilo que resulta da decisão recorrida, em nenhum momento deixou o Tribunal a quo de ponderar essas declarações de forma conjugada com a restante prova, validando inclusivamente o respectivo conteúdo de forma dialética, por tese e antítese, em face dos elementos de prova avaliados.
Conformando os padrões do silogismo judiciário à prova que foi discernindo, o Tribunal a quo limitou-se, por fim, a retirar dela as conclusões compatíveis.
Em nenhum momento sobreavaliou declarações onde não o podia fazer. Mas também não deixou de as ponderar, nos limites do possível, apenas porque este co-arguido dos que falaram descurou os deveres de comparência e colaboração com a justiça e, com isso, abriu mão do direito a ser ouvido e a contar, se quisesse fazê-lo, a sua versão dos acontecimentos.
Deste modo, também o condicionalismo previsto no art.º 345º do Cód. Proc. Penal se não verifica, razão pela qual o Tribunal a quo podia, como faz, ponderar as declarações de co-arguido neste caso. Ou seja, a ausência do recorrente nunca teria como efeito automático a não valoração das declarações que os seus co-arguidos decidissem prestar em julgamento, porquanto apenas se estivesse em causa a impossibilidade de a sua defesa contraditar os presentes é que essas limitações deviam ser consideradas.
Nada disso tendo acontecido, e sendo evidentes as cautelas com que fez essa ponderação, nada impedia o Tribunal a quo de valorar as declarações de co-arguido, ainda que essas concorressem, como se verificou de facto, para a prova de factos desfavoráveis ao recorrente.
Não esteve sequer, como tal, em causa qualquer violação do princípio da presunção de inocência e nem o Tribunal a quo, em face da prova produzida e avaliada, denunciou qualquer hesitação que impusesse a ponderação do princípio in dubio pro reo.
Não se verificando qualquer vício também a este nível de analise, improcede também nesta parte o recurso.
IV. o preenchimento do crime de roubo
O crime de roubo é de estrutura axiológica complexa, visando em simultâneo a protecção de bens jurídicos de natureza pessoal (a liberdade individual, de movimentos ou, amplamente, a saúde e mesmo a vida) e de natureza patrimonial (a propriedade, a posse). É, como tal, um tipo legal compsuntivo (se assim puder dizer-se), ou seja, é um tipo legal que consome o furto e a ofensa física ou ameaça.
Ao contrário de alguma Doutrina que se foi estabelecendo8, entendemos o roubo como tipo autónomo (não em sentido formal, porque este não traz dúvidas, mas em sentido material ou de substância), cuja autonomia advém precisamente da existência da coacção como meio de lesão dos bens patrimoniais9.
O Tribunal a quo, na respectiva motivação de direito, deixa evidente o processo de qualificação dos factos naqueles termos, sendo evidente a subsunção deles àquela categoria penal, por estarem verificados os respectivos elementos típicos.
Ao explicar o tipo, o Tribunal de primeira instância deixou claros os pressupostos que valorizou, a nível do comportamento objectivo verificado e do seu reporte intencional, mostrando-se isenta de reparo a decisão também nesse aspecto.
Como decorre do exposto, também nesta parte improcede o recurso.
V. medida da pena aplicada a cada crime e pena única
O arguido vem, à cautela e se se mostrar improcedente o mais, alegar a violação pelo Tribunal a quo das normas relativas à escolha e determinação da pena.
Apreciando.
Estamos perante um tipo de criminalidade grave, com consequências brutais para a sociedade e que gera pânico social, colocando em crise a segurança na sociedade em geral e nos concretos visados por este tipo de criminalidade violenta.
O Tribunal a quo ponderou todos os elementos relevantes.
E também o facto de o arguido não ter comparecido a julgamento, com isso não confessando os factos e não demonstrando qualquer auto crítica que pudesse ser ponderada a seu favor, alheando-se do mesmo julgamento e da censura social que o mesmo representa em face da violação da ordem jurídica em que consistiu o seu comportamento.
Tudo isto visto, vejamos a opção do Tribunal a quo.
A pena aplicada ao arguido recorrente foi de dois (2) anos de prisão por cada crime e, atento a que os crimes eram três, em cúmulo jurídico [2 a 6 anos de moldura], foi fixada a pena única de três (3) anos de prisão.
A moldura penal prevista na lei para o referido crime [cada um dos crimes, portanto] varia entre o mínimo de 1 ano e o máximo de 8 anos de prisão.
Foi afastada a aplicação do Decreto-Lei nº 401/82 de 23 de Setembro, ou seja, foi afastada a atenuação especial da pena por motivo de idade, esclarecendo o Tribunal a quo o seguinte [por comparação até aos restantes arguidos aqui julgados]:
(…)
Já quanto a AA, para além das condenações que, entretanto, sofreu, denunciarem uma personalidade propensa para as práticas delituosas, este demonstrou desprezo quanto à sua situação processual, não contribuindo para a realização do relatório social. Sendo que o arguido se decidiu por não comparecer em audiência.
Assim, nada permite concluir pela existência de vantagem para a recuperação social do arguido na aplicação do regime especial para jovens ao arguido AA.
(…)
Ou seja, o Tribunal a quo afastou a aplicação daquele regime especial para jovens delinquentes porquanto este arguido, aqui recorrente, para além de uma condenação sofrida antes desta decisão mas já depois dos factos [portanto, ponderada apenas na medida em que devia ter surtido no arguido, pelo menos, a preocupação e interesse por este processo, fazendo-o comparecer e interessar-se pelo mesmo] sem que isso o fizesse repensar nas prioridades da sua inserção social, manifestou total ausência de interesse pelo processo, pelo julgamento, alheando-se daquilo que é a censura que a sociedade faz, através do tribunal, quanto ao seu comportamento violador de bens jurídicos importantes e, desde logo, com reporte também à sociedade, enquanto deflagradores de sentimentos de insegurança entre os cidadãos.
Não vemos, também aqui, qualquer razão para divergir dessas ponderações.
Ao arguido foi, como tal, aplicada uma pena por cada crime que se situa no terço inferior da moldura abstracta e, como pena única, foi fixada uma pena que respeita exactamente o mesmo critério, aplicando-se-lhe a pena única de 3 anos.
Atentemos.
Conforme ensina Figueiredo Dias, a fixação da pena deverá obedecer ao critério geral consignado no artigo 71º e ao critério especial previsto no artigo 77º, nº1, ambos do Cód. Penal, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique 10, relevando, na avaliação da personalidade do agente.
Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes ao crime em causa (cfr. art.º 77º nº1, 2ª parte) como acima se deixou, conclui-se que a pena fixada na primeira instância foi criteriosamente ponderada e, nessa ponderação, até vantajosa para o arguido.
O arguido discute, sem que isso se compreenda, a medida dessa pena, sendo que, atenta a gravidade dos factos que se provaram, e estando nós perante criminalidade violenta, não tem qualquer razão, sendo as penas [parcelar para cada crime e única] fixadas pelo Tribunal a quo criteriosas: não o deixando de ser, são também favoráveis a um processo de reinserção que, finalmente, possa ser aproveitado pelo arguido.
Sendo a pena concreta aplicada fixada em medida inferior a 5 anos de prisão, importava apreciar e fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão da execução da pena de prisão (art.º 50º, nº 1 CP), como fez efectivamente o Tribunal a quo.
É sabido que não são considerações de culpa que interferem nesta decisão, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não de qualquer «correção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como esclarece Zift, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa.
Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência 11.
Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Já determinámos que estão em causa "não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise 12.
Por outro lado, importa esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer juízo de “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada 13.
A Jurisprudência tem vindo a acentuar que a suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o Tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado, que deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a proteção dos bens jurídicos violados, refletindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta ante et post crimen e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infração.
Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).
Contudo, importa considerar ainda a proteção dos bens jurídicos violados, a proteção da própria sociedade em relação ao agente do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente este último, se possa esperar que o mesmo não venha a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).
Na proteção dos bens jurídicos, será ainda de destacar que a reacção penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, inequivocamente, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
Da ponderação destes elementos, decorre que, por vezes, sobrepondo-se à função ressocializadora, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático.
Concretizando, os crimes praticados pelo arguido são objetivamente graves, suscitam grande censura e repúdio, sendo elevadas as exigências de prevenção geral e especial.
Senão, vejamos ainda.
O arguido, que não colaborou também com a DGRSP para a realização do respectivo relatório social, mostra-se minimamente integrado do ponto de vista familiar e pouco mais, de acordo com o apurado pela primeira instância.
O arguido invoca que o Tribunal a quo misturou «tudo no mesmo saco», pretendendo, pensamos nós, referir-se à sua situação com a dos co-arguidos, mas não tem também aqui qualquer razão.
Pelo contrário. Com o pouco que tinha o Tribunal a quo, a ponderação foi a mais favorável que era possível.
Diremos até mais: a sociedade não aceita, e não pode aceitar nunca, este tipo de actuação e depois a impugnação das decisões, invocando em benefício do arguido um facto a que apenas o próprio deu causa: não foi o Tribunal a quo que impediu o arguido de comparecer a julgamento ou lhe dificultou essa tarefa. Pelo contrário, foi o arguido que, estando-se imputada a prática de crimes graves, decidiu não se importar com o assunto, não se importar com a censura social à sua actuação, não colaborar, não mostrar, pelo menos, o respeito pela situação, a sua e a dos demais arguidos.
Basta olhar em redor para perceber que a maioria dos nossos cidadãos se debate actualmente com grandes dificuldades a todos os níveis, combatendo essas adversidades com trabalho honesto, legal e enriquecedor para a malha social.
O facto de o arguido, num contexto em que está inclusivamente minimamente integrado familiarmente, se ter disposto [concretizando-o], ainda assim, a cometer actos da gravidade dos que aqui se provam, dá-nos a indicação de que ainda tem caminho a fazer em termos de integração social [pois que não está socialmente integrado quem pratica crimes tão anti sociais como os aqui julgados], caminho esse que passa pela verdadeira interiorização do desvalor da conduta [que se percebe não ter sido conseguido], ao que acresce a circunstância de, neste contexto de notada gravidade, não perceber a sociedade a benevolência de qualquer pena que ficasse aquém daquilo que determinou o Tribunal de primeira instância.
A suspensão da execução da pena única fixada, sujeita às obrigações do regime de prova, afigura-se-nos, como tal, perfeitamente justificada.
O Tribunal a quo fez essas ponderações de forma correcta, nada havendo, como tal, também quanto à concretização da pena e modo de cumprimento, a apontar à decisão recorrida.
Por tudo quanto acaba de se expor, impõe-se declarar totalmente improcedente o recurso do arguido.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso interposto por AA, mantendo-se intocada a decisão do Tribunal a quo.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s e demais encargos legais, sem prejuízo de eventual isenção de que possa beneficiar quanto ao pagamento.

Lisboa, 08 de Maio de 2024
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO
Hermengarda do Valle-Frias
Margarida Ramos de Almeida
Adelina Barradas de Oliveira
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1. O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflecte – pensamento atribuído a Aristóteles.
2. Jorge Figueiredo Dias - Direito Processual Penal, Reimpr. da 1ª ed. 2004, Coimbra ed., p. 205.
3. Curso de Processo Penal, 1 vol., 1986 Reimpr. Universidade Católica, p. 211.
4. Jorge Figueiredo Dias - Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo ed., Lisboa 1993. p. 111.
5. Maia Gonçalves - Código de Processo Penal Anotado, 16ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva - Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; Simas Santos e Leal-Henriques - Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes - RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121.
6. Desde sobretudo o Acórdão 304/2004, que até sem o afirmar começa por separar questões que apareciam normalmente confundidas, tem sido clara a posição do TC quanto à conformidade constitucional da decisão do Tribunal que pondere declarações de co arguido em processo penal, respeitadas que sejam as cautelas e limites que o legislador consagrou.
7. Ac. STJ de 12.03.2008 – disponível em www.dgsi.pt\trl.
8. Simas Santos e Leal Henriques - Código Penal de 1982, ed. Rei dos Livros, 1986, p. 494.
9. Neste sentido, como a doutrina alemã, de que se destaca Esser.
10. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Coimbra - 1993, p. 290ss.
11. Figueiredo Dias, idem, p. 343 e 344.
12.  ibidem, p. 344
13. ibidem, p. 344 e 345