CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITOS
INVALIDADE PARCIAL
Sumário

I - Se o objecto da acção se reconduz-se à apreciação de uma alegada invalidade (parcial) de um contrato de cessão onerosa de créditos celebrado entre a Autora e o Banco 2... com o alegado fundamento de que parte do crédito cedido ser materialmente impossível e, por consequência, daí resultar a obrigação do Banco 2... de lhe pagar a quantia que a esse título recebeu indevidamente, a montante dessa questão o tribunal deve analisar e decidir se em face das Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomadas a respeito do Banco 2... os réus assumiram a responsabilidade que o Banco 2... poderia ter perante a autora emergente da alegada invalidade parcial do referido contrato de cessão de créditos.
II - Não tendo sido transmitida essa responsabilidade, existe um vício de natureza substancial que não permite à autora exigir qualquer responsabilidade ao Réu Banco 1... e à Ré O... derivada de uma eventual invalidade parcial do referido contrato de cessão de créditos.

Texto Integral

Processo: 112/20.4T8PRT.P1
Origem:Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível do Porto - Juiz 7

Relatora:Francisca da Mota Vieira

1º Adjunta: Isabel Rebelo Ferreira

2º Adjunto:António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório

A..., Lda., com sede na Rua ..., ..., Porto, instaurou a presente acção de processo comum contra:
1. Município 1..., pessoa colectiva n.º ...31, com sede no Largo ..., ... ...
2. B..., SA, pessoa colectiva n.º ...02, com sede na Rua ..., ... Apartado ...5 ..., Vila Nova de Gaia
3. Município 2..., pessoa colectiva n.º ...70, com sede na Praça ..., ... ...
4. Município 3..., pessoa coletiva n.º ...87, com sede na Praça ..., ... ...
5. C..., S.A., pessoa coletiva n.º ...93, com sede Lugar ..., ...
6. D..., pessoa coletiva n.º ...01, com sede Avenida ..., ... Vila Real
7. E... S.A., pessoa coletiva n.º ...11, com sede ..., ... Fafe
8. F... S.A., pessoa coletiva n.º ...27, com sede Rua ..., ..., ... ...
9. G... S.A., pessoa coletiva n.º ...90, com sede Rua ..., ... Santa Maria da Feira
10. H... S.A., pessoa coletiva nº. ...05, com sede Av. ... - ... ...
11. I... S.A., pessoa coletiva n.º ...31, com sede na Praça ... – r/c, ... ...
12. J... S.A., pessoa coletiva n.º ...87, com sede Largo ..., ..., Piso 1, ... Oliveira de Azeméis
13. K..., S.A., pessoa coletiva n.º ...51, com sede Avenida ..., ... Matosinhos
14. L... - Serviços Municipalizados de Água, Eletricidade e Saneamento da Câmara Municipal de ..., pessoa coletiva n.º ...91, com sede na Rua ..., Edifício ..., ... ...
15. M... - Empresa de Água e Saneamento de ..., S.A, com sede na Rua ..., ... ...
16. N..., pessoa coletiva n.º ...77, com sede na Praça ..., ... Santa Maria da Feira
17. Município 4..., pessoa coletiva n.º ...27, com sede no Largo ..., ... ...
18. Banco 1..., SA, pessoa coletiva n.º ...27, com sede na Rua ..., ..., ... Lisboa, e
19. A O..., S.A., NIF ...40 com sede na Avenida ... ... ...,

pedindo que

I- seja declarada:

    • a inexistência parcial do contrato de cessão de créditos celebrado em 26/01/2009 entre a A. e o Banco 2... (no valor de 364.290,81 €) e sem objecto material.
    • a nulidade parcial desse contrato por impossibilidade material na parte de 364.290,81 €.
    • a inexistência de valores a receber pelos 1.º a 17.º RR. enquanto donos de obra beneficiários das garantias bancárias que identifica relativamente às respectivas obras de construção.
    • a inexistência de quaisquer créditos destes 1.º a 17.º RR. emergentes das ids. garantias bancárias.
    • a obrigação destes RR. a restituírem e entregarem à A. essas garantias bancárias.
II- sejam condenados:
    • os RR. a restituírem as garantias bancárias à A..
    • os 18.º e 19.º RR. a solidariamente pagar à A. a quantia de 364.290,81 €, acrescida de juros moratórios a contar da citação à taxa comercial até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, alegou, em suma, que, tendo interesse económico e financeiro na viabilidade da sociedade que não é parte nos autos, “P..., S.A”, empreiteira a quem estava associada em diversas obras,  celebrou com a instituição de crédito o Banco 2..., (alegadamente,  adquirido pelo Banco Réu Banco 1..., SA), um contrato de cessão de créditos e dação em cumprimento através do qual o Banco 2..., mediante o preço de 1.329.200,00 € pago com a dação de um imóvel, lhe cedeu o crédito litigioso que tinha sobre a mencionada empresa construtora, no valor global de 1.608.029,78 €, dos quais 664.290,81 € correspondiam ao valor das garantias bancárias que o dito Banco 2..., beneficiário de livranças avalizadas, havia prestado a favor de diversos donos de obra para o caso de incumprimento dos respectivos contratos de empreitada pela referida construtora, em cujo subsequente processo de insolvência tal crédito comum de 1.608.029,78 €, inclusive os 664.290,81 €, foi reclamado.

Assim, defendeu, além do mais, que adquiriu o crédito futuro de 664.292,78 € do qual o  Banco 2... viesse a ser titular viesse a ter sobre a empresa construtora, P..., S.A”, se e  na medida em que as respectivas garantias bancárias fossem executadas pelos respectivos donos de obra beneficiários, e que, portanto, tendo  adiantado ao Banco 2... SA o preço correspondente à totalidade daquele valor, tem direito à devolução do valor das garantias não executadas pelos 1.º a 17.º RR. no total de 364.290,81 €.

Reproduz-se aqui a alegação vertida na petição inicial que releva quanto aos  1º a 17º Réus, para revelar a tese da autora.
75. Os donos das obras (1º a 17º Réus) a que respeitam cada uma das identificadas garantias bancárias procederam às respectivas recepções provisória e definitiva, lavrando os correspondentes autos, assinados pelo empreiteiro e pelo dono da obra.
76. Pelo que esses donos de obra( 1ºa 17ª Réus) nenhuma deficiência apontaram à execução dessas obras
77. Os donos de obra identificados ( aqui 1º a 17º Réus) devolveram essas garantias bancárias ao Banco 2... ou ainda as têm em seu poder.
78. E nunca as entregaram à aqui Autora nem ao empreiteiro.
79. De qualquer modo, o Banco 1..., aqui 18º Réu, na qualidade de garante da boa execução dessas obras, não teve que indemnizar os 1º a 17º Réus ( donos das obras garantidas) em qualquer quantia.
80. Sendo certo que ambos os 18º e 19ª Réus adquiriram direitos e obrigações do Banco 2... .
81. Pelo que esses 18º e 19ª Réus estão obrigados a entregarem à Autora o valor dessas garantias que ascendem ao montante de 364.290,81 €.
82. Dessa quantia, a empresa Q... já cobrou a quantia de 300.000 sobre o Banco 2... , resultando, assim, um saldo de 364.290,81 € de que a Autora é credora.83. Deste modo, o contrato celebrado é parcialmente inexistente ( no valor de 364.290,81 €) e sem objecto material.
84. Esse contrato de cessão de crédito é materialmente impossível na parte do valor de 364.290,81 €), pelo que é , nessa parte, nulo – artº 280º nº 1 Cod. Civil.
85. Pelo exposto, estão o 18º e 19 Réus obrigados a entregar à Autora o valor dessas garantias que ascendem ao montante de 364.290,81 €, que ficou a ser titular do valor dessas garantias.
86. O que deverá suceder mediante a devolução dos títulos ( garantias bancárias) pelos respectivos beneficiários , ou de declaração judicial de que estes nada têm a receber.

No que concerne aos 18º e 19º Réus, porque releva, reproduzimos aqui, a alegação da autora vertida na petição inicial, por forma a evidenciar, desde já, se a autora alega  factualidade essencial para suportar uma eventual condenação destes Réus, se e na medida em que os pedidos formulados na petição em 1º e 2º lugares, viessem a ser julgados procedentes:

“1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção civil, que desenvolve e prossegue no intuito de obter lucros –cfr doc 1.

2. O 18º Réu Banco 1... SA, adquiriu a instituição de crédito denominada Banco 2... SA, ingressando nos seus direitos e obrigações.

3. A 19ª Ré é uma sociedade anónima cuja constituição foi deliberada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, em reunião extraordinária de dia 20 de dezembro de 2015, bem como os respetivos Estatutos, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 145.º-S do RGICSF e que detém activos do Banco 2....( …)

21. Assim, a Autora adquiriu ao Banco 2... , pelo preço de 1.329.200.00 €, todos os créditos que este detinha sobre a sociedade P..., S.A e, que havia reclamado no referido processo de insolvência desta empresa.

22. Nesses créditos adquiridos e pagos pela Autora, consta o crédito emergente de garantias bancárias que, pelo valor de 664.292.78 €, a Autora adquiriu ao Banco 2....

23. Consequentemente, a Autora pagou ao Banco 2..., o valor correspondente a 664.292.78 €, por todas as garantias bancárias que este banco prestou.

24. Assim sendo, o Banco 2..., para garantia de todas as responsabilidades caucionadas a favor de diversas entidades, recebeu da Autora o valor de 664.292.78 €.

25. Pelo que, toda e qualquer garantia de obra que viesse a ser executada pelos donos de obra, ficou antecipadamente paga pela A.

26. No fundo, o Banco 2... recebeu, a título de preço antecipado a quantia de 664.292.78 €, para pagamento de responsabilidades emergentes de garantias de obra executadas pela sociedade P..., S.A que, eventualmente viessem a ser accionadas pelos donos destas.

27. E, o Banco 2... ficou com a obrigação de pagar essa quantia garantida por garantias bancárias às entidades beneficiárias das mesmas, logo que fosse interpelado por elas e caso ocorresse o evento que obrigasse a tal pagamento.

28. Tal evento era o incumprimento de execução das obras de construção civil em empreitadas de obras públicas.

29. Era pressuposto do contrato de cessão e condição essencial para a A. que o Banco 2... efectuasse o pagamento do valor de 664.292.78 € , - correspondente às garantias bancárias - aos respectivos beneficiários ( os aqui 1º a 17º RR.).

32. Neste contexto, o Banco 2... cedeu à Autora o crédito global que detinha sobre a sociedade “P..., S.A.”, crédito, esse que, incluía o valor das garantias bancárias prestadas e entregues por esta sociedade insolvente às diversas entidades garantidas.

33. Ora, esse crédito era condicional e futuro, pois estava subordinado ao cumprimento dos contratos de empreitada de construção de obras públicas executadas pela sociedade P..., S.A.

34. E estava subordinado ao pagamento da quantia de 664.292.78 € que o Banco 2... iria efectuar aos 1º a 17º Réus por conta desse incumprimento eventual da “P..., S.A.”.

35. E estava subordinado à existência e vencimento do crédito do Banco 2... sobre essa “P..., S.A.”, que se concretizaria e cumpriria com o pagamento de igual quantia que o Banco 2... fizesse aos 1º a 17º RR.

36. Esse crédito litigioso e condicional estava subordinado à condição de o Banco 2...   pagar     aos donos de obra (1º a 17º RR.) dos valores das garantias bancárias, correspondentes às deficiências e incumprimento da execução dos contratos de empreitada e execução das obras pelos montantes garantidos pelas garantias bancárias.

37. Crédito esse que este Banco 2... transferiu para a A.

38. Dessa quantia de 664.292.78 € , o Banco 2... pagou à empresa Q... a quantia de 300.000 , resultando, assim, um saldo de 364.290,81 € de que o Banco 2... não pagou .

39. Assim, o Banco 2... transmitiu e cedeu à A. um crédito no valor de 364.290,81 €, que não existe.

40. Pelo que esses 18º e 19ª Réus estão obrigados a entregarem à Autora o valor dessas garantias que ascendem ao montante de 364.290,81 €.

41. Como se disse e consta da cláusula 3º do contrato, a cessão do crédito contratada importou a transmissão para a A., cessionária, de todos os direitos, obrigações, garantias e outros acessórios dos créditos cedidos.

42. Mas a verdade é que o crédito cedido era parcialmente inexistente – na quantia de 364.290,81 €, - uma vez que na parte relativa às garantias bancárias não existia nenhum crédito sobre a “P..., S.A.”, uma vez que o Banco 2... não efectuou qualquer pagamento relativo ao acionamento das garantias bancárias.

43. Deste modo, na parte de 364.290,81 € €, o crédito cedido pelo Banco 2... à A. é inexistente.

44. Com efeito, o evento de incumprimento dos contratos de empreitada não se verificou.

45. Isto é, os contratos de empreitada de obras públicas que a Insolvente celebrara com os 1º a 18º Réus foram integralmente cumpridos por aquela.

46. Pelo que o Banco 2... não teve que despender qualquer quantia pela emissão das garantias bancárias a essas entidades.

47. Deste modo, o Banco 2... deveria ter pago aos 1º a 17º RR. as quantias tituladas pelas garantias bancárias , o que não se verificou.

48. Como essa condição não se verificou, pelo que o Banco 1... (que ingressou nos direitos e responsabilidades do Banco 2...) não teve nem terá que proceder o pagamento dessas quantias, tituladas pelas aludidas garantias bancárias às respectivas entidades garantidas pelas mesmas.

49. Deste modo, o contrato celebrado é parcialmente inexistente ( no valor de 364.290,81 €) e sem objecto material.

50. Esse contrato de cessão de crédito é materialmente impossível na parte do valor de 364.290,81 €), pelo que é , nessa parte, nulo – artº 280º nº 1 Cod. Civil.(…)

80. Sendo certo que ambos os 18º e 19ª Réus adquiriram direitos e obrigações do Banco 2... .

81. Pelo que esses 18º e 19ª Réus estão obrigados a entregarem à Autora o valor dessas garantias que ascendem ao montante de 364.290,81 €.”

Citados os Réus contestaram:

O Município 3..., impugnando por desconhecimento os factos relativos à relação jurídica entre a A. e as restantes partes, esclareceu que nenhuma das garantias bancárias prestadas pelo Banco 2... em relação às suas obras foi accionada e que, portanto, não chegou a nascer qualquer crédito para o Banco 2... ou para quem esta instituição cedeu o seu crédito, no caso a A.

O Município 1... invocou a excepção da ineptidão da PI assim como a excepção da sua ilegitimidade e impugnou a generalidade dos factos alegados pela A.

As Águas de Gaia, impugnando os factos que não lhe são imputáveis, reservou o direito de accionar a garantia bancária que lhe diz respeito e terminou pedindo a improcedência da acção.

A R. M... reconheceu ser beneficiária de uma garantia bancária à primeira solicitação prestada pelo Banco 2... em Outubro de 2006, a qual,  que foi por si accionada dando origem a uma acção judicial contra o Banco 2... no âmbito da qual as partes celebraram transacção por valor que foi pago e, como tal,  alegou que não tem a obrigação de devolver à autora a garantia que foi executada e paga pelo Banco 2..., pediu a improcedência da acção.

As R..., S.A., que sucedeu às D..., S.A., também reconheceu ser beneficiária de garantia bancária em parte accionada e no mais libertada.

O Município 4... defendeu a manutenção da sua garantia bancária.

Assim, destas contestações resulta que estes réus alegam que a autora afirmou na petição factos que não são verdadeiros e que antes de instaurar a ação deveria ter pedido informação aos réus sobre as concretas garantias.

O Banco 1... invocou a sua ilegitimidade e impugnou os factos alegados pela A., cujo pedido em relação a si entendeu dever ser julgado improcedente.

Finalmente, a O... salientou que foi criada como veículo de gestão de activos tendo-lhe sido transferidos, como de medida de Resolução aprovada pelo Banco de Portugal, os direitos e obrigações correspondentes a activos do Banco 2... mediante o pagamento de uma contrapartida, e já não quaisquer passivos, contingências, indemnizações ou responsabilidades.

.Por despacho de 5/03/2020 as C..., S.A., foi substituída pelas S..., S.A. que, citada, ofereceu Contestação invocando a sua ilegitimidade e pedindo a intervenção principal das T..., SA. que, admitida a intervir (despacho de 22/09/2020), contestou pugnando pela inexistência do alegado direito que a A. exerce contra si em virtude o mesmo depender do acionamento da garantia, que não se verificou, e, de todo o modo, que, em caso de acionamento da garantia, o respectivo direito constituir-se-ia contra a entidade que prestou a garantia e não contra a entidade que dela beneficia, como sucede consigo.

A A. respondeu às excepções invocadas pelas RR..

No decurso da ação a  A desistiu e efectuou transacções, homologadas por sentença, em relação à R. M... , sendo que relativamente a esta ré consta da transação que a autora reconhece que a garantia prestada pelo Banco 2... está extinta(fls. 175 v. e ss.), à R. Águas de Gaia (fls. 154 e ss.), à R. R... (fls. 186 e 192), à R. Município 1... (fls. 209 e 212), à R. U... e T..., S.A. (fls. 211 e ss.), à R. Município 4..., sendo que este na contestação alegou que ainda não tinha decorrido o prazo da garantia ( 10 anos) e que ainda não tinha ocorrido a receção definitiva da obra (fls. 334 v. e ss.) e à R. Município 3... (cujas garantias foram canceladas – fls. 342 e ss).

A A. pediu a intervenção principal do Banco 2..., S.A. – em liquidação e do Banco de Portugal que admitidos a intervir apresentaram, cada um deles, a sua Contestação, a que a A. respondeu em 17/10/2022, ampliando o pedido, o que veio a ser admitido por despacho de 13/12/2022.

Foi posteriormente proferido despacho saneador, além do mais, julgando extinta a instância relativamente às chamadas Banco 2... e Banco de Portugal, decisão mantida em recurso, e identificado o objecto do processo e enunciados os temas de prova, de que não houve reclamação.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento de acordo com o formalismo legal.

A A., e em virtude do acionamento das garantias bancárias pela R. M... no valor de 35.850,00 € e pelo Município 4... no valor de 39.540,78 € dum total de 47.435,26 € reduziu o pedido ao montante de 288.900,92 € e não ao montante por lapso inicialmente mencionado de 280.900,03.

Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.

Inconformada a autora interpôs recurso de apelação com impugnação de alguns itens da decisão de facto e no qual a autora pugna pela revogação da sentença proferida, reproduzindo-se aqui as conclusões:

1. Os factos provados na sentença recorrida impõem a conclusão de que os créditos cedidos eram parcialmente inexistentes e se, em face dessa inexistência, o contrato de cessão de crédito padece de nulidade insuprível.    

2. Com efeito, provou-se que o crédito cedido , sendo um crédito litigioso, não chegou a ter , em parte, objeto.

3. À data da escritura não existia qualquer crédito do Banco 2... sobre a sociedade P..., Ldª, os municípios e as outras instituições públicas , que estão demandados na ação.

4. O crédito de que o Banco 2... esse arrogou ser detentor sobre essas entidades era parcialmente inexistente; com efeito, apenas os municípios os Réus Município 4... e M... eram credores pelas quantias de 39.540,78€ e 35.850,00.€., respetivamente.

5. Em faze dessa inexistência parcial dos créditos objeto do contrato de cessão de créditos celebrado em 26/01/2009 entre a A. e o Banco 2... (no valor de 364.290,81 €) ficou este parcialmente sem objeto material no valor de 288.900,92€.

6. À mingua de existência desse crédito, e por falta de objeto, deve ser declarada a nulidade parcial desse contrato de cessão de crédito por impossibilidade material da cedência na parte do valor de 288.900,92€, nos termos do disposto no artº 280º Código Civil.

7. A inexistência de créditos e a impossibilidade parcial de objeto do contrato cedidos afetam a validade do contrato de cessão de crédito, com o vício de nulidade decorrenteda imposição do artº 280º nº 1 Cod. Civil.

8. Está provado que a devedora foi declarada, definitivamente, insolvente.

9. Não existe qualquer relação de causa e efeito entre a aquisição do credito litigioso (decorrente de meras garantias assumidas) e a viabilidade da devedora, ao contrário do que refere a sentença recorrida.

10. A devedora não teve continuidade da sua atividade nem que teve qualquer intenção de a retomar, o que é demonstrado pelos factos provados .

11. O interesse da A. no negócio não passa necessariamente, pela viabilidade da devedora, que fora declarada insolvente.

12. Não pode, afirmar-se, como o faz a sentença recorrida, que o preço convencionado e pago, na parte do valor das garantias bancárias, estivesse subordinado à execução das mesmas porquanto o seu valor, correspondeu a um benefício da A. a que a mesma teve acesso, o que não é demonstrado pela factualidade provada.

 Nem nenhuma das partes alegou essa circunstância!!!

14. Não se pode retirar a conclusão que o preço pago pela A. não foi fixado em função da eventual responsabilidade do Banco e do seu consequente futuro direito de crédito sobre o devedor.

15. Pelo contrário, o crédito cedido está perfeitamente identificado e os considerandos do contrato indicam expressamente que tal preço corresponde à eventual responsabilidade do Banco e do seu consequente futuro direito de crédito sobre o devedor.

16. OAnexo 2 da Deliberação CABanco portuga 20 Dezembro 2015- Doc 2 contestação Banco 2... diz expressamente que a transferência não pretende conferir a quaisquer contrapartes ou terceiros quaisquer novos direitos, nem permitir exercer quaisquer direitos que na ausência dessa transferência não existissem ou não pudessem ser exercidos sobre ou em relação aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 2... ou transferidos para o adquirente ou para a V..., S.A., incluindo quaisquer direitos de denúncia, de resolução, de vencimento antecipado, de oposição à renovação ou de compensação (netting/set-off), nem dar lugar a (i) qualquer incumprimento, (ii) alteração de condições, direitos ou obrigações, (iii) necessidade de aprovação, (iv) direito a executar garantias, (v) direito a efetuar retenções ou compensações (netting/set-off) entre quaisquer pagamentos ou créditos ao abrigo de tais ativos, passivos, elementos extra patrimoniais e ativos sob gestão transferidos.

17. Devem ser considerados provados os seguintes factos considerados como não provados pela sentença recorrida;

-O valor recebido pelo Banco 2... de 664.290,81 € foi sido a antecipação do pagamento das responsabilidades emergentes das garantias de obra executadas pela sociedade P..., S.A. que eventualmente viessem a ser acionadas pelos donos de obra.

-Foi pressuposto do contrato de cessão e condição essencial para a A. que o Banco 2... efetuasse o pagamento do valor de 664.292,78 € aos respetivos beneficiários.

18. Esta alteração da matéria de facto tem fundamento nos depoimentos das testemunhas AA, (designadamente quanto aos excertos do seu depoimento constante do registo da gravação -13.26, 14.15 e 19.27),BB ( pontos 13.12, 14.26, 14.28, 14.29, 15.21, 15.54, 15.58, 16.06, 17.46, 18.07, 18.23, 18.40, 18.48, 31.45, 32.40, 32.42, 32,51, 32,53, 32.55, 33,04, 33,10 e 33.20 do respetivo depoimento)e das declarações de parte do legal representante da A.. CC         (pontos 23.07 e 26.04 do registo de gravação.)

19. Os mesmos excertos dos depoimentos das testemunhas AA e BB e das declarações de parte de CC a que se faz alusão no antecedente item 18 desta conclusões, constituem fundamento probatório para que os factos 14 e 15 da sentença recorrida sejam julgados como não provados.

20. A sentença recorrida decidiu incorretamente quanto à matéria de facto, fez uma incorreta apreciação da prova não tendo levado em conta factos determinantes e relevantes para a decisão a proferir, caindo em erro de julgamento.

21. Deve o Tribunal da Relação utilizar os poderes do art.662º nº 2 do CPC em sede de reapreciação da prova procedendo à modificação da decisão sobre a matéria de facto.

22. Verifica-se erro de julgamento, quando é dado como provado um facto sobre o qual não foi feita qualquer prova e que, por isso deveria ser julgado como não provado, ou quando é dado como não provado que, perante a prova produzida, deveria ser dado como provado.

23. O tribunal a quo decidiu incorretamente , incorrendo em erro na apreciação da matéria de facto, quando julgou provados os factos vertidos nos pontos 12 , 13, 14 e 15 da decisão sobre a matéria de facto, os quais deveriam ser julgados como não provados, sendo que quanto aos pontos 12 e 13, além do mais também desconsiderou as declarações de parte do legal representante da Autora, não contraditadas por qualquer outro meio probatório e, especificamente as constantes dos pontos 57.45, 58.53, 59.06, 1.00.53, 1.01.13 e 1.01.20.

24. A Relação deve dar como provados os factos que a sentença recorrida deu como não provados e que são os seguintes:

- O valor recebido pelo Banco 2... de 664.290,81€ foi a antecipação de pagamento das responsabilidades emergentes das garantias pela sociedade P..., Sa, que eventualmente viessem a ser acionadas pelos donos de obra.

- Foi pressuposto do contrato de cessão de créditos e condição essencial para a Autora que o Banco 2... efetuasse o pagamento do valor de 664.292,78€ aos respetivos beneficiários.

25. A fundamentação para esta alteração da decisão sobre matéria de facto consiste nos depoimentos das testemunhas AA, BB e DD e nas declarações de parte do legal representante daAutora -CC, sobreditamente transcritos .

26. Do conjunto dos depoimentos destas testemunhas e bem assim do depoimento do legal representante da Autora, não se extrai, sequer indiciariamente, que caso esta não tivesse interesse na viabilização económica financeira da insolvente não teria celebrado o contrato de cessão de créditos em causa nos autos.

27. Nem de tal contrato se extrai tal factualidade julgada como provada, nem dos autos se colhe qualquer outro elemento probatório apto a confirmar essa factualidade.

28. De tudo isto resulta que a Relação deve alterar a decisão sobre a matéria de facto operada pela sentença recorrida, dando como não provados os pontos de facto que este deu como provados sob os nºs 12 e 13 da decisão sobre a matéria de facto.

29. Quanto aos factos provados pela sentença recorrida sob os pontos 14 e 15 da decisão sobre a matéria de facto, ainda que resulte exclusivamentedo teor do contrato de cessão de créditos objeto dos presentes autos, deverá ser retirada do elenco dos factos provados.

30. O que está aqui em causa não se reconduz à questão da modificação ou redução do crédito nem à viabilidade ou inviabilidade do plano de insolvência da sociedade construtora.

31. De igual modo, também não está aqui em causa qualquer questão atinente à eventual exigibilidade ou exequibilidade do crédito cedido.

32. A questão é outra, e centra-se exclusivamente no pressuposto de que a Autora adquiriu no tocante ao valor correspondente às garantias elencadas na petição inicial, um crédito potencial, um possível crédito, o qual apenas existiria se e na medida em que as garantias fossem executadas pelo respetivos donos de obra total ou parcialmente.

33. Sendo que a Autora pagou esse crédito pela totalidade, como se as garantias viessem a ser executadas pela totalidade, quando não o foram.

34. Tratou-se, no fundo, de uma antecipação de preço, sendo que na parte correspondente ao valor das garantias não executadas, o Banco 2... teria que restituir à Autora aquilo que recebeu a mais e não pagou, e nessa medida como alega a Autora, o contrato de cessão de créditos é nulo nessa parte, por impossibilidade material de objeto.

35. Para a alteração dos factos que a sentença recorrida deu como não provados os fundamentos consistem nos depoimentos das testemunhas AA e BB e, bem assim das declarações de parte do legal representante 110 da Autora -CC, sobreditamente transcritos.

36. Todos eles referiram, em síntese e de forma assertiva, que o valor recebido pelo Banco 2... a título de garantias configurava um crédito potencial, que pressupunha que as garantias viessem a ser executadas na totalidade e caso assim o fosse pelos beneficiários das mesmas, entenda-se os donos de obra, tratando-se, basicamente, de uma antecipação de preço.

37. Na esteira dos depoimentos destas testemunhas, a parte antecipada para pagamento ao Banco 2... mas que não se tornou necessária para o efeito, teria de ser restituída à Autora.

38. Nesta conformidade, deverão estes factos ser retirados do elenco dos factos não provados e julgados como provados.

Nestes termos e nos mais de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida e julgando-se parcialmente procedente a ação, condenando-se solidariamente os 18º e 19º RR a pagarem à Autora. a quantia 288.900,92 €, acrescido de juros desde a citação e até integral pagamento

O 18º e 19º Réus apresentaram contra –alegações, sendo que o 18º Réu , procedeu à ampliação do recurso a título subsidiário, para o caso de ocorrer a procedência do recurso.

Não foi apresentada resposta à ampliação do recurso.

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação do Porto, no dia 13.02.2024 foi proferido despacho cujo teor se reproduz:

Compulsados os presentes autos, analisada a sentença recorrida resulta que o tribunal de primeira instância não se pronunciou sobre a exceção dailegitimidade substantiva arguida nas respectivas contestações pelos 18º e 19º Réus, exceção que interferindo com o mérito da causa, constitui uma condição de procedência da própria ação na medida em que passa, em face da alegação vertida na petição inicial e com suporte nos documentos juntos aos autos, por apreciar e decidir “ quem é o efectivo titular do direito em questão”.

Sendo o princípio regra o do conhecimento oficioso das excepções dilatórias, o tribunal deve conhecer também oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado (cfr. resulta do artº 579 do C.P.C.), como as excepções de prescrição, de não cumprimento do contrato, entre outras.

Ora, a ilegitimidade substantiva de qualquer das partes por não ser o verdadeiro titular da relação material controvertida tal como ela foi apurada pelo tribunal é de conhecimento oficioso e impõe que o tribunal conheça oficiosamente dessa excepção e, que, conhecendo, se a entender por verificada, profira uma decisão de absolvição do pedido.

Assim, porque, com o devido respeito, essa exceção de conhecimento oficioso deveria ter sido apreciada e decidida a montante ( por se tratar de lapso manifesto, procedemos agora à substituição da locução “ a  jusante” pela locução “ a montante”) da apreciação e decisão da questão controvertida suscitada com referência à nulidade parcial do contrato de cessão de créditos a que aludem os factos provados e porque nos autos estão disponíveis todos os elementos necessários para a apreciação e decisão da arguidaexceção perentória, determino que se notifiquem cada uma das partes, recorrente e recorridas, para que cada uma, em dez dias, se pronunciem sobre a referida exceção.”

As partes pronunciaram-se, mantendo, a posição que tinham vertido nos articulados respectivos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Questões colocadas no recurso interposto pela autora e nas contra-alegações apresentadas:

A. Do recurso da Autora.

- Apreciar e decidir a impugnação da decisão de facto;

- Do Mérito da Sentença recorrida;

B.Da Ampliação do Recurso vertida nas contra-alegações do Réu Banco 1....

- Apreciar e decidir sobre a admissibilidade da ampliação do recurso pretendida pelo 17º Réu com impugnação da decisão de facto,

- Apreciar e decidir do mérito da ação.

III.Fundamentação.

3.1 Na sentença recorrida foram julgados provados e não provados os seguintes factos:

Factos Provados

Da PI

1.  A A. é uma sociedade comercial que se dedica, entre outros, à actividade de construção civil, que desenvolve e prossegue no intuito de obter lucros.

2.  O 18º Réu Banco 1..., SA., adquiriu direitos e obrigações do Banco 2....

3. A 19ª Ré é uma sociedade anónima cuja constituição foi deliberada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, em reunião extraordinária de dia 20 de dezembro de 2015, bem como os respetivos Estatutos, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 145.º-S do RGICSF, e que detém activos do Banco 2....

4. Entre a Autora e o Banco 2... foi celebrado em 26/01/2009, por escritura pública, um contrato de cessão de créditos e dação em cumprimento.

5. Nessa data o Banco 2... era titular de um crédito litigioso, no valor global de 1.608.029,78 € que detinha sobre a sociedade denominada P..., S.A.

6. Nessa quantia estava incluído o valor de 664.292.78 €, a título de garantias bancárias que o Banco prestou a favor de diversas entidades.

7. A quantia de 664.292,78 € correspondia ao valor das garantias bancárias que o Banco 2... prestara a favor de diversas entidades e autarquias, para boa execução de contratos de empreitada que essa empresa insolvente com elas celebrara, quantia essa que estava garantida por Livranças subscritas pela “Insolvente“ e avalizadas por EE, FF e GG, em poder do Banco 2....

8. Essas entidades beneficiárias dessas garantias bancárias são os 1º a 17º RR e essas garantias bancárias foram emitidas pelo Banco 2... à primeira interpelação (“on first demand”).

9. Nesse contrato foi declarado e reconhecido pela A. e pelo “Banco 2..., S.A.”, que este era titular de um crédito, litigioso, no valor global de um milhão seiscentos e oito mil e vinte e nove vírgula setenta e oito euros (1.608.029,78 €) sobre a sociedade anónima denominada “P... S.A.”, sociedade comercial que foi declarada insolvente no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, no Terceiro Juízo, com o processo número 606/08.0TYVNG.

10. O Banco 2... reclamou, nesse processo de insolvência este referido crédito, comum sem quaisquer garantias reais, pelo valor de um milhão seiscentos e oito mil e vinte e nove vírgula setenta e oito euros (1.608.029,78 €uros) tendo por base várias responsabilidades, designadamente, a quantia de 664.292,78 € (seiscentos e sessenta e quatro mil duzentos e noventa e dois vírgula setenta e oito euros) a titulo das referidas garantias bancárias que o Banco prestou a favor de diversas entidades e autarquias, para boa execução de contratos de empreitada..

11. Na data da assinatura desse contrato de cessão o Banco 2... devolveu à aqui A. as livranças supra mencionadas.

12. A empresa “Insolvente” era responsável pela execução de diversas obras em que a A. estava envolvida, havendo por isso uma forte interligação entre as actividades de ambas as empresas (A. e Insolvente), sendo fundamental para o normal desenvolvimento da actividade da A. que a viabilização da “Insolvente” fosse assegurada.

13. A A. tinha interesse em adquirir o crédito do Banco, o que sucedeu.

14. O Banco 2..., S.A. não garantiu a solvabilidade do crédito cedido e correram por conta e risco exclusivo da A. todos os factos, riscos, situações que se pudessem verificar, ou ocorrer e ou alterar, modificar ou reduzir o crédito, assim como a viabilidade ou inviabilidade e improcedência de qualquer plano de insolvência, cessão ou habilitação processual, e todas e quaisquer despesas decorrentes ou consequentes dessa cessão.

15. A sociedade “A..., Lda.” em nenhuma situação, seja ela qual fosse, teria direito à restituição ou redução do preço que pagou ao Banco 2... pela cessão.

16. Por via desse contrato, a A. adquiriu ao “Banco 2..., S.A.”, por cessão, e este por seu turno declarou ceder-lhe o crédito de um milhão seiscentos e oito mil e vinte e nove euros e setenta e oito cêntimos (1.608.029,78 euros) de capital e juros sobre a sociedade anónima denominada “P... S.A.”.

17. Nesse crédito estava incluído o valor de 664.292,78€ correspondente ao valor das garantias bancárias que o Banco 2... prestou a favor de diversas entidades.

18. O preço global da cessão foi de 1.329.200,00 €, que a Autora pagou ao Banco 2... através da dação em pagamento do seguinte imóvel sito na freguesia ..., concelho ...:

Prédio urbano: - no Lugar ..., terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o número .../mil novecentos e noventa e quatro zero oito dez (...77/19940810), registado definitivamente a favor da sociedade “A... Lda.” pela inscrição de aquisição Ap. dezoito de mil novecentos e noventa e quatro/zero oito/dez, inscrito na matriz sob o artigo ...65, com o valor patrimonial tributável de 270.495,59 €uros e atribuído de um milhão trezentos e vinte e nove mil e duzentos Euros – cláusula 2ª.

19. A cessão do crédito contratada importou a transmissão para a Autora de todos os direitos, obrigações, garantias e outros acessórios dos créditos cedidos, de que a A. tinha perfeito e cabal conhecimento – cláusula 3ª.

20. A Autora adquiriu ao Banco 2..., pelo preço de 1.329.200,00 €, todos os créditos que este detinha sobre a sociedade P..., S.A., e que havia reclamado no referido processo de insolvência desta empresa.

21. Nesses créditos adquiridos e pagos pela Autora, consta o crédito emergente de garantias bancárias que, pelo valor de 664.292,78 €, a Autora adquiriu ao Banco 2....

22. A Autora pagou ao Banco 2... o valor correspondente a 664.292,78 € por todas as garantias bancárias que este banco prestou.

23. O Banco 2... ficou com a obrigação de pagar essa quantia garantida por garantias bancárias às entidades beneficiárias das mesmas, logo que fosse interpelado por elas e caso ocorresse o evento que obrigasse a tal pagamento.

24. Tal evento era o incumprimento de execução das obras de construção civil em empreitadas de obras públicas.

25. A A. ficou de imediato com a faculdade de accionar a “P..., S.A.” pelo valor dessas garantias bancárias.

26.  Por via da aquisição desse crédito, por cessão, a A. ficou credora da quantia de 664.292.78 € sobre a entidade garantida (a insolvente).

27. O Banco 2... cedeu à Autora o crédito global que detinha sobre a sociedade “P..., S.A.”, crédito esse que incluía o valor das garantias bancárias prestadas e entregues por esta sociedade insolvente às diversas entidades garantidas, a saber:

28. Dessa quantia de 664.292,78 €, o Banco 2... pagou à empresa Q... a quantia de 300.000,00 €, à R. M... a quantia de 35.850,00 € e ao Município 4... a quantia de 39.540,78 €.

29. O Banco 2... não efectuou qualquer pagamento relativo ao acionamento das garantias bancárias no valor de 288.900,92 €.

30. Todas as obras para as quais foram prestadas as sobreditas garantias e que entregou a esses donos de obras foram executadas.

31. Os donos das obras (1º a 17º Réus) a que respeitam cada uma das identificadas garantias bancárias procederam às respectivas recepções provisória e definitiva, lavrando os correspondentes autos, assinados pelo empreiteiro e pelo dono da obra.

32. Pelo que, com excepção dos donos de obra supra mencionados em 28), esses donos de obra nenhuma deficiência apontaram à execução dessas obras.

33.  Estes donos de obra identificados devolveram essas garantias bancárias ao Banco 2... ou ainda as têm em seu poder.

34. E nunca as entregaram à aqui Autora nem ao empreiteiro.

35. O Banco 1..., aqui 18º Réu, não teve que indemnizar os respectivos donos de obras pelo valor de 288.900,92 €.

Da Contestação do R. Banco 1...

36. Na reunião extraordinária do Conselho de Administração do BANCO DE PORTUGAL, que teve lugar no dia 20 de Dezembro de 2015, pelas 23h30 horas   foi deliberado:

“b) Transferir para a V..., S.A. [actual O...], os direitos e obrigações correspondentes a activos do Banco 2..., S.A., constantes do Anexo 2 à presente declaração (…);

d) Alienar ao Banco 1..., S.A., os direitos e obrigações, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do Banco 2..., S.A., constantes do Anexo 3 à presente deliberação (…)”.

37. O património do Banco 2... foi dividido em três grupos de activos/ passivos:

a) o que foi transferido para a O... - Anexo 2 da Deliberação do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015 pelas 23h30;

b) o que foi transferido para o Banco 1... (doravante designado Banco 1...) - Anexo 3 da mesma Deliberação e

c) o remanescente, que permaneceu no Banco 2....

38. Pela medida de resolução foram transferidos para o Banco 1... “os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco 2..., registados na contabilidade”, e

39. “(b) As responsabilidades do Banco 2... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente, com excepção dos seguintes (Passivos Excluídos): …

(vii) quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;

xii) Todas as responsabilidades não conhecidas e as responsabilidades contingentes e litigiosa, com exceção das que sejam constituídas pelo Banco 2... no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do Banco 2... ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bands e outras contingências similares).

40. O imóvel dado em dação para pagamento do preço fixado pelas partes para a cessão de créditos em causa foi transmitido para a R. O....

Da Contestação da R. O...

41. Do Anexo 2 supra referido em 37. A) consta o seguinte:

“1. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 2. infra, os seguintes activos e direitos do Banco 2... são objecto de transferência para a V..., S.A.:

(a) Todos os activos imobiliários que sejam propriedade do Banco 2..., com excepção daqueles que estejam a ser utilizados ou ocupados pelo Banco 2... no exercício da sua actividade;

(b) Quaisquer acções ou unidades de participação emitidas por: (i) Banco 2... S.A.; (ii) W..., S.A.; (iii) X..., S.A.; (iv) Y..., S.A.; (v) Banco 3..., S.A.; (vi) Banco 2... Bank (Malta), plc; (vii) Banco 2...-Banco de Investimento, S.A.; (viii) Z..., S.A.,(ix) Aa..., S.A.; (x) Fundo Recuperação, FCR; (xi) Fundo de Recuperação Turismo, FCR; (xii) Vallis Construction Sector Consolidation Fund; (xiii) Ab....; (xiv) Discovery Portugal Real Estate Fund SCA SICAV SIF; (xv) Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR; (xvi) quaisquer fundos de Investimento imobiliário (com exceção do Banco 2... Property- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado) que devam ser consolidados nas contas do grupo Banco 2... à data desta decisão, incluindo, entre outros, Banco 2... lmopredlal - Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, Citation - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, Porto ..., ... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado e Banco 2... Renda Habitação - Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional; e (xvii) Banco 2... Pensões - Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.; 

(c) Quaisquer empréstimos a, ou outros montantes a pagar por: (i) entidades indicadas na alínea (b) com exceção daquelas indicadas na subalínea (b)(ix) a (b)(xv) e das suas filiais ou participadas; e (ii) quaisquer outros membros do Grupo Excluído (tal como definido na subalínea (viii) da alínea (b) do parágrafo 1. do Anexo 3), com exceção das entidades excecionadas pela presente subalínea (c)(i) e das entidades e respetivas filiais participadas que não estejam enunciadas na alínea (b) supra;

(d) Empréstimos concedidos pelo Banco 2... identificados no Anexo 2A a esta deliberação;

(e) Os valores mobiliários emitidos pelas entidades identificadas no Anexo 2B a esta deliberação, bem como os valores mobiliários nela identificados mesmo que não haja identificação da entidade emitente;

e

(f) Os activos, licenças e direitos associados aos serviços centrais do Banco 2... em Portugal Continental (entendendo-se como tal quaisquer departamentos do Banco 2... em Portugal Continental para além da rede de agências de retalho e empresarial/corporate em Portugal Continental) (os "Serviços Centrais").

 Factos não provados

Todos os que se mostrem em contradição com os que acima se deram como provados, designadamente e ainda que:

•O valor recebido pelo Banco 2... de 664.290,81 € tenha sido a antecipação do pagamento das responsabilidades emergentes das garantias de obra executadas pela sociedade P..., S.A. que eventualmente viessem a ser accionadas pelos donos de obra.

•Fosse pressuposto do contrato de cessão e condição essencial para a A. que o Banco 2... efectuasse o pagamento do valor de 664.292,78 € aos respectivos beneficiários.

3.2 DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO INSERIDA NO RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA.

3.2.1.Da Utilidade da apreciação e decisão da impugnação da decisão de facto inserida no recurso interposto pela autora.

Como é sabido a apreciação da impugnação da decisão de facto assume natureza instrumental.

Assim, como tem sido assinalado na jurisprudência[1] a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.

Efectivamente, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 640º do CPC, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados.

Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante[2]» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo).

Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, ).

A revelar que, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.ºdo CPC[3]

Posto isto, feitas as anteriores considerações sobre a natureza instrumental da impugnação da decisão de facto, reportando-nos ao caso dos autos, resulta que a concreta causa  de pedir alegada pela autora para formular as pretensões dirigidas contra os 18º e 19º Réus resulta dos  factos alegados na petição e que foram reproduzidos no relatório introdutório, para aí se remetendo.

O objecto da acção reconduz-se assim à apreciação da alegada  invalidade (parcial) do referido contrato de cessão de créditos celebrado entre a AUTORA e o Banco 2..., com o alegado fundamento de  que parte do crédito cedido (respeitante a garantias bancárias não accionadas pelos seus beneficiários, no valor entretanto reduzido para € 288.900,92) ser, no entender da AUTORA, materialmente impossível e, por consequência,  daí resultar a  existência de uma obrigação do Banco 2... de lhe pagar a quantia que, a esse título, recebeu indevidamente.

Assim, no essencial, a autora alegou que as garantias bancárias que fizeram parte do objecto da cessão de créditos que celebrou com o Banco 2..., SA a 26.01.2009 não foram accionadas , o que, implica que a cessão de créditos celebrada incidiu nessa parte sobre prestação materialmente impossível.

A revelar que  dos factos alegados na petição,( pese embora do teor das contestações apresentadas por algumas rés-  beneficiárias das garantias autónomas resulte que,  afinal, o Banco 2... foi accionado por algumas das beneficiárias das garantias à primeira solicitação e tenha entregue o valor correspondente ao valor da garantia bancária),   resulta que, com ou sem fundamento, a autora-recorrente configura a ação como uma típica ação que pretende accionar a responsabilidade do Banco 1... e da O... decorrente da alegada nulidade parcial de um contrato de cessão de créditos celebrado entre o Banco 2..., enquanto cedente, e a autora, enquanto cessionária.

Posto isto, independentemente da análise e decisão da arguida nulidade parcial do contrato de cessão de créditos celebrado no ano de 2009 entre a autora e o Banco 2..., certo é que, da factualidade alegada e provada, na parte em que não foi impugnada, resulta que a autora e o Banco 2..., S.A.” celebraram, como cessionário e cedente, respectivamente, um contrato de cessão de créditos.

E a propósito, por forma a revelar o enquadramento jurídico da ação, resulta que perante o  disposto no artº 577º, nº 1, do Código Civil (CC), tal contrato celebrado entre a Autora-recorrente e o Banco 2... no ano de 2009,  traduz um contrato pelo qual o credor (cedente)- Banco 2... -  transmite a terceiro (cessionário)- Autora- independentemente do consentimento do devedor (devedor cedido- P...), a totalidade ou uma parte do seu crédito, conforme Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, II, 6ª ed., pág. 293.

Refere ainda o mesmo autor que “o termo cessão, tanto designa o acto (contrato) realizado entre cedente e cessionário, como o efeito fundamental da operação (a transmissão da titularidade do crédito)”, sendo que esta pode ser operada não só por via convencional, ou contrato de cessão, mas também por disposição de lei ou por decisão judicial (cfr. o artº 588º CC).

O cedente garante ao cessionário a existência e a exigibilidade do crédito ao tempo da cessão, nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra (artº 587º, nº 1, do CC).

Por seu turno, estabelece o nº 1 do artº 583º do mesmo diploma legal que “A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite”.

Com a outorga do contrato de cessão de créditos, os efeitos da cessão produzem-se imediatamente entre as partes, de acordo com o contrato de cessão, ocorrendo a modificação subjetiva no vínculo obrigacional correspondente à substituição do credor originário por um novo credor, mantendo-se os demais elementos da relação obrigacional (ou seja, o objeto e o sujeito passivo).

Contudo, para que a cessão seja eficaz em relação ao devedor, carece a mesma de lhe ser notificada, ou de por ele ser aceite, sob pena de não lhe ser oponível.

A partir da notificação da cessão (assim como a partir da sua aceitação ou do conhecimento da sua existência), a titularidade do crédito passa para a esfera do cessionário, pelo que o devedor apenas se desobriga se efectuar a este a prestação (cfr. Antunes Varela, obra citada, pág. 310 e segs).

Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed., pág. 523, “Os efeitos entre as partes – cedente e cessionário – estão dependentes do tipo de negócio que serve de base à cessão (cfr. art. 578º e respetiva nota) …”.

Ou seja, a cessão de créditos não é um negócio abstracto, mas sim um negócio causal.

Neste sentido se pronuncia também Assunção Cristas, Transmissão Contratual do Direito de Crédito, págs. 77 e 78, com citação de diversos autores no mesmo sentido, entre os quais Menezes Cordeiro, Menezes Leitão ou Pinto Duarte, em que escreve que a cessão de créditos não é em si um contrato, antes um efeito de um negócio jurídico causal de contornos e de âmbito variável.

Quanto à natureza do direito por essa via cedível, compreende a generalidade dos direitos de crédito na livre disponibilidade do cedente, na malha ampla da liberdade contratual proclamada no artigo 405.º, n.º 1, do CC, ressalvadas as exceções proibitivas constantes da lei (v.g. nos artigos 579.º, 581.º e 2008.º do CC) ou as convencionadas pelas partes, como decorre do disposto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 577.º. E a cessão pode incidir tanto sobre créditos presentes, vencidos ou não, como sobre créditos futuros, desde que determináveis, nos mesmos termos em que é permitida a constituição de obrigações sobre coisas futuras (artigos 211.º e 399.º do CC). Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 7.ª Edição, 1997, p. 316.

Face ao que se deixa dito sobre o contrato de cessão de créditos, reportando-nos ao  contrato em causa outorgado em 26.01.2009, os créditos detidos pelo Banco 2..., SA sobre a sociedade denominada “P..., S.A foram transmitidos para a autora-recorrente nos termos que dele constam.

E no tocante às garantias bancárias que foram também objecto de cessão de créditos e  cujo alegado não accionamento suporta a pretensão condenatória dirigida contra os  Réus, importa referir que se  é certo  que na versão da autora  à data da transmissão do crédito o mesmo não existia, apenas existia constituída uma relação jurídica negocial que o podia validar, já que só depois de as garantias bancárias serem  prestadas pelo Banco 2... SA a favor dos respectivos  beneficiários poderia nascer, então, o crédito a favor do garante bancário de que as livranças eram garantia.

Todavia, a lei não impede que a transmissão de créditos possa ocorrer em relação ao caso especial de crédito futuro.

Como professa A. Varela (CCAnotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 2. ao art. 577º do CC, pág. 562) a cessão pode ter por objecto créditos futuros. Desde que, em princípio, se admite a prestação de coisa futura (art. 399º do CC), nenhuma razão existe para que não se permita a cessão de créditos ainda não existentes ou a que o cedente não tem direito à data da cessão (são este dois os tipos de créditos futuros, como decorre do conceito de coisa futura plasmado no art. 211º do CC).

Na mesma linha de argumentação vai L. T. Menezes Leitão (Cessão de Créditos, págs. 414/419) quando afirma que efectivamente, prevendo genericamente a prestação de coisa futura (art. 399º do CC), a lei admite que os bens futuros possam ser objecto de venda (art. 880º do CC). Assim, desde que esteja preenchido o requisito da determinabilidade (art. 280º, nº 1, do CC), é possível a cessão onerosa de créditos futuros, podendo estes resultar quer de negócio jurídico já celebrado (ex: rendas futuras relativas a um arrendamento vigente), quer de negócio ainda não celebrado (ex: preço das mercadorias que o cedente irá vender).

Do exposto, pode extrair-se que como créditos futuros o Banco 2..., SA podia transmitir os seus eventuais créditos sobre os beneficiários antes de ser por estes interpelada para o pagamento das garantias bancárias, (pois se já tivesse cumprido a sua obrigação de entrega de determinada quantia pecuniária o seu crédito já teria nascido e era transmitido no âmbito de um caso normal de cessão de créditos).

Quer isto significar, que relativamente à cessão de créditos celebrada, no tocante às garantias autónomas, estamos perante créditos futuros sendo que a transmissão dos mesmos ocorreu a favor da autora.

.Feitas estas considerações sobre a alegação vertida na petição inicial, da análise da sentença recorrida  resulta que nesta, não obstante a referência e a reprodução parcial nos itens 36 º a 41º da decisão de facto do teor da Deliberação do Conselho de  Administração do BANCO DE PORTUGAL, ocorrida em reunião extraordinária que teve lugar no dia 20 de Dezembro de 2015, pelas 23h30 horas, nela não foram  apreciadas e decididas as exceções  perentórias inominadas arguidas pelo réu Banco 1..., SA e pela ré O..., consubstanciadas, cada uma, na alegada ilegitimidade substantiva deste banco e desta ré, por não lhe terem sido transmitidas pelas Deliberações do Banco de Portugal relativas ao Banco 2... a responsabilidade que a autora lhes pretende imputar, pois, alegaram,  embora tenham adquirido uma parte dos activos e passivos do Banco 2..., as indemnizações derivadas de eventual responsabilidade contratual ou extracontratual suscetível de ser imputada ao Banco 2... não lhes foi transmitida, permanecendo na esfera jurídica do Banco 2... e, por isso, a responsabilidade que a autora imputa a cada um destes réus a título solidário deveria ter sido reclamada no processo de insolvência instaurado contra aquele  Banco.

Ora, com o devido respeito, essa exceção deveria ter sido apreciada e decidida a montante da apreciação e decisão da questão controvertida suscitada com referência ao contrato de cessão de créditos a que aludem os factos provados.

Para tanto, basta atentar que na contestação apresentada pelo réu Banco 1...- artigos 20 e ss- e naquela apresentada pela ré O...- arts 6 º e ss- estes réus excecionaram, cada um, a ilegitimidade substantiva respetiva, exceção que interferindo com o mérito da causa, constitui uma condição de procedência da própria ação na medida em que passa, em face da alegação vertida na petição inicial e com suporte nos documentos juntos aos autos, se necessário, apreciar e decidir “ quem é  o efectivo titular do direito em questão”, consubstanciando o poder de disposição atribuído pelo direito substantivo ao autor do fato jurídico, não se relacionando com a legitimidade ad causum[4], esta relacionada com o interesse dos demandados em contradizer a ação, pelo prejuízo que da procedência desta lhes pudesse advir.

E no caso em apreço, se e na medida em que se decidir em face das Deliberações tomadas pelo Banco de Portugal relativamente ao Banco 2... que não foram transmitidas para os Réus Banco 1... e O... quaisquer responsabilidades do Banco 2... enquanto outorgante de um contrato de cessão de créditos ferido da alegada nulidade por alegada inexistência parcial do objeto, o pedido contra estes formulado não pode proceder, existindo um vício de natureza substancial –exceção de ilegitimidade substantiva – que não permite à autora-recorrente exigir qualquer responsabilidade aos Réus- recorridos que apresentaram contra –alegações,  derivada de qualquer nulidade do contrato de cessão de créditos a que aludem os itens da decisão de facto.

E importa assinalar que para apreciar e decidir a arguida exceção perentória da ilegitimidade substantiva foram aportados aos autos todos os elementos indispensáveis para o efeito, sendo que, no caso de serem procedentes as exceções perentórias arguidas da ilegitimidade substantiva, ficará necessariamente, prejudicada a  apreciação e decisão sobre a alegada nulidade da cessão de créditos celebrada entre a Autora e o Banco 2... SA no ano de 2009, portanto, antes das datas em que foram tomadas as Deliberações do Banco de Portugal de 20.12.2015 e 4.01.2017 relativamente ao Banco 2..., SA, Banco 2..., SA.

Efectivamente resultam da decisão sobre a decisão de facto vertida na sentença recorrida os seguintes factos:

Na reunião extraordinária do Conselho de Administração do BANCO DE PORTUGAL, que teve lugar no dia 20 de Dezembro de 2015, pelas 23h30 horas (vide documento n.º 14 junto com a petição inicial), foi deliberado:

“b) Transferir para a V..., S.A. [actual O...], os direitos e obrigações correspondentes a activos do Banco 2..., S.A.,constantes do Anexo 2 à presente declaração (…);

d) Alienar ao Banco 1..., S.A., os direitos e obrigações, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do Banco 2..., S.A., constantes do Anexo 3 à presente deliberação (…)”.

A Deliberação do Conselho de Administração do BANCO DE PORTUGAL de 04.01.2017 (vide documento n.º 16 da petição inicial), veio clarificar o teor dos referidos Anexos 2 e 3, que republicou.

Posto isto, por força da referida deliberação, o património do Banco 2... foi dividido em três grupos de activos/ passivos:

a) o que foi transferido para a O... - Anexo 2 da Deliberação do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015 pelas 23h30;

b) o que foi transferido para o Banco 1... (doravante designado Banco 1...) - Anexo 3 da mesma Deliberação e

c) o remanescente, que permaneceu no Banco 2....

Assim, enquanto que no caso do Banco 4... foi criado um banco de transição (o Banco 5...), para onde foi transferido todo o património do Banco 4..., ou seja, a medida de resolução foi adoptada nos termos do disposto no artigo 145.º-O do RGICSF (transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição), tendo-se optado pela transferência total para o Banco 5..., no caso do Banco 2..., a medida de resolução foi adoptada nos termos do disposto no artigo 145.º-M do RGICSF (alienação parcial ou total da actividade), tendo-se optado pela transferência parcial e ademais para duas entidades (O... e Banco 1...).

A revelar a natureza distinta da transformação ou fusão e a divisão do património do Banco 2... em três, distribuído por três entidades distintas (Banco 2..., Banco 1... e O...).

Nestes termos, porque no caso em apreço, se e na medida em que se decidir em face das Deliberações tomadas pelo Banco de Portugal relativamente ao Banco 2... que não foram transmitidas para os Réus Banco 1... e O... quaisquer responsabilidades do Banco 2... enquanto outorgante de um contrato de cessão de créditos ferido da alegada nulidade por alegada inexistência parcial do objeto, o pedido contra estes formulado não pode proceder, existindo um vício de natureza substancial –exceção de ilegitimidade substantiva – que não permite à autora-recorrente exigir qualquer responsabilidade aos Réus- recorridos que apresentaram contra –alegações,  derivada de qualquer nulidade do contrato de cessão de créditos a que aludem os itens da decisão de facto, iremos de seguida apreciar e decidir a exceção de conhecimento oficioso da ilegitimidade substantiva, a qual, a proceder determina a inutilidade da apreciação e decisão da impugnação da decisão de facto.

Da Ilegitimidade Substantiva do Banco 1....

Nos termos do parágrafo 1. da deliberação do Banco de Portugal de 20/12/2015, era mister estar alegado na petição inicial que o crédito que a recorrente adquiriu por força do contrato de cessão de créditos se encontrava registado na contabilidade do Banco 2..., SA ,  o que não resulta da factualidade alegada, sendo certo que  era sobre a autora- recorrente que impendia tal ónus de alegação (o que não fez) , bem como, a prova de tal factualidade enquanto facto constitutivo do direito que invoca - artº 342º, nº 1, do CC -, pois que o referido parágrafo 1 da resolução do Banco de Portugal de 20/12/2015, exige, para se verificar a transferência de responsabilidade do Banco 2... , SA para o Banco 1...,  o referido registo na contabilidade do Banco 2... SA do crédito aqui reclamado,  derivado de uma alegada responsabilidade contratual do Banco 2... SA baseada em factos alegados na petição inicial e que por serem controvertidos foram objecto de julgamento.

De qualquer modo, em face da alegação vertida na petição inicial em conjugação com o teor das Deliberações tomadas pelo Banco de Portugal com respeito ao extinto Banco 2... resulta para nós que o alegado crédito da autora sobre o Banco 2..., SA, não foi  transferido para o Banco 1... - recorrido, porquanto, se o Banco 2... cedeu à Autora no ano de 2009 os créditos referentes à sociedade “P... S.A., é absolutamente notório que os créditos referentes a essa entidade já não pertenciam ao Banco 2... em 20/12/2015 e, consequentemente, por mera aplicação da regra da aquisição derivada (“nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet”) nunca poderiam ter sido transferidos para o Banco 1....

De igual modo, porque já haviam sido transferidos a terceiros, também tais créditos não estavam (nem poderiam estar) registados na contabilidade do Banco 2... à data de 20.12.2015, pelo que, também por esta razão, não se podem considerar de modo algum transferidos para o Réu-recorrido Banco 1...

Acresce que a alegação da autora, na parte em que alega que o Banco 2... recebeu indevidamente um determinado valor, mediante a dacção de um imóvel, porque parte do crédito cedido era materialmente impossível, enferma de erro, porquanto, como dissemos, não existe obstáculo legal à cessão de créditos futuros.

Sem conceder, admitindo, por mera hipótese de raciocínio, que o Banco 2... tinha a obrigação de restituir à autora um determinado valor que agora se verifica não ser devido, este facto faria o Banco 2... incorrer em responsabilidade civil.

Ora esta suposta responsabilidade, por factos ocorridos integralmente na esfera do Banco 2... e em momento anterior à medida de resolução, não se pode de modo algum considerar transferida para o Banco 1..., nomeadamente porque tais supostos passivos do Banco 2... (a existirem):

(i) não estavam registados na respetiva contabilidade em 20.12.2015;

(ii) estariam sempre expressamente excluídos pelas subalíneas (b) (vii) e (b) (xii) do n.º1 do Anexo 3 da Medida de Resolução.

Com efeito, a conclusão que se pode retirar do previsto na subalínea (b) (xii) do n.º 1 do Anexo 3 (clarificado pela deliberação do Banco de Portugal de 04.01.2017) é a estipulação que não transitaram para o Banco 1... “as responsabilidades contingentes e litigiosas” quaisquer que elas sejam, tendo-se excepcionado apenas as “que hajam sido constituídas pelo Banco 2... no âmbito da sua normal actividade bancária.

E como refere o réu Banco 1... na contestação, “ a expressão “hajam sido constituídas pelo Banco 2...” a par da enumeração exemplificativa subsequente (“depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares”) evidencia que estão apenas em causa compromissos constituídos em operações bancárias documentadas pelo Banco 2....

Ora, in casu, qualquer responsabilidade civil do Banco 2... por alegado incumprimento do contrato de cessão de créditos, estaria sempre entre as “responsabilidades (…) não conhecidas, (…) contingentes e litigiosas”,que nunca poderia ser considerada como resultando da “normal actividade bancária” do Banco 2..., nem poderia estar documentada como uma operação bancária no referido balanço à data de 20/12/2015.

Pelo que, por força do disposto na referida subalínea (xii) da alínea b) do n.º 1 do Anexo 3, essa eventual responsabilidade civil constituiria sempre um “Passivo Excluído” da transferência para o Banco 1....

Acresce que, para além de tudo o referido, a transferência para o Banco 1... de responsabilidade civil do Banco 2... por incumprimento contratual também estaria sempre afastada pela subalínea (b) (vii) do Anexo 3, que exclui da transferência “Quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações”.

Sendo que o “nomeadamente” inserido nesta subalínea (b) (vii) significa que o tipo de responsabilidades ali enumeradas são meramente indicativas/exemplificativas e não pretendem esgotar os tipos de responsabilidades, contingências ou indemnizações abrangidas pela exclusão.

Note-se ainda que, nos termos do n.º 2, alínea (b) do Anexo 3, “as subalíneas do parágrafo 1.(a) e 1.(b) são de aplicação alternativa e não autoexclusivas”, pelo que “se um (..) passivo é excluído da transferência por força de uma subalínea mas não é abrangido por outra subalínea, será considerado como um (…) Passivo Excluído”.

Resumidamente, a autora não alegou que o passivo/responsabilidade peticionado pelo Autor estava registado na contabilidade do Banco 2... à data de 20/12/2015.

Da análise da alegação vertida na petição inicial resulta que o crédito reclamado constitui um “Passivo excluído” da transmissão para o Banco 1..., por força do previsto nas subalíneas (vii) e (xii) da alínea b) do ponto 1 do Anexo 3.

Por último, há um outro elemento essencial para concluir que o Banco Recorrido terá sempre de ser absolvido do pedido: é que o imóvel entregue em dação passou para a esfera da Ré-recorrida O..., sendo sua propriedade, conforme resulta da certidão predial junta aos autos com a contestação apresentada pelo Banco 1..., SA, concretamente da Ap. ...16 de 2016.07.19

E tal bastava para fazer improceder a acção.

Concluindo:

Face a tudo o supra explanado, este tribunal da Relação do Porto, julga procedente, por provada, a excecionada ilegitimidade substantiva do Réu-recorrido Banco 1..., e, em consequência julga improcedente a ação relativamente ao réu Banco 1..., ficando, assim, prejudicada a apreciação e decisão da impugnação da decisão de facto, bem como a apreciação da requerida ampliação do Recurso de apelação vertida nas contra-alegações do Banco 1....

Da responsabilidade da Ré O....

Nesta parte, tendo sempre presente as considerações expostas sobre a factualidade alegada na petição inicial e sobre as Deliberações do Banco de Portugal relativamente ao Banco 2... , importa tecer as seguintes considerações.

Tendo em conta que a autora invoca como causa de pedir, a cedência que lhe foi feita pelo Banco 2..., de créditos que este banco era titular sobre  a sociedade denominada “P..., S.A.” por contrato de cessão de créditos e dação em pagamento celebrado por escritura pública no dia 26 de Janeiro de 2009, importa apreciar e decidir se esses créditos  poderiam  ter sido transmitidos à O... em resultado da medida de Resolução a que temos vindo a fazer referência.

Como já atras referimos e é do conhecimento público, o Banco de Portugal decidiu em Dezembro de 2015 aprovar um conjunto de medidas de Resolução do Banco 2..., S.A.(Banco 2...).

Tais medidas de Resolução decorreram da deliberação tomada em 19 de Dezembro de 2015,onde expressamente se refere que “(…) a situação de liquidez do Banco 2... sofreu uma degradação notória e muito acelerada nos últimos dias, expressa numa saída substancial de depósitos que coloca em risco sério e grave de cumprimento das respetivas obrigações e, consequentemente, a continuação da prestação dos serviços financeiros essenciais (…)” – (cfr. parágrafo10-disponível em https://www.bportugal.pt/sites/default/files/deliberacao20151219.pdf, deliberação essa cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais),

E nesse contexto o Banco de Banco de Portugal decidiu aplicar ao Banco 2... uma medida de Resolução.

Em concreto , relativamente à Ré O..., na reunião extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal que teve lugar no dia 20 de Dezembro de 2015, às 23:30 horas, foi deliberada a constituição de um veículo de gestão de activos, a O..., cujos estatutos constam do seu Anexo 1 (cfr. parágrafo 14., alínea a) dessa deliberação que se dá aqui também por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, disponível em https://www.bportugal.pt/sites/default/files/deliberacao_20151220_2330.pdf).

Nessa deliberação, aquando da criação da O..., foi determinada a transferência para si, O..., dos “direitos e obrigações correspondentes a ativos do Banco 2... (…), constantes do Anexo 2 à presente deliberação”, nos termos legalmente admitidos (cfr. seu parágrafo 14., alínea b), tendo em vista as finalidades previstas no artº 145º-C do RGCISF [Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro] (cfr. artºs1º e 3º dos Estatutos constantes do seu Anexo 1).

Nela ficou também determinado o pagamento pela O... “de uma contrapartida ao Banco 2... (…)pelos direitos e obrigações, que constituam ativos, que lhe foram transferidos ao abrigo da presente deliberação, através da entrega de obrigações representativas de dívida emitidas pela V..., S.A [O...], no valor de 746 (setecentos e quarenta e seis) milhões de euros, apurado no âmbito da avaliação provisória realizada nos termos do n.º 8 do artigo 145.º-H do RGICSF, nos termos do disposto nos n.os 3 a 5 do artigo 145.º-T do RGICSF.” (cfr. seu parágrafo 14., alínea c).

A revelar que existiu  uma contrapartida financeira paga ao Banco 2... na sequência da medida de Resolução e da criação de um veículo de gestão de activos (O...) para o qual foram transferidos activos anteriormente detidos pelo Banco 2... e que se encontram taxativamente identificados no referido Anexo 2, contrapartida essa suportada a partir de obrigações emitidas, nesse valor, pela O... e por cujo reembolso de capital e pagamento de juros esta entidade é directamente responsável.

Importa ainda ter em conta que, conforme esclarecido na mesma deliberação, parágrafo 8 “a seleção dos direitos a transferir para o veículo de gestão de ativos [i.e., para a O...], teve em conta a indisponibilidade do Banco 1..., S.A. [que veio a adquirir a atividade bancária do Banco 2..., no âmbito da medida de Resolução], para os adquirir, suportando integralmente o respetivo risco, e teve por objetivo maximizar as receitas de uma sua futura alienação, que não seria assegurada de forma tão eficiente caso os mesmos permanecessem no Banco 2....” (cfr. seu.).

Ainda nessa deliberação, o Banco de Portugal determinou “ao Fundo de Resolução a disponibilização do apoio financeiro necessário para a aplicação das presentes medidas de resolução com vista à subscrição e realização do capital social da V..., S.A. [O...], à prestação de uma garantia às obrigações emitidas pela V..., S.A., e à absorção de prejuízos do Banco 2..., nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-AA do RGICSF” (cfr. seu parágrafo 14, alínea e).

Do assim deliberado resulta que o Banco de Portugal decidiu aplicar ao Banco 2..., no uso das suas competências exclusivas em sede de supervisão bancária (cfr. artº 17º da Lei Orgânica do Banco de Portugal - Lei 5/98, de 31 de Janeiro de 1998), uma medida de alienação de actividade e segregação de activos, em conformidade com o preceituado pelo artº 145º-E, nº1, alínea a) do RGICSF, sendo que, a decisão tomada pelo Banco de Portugal produz efeitos imediatamente , independentemente de qualquer disposição legal ou contratual, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relciada com a transferência (cfr. artºs 145º-J,nº15 e 145ºN, nºs 6 e 8 do RGICSF) e não depende do prévio consentimento dos accionistas da instituição de crédito nem das partes em contratos relacionados com os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob a gestão a transferir (cfr. artº 145º-J, nº 16 e 145º-N, nº 9, do mesmo regime).

Essa decisão é considerada urgente, não havendo lugar a audiência de interessados (cfr. artº 146º do RGICSF e artº 124º, nº1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo) e produz efeitos desde a data em que foi praticada, sendo oponível à Autora (cfr. artº 155º, do Código de Procedimento Administrativo, aplicável às decisões tomadas pelo Banco de Portugal, em conformidade com o preceituado no artº 64º, nº2, da respectiva Lei Orgânica).

E como referimos a 4 de Janeiro de 2017 foi adoptada nova deliberação pelo Banco de Portugal, com vista à “clarificação, rectificação e conformação dos perímetros de transferência dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 2... (…) para a O... (…) e para o Banco 1... (…)”, no âmbito da qual ficou definido o sentido e o alcance também das disposições constantes do mencionado Anexo 2 (e Anexo 3, este relativamente ao Banco 1..., S.A.), que então republicou (deliberação esta que se dá igualmente por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais e que se encontra disponível em https://www.bportugal.pt/sites/default/files/deliberacao_20170104.pdf).

Assim, o Anexo 2 (no que à O... diz respeito) passou a ter o seguinte conteúdo:

“1. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 2. infra, os seguintes activos e direitos do Banco 2... são objecto de transferência para a O..., S.A.:

(a) Todos os activos imobiliários que sejam propriedade do Banco 2..., com excepção daqueles que estejam a ser utilizados ou ocupados pelo Banco 2... no exercício da sua actividade;

(b) Quaisquer acções ou unidades de participação emitidas por: (i) Banco 2... S.A.; (ii) W..., S.A.; (iii) X..., S.A.; (iv) Y..., S.A.; (v) Banco 3..., S.A.; (vi) Banco 2...), plc; (vii) Banco 2...-Banco de Investimento, S.A.; (viii) Z..., S.A.,(ix) Aa..., S.A.; (x) Fundo Recuperação, FCR; (xi) Fundo de Recuperação Turismo, FCR; (xii) Vallis Construction Sector Consolidation Fund; (xiii) Ab...; (xiv) Ac...; (xv) Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR; (xvi) quaisquer fundos de Investimento imobiliário (com exceção do Banco 2... Property- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado) que devam ser consolidados nas contas do grupo Banco 2... à data desta decisão, incluindo, entre outros, Banco 2... lmopredlal - Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, Citation - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, Porto ..., ... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado e Banco 2... Renda Habitação - Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional; e (xvii) Banco 2... Pensões - Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.;

(c) Quaisquer empréstimos a, ou outros montantes a pagar por: (i) entidades indicadas na alínea (b) com exceção daquelas indicadas na subalínea (b)(ix) a (b)(xv) e das suas filiais ou participadas; e (ii) quaisquer outros membros do Grupo Excluído (tal como definido na subalínea (viii) da alínea (b) do parágrafo 1. do Anexo 3 à presente Deliberação), com exceção das entidades excecionadas pela presente subalínea (c)(i) e das entidades e respetivas filiais participadas que não estejam enunciadas na alínea (b) supra;

(d) Empréstimos concedidos pelo Banco 2... identificados no Anexo 2A a esta deliberação;

(e) Os valores mobiliários emitidos pelas entidades identificadas no Anexo 2B a esta deliberação, bem como os valores mobiliários nela identificados mesmo que não haja identificação da entidade emitente; e

(f) Os activos, licenças e direitos associados aos serviços centrais do Banco 2... em Portugal Continental (entendendo-se como tal quaisquer departamentos do Banco 2... em Portugal Continental para além da rede de agências de retalho e empresarial/corporate em Portugal Continental) (os "Serviços Centrais");

2. Do parágrafo 1 não deve resultar a transferência para a O..., S.A. de qualquer empréstimo ou qualquer montante a pagar (i) no âmbito de um derivado; (ii) em que esse empréstimo ou montante a pagar tenha sido dado em garantia pelo Banco 2... (com exceção do referido no parágrafo 4.); (iii) quando estejam incluídos em ou emerjam de operações de titularização, em particular obrigações titularizadas; ou (iv) quando a transferência não seja admissível nos termos dos artigos 145.º-AC a 145.º-AE do RGICSF.

3. No caso de serem transferidos os direitos ou benefícios relativos a qualquer empréstimo concedido pelo Banco 2..., ou outros montantes a pagar ao Banco 2..., nos termos do parágrafo 1., devem também ser transferidos para o Veículo de Gestão de Ativos os direitos ou benefícios de quaisquer reclamações, direitos, eventuais direitos, contratos, acordos, garantias e outros compromissos relacionados com tais empréstimos ou montantes.

4. Quaisquer activos ou direitos a serem transferidos para a O..., S.A., nos termos do parágrafo 1. supra, que estejam dados em garantia no âmbito da responsabilidade Ad... (tal como definida no parágrafo 4. do Anexo 3 à presente Deliberação), serão transferidos para a Ae..., S.A., após a retransmissão desses ativos ou direitos para o Banco 2..., na sequência do reembolso da responsabilidade Ad... e consequente libertação da garantia, de acordo com aquele Anexo 3..

5. A posição contratual do Banco 2... nos contratos de trabalho de todos os trabalhadores que desenvolvem a sua actividade nos Serviços Centrais (que são os que em Portugal Continental não desenvolvem atividade na rede de agências de retalho e empresarial/corporate em Portugal Continental e que portanto desenvolvem a sua atividade nos seguintes departamentos: Direcção de Acompanhamento e Recuperação de Crédito; Direcção de Assessoria Jurídica; Direcção de Auditoria Interna; Direcção de Compliance; Direcção de Contabilidade e Controlo; Direcção de Crédito; Direcção de Finanças e Planeamento; Direcção Global de Risco; Direcção de Marketing e Comunicação; Direcção Operacional de Produtos; Direcção de Recursos Humanos, Património e Performance; Direcção de Suporte Operacional; Direcção de Tesouraria e Mercados; Direcção de Transformação e Sistemas; Gabinete de Provedoria do Cliente; Bank Legacy Unit; Assessoria e Secretariado de Administração) transmite-se para o Veículo de Gestão de Ativos;

6. Após a transferência referida nos parágrafos anteriores, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo, de acordo com o artigo 145.º-T do RGICSF, devolver ao Banco 2... activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão ou fazer transferências a adicionais de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão entre o Banco 2... e a O..., S.A..

7. A transferência não pretende conferir a quaisquer contrapartes ou terceiros quaisquer novos direitos, nem permitir exercer quaisquer direitos que na ausência dessa transferência não existissem ou não pudessem ser exercidos sobre ou com relação aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 2... ou transferidos para a O..., S.A. ou transferidos para o Adquirente nos termos da Medida de Resolução de Alienação da Atividade, incluindo quaisquer direitos de denúncia, de resolução, de vencimento antecipado, de oposição à renovação ou de compensação (netting/set-off), nem dar lugar a (i) qualquer incumprimento, (ii) alteração de condições, direitos ou obrigações, (iii) necessidade de aprovação, (iv) direito a executar garantias, ou (v) direito a efectuar retenções ou compensações (netting/set-off) entre quaisquer pagamentos ou créditos ao abrigo de tais ativos, passivos, elementos extrapatrímonials e ativos sob gestão.”.

A revelar, como refere a ré O... na contestação respectiva, “ que os activos e direitos do Banco 2... referidos taxativamente no Anexo 2, assim como os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco 2... referidos no Anexo 3 da medida de Resolução do Banco de Portugal passaram a integrar, desde o dia 20 de Dezembro de 2015, o património das entidades neles referidas, respectivamente O... e Banco 1..., S.A., abandonando a esfera patrimonial da instituição bancária intervencionada”.

E no anexo 1 da deliberação de 20 de Dezembro de 2015, na qual foi decidida a constituição da O..., constam os seus Estatutos, do quais resulta que para a O... foram transferidos os direitos e obrigações correspondentes a activos do Banco 2... descritos no mencionado Anexo 2.

Resulta dos artºs 1º, nº1 e 3º, nº1 dos referidos Estatutos que a O... “(…) é um veículo de gestão de ativos constituído nos termos do art.º 145ºS do RGICSF (…)”, cujo objecto é “a administração dos direitos e obrigações que constituíam ou constituam ativos do Banco 2... que lhe forem transferidos em cada momento por decisão do Banco de Portugal, tendo em vista as finalidades previstas no artigo 145.º-C do RGICSF.”.

Da análise conjugada do  preceituado pelos artºs 145º-S, nºs 1, 3, 5, 9 e 10, 145º-T, 145º-N, nºs 1, 6 e 9 do RGICSF, resulta caber ao Banco de Portugal, aquando da criação de uma sociedade (denominada veículo de gestão de activos) para receber e administrar a parte dos direitos e obrigações de instituições de crédito objecto de resolução e aquando da decisão de efectuar a transmissão parcial da actividade da instituição bancária intervencionada, de seleccionar os direitos e obrigações da instituição de crédito objecto de resolução a transferir para o veículo de gestão de activos e para a instituição bancária adquirente.

Claramente se constata que, da medida de Resolução aplicada ao Banco 2... pelo Banco de Portugal – mais especificamente o consignado expressamente na alínea b) da Deliberação tomada em 20 de Dezembro de 2015 (23:30h), constante da página número 3 – foram apenas transmitidos para a O... “(…) os direitos e obrigações correspondentes a ativos do Banco 2..., S.A., constantes do Anexo 2 à presente deliberação (…)”, não constando dessa selecção as eventuais responsabilidades provenientes da situação como a que se discute nos autos como sendo objecto de transmissão para a O....

Concretamente, desse Anexo 2 consta que foram transmitidos para a O... apenas os activos ali identificados, ou seja, tão-só os activos e direitos do Banco 2... que se encontram expressa e taxativamente enunciados nas alíneas (a) a (f) do seu parágrafo 1.

Na alínea (a) do referido parágrafo 1. refere-se, como objecto de transferência para a O..., “todos os activos imobiliários que sejam propriedade do Banco 2..., com exceção daqueles que estejam a ser utilizados ou ocupados pelo Banco 2... no exercício da sua actividade”.

E, com efeito, apenas o imóvel melhor identificado no artº 19º da petição inicial – por constituir propriedade do Banco 2... à data da medida de Resolução a que se tem feito referência – foi transmitido para a O..., livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, por força dessa medida, em 20 de Dezembro de 2015.

Todavia, no texto daquele Anexo 2 não existem quaisquer referências que permitam concluir pela transmissão da posição contratual que, no contrato que se discute nos autos, teria sido assumida pelo Banco 2....

Nas restantes alíneas do parágrafo 1. (alíneas (b), (c), (d), (e), e (f)), bem como nos restantes parágrafos (parágrafos 2., 3, 4., 5., 6. e 7.), são identificados outros activos e direitos, nomeadamente acções, empréstimos, valores mobiliários, licenças e direitos associados aos serviços centrais do Banco 2... em Portugal Continental, bem como (por exemplo no parágrafo 5.), activos dos quais resultavam obrigações para o Banco 2... e que, essas sim, foram transferidas para a O... (“posição contratual do Banco 2... nos contratos de trabalho de todos os trabalhadores que desenvolviam a sua actividade nos Serviços Centrais”).

A revelar que do texto da deliberação do Banco de Portugal não existe qualquer referência a obrigações que o Banco 2... tivesse assumido para com terceiros.

Efectivamente, em todo aquele Anexo 2 não consta, em nenhum dos parágrafos, a transferência de qualquer obrigação do Banco 2... relacionada com contratos celebrados com terceiros (com a única excepção dos contratos de trabalho expressamente identificada no referido parágrafo 5.).

Concretizando: nem no parágrafo 1, nem mesmo nos parágrafos 2., 3. e 4., onde é mais desenvolvida e pormenorizada a transferência de todos os activos e direitos constante das várias alíneas do parágrafo 1., é feita qualquer referência à transmissão de qualquer obrigação assumida pelo Banco 2... perante terceiros relativamente aos activos imobiliários transferidos.

E não é feita qualquer referência, porque, na realidade, o que efectivamente foi transmitido para a O..., foram os imóveis e não obrigações do Banco 2... perante terceiros.

Como referiu a O... na sua contestação “ a  referida deliberação do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015 (às 23:30 horas), ao definir o perímetro dos activos que foram transferidos para a O..., patente naquele Anexo 2 à deliberação, nunca se refere a transmissão de contratos, nem de direitos e obrigações, mas apenas a transferência de activos e direitos (com excepção, repete-se, da posição contratual do Banco 2... que, nos contratos de trabalho de todos os trabalhadores que desenvolviam a sua actividade nos Serviços Centrais, foi transmitida para a O...).

Acresce que essa deliberação corresponde ao objectivo principal visado pelo Banco de Portugal na selecção feita dos activos (não alienados para o Banco 1..., S.A.) transmitidos para a O...: a valorização desses activos recebidos para posterior alienação ao melhor preço (maximização do seu valor), permitindo dessa forma o reembolso das obrigações por esta emitidas e contragarantidas pelo Estado Português.

Por outro lado, importa salientar que, tal como ficou esclarecido pelo Banco de Portugal no mencionado Anexo 3, “as responsabilidades e elementos extrapatrimoniais do Banco 2... que não são objecto de transferência para o adquirente [i.e., Banco 1..., S.A.], nem para a O..., S.A., permanecem na esfera jurídica do Banco 2....” (cfr. seu parágrafo 1., alínea (d).”

O mesmo é dizer que o património do Banco 2... ficou dividido em três grupos de direitos e obrigações: (a) os correspondentes a activos do Banco 2... transferidos para a O... (Anexo 2 da referida deliberação); (b) os que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco 2..., transferidos para o Banco 1..., S.A. (Anexo 3 da referida deliberação); e (c) o remanescente, que permaneceu no Banco 2....

E finalmente, para o caso, importa considerar que a O..., foi constituída por deliberação do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015 (às 23:30h), logo, em data posterior à deliberação que determinou iniciar a medida de Resolução, esta tomada em 19 de Dezembro de 2015.

Esses factos ocorreram também posteriormente à alegada cessão do crédito e dação em pagamento invocada na petição inicial, ( 2009) , pelo que, naturalmente, a O... é alheia às relações jurídico-bancárias estabelecidas entre a Autora e o Banco 2..., que terão ocorrido quando o Banco 2... não sofrera ainda qualquer intervenção do Banco de Portugal.

A O... não assumiu, designadamente quanto aos activos imobiliários que lhe foram transmitidos por força da medida de Resolução, as obrigações ou responsabilidades assumidas (ou não) pelo Banco 2..., tendo estas permanecido na esfera jurídica deste que mantém a sua personalidade jurídica.

A O... não celebrou nenhum contrato com o Banco 2... tendo por objecto o imóvel visado no contrato de cessão de créditos invocado pela Autora,como não assumiu nem lhe foi transmitida, no âmbito da medida de Resolução, a posição contratual do Banco 2... em acordos ou contratos por este celebrados (com excepção, insiste-se, dos contratos de trabalho mencionados no parágrafo 5. do Anexo 2 à predita deliberação).

Daqui resulta que a O... não assumiu contratualmente qualquer obrigação do Banco 2... perante a Autora, designadamente quanto às obrigações do contrato de cessão de créditos que constitui o fundamento para a autora accionar também a ré O....

E das Deliberações referidas não resulta que o Banco De Portugal tenha transferido para a O... eventuais responsabilidades do Banco 2... resultantes da celebração daquele contrato.

Concluindo:

Da análise feita das Deliberações tomadas pelo Banco de Portugal relativamente ao Banco 2... não resulta que a responsabilidade que a Autora pretende ver assacada ao Banco 2... integre, pois, as relações jurídicas e os activos que foram transferidos para a O... por força daquelas deliberações do Banco de Portugal

Assim, sufraga-se o entendimento vertido na contestação da O...:

“Em suma: a actividade bancária do Banco 2... foi transmitida para uma outra instituição financeira,o Banco 1..., S.A.; os activos do Banco 2... que neste não permaneceram foram transmitidos para um veículo de gestão de activos, a O..., com o propósito de maximização do seu retorno, também aqui à luz das regras aplicáveis, mediante o pagamento de contrapartida adequada; permanecendo no Banco 2... o remanescente, onde se inclui a responsabilidade que a Autora invoca nos autos.

(…) não obstante o Banco de Portugal ter considerado existir “passivo excluído” da transferência para o Banco 1..., S.A. (no sentido de que não foram transmitidas “todas as responsabilidades e garantias não conhecidas, as responsabilidades contingentes e litigiosas, as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de actividades e as responsabilidades decorrentes de quaisquer outras actividades”), considerou que, excepção da excepção, foram transmitidas “as que hajam sido constituídas pelo Banco 2... no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do Banco 2... ao abrigo de (…), garantias bancárias, (…) e na medida em que respeitem (…)” (cfr. Anexo 3, parágrafo 1., alínea b), (xii)). [sublinhado nosso]

Ora, considerando que (a) a O... foi constituída após a medida de Resolução; (b) a O... pagou o preço definido pelos activos por recurso à emissão de obrigações; e (c) não lhe foram transmitidas quaisquer responsabilidades ou obrigações designadamente as decorrentes da actividade comercial, resulta evidente que não poderá a O... ser responsável, directa ou indirectamente, por eventuais danos decorrentes da celebração do invocado contrato de cessão de créditos pela Autora com o Banco 2..., tanto mais que os factos alegados ocorreram em momento anterior à sua própria constituição.

Face à deliberação do Banco de Portugal (que impôs ao Banco 2... a medida de Resolução a que se tem feito referência), enquanto verdadeiro acto normativo, inexiste, como se vê, qualquer responsabilidade que possa ser assacada à O... no âmbito da presente acção, não sendo a mesma responsável nem podendo considerar-se responsável pelo pagamento das quantias reclamadas nesta acção.

Ademais, e uma vez que a Autora invoca, como causa de pedir, a cedência que lhe foi feita pelo Banco 2..., de créditos que o mesmo detinha sobre a sociedade denominada “P..., S.A.”, por contrato de cessão de créditos e dação em pagamento celebrado por escritura pública no dia 26 de Janeiro de 2009,nunca poderiam esses créditos ter sido transmitidos à O... por não existirem na esfera jurídica do Banco 2... desde aquela data, anterior que foi à data da medida de Resolução (…) “

Por último, sempre reafirmamos  que, na hipótese abstracta de se admitir  que existiu  um recebimento indevido pelo Banco 2... com base na alegação feita na petição, essa hipótese seria apenas suscetível de fazer incorrer o Banco 2... em responsabilidade civil, tendo a Autora oportunidade, se assim o entendesse, de reclamar o crédito a que se arroga no âmbito do processo de insolvência do próprio Banco 2... – sendo essa a sede própria onde poderão ser devidamente apreciados os créditos reclamados pelos seus credores.

Tanto basta para concluirmos pela improcedência total do recurso interposto pela autora, embora com fundamentos distintos, ficando prejudicada, assim, a apreciação da requerida impugnação da decisão de facto, por se revelar acto inútil para a decisão a proferir nos termos do art 130º CPC, bem como, a requerida ampliação do recurso formulada a título subsidiário pela Ré-recorrida, Banco 1..., SA.

Sumário.

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IV. DELIBERAÇÃO:

Nestes termos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente, com fundamento distinto, o recurso de apelação interposto pela Autora, ficando prejudicada, assim, a apreciação da requerida impugnação da decisão de facto, por se revelar acto inútil para a decisão a proferir nos termos do art. 130º CPC, bem como, a apreciação da admissibilidade e posterior apreciação da requerida ampliação do recurso formulada a título subsidiário pela Ré-recorrida, Banco 1..., SA, confirmando a sentença recorrida.

Custas da apelação pela Autora recorrente (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).


Porto, 21.03.2024
Francisca da Mota Vieira
Isabel Rebelo Ferreira
António Paulo Vasconcelos

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[1] Cfr. entre outros: Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10. 6T2VGS.C1; Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10.
[2] Cfr. Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10 .6T2VGS.C1
[3] Ac. TRGuimaraes de 19.12.2023, in Pºnº1526/22.0T8VRL.G1.
[4] Castro Mendes em “Direito Processual Civil” Vol. II, FDL, Lisboa, 1974, págs. 176, 177 reconduz a legitimidade substantiva às “condições subjetivas da titularidade do direito”).