CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
PRAZO PROCESSUAL
REGIME LEGAL
Sumário

A norma aplicável à contagem do prazo processual para a constituição de assistente é o artigo 138º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 104º, nº 1, do Código de Processo Penal.

(Da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Processo nº 730/21.3PCMTS-A.P1
Data do acórdão: 3 de Abril de 2024



Desembargador Relator: Jorge M. Langweg
Desembargador 1ª Adjunta: Cláudia Sofia Rodrigues
Desembargadora 2ª Adjunta: Carla Oliveira

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Criminal de Matosinhos

Acordam por unanimidade, em conferência, os juízes acima identificados da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto,

nos presentes autos, em que figura como recorrente a assistente AA.


I – RELATÓRIO


1. Por decisão sumária datada de 21 de Fevereiro de 2024, foi rejeitado o recurso interposto pela assistente.

2. Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou uma “arguição de nulidade” com o seguinte teor:

« 1. Dispõe o art. 379.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal, que é nula a sentença que deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
2. Sendo tal preceito aplicável também aos acórdãos proferidos em sede recursiva, por via da remissão expressa contida no art. 425.º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal.
3. A regra é, de que o tribunal deve conhecer de todas as questões que tenham sido submetidas à sua douta apreciação, bem como os factos na resposta ao recurso apresentado.
4. Sendo que, a violação deste dever funcional do tribunal é sancionada com a nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
5. A decisão plasmada no Douto Decisão Sumária, além de nula, é injusta e desproporcional perante quem está a exercer o direito Constitucional na defesa dos seus interesses legítimos, e apresenta-se manifestamente nula, por omissão de pronúncia, atento o vertido nos arts. 379.º, n.º 1, al. c), e 425.º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal.
6. Salvo o devido respeito apenas num quadro de um Estado que não de Direito é que o exercício do direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva poderia ser punido – veja-se o que se mostra consagrado, desde logo, na Constituição da República Portuguesa, no artigo 20.º.
Assim,
7. Fundamentalmente, perante a motivação apresentada em sede de alegações de recurso, mais concretamente entre os pontos 9 a 22 e as conclusões g) a l), não houve qualquer pronúncia ou decisão, tendo apenas o presente Acórdão deliberado de forma parcial quanto ao objecto e fundamento do recurso apresentado.
8. O que a recorrente aduz em “MOTIVAÇÃO”, não é apenas quanto à questão do disposto no art.º 113.º n.º 3 do CPP, mas SIM E ESSENCIALMENTE, quanto à falta de observação do disposto no art.º 113.º 10 do CPP (ponto 9 a 22 das alegações e da alínea g) a l) das conclusões).
9. A decisão sumária proferida, de que ora se suscita a sua nulidade, fez uma clara interpretação restritiva às conclusões e fundamentação do recurso apresentado, o que não se pode aceitar e que acarreta graves consequências jurídico legais...
10. A aqui recorrente, veio fundamentar o seu recurso, ancorada na disposição do nº 10 do art. 113º do CPP, que a apresentação da acusação particular e PIC, foi apresentada dentro do prazo, nos termos ora invocado e alegado em no recurso apresentada, visto que a norma invocada é cristalina, isto é, “...o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.”
11. Sendo que, tal questão é uniforme na jurisprudência e doutrina.
12. O dissenso sobre o tema gira, pois, em torno do âmbito de aplicação das aludidas normas, questão processual a resolver por interpretação da lei no âmbito da harmonia do sistema e presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.
13. Situação que levou a aqui Recorrente, a apresentar, na sua boa-fé e no exercício legitimo dos seus interesses e entendendo que o seu direito estava a ser lesado, recurso da decisão interlocutória, devidamente fundamentada e no cumprimento de todos os requisitos e pressupostos legais.
14. Em matéria de notificações em processo penal rege essencialmente o art. 113º do CPP, prevendo no nº 10, que “as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar”.
15. A norma é taxativa, estabelecendo como regra geral a notificação do arguido, do assistente e das partes civis no respectivo advogado ou defensor nomeado, particularizando os casos em que se exige, a par desta notificação, a notificação dos próprios interessados.
16. Pelo que é notória a omissão de pronúncia sobre os factos ora descritos, isto é, o prazo da notificação, cuja relevância e consequência, não poderão deixar de ser avaliadas e pronunciadas sem concedida, perante a nulidade ora invocada.
17. Não podendo o Venerando Tribunal da Relação, ignorar as conclusões e a motivação de recurso apresentadas, “selecionado” o que pretende decidir e ignorar o que não podia e devia, levando desta forma à omissão de pronuncia, conforme suscitado pela aqui Recorrente.
18. Havendo assim omissão de grande parte dos factos, o que efetivamente levou a aqui Recorrente a apresentar o recurso, por entender que a sua Acusação particular, foi apresentada de forma tempestiva e dentro das normas e prazos legais, isto é, em conformidade com o disposto no art.º 113.º n.º 10 do CPP, e o Tribunal, com o devido respeito, não se pronunciou sobre a violação desta norma, que foi invocada na motivação e conclusões do recurso apresentado, cujos factos daí resultantes são de capital importância.
19. Pelo que não se pode compreender, nem aceitar, o indicado no douto Acórdão, quanto à FUNDAMENTAÇÃO sobre o mesmo, muito menos a omissão do supra exposto, quanto à indicação da “1-Tese da recorrente”, fazendo uma clara e errada interpretação quanto à motivação e conclusões do recurso apresentado.
20. Pelo que, todas estas omissões de pronúncia, terão que levar à efectiva nulidade da decisão sumária ora proferida.
21. Razão pela qual entende a aqui Assistente, que deve ser dado provimento ao recurso perante a nulidade ora suscitada, devendo o recurso ser apreciado no seu todo e não de forma parcial.
22. Veio ainda a decisão sumária, além julgar improcedente o recurso apresentado, condenar a aqui recorrente no pagamento de uma quantia sancionatória, com o que, perante o ora exposto, não se pode concordar.
Vejamos,
23. Entende-se que não é o mesmo manifestamente improcedente, por estar devidamente fundamentado e com as devidas conclusões, que conforme já supra demonstrado, entende-se que não foi julgado e analisado na sua plenitude, com as consequência daí inerentes.
24. Tanto mais e que não poderá ser ignorado pela douta Relação, que o mesmo foi liminarmente admitido em primeira instância, onde se entende, que apesar de a Juíza a quo, entender os motivos invocados pela aqui Recorrente, indicou que o seu poder jurisdicional, nada mais poderia fazer, apenas ser tal decisão, alterada pelo Tribunal Superior.
25. O que levou a aqui Recorrente a interpretar como um convite ao recurso apresentado, de forma a demonstrar e provar o seu ponto de visto e interpretação que efectuada nos termos da lei (art.º 113.º n.º 10 do CPP).
26. E assim fez, a recorrente, cumprindo todos os requisitos e pressuposto legais, bem como sem qualquer dolo ou intenção de protelar ou prejudicar o normal e regular funcionamento da Justiça, muito pelo contrário, visto que a mesma não tem qualquer interesse na delonga dos autos, até porque foi lesada e ofendida e quanto mais rápido houver justiça, melhor para si.
27. Tendo a plena convicção na fundamentação do recurso apresentado, onde nunca, em momento algum, presumiu ou supôs que o mesmo poderia ser “manifestamente improcedente”, quer pelo ora exposto, quer pela motivação e conclusões apresentadas.
28. Sucede que, uma vez mais, não poderá concordar com tal decisão, visto que a mesma, conforme já alegada supra mencionada, além de ilegítima é desproporcional.
29. Considera, por isso, a aqui recorrente, que ainda que houvesse fundamentação para a recusa liminar, deve ser tido em conta, para além do supra exposto e as conclusões do próprio Desembargador - que considerou a reduzida complexidade do objeto da decisão -, que o mesmo recurso foi liminarmente aceite pelo Tribunal de 1.ª instância, considerando-se por isso, excessiva, a aplicação de uma condenação em 5 UC.
30. Deve ainda atender-se ao facto de também ter sido ignorado na aplicação da sanção, os parcos rendimentos da aqui recorrente, que inclusive beneficia de apoio judiciário, pelo que, caso não seja reconhecida a nulidade ora invocada, solicita-se que seja a sanção revista e aplicada pelo mínimo legal, isto é, 3 UC.
31. Assim, o Douto Acórdão padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia, nulidade, essa, que se argui ao abrigo do disposto do art.º 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. c), 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, al. c), todos do Código de Processo Penal.»

3. Tendo em conta o teor da reclamação, compete ora, aferir, em conferência, a validade de tais argumentos, acompanhando ou, pelo contrário, alterando o entendimento expresso na decisão sumária reclamada.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Confirma-se o teor da fundamentação da decisão sumária

(segue a sua transcrição):



«I – RELATÓRIO


I - RELATÓRIO

1. Por despacho datado de 19 de Setembro de 2023 foi rejeitada a acusação particular, por extemporaneidade, com os seguintes fundamentos:

“Conforme despacho judicial de 06.06.2023, foi a assistente notificada para proceder, nos termos dos arts.107º-A al. a), 113º, n.º3, 285º, e 331º, n.º1 do Código de Processo Penal e art. 139º, n.º5 a 7 do Código de Processo Civil, no prazo de 10 dias, ao pagamento da multa devida pela prática do ato (dedução de acusação particular) no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo legalmente estabelecido, acrescida de penalização de 25%, atento o disposto no art. 139º, n.º6 do C.P.C. ex vi 107º-A do Código de Processo Penal, sob pena de se ter por não escrito tudo quanto foi alegado na acusação particular.

Notificada para o efeito, a assistente não procedeu ao pagamento das referidas quantias, cfr. ref. 450533370.

Assim, dando-se aqui por reproduzidos os fundamentos explanados no despacho judicial de 06.06.2023, rejeita-se a acusação particular, por extemporaneidade.”

2. Inconformado com o despacho, a assistente

3. interpôs recurso da decisão, formulando as seguintes conclusões na respetiva motivação:

«O Tribunal ad quo errou de forma clara, ao não ter considerados e verificado como seria o seu dever, de todos os prazos e forma que os actos foram praticados e as omissões dos mesmos.

27. Perante tais erros, entendeu e concluídos de forma errada, por considerar como extemporânea a apresentação da Acusação Particular e PIC, o que nunca deveria ter sucedido, erro grosseira e violador, das mais elementares regras da notificação dos actos e dos prazos daí resultantes.

28. Com devido respeito, é profunda e total a nossa discordância face aos argumentos ali invocados que não podem proceder, porquanto que foram cumpridos todos os prazos legais pela aqui Recorrente.

29. Visto que não só ignorou o Tribunal a quo que a notificação da aqui Assistente foi por Prova Depósito no dia 28-02-2023, como erradamente indicou o Tribunal a quo, por carta registada simples.

30. Nos termos e com os efeitos do disposto no art.º 113.º n.º 3 do CPP e o cumprimentos dos prazos dai decorrentes, bem como conforme descrito na parte final da 1.ª página da notificação da acusação (Cfr. Doc. 3), a aqui Recorrente nos termos da legislação em vigor, apenas se considerada notificada no dia 06-03-2023, isto é, no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, ora não tendo o 5.º dia, um dia útil, terá que se aplicar subsidiariamente o disposto no art.º 279 do Código de Processo Civil no que diz respeito ao cômputo de qualquer prazo judicial. »

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo.

4. Em resposta ao recurso, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso, essencialmente, com base na fundamentação da decisão recorrida.

5. Nesta instância, o Ministério Público teve vista dos autos, tendo emitido parecer, acompanhando a resposta já dada na primeira instância.

6. Não houve resposta ao parecer.


*

7. Cumpre proceder ao exame preliminar e, sendo caso disso, proferir decisão sumária (artigo 417º, números 1 e 6, do Código de Processo Penal).


II - FUNDAMENTAÇÃO

Sendo o recurso manifesta e pacificamente improcedente, de acordo com a interpretação unívoca das normas legais aplicáveis por parte dos tribunais superiores, este Tribunal limitar-se-á a especificar, de forma sumária, os fundamentos da sua decisão de rejeição [artigos 417º, nº 6, al. b) e 420º, nº 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal].

Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP), que o mesmo é definido pelas conclusões que a recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

Analisada a motivação do recurso, conclui-se que o recorrente colocou a este Tribunal a questão da alegada tempestividade da acusação particular por si apresentada.

§ 1 - Tese da recorrente:

A motivação do recurso consiste no seguinte: a assistente foi notificada para apresentar a acusação particular, com prova de depósito datada de 28 de Fevereiro de 2023.

Como essa modalidade de notificação beneficia de um prazo dilatório de cinco dias e terminando esse prazo em 5 de Março de 2023 (domingo), conclui, assim, que apenas se encontrou notificada em 6 de Março de 2023 (segunda-feira), nos termos do disposto no artigo 279º do Código de Processo Civil.

Começando o prazo peremptório de dez dias para apresentar a acusação particular a contar a partir de 6 de Março de 2023, o mesmo terminou no dia 16 de Março (quinta-feira), data em que apresentou essa peça processual.

§ 2 - Tese do Ministério Público:

O Ministério Público respondeu a tal tese jurídica do recurso, refutando-o nos seguintes termos:

A assistente deduziu acusação particular a 16-03-2023 e notificada para pagar a taxa de justiça devida pela prática do acto no primeiro dia seguinte ao termo deste prazo nada fez.

Por isso a acusação particular deduzida foi rejeitada.

Vem agora, em sede de recurso, a assistente dizer que praticou o acto em prazo pelo que a multa do art. 139, nº5 do CPC aplicável por força do art. 107-A, al. a) do CPC não é exigível.

Porém, a notificação para a dedução de acusação particular por parte da assistente foi depositada no dia 28-02-2022, considerando-se a notificação efectuada no 5º dia posterior – art. 113, nº3 do CPP – pelo que o prazo de 10 dias começou a contar no dia 06-03-2023 (segunda feira) e terminou a 15-03-2023 (quarta-feira).

Assim sendo, a Srª Juíza “a quo” aplicou correctamente o disposto nos artºs 103, nº3 e 107-A, al. a) do CPP e 139, nº5 e nº7 do CPC ao rejeitar a acusação particular deduzida por não ter sido paga a taxa de justiça devida pela prática do acto no 1º dia após o termo do prazo para o efeito.

B - Cumpre apreciar e decidir.

Em primeiro lugar, a assistente foi notificada do despacho datado de 6 de Março de 2023, do qual não interpôs recurso e, tendo-se conformado com o mesmo, o mesmo formou caso julgado formal:

“(…) a assistente foi notificada para deduzir acusação particular através de via postal simples com prova de depósito, tendo tal notificação sido depositada no recetáculo postal no dia 28.02.2023, conforme declaração lavrada pelo distribuidor postal, ref. 34966632.

Nos termos do art. 285º, n.º1 do Código de Processo Penal, «findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular.».

Acrescenta o art. 113º, n.º3 do citado Código que «quando efetuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efetuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do ato de notificação.»

Regressando aos autos, dispunha a assistente de um prazo de 10 dias para deduzir acusação particular, configurando-se tal prazo como perentório, pelo que o respetivo decurso implicava a extinção do direito da assistente a praticar o ato respetivo.

O termo do prazo legalmente fixado ocorreu, assim, a 15 de março de 2023 (cfr. art. 138º, n.º1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi art. 104º, n.º1 do Código de Processo Penal), podendo o ato processual ter sido praticado nos três primeiros dias úteis subsequentes a esse termo, mediante o pagamento imediato de uma multa (art. 139º, n.º5 do Código Processo Civil e 107º- A do Código Processo Penal).

Como decorre da consulta eletrónica dos autos, a acusação particular foi apresentada no dia 16 de março de 2023, afigurando-se, por esse motivo, como extemporânea.

A tal conclusão não obsta a circunstância da notificação considerar-se efetuada no dia 5 de março, domingo, pois que, como se sumariou no douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21.11.2017, proc. 129/13.5TASTR.E1, relator Ana Barata Brito, « I - a notificação do despacho de encerramento do inquérito, por via postal simples, considera-se efectuada no quinto dia posterior ao do depósito da respectiva carta, atenta a data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, independentemente de se tratar de dia útil ou não. II - Na verdade, nem a letra da lei (o art. 113.° n.º 3 do CPP) refere que o quinto dia em que a notificação se presume efectuada deva ser um dia útil (diferentemente do que preceitua o n.º 2 do mesmo artigo, em que o “terceiro dia” da “via postal registada” é “útil”), nem se trata de um termo final para a prática de acto por um sujeito processual. Trata-se, sim, do início do prazo subsequente para a prática do acto pelo sujeito processual.»

Igualmente não obsta, o facto de a assistente beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, porquanto «a concessão de apoio judiciário não dispensa o pagamento de multa, de natureza civil, devido ao atraso na entrega atempada de requerimento sujeito a prazo peremptório. Aquela multa processual não se integra no conceito de custas e, a consequência do seu não pagamento é a preclusão do direito de praticar o acto.» - vide ac. do Tribunal da Relação do Porto, proc. n.º 79/05.9GBVNG-D.P1, de 20.11.2013.

Assim, nos termos dos arts.107º-A al. a), 113º, n.º3, 285º, e 331º, n.º1 do Código de Processo Penal e art. 139º, n.º5 a 7 do Código de Processo Civil, notifica-se a assistente para proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da multa devida pela prática do ato no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, acrescida de penalização de 25%, atento o disposto no art. 139º, n.º6 do C.P.C. ex vi 107º-A do Código de Processo Penal, sob pena de se ter por não escrito tudo quanto foi alegado na acusação particular. (…)”

Como se referiu, a assistente conformou-se com tal despacho, formando o mesmo caso julgado formal, com todas as consequências legais.

Por conseguinte, não pagando a multa pela apresentação intempestiva da acusação particular, a assistente viu extinguir definitivamente o direito a apresentá-la, consequência com a qual se conformou.

Nestes termos, ao rejeitar a acusação particular por extemporaneidade, pela circunstância de, entretanto, a assistente não ter pago a multa devida e fixada no despacho datado de 6 de Março de 2023, o tribunal limitou-se a respeitar o caso julgado formal emergente de tal despacho e a reconhecer que a assistente não pagou a multa devida, fixada naquele despacho.

Assim sendo, ao interpor recurso do despacho que rejeitou a acusação por ser manifestamente improcedente, alegando uma tese jurídica que ignora por completo que a questão da falta de tempestividade da apresentação da acusação particular já tinha sido decidida anteriormente por despacho judicial transitado em julgado (caso julgado formal), a assistente interpôs um recurso manifestamente improcedente.

Contudo, mesmo se assim não fosse, sempre se explica o seguinte:

A recorrente invoca o disposto no artigo 279º, b), do Código Civil, para fazer transitar para o dia útil seguinte o termo do prazo dilatório inicial de cinco dias de que beneficiava para apresentar a acusação particular, uma vez que este terminava num domingo.

Porém, essa tese jurídica não tem o menor fundamento legal, uma vez que essa norma do Código Civil se aplica à contagem dos prazos contratualmente fixados e não aos prazos processuais, como se retira da sua inserção sistemática (na subsecção VII, referente a «condição e termo» ).

A norma aplicável à contagem do prazo processual para a constituição de assistente é o artigo 138º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo artigo 104º, nº 1, º do Código de Processo Penal, ao estatuir “Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil.”): «O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.».

O número dois do mesmo artigo é referente ao último dia do prazo: «Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.»

O último dia da dilação não corresponde ao último dia para a prática do ato processual. Logo, terminando a dilação de cinco dias num domingo (5 de Março de 2023), a este segue imediatamente a contagem do prazo peremptório de dez dias para a apresentação da acusação particular, que termina, assim, no dia 15 de Março de 2023 (quarta-feira).

A aplicação de tais normas à contagem dos prazos processuais resulta, expressamente, da lei e a mesma constitui entendimento uniforme dos tribunais.

Neste termos, tendo a acusação particular sido apresentada no dia 16 de Março de 2023 (primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo) e não tendo a assistente pago a multa devida pela intempestividade da prática do ato, não há outra solução senão reconhecer a falta de tempestividade da sua junção (art. 139º, n.º5 do Código Processo Civil e 107º- A do Código Processo Penal).


*
Em conclusão:
O recurso da assistente improcede de forma manifesta, conduzindo à sua rejeição.

*

Apesar de ter sido liminarmente admitido em primeira instância, essa decisão não vincula este Tribunal (artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal).

Tendo em consideração o exposto nesta decisão sumária, o recurso será rejeitado por ser manifestamente improcedente (artigos 417º, nº 6, al. b) e 420º, nº 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal).


*

Das custas processuais:

Impõe-se a condenação da recorrente nos termos previstos nos artigos 515º, 1, b) do Código de Processo Penal e 8º, nº 5, do Regulamento das Custas Processuais. A taxa de justiça individual será fixada em 3 (três) unidades de conta, nos termos da Tabela III anexa àquele Regulamento.

A rejeição do recurso implica ainda a condenação da recorrente no pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC (que não são meras custas judiciais, tendo natureza sancionatória), por força do disposto no artigo 420º, nº 3, do Código de Processo Penal.

Atendendo à reduzida complexidade do objeto da decisão, considera-se ajustado fixar essa importância em 5 (cinco) unidades de conta.


*

(…)»

*

Concretizada e reiterada a fundamentação da decisão sumária reclamada, impõe-se aferir o mérito da reclamação.

*

Com a decisão sumária, introduzida na tramitação processual penal através da Lei 48/2007, de 29 de Agosto, pretendeu o legislador racionalizar/simplificar o funcionamento dos tribunais superiores, prevendo um mecanismo expedito e simplificado de decisão do recurso, a decisão sumária do relator, quando o recurso esteja manifestamente destinado ao insucesso, por algumas das razões indicadas nas diversas alíneas do n.º 6 do artigo 417.º.

A decisão sumária proferida nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 6, do Código de Processo Penal é a decisão que julga o recurso, pondo assim termo à instância recursória mas, para salvaguardar a colegialidade da decisão, a lei admite a reclamação para a conferência (artigo 417º, nº 8, do Código de Processo Penal), devendo o reclamante concretizar as razões pelas quais discorda da decisão sumária. A única forma de impugnar de forma fundamentada uma decisão sumária de rejeição de recurso por manifesta improcedência deste será através da demonstração da "não manifesta improcedência do recurso".

O poder de cognição da conferência tem uma natureza originária e não derivada. Isto é, a conferência não está vinculada nem à decisão do relator, nem à reclamação.

Na conferência acordou-se em reafirmar as razões explicitadas na decisão sumária que fundamentaram a rejeição do recurso, dando-as aqui por reproduzidas, confirmando assim a decisão sumária de rejeição do recurso por manifesta improcedência, nos termos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 420º do Código de Processo Penal.

Contrariamente ao sugerido na reclamação em apreço, a decisão sumária fundamenta exaustivamente a manifesta falta de fundamento substancial do recurso apresentado.

Concretizando.

Existe uma questão prévia que foi ignorada na motivação de recurso e, agora, de forma censurável na reclamação – pois a questão da falta de tempestividade da apresentação da acusação particular já tinha sido decidida anteriormente por despacho judicial transitado em julgado (caso julgado formal), a assistente interpôs um recurso manifestamente improcedente.

Como se tal não fosse já por si um motivo mais do que suficiente para considerar o recurso manifestamente improcedente, demonstrou-se na fundamentação da decisão sumária o motivo pelo qual a única questão suscitada[3] pela recorrente é manifestamente improcedente, por contrariar a lei.

Ademais, a reclamante não identifica um único erro à decisão sumária, limitando-se a arguir uma pretensa nulidade por não ter apreciado todas as questões, o que não corresponde à verdade, pois a questão colocada pela recorrente foi devidamente apreciada, sendo manifestamente improcedente pelas duas ordens de razões já apontadas.
Finalmente, a reclamante pugna pela redução da taxa sancionatória, uma vez que o recurso:
a) não é manifestamente improcedente;
b) é reduzida a complexidade do objeto da decisão;
c) que o recurso foi liminarmente aceite pelo Tribunal de 1.ª instância;
d) a recorrente tem reduzidos rendimentos, beneficiando de apoio judiciário, pelo que, caso não seja reconhecida a nulidade ora invocada, solicita-se que seja a sanção revista e aplicada pelo mínimo legal, isto é, 3 UC.
Como já acima se fundamentou, o recurso é manifestamente improcedente.
A lei processual é clara ao estatuir no artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal, que “A decisão que admita o recurso (…) não vincula o tribunal superior.”, o que afasta fundamento legal da reclamação quanto ao argumento do recurso ter sido liminarmente admitido na primeira instância.
A manifesta improcedência do recurso tem duas causas: o recurso ignora, de forma censurável, o caso julgado formal anteriormente formado em relação a despacho que decidiu a questão que constituiu objeto do recurso e, também, a sua manifesta falta de fundamento legal, invocando a recorrente, nomeadamente, normas do Código Civil que são inaplicáveis ao caso concreto.
Tendo em conta o elevado grau de censurabilidade processual na apresentação do recurso em apreço, precisamente por ser manifestamente improcedente pelas duas razões distintas apontadas, que resultou na intervenção escusada de um tribunal superior, a taxa sancionatória (que não se confunde, pela sua natureza, com meras custas judiciais,  devendo o seu montante ser proporcional, também, com o grau de censurabilidade do ato processual sancionado) foi fixada em 5 unidades de conta, ou seja, num montante que corresponde a um quarto da moldura legal (de três a dez unidades de conta), que só não foi mais elevada, precisamente, pela simplicidade da questão.
Pelo exposto, confirma-se a decisão sumária, também, quanto à medida da taxa sancionatória.

Das custas processuais:

Sendo a reclamação indeferida, a reclamante suportará o pagamento das custas respetivas, fixando-se a respetiva taxa de justiça individual entre 1 e 3 unidades de conta (artigos 521º, nº 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal).

Considerando a simplicidade reduzida da reclamação, fixa-se a taxa de justiça em 1 (uma) unidade de conta.


*

III – DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, por unanimidade, indeferir a reclamação da assistente AA e confirmar integralmente a decisão sumária.

Custas a cargo da reclamante, fixando-se a taxa de justiça individual em 1 (uma) unidades de conta.




Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.



Porto, em 3 de Abril de 2024.
O desembargador relator,
Jorge M. Langweg
A desembargadora 1ª adjunta,
Cláudia Sofia Rodrigues
A desembargadora 2ª adjunta,
Carla Oliveira

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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[3] Como referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Fevereiro de 2023 (processo nº 1160/20.0T8BRR.L1.S2), relatado pelo Conselheiro Ramalho Pinto e fazendo eco de uma posição unânime nos tribunais superiores, “Não está ferido de nulidade o acórdão que especificou devida e exaustivamente os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (…), não tendo o mesmo de se pronunciar sobre todos os argumentos aduzidos, já que se não se deve confundir “questões” com “argumentos”.