SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
AÇÃO COMUM
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
AÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário

I - A suspensão da instância por pendência de causa prejudicial, nos termos previstos no n.º 1 do art. 272.º do Cód. Proc. Civil, está dependente da afirmação da existência de uma relação de prejudicialidade de outra ação, a qual deve ser afirmada entre o conteúdo possível da decisão a proferir na outra ação, nos limites do pedido nela formulado, e o conteúdo possível da decisão a proferir na ação ‘prejudicada’, nos limites do pedido nesta formulado.
II - A eventual anulação da deliberação social que aprovou a substituição da autora, como sociedade gestora do Fundo, por outra entidade, em discussão noutra ação cível, e a ação de anulação do ato administrativo praticado pela CMVM que aprovou a substituição da aqui Autora pela atual entidade gestora do Fundo, pendente nos tribunais administrativos, não constituem causas prejudiciais da ação em que é peticionada pela autora, uma indemnização dos prejuízos sofridos com a cessação imotivada (sem justa causa) da relação contratual pela qual a mesma efetuava a gestão do Fundo de Investimento, uma vez que, ainda a autora venha a ser reinstituída na sua gestão, por força da procedência das ações invocadas como causas prejudiciais, não deixará de ter direito ao ressarcimento dos danos que sofreu no período em que esteve afastada, se os fundamentos que invoca na ação por si intentada forem julgados procedentes.

Texto Integral

Processo 5173/22.9T8PRT.P1 – Apelação
Tribunal a quo Juízo Central Cível do Porto – Juiz 1
Recorrente(s) A..., S.A.
Recorrido(a/s) B...

Sumário
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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

A..., S.A., instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra B..., pedindo:
A. A título principal:
i. ser o Fundo Réu condenado a indemnizar Autora no montante que a mesma deixou de auferir em consequência da sua substituição enquanto entidade gestora daquele, que se quantifica em € 921.020 a título de componente fixa da remuneração da comissão de gestão e em € 2.181.730 a título de componente variável da comissão de gestão, num total de € 3.102.750 deduzido dos gastos em que a Autora incorreria com a continuação da gestão (€ 120.000) o que se liquida em € 2.982.750.
B. A título subsidiário, ser o Fundo Réu condenado a indemnizar Autora no montante que a mesma deixou de auferir, em consequência da cessação unilateral do contrato de gestão, que se quantifica em € 667.803, acrescido do montante arbitrado pela perda de chance quanto à componente variável da comissão de gestão, a fixar no mínimo em € 1.363.581,50 deduzido dos deduzido dos gastos em que a Autora incorreria com a continuação da gestão (€ 120.000) o que se liquida em € 1.911.384,50. C. Em qualquer caso:
i. ser o Fundo Réu condenado no pagamento à Autora dos juros de mora à taxa comercial sobre os montantes em que vier a ser condenado, calculados desde a citação até efetivo e integral pagamento;
Para tanto, alegou que era a sociedade gestora do réu, desde a sua constituição. Sem fundamento bastante, a assembleia de participantes do réu deliberou substituí-la por outra gestora, tendo a sua gestão cessado em 1 de abril de 2021.

Citado, o réu contestou, sustentando, no que aqui releva, a existência de duas causas prejudiciais, devendo a instância vertente ser suspensa até que aquelas se mostrem julgadas.
Após o oferecimento do contraditório devido, o tribunal a quo determinou “a suspensão desta instância até ao trânsito em julgado das decisões que venham a ser proferidas na ação de anulação de deliberações e na ação de anulação do ato administrativo”.

Inconformada, a autora apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
No que respeita ao processo n.º 9307/21.2T8VNG:
B. Tal como reconhecido na Douta Decisão recorrida, as Partes e os pedidos daquela acção (entendida como prejudicial) face à presente são diferentes.
C. A determinação da suspensão da instância quando falte a identidade de Partes, resultaria em a aqui Recorrente ficar dependente de uma causa em que não é parte e na qual não tem interesse, verdadeira exteriorização dos efeitos de processos com distintos sujeitos processuais que a lei não deve consentir.
D. Quanto às causas de pedir, estas são também manifestamente diferentes nas causas entendidas como prejudicais e na causa dependente.
E. No processo n.º 9307/21.2T8VNG, o fundamento jurídico que subjaz ao pedido de nulidade e/ou anulação das Deliberações tomadas na Assembleia Geral de 5/01/2021 do ali Réu, aqui Recorrido, para além de outras imputadas ilegalidades que aqui não relevam, é o facto de os ali Autores entenderem que um Fundo de Investimento Imobiliário não pode ser gerido por uma Sociedade Gestora detida, maioritariamente, pelo Banco Depositário desse mesmo Fundo.
F. A ilegalidade esgrimida nos presentes autos prende-se com o vício de ausência de fundamentação por referência ao interesse dos Participantes do Fundo Recorrido na sua globalidade. Sendo certo que essa ilegalidade, diferente daquela outra, não esgota o direito que a Recorrente pretende fazer valer nos presentes autos porquanto indemnização peticionada, mesmo a título principal, de entre as diferentes soluções plausíveis para a questão de direito avançadas pela Recorrente, não depende da qualificação da substituição como ilícita, antes existe mesmo que a substituição seja lícita.
G. Inexiste, por isso, qualquer risco de contradição entre o que vier a ser julgado naquela acção e a decisão a proferir nos presentes autos.
H. Mesmo que que se ponderasse que uma das causas de pedir dos presentes autos – a cessação ilícita do contrato de mandato/ilicitude da substituição da Recorrente, enquanto Entidade Gestora do Recorrido - tem pontos de contacto com o pedido e a causa de pedir daqueles outros, a verdade é que tais pontos de contacto não lhe conferem, de todo qualquer grau de prejudicialidade, pelas seguintes razões:
1. Primeira: ao passo que na causa prejudicial a causa de pedir se funda no entendimento da impossibilidade de um Fundo de Investimento ser administrado por uma Sociedade Gestora detida pelo Banco Depositário desse mesmo Fundo, já nos presentes autos – causa dependente –, a ilicitude apontada resulta de tal substituição não haver sido fundamentada, mormente fundamentada no interesse dos Participantes na sua globalidade, como é exigência do art. 77º, n.º 2, do RGOIC.
2. Segunda: já sem falar no pedido subsidiário, o pedido principal deduzido nestes autos não se funda apenas na cessação ilícita do contrato de mandato/ilicitude da deliberação de substituição. A Recorrente sustenta que essa indemnização também lhe é devida no caso de a cessação/substituição ser considerada lícita - vide, nesse sentido, artigos 139º a 159º da PI.
3. Terceira: se a deliberação de substituição tomada na assembleia de participantes do Fundo Recorrido vier a ser considera ilícita e como tal anulada, sempre existirá a possibilidade de os participantes do Recorrido renovarem essa mesma deliberação), caso em que se manterá intacto o direito a que a Recorrente se arroga nestes autos (cfr. art. 62º do Código das Sociedades Comerciais.
4. Quarta: e ainda no cenário de a deliberação de substituição tomada na assembleia de participantes do Fundo Recorrido vir a ser considerada ilícita, cessada que foi ilicitamente a relação que a vinculava ao Recorrido, não se impõe, sem mais, à Recorrente que esta regresse à gestão do Fundo Recorrido antes se lhe conferirá o direito de aceitar ou não a incumbência da gestão para cuja decisão terá de ponderar a oportunidade e a conveniência.
5. Quinta: porque a Recorrente sempre deixaria de auferir as comissões de gestão entre a data da substituição e a data do regresso da gestão, o que é um dano indemnizável (e peticionado).
6. Sexta: porque seja qual seja a decisão daqueles autos, a mesma não será, ao menos directamente, aproveitável à Recorrente porquanto, não sendo a mesma parte naqueles autos, não se formará quanto a ela caso julgado.
7. Sétima: porque nos autos que correm termos no Juízo Local Cível do Porto – Juiz 8 - foi interposto Recurso, onde, entre outros e como se disse supra, foi requerido o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, o que, a ocorrer, se poderá vir a traduzir em anos de espera por uma decisão definitiva e transitada em julgado.
I. Não se mostram, pois, preenchidos nem o requisito material, nem o de conveniência na suspensão dos presentes autos.
No que respeita ao processo n.º 1421/21.0BEPRT:
J. Também nesse processo são diferentes as Partes, a causa de pedir e o pedido daquela acção face à presente pelo que, também aqui e contrariamente ao decidido, sempre existiria obstáculo à suspensão por prejudicialidade.
K. Valem aqui, no sentido de que a suspensão por prejudicialidade carece de fundamento, as razões apontadas para o Processo n.º 9307/21.2T8VNG e ainda as seguintes:
1. não procede o entendimento de que, no caso de anulação dos actos administrativos emanados da C.M.V.M., a Recorrente passe ipso facto a Entidade Gestora do Recorrido, pois como foi dito a Recorrente teria de aceitar tal incumbência, o que permite concluir que seja qual seja a decisão que venha a ser proferida naqueles autos administrativos, em caso algum a mesma esvaziará a causa de pedir desta acção.
2. a C.M.V.M. emitiu resolução fundamentada relativa à não suspensão do acto que autorizou a substituição da entidade gestora na qual, entre outros, alegou o grave prejuízo para o interesse público – regular funcionamento dos mercados – o que faz esperar que, no caso de ser proferida decisão anulatória, aquela autoridade administrativa venha brandir causa legítima de inexecução (Cfr. art. 163º do CPTA) donde a gestão do Recorrido não se retransmitiria nunca à Recorrente.
3. igualmente sem falar no pedido subsidiário, o pedido principal não se funda apenas na ilegalidade do acto administrativo da C.M.V.M. que autorizou a substituição, pois sustenta a Recorrente que essa indemnização também lhe é devida no caso de a substituição ser considerada lícita - vide, nesse sentido, artigos 139º a 159º da PI.
4. como é do conhecimento público, nos Tribunais Administrativos e Fiscal verifica-se uma manifesta insuficiência de Magistrados Judiciais, sendo, o disposition time em matéria administrativa no TAF do Porto de 791 dias e, como tal, não sendo aqueles autos urgentes, não é expectável que, nos mesmos, venha a ser proferida Sentença sequer no médio prazo o que contraria o requisito da conveniência previsto no nº 2 do art. 272º do CPC, que dispõe que não deve o Juiz ordenar a suspensão quando a causa dependente estiver tão adiantada ou, que o mesmo é dizer, quando a causa prejudicial estiver tão atrasada ou se prever tão distante o seu desfecho que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
L. A Decisão proferida pelo Tribunal a quo não merece acolhimento, devendo, porque em desrespeito do disposto no nº 1 e nº 2 do artigo 272º do CPC e por convocar uma interpretação daquele preceito adjectivo desconforme ao n.º 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), ser revogada da ordem jurídica e substituída por outra que ordene que os autos prossigam os seus demais termos até final.

A recorrida não apresentou resposta ao recurso.

II. Objeto do recurso

Apenas há a resolver a questão da prejudicialidade, ou não, das duas causas identificadas pelo réu, relativamente ao julgamento do objeto desta ação.

III. Apreciação dos fundamentos do recurso:

Factos processuais relevantes

1 – Alegou a autora na petição inicial, além do mais que aqui se dá por transcrito:
3.º – A constituição do Fundo réu foi autorizada (…) a pedido da autora, a quem competia a sua gestão (…).
28.º – Realizou-se a assembleia de participantes (…) [no dia 5 de janeiro de 2021] e (…) foi deliberada a substituição da autora como entidade gestora do Fundo réu (…).
31.º – Obtida a autorização da CMVM, a transferência da gestão do Fundo réu da autora para a C..., S.A. ocorreu por referência ao dia 1 de abril de 2021.
136.º – (…) [T]ratou-se de uma cessação ilícita [do contrato de gestão do Fundo].
121.º – Entende-se (…) que, na situação de substituição em causa nestes autos, se gera um dever de indemnizar (…).
2 – O pedido principal formulado tem o seguinte teor: “ser o Fundo réu condenado a indemnizar autora no montante que a mesma deixou de auferir em consequência da sua substituição enquanto entidade gestora daquele, que se quantifica em € 921.020 a título de componente fixa da remuneração da comissão de gestão e em € 2.181.730 a título de componente variável da comissão de gestão, num total de € 3.102.750 deduzido dos gastos em que a autora incorreria com a continuação da gestão (€ 120.000) o que se liquida em € 2.982.750”.

3 – Na ação de anulação de deliberação social que corre termos como processo n.º 9307/21.2T8VNG, os aí autores, AA, BB, D..., S.A., CC, DD e EE, demandam o ora réu, pedindo que seja declarada a nulidade e/ou a anulabilidade, com a consequente anulação de todas as deliberações tomadas na assembleia geral de 5 de janeiro de 2021.
4 – Para tanto, sustentam que as deliberações em causa são contrárias à lei, padecendo das afirmadas ilegalidades:
a) na convocatória da assembleia de participantes não constam as cláusulas que serão modificadas;
b) não foi facultada qualquer informação aos participantes do Fundo sobre as qualificações profissionais e das atividades profissionais exercidas pelos membros dos órgãos sociais da nova sociedade gestora;
c) ocorreram situações de impedimento de voto, o qual, quando invocado, não foi acolhido em Assembleia, tendo a deliberação sido tomada tendo em consideração votos de pessoas que se encontram impedidas de votar;
d) a deliberação viola o art. 77.º, n.º 1 e 2, do RGOIC;
e) a deliberação viola o art. 123.º do RGOIC;
f) a deliberação visou a obtenção de vantagens especiais para um participante ou para terceiro.

5 – Na ação administrativa de impugnação de ato administrativo pendente na 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, processo 1421/21.0BEPRT, intentada pelos aí autores AA, BB, D..., S.A., FF, DD e EE, contra a Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM), é pedida a ilegalidade e declarados nulos ou anulados os atos administrativos praticados pela CMVM consistentes no ato de levantamento da suspensão do procedimento de autorização de substituição da entidade gestora do Fundo réu e do ato de deferimento do pedido de autorização de substituição da entidade gestora do Fundo réu, no seguimento das deliberações aprovadas pelos participantes do réu na assembleia de 5 de janeiro de 2022.

Análise dos factos processuais e aplicação da lei

A decisão do recurso pressupõe a apreciação das seguintes questões de direito:
1. Da inexistência da relação de prejudicialidade
2. Responsabilidade pelas custas

1. Da inexistência da relação de prejudicialidade

Nos termos do disposto no art. 272.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, o tribunal pode ordenar a suspensão [da instância da ação] quando a decisão da causa estiver dependente da do julgamento de outra já proposta.
Uma causa é prejudicial à outra quando tem “por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada.” – José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 3.º Edição, Coimbra Editora, pág. 535.
A existência de uma relação de prejudicialidade deve ser afirmada entre o conteúdo possível da decisão a proferir na outra ação, nos limites do pedido nela formulado, e o conteúdo possível da decisão a proferir na nossa ação, nos limites do pedido nesta formulado.
Para bem se entenderem os contornos da questão, importa traçar analiticamente o objeto das diferentes demandas. Neste sentido, é importante não confundir a ilegalidade da deliberação com a ilegalidade do deliberado. Do mesmo modo, não devemos confundir a cessação do vínculo do réu com a autora com a constituição de um vínculo semelhante com uma entidade terceira. Estes dois conteúdos fundem-se num mesmo enunciado – de substituição da entidade gestora –, mas não devem ser misturados, podendo cada um deles enfermar de vícios próprios.
Teremos ainda que ter presente que a autora não pede (a título principal) que seja declarada a nulidade ou anulada a decisão de substituição da entidade gestora. Diferentemente, dá por assente que esta substituição teve lugar (no dia 1 de abril de 2021), sustentando que dela decorre, sem mais, o nascimento na sua esfera jurídica do direito a uma indemnização.
Na economia da ação, a ilegalidade do deliberado só releva para efeitos do apuramento da justa causa da cessação das suas funções, por força da substituição já ocorrida. Ora, a putativa concreta causa da ilegalidade do deliberado em discussão nestes autos (ausência de justa causa na cessação das funções da autora) nada tem que ver com os vícios discutidos nas duas ações supostamente prejudiciais acima referidas.

É essencial que se tenha presente que o pedido de indemnização formulado pela autora, em rigor, não se funda na suposta invalidade da deliberação, mas sim na sua substituição na gestão do réu. A suposta invalidade da deliberação é consequência de um dos fundamentos da ação – a putativa inexistência de justa causa –, e não o contrário. Ora, para o apuramento da afirmada substituição da autora (e dos danos decorrentes desta) é irrelevante o resultado das outras duas ações. Do mesmo modo, é irrelevante tal resultado para a aferição da falta de justa causa da substituição.
Tais demandas só serão relevantes para apuramento da duração da situação geradora de dano para a autora. Se as referidas ações forem julgadas procedentes – e só se –, antes de cessar o período de vida do Fundo (17 de fevereiro de 2028), sendo a autora reinstituída na sua gestão, não deixará de ter direito ao ressarcimento dos danos que sofreu no período em que esteve afastada, se os fundamentos que invoca nesta ação forem julgados procedentes. O mesmo é dizer que, se na ação vertente for proferida decisão final de mérito antes de 17 de fevereiro de 2028, e antes de concluídas as outras duas demandas, apenas haverá que acautelar numa hipotética sentença final condenatória a iliquidez do crédito indemnizatório futuro, o qual só será certo quando se verificar a primeira destas três ocorrências: fim do período de vida do fundo, sem que tenha havido reintegração na gestão, ou trânsito em julgado da primeira decisão, se ordenar essa reintegração, ou trânsito em julgado da segunda decisão. No entanto, esta incerteza quanto ao crédito futuro não afasta a certeza quanto ao crédito pretérito e, em caso algum, se confunde com uma prejudicialidade entre as demandas.
Em suma, sendo acautelada na liquidação do dano a provisoriedade da situação de facto que serve de fundamento à ação – a substituição na gestão do réu –, isto é, a sua potencial cessação e a reintegração da autora na gestão, nos termos acima desenvolvidos e tendo em conta a situação de facto existente na data do encerramento da discussão em 1.ª instância (art. 611.º do Cód. Proc. Civil), nada obsta ao imediato prosseguimento da ação.

2. Responsabilidade pelas custas

Nos termos do disposto no art. 1.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, todos os processos estão sujeitos a custas, considerando-se cada recurso como processo autónomo, desde que possa dar origem a uma tributação própria, como aqui sucede (ver arts. 529.º e 530.º do Cód. Proc. Civil e art. 6.º, n.º 1 e n.º 2, do RCP).
O art. 527.º do Cód. Proc. Civil estabelece a regra geral em matéria de custas, nos seguintes termos:
1 – A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas.

No caso em análise, a ré, na contestação deduzida à ação intentada pela autora, aqui apelante, suscitou a questão da existência de duas ações prejudiciais ao conhecimento da ação intentada pela autora, requerendo a suspensão da instância até ao julgamento daquelas ações, tendo tal pretensão sido deferida na decisão recorrida.
A apelante interpôs o presente recurso da decisão assim proferido pelo tribunal a quo e nele obteve vencimento, ficando, em consequência, a ré vencida na sua pretensão da suspensão da instância até à decisão a proferir nas duas ações judiciais invocadas como causas prejudiciais.
Conclui-se, assim, que a ré – aqui recorrida –, não obstante a não apresentação de alegações, porque deu causa ao recurso, atento o deferimento da sua pretensão de suspensão da instância, de acordo com o critério primordial da causalidade consagrado na 1.ª parte do n. 1 e n.º 2 do art. 527.º do Cód. Proc. Civil, ficou vencida no presente recurso, pelo que é a mesma a responsável pelo pagamento das custas do presente recurso – assim, ver Ac. do TRG de 15-06-2023, proc. 1845/15.2T8VNF-C.G1; Ac. do TRL de 13-10-2022, proc. 21127/16.1T8LSB.L2-2.

IV. Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se o prosseguimento do processo perante o tribunal a quo.

Custas a cargo do apelado, por ter ficado vencido (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Notifique.

Porto, 4 de abril de 2024
Ana Luísa Loureiro
Paulo Dias da Silva
Carlos Portela