RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO DE AUXÍLIO DE TERCEIRA PESSOA
Sumário

I - O valor dos danos não patrimoniais deve ser efectuado de forma autónoma da dos danos biológicos, respeitando os critérios correntes da jurisprudência.
II - Se o lesado com 46 anos sofreu um défice funcional permanente de 72 pontos, sofreu dores, com um quantum doloris de 7/7, um dano estético de 5/7, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixada no grau 6/7 e a repercussão permanente na actividade sexual no grau 5/7, precisando para sempre da ajuda de uma terceira pessoa e sem mobilidade própria, amarrado a uma cadeira de rodas, ao que acrescem 1032 dias de internamento, o valor da indemnização, deve ser fixado em 150.000,00 euros.
III - Para se fixar a esperança de vida deve, sempre que possível atender à esperança de vida à nascença do lesado conjugada com a esperança de vida estatística actual de pessoas com idade semelhante por ser o único elemento objectivo seguro desse facto futuro e, por natureza, imprevisível.
IV - Cabe à seguradora demonstrar que devido às lesões sofridas a esperança devida do lesado é inferior à da média estatística da população portuguesa, o que só pode ser efectuado com fundados elementos médicos.
V - O dano biológico face aos danos supra referidos e à esperança de vida deve ser fixado em 150 mil euros tendo em conta as consequências traumáticas do acidente.
VI - O dano de auxilio de uma terceira pessoa assume natureza futura devendo ser fixado com recurso aos elementos provados e à equidade.
VII - Se nada foi alegado e provado o tribunal pode usar o valor de 6,16 euros/hora estabelecidos legalmente por esse ser um valor, actual e adequado para fixar esse dano.
VIII - Se o orçamento relativo à aquisição de equipamento e ajudas médicas foi impugnado e mais nenhuma prova foi produzida o tribunal deve relegar a liquidação desse dano para ulterior momento.
IX - A necessidade de aquisição de um veículo para transporte do lesado deve ser aferida não pelos seus actuais desejos, mas pela relação de causalidade do evento danoso, não devendo ser atribuída se este nem sequer conduzia um veículo antes do acidente.
X - A entrega de uma só vez de um capital relevante implica a realização de um desconto, prudente já que a taxa de juro, como a inflação, são elementos futuros que podem ser calculados, como demonstra todos os dias o mercado de obrigações.
XI - Nessa operação o capital deve ser aumentado por força da aplicação da taxa de inflação previsível e depois do efeito das taxa de juro previsível, num valor que se fixa em 10%, no caso presente.

Texto Integral

Processo: 347/21.2T8PNF.P1

Sumário:

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I – RELATÓRIO

1. AA, residente na Rua ..., ..., 2º Dto., ..., ..., Lousada, intentou a presente acção sob a forma de processo comum contra A..., SA. (B...), com sede na Avenida ..., ... Lisboa, alegando em síntese que ocorreu um acidente de viação, que se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor segurado da R., pelo que esta é responsável pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe advieram do aludido acidente.

Conclui pedindo a procedência da acção e que a R. seja condenada: a) A pagar ao autor a quantia de € 14.392,10 referente às perdas salariais decorrentes de incapacidade temporária absoluta de que o autor padece, nos termos da Portaria 377/2008 e artigo 564º do Código Civil, acrescida das quantias devidas a título de perdas salariais até que se encontrem consolidadas as suas lesões; b) Declarar-se provado ter o Autor ficado a padecer de uma incapacidade permanente parcial a ser determinada de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, condenando-se a Ré a pagar ao Autor indemnização devida pela referida incapacidade; c) A pagar ao autor indemnização relativa ao dano patrimonial futuro nos termos melhor descritos no presente articulado; d) A pagar ao autor indemnização devida pela violação do direito à integridade física e psíquica de acordo com o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica a fixar em montante nunca inferior a € 100.000,00; e) A pagar ao autor indemnização pelo prejuízo de afirmação pessoal sofrido pelo mesmo em consequência do acidente; f) A pagar ao autor indemnização pelo quantum doloris a ser atribuído numa escala de grau 3 a 7; g) A pagar ao autor a quantia de € 930,00 a título de despesas realizadas em consultas, exames, medicamentos, tratamentos; h) A Pagar ao autor a quantia e € 4.506,03 devida a título de deslocações em veículo próprio, como melhor descrito nos artigos 62º a 70º para onde se remete por uma questão de economia processual; i) A pagar ao autor a quantia de € 1.621,79 devida pelos bens propriedade do autor que ficaram destruídos em consequência do acidente, como melhor descrito no artigo 71º para onde se remete; j) A pagar ao autor a quantia de € 58,42 devida a título de manutenção da cadeira de rodas; k) A pagar ao autor a quantia de € 1.271,44 devida a título de IVA referente às duas últimas faturas, uma de instalação de elevador no edifício onde o autor reside (fatura ... correspondente à ultima tranche prevista no orçamento, Iva no montante de € 508,99) e outra correspondente ao pagamento final das obras de reabilitação da habitação do autor (fatura nº ..., IVA no montante de € 762,45); l) A pagar ao autor a quantia de € 228,42 devida pelas intervenções necessárias ao aumento da capacidade elétrica do quadro das partes comuns do edifício para que o elevador pudesse funcionar (€ 152,50) e pelo consequente aumento da conta de eletricidade (€ 75,92), nos termos melhor descritos nos artigos 79º a 81º, devendo a Ré ser condenada a pagar ao autor mensalmente todas as despesas por si suportadas, doravante, com o aumento do consumo de energia elétrica nas partes comuns em virtude do uso do elevador; m) A pagar ao autor todas as despesas de manutenção do elevador, nelas se incluindo quer o valor mensal presente e futuro do contrato de manutenção do elevador, quer todas as despesas inerentes ao seu normal e devido funcionamento, nomeadamente substituições de peças necessárias; n) A pagar ao autor a quantia de € 55,35 referente à primeira mensalidade do contrato de manutenção do elevador já paga pelo autor; o) A proceder à instalação de plataforma de elevador de escada a instalar na escadaria de acesso ao patamar do elevador na entrada do edifício e a pagar ao autor a quantia de € 9.970,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, no total de € 12.263,10 a título de fornecimento e instalação de plataforma de elevador de escada como melhor descrito nos artigos 85º a 87º da PI; p) A reconhecer necessitar o autor de assistência de terceira pessoa em número de horas a determinar e a pagar ao autor a quantia devida a título de prestação suplementar para assistência a terceira pessoa; q) A pagar ao autor subsídio para frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional; r) Quantias estas acrescidas de juros à taxa legal em vigor a cada momento; s) Seja a Ré condenada nas prestações em espécie, de assistência médica, medicamentosa e farmacêutica, assistência psicológica e psiquiátrica, serviços de reabilitação médica ou funcional para a vida activa do autor e a fornecer-lhe todas as ajudas técnicas necessárias que correspondem ao estado mais avançado da ciência e da técnica e que lhe proporcionarão as melhores condições de vida, bem-estar e saúde possíveis.

2. O ISS apresentou o seu pedido de reembolso de subsídio de doença no valor de € 6.811,58, como consta do seu requerimento de 14/03/2021, tendo a R. apresentado a sua contestação, como consta do requerimento de 29/06/2021, tudo com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Contestou a R., alegando, em suma, que assume a responsabilidade pelo sinistro, mas colocando em causa parte dos danos peticionados, mais alegando o pagamento parcial dos mesmos. Conclui pelo julgamento da acção em função da prova a produzir em audiência de julgamento.

4. Saneado o processo e instruída a causa foi elaborada sentença que julgou a acção procedente nos termos que se dão por reproduzidos, condenando, com interesse para esta apelação:

b) a título de danos não patrimoniais, a quantia global de € 300.000,00 (trezentos mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da presente sentença, até efectivo e integral pagamento; e q) a proceder à adaptação de veículo automóvel, substituição, manutenção, acrescida dos custos de aquisição de uma viatura que se fixa em valor nunca inferior a € 40.000,00 (quarenta mil euros);


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Inconformada veio a ré interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (arts. 629º, n.º 1; 638º; 639º; 644º, n.º 1; 645º, n.º 1, al. a) e 647º, n.º 1, todos do CPC).

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2.1. A apelante apresentou as seguintes conclusões:

1. São os seguintes os motivos forçam a ora recorrente a apelar à Justiça de Vossas Excelências, a saber, a decisão proferida a respeito das vertentes patrimonial e não patrimonial do dano biológico que o autor ficou a padecer em virtude do acidente dos autos; a decisão proferida a respeito da ajuda de terceira pessoa de que o autor carece; a decisão proferida a respeito dos custos de aquisição/substituição/adaptação de um veículo automóvel para uso do autor (com a inerente impugnação do facto provado sob o n.º 75 da sentença); a apreciação do julgamento acerca do facto provado n.º 74 da sentença;

2. A recorrente dá aqui por reproduzida, por razões de economia e celeridade processuais, a matéria de facto julgada provada com relevância para a decisão das sobreditas questões

3. A recorrente não se conforma com a decisão recorrida, ao ter fixado em 300.000,00€ a indemnização devida ao autor AA como ressarcimento da vertente patrimonial do dano biológico que sofreu em consequência do acidente dos autos.

4. Aduz a sentença recorrida que a indemnização arbitrada ao lesado, neste caso, configura uma indemnização abrangente, posto que abrange não só a indemnização devida pela perda de capacidade de ganho, mas também o dano biológico e o défice funcional temporário que, no entender do Julgador, não se autonomizam.

5. A fixação desta parcela indemnizatória teve em linha de conta a idade do autor à data do evento, que era de 39 anos, a sua esperança média de vida, o rendimento médio líquido do apelado, que à data do acidente era de €795,36€ mensais (14 meses) e o seu défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 72 pontos, com IPATH.

6. Todavia, esta provado que à data da sentença o autor estava totalmente ressarcido de todos os prejuízos patrimoniais inerentes ao défice funcional temporário de que padeceu em consequência do sinistro, pelo que, mal andou a sentença recorrida ao ter contemplado, na fixação do dano patrimonial decorrente da perda de capacidade de ganho e dano biológico, também o dano que este sofreu a título de défice temporário.

7. Não andou melhor o tribunal recorrido em ter considerado a idade do recorrido à data do acidente (39 anos) para fixação da indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente da perda de capacidade de ganho, antes devendo ter usado, para este efeito, a idade do autor à data da consolidação médico-legal das lesões sofridas no sinistro (42 anos).

8. Ao fixar o montante indemnizatório na quantia de 274.280,77€ (300.000,00€ - 25.719,23€), o Tribunal recorrido não tomou em consideração a circunstância de que essa indemnização constitui, na realidade, uma verdadeira antecipação de capital, reportada a um dano que se verificará por mais de 28 anos, o que se impunha, tal como há muito se mostra firmado na Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para corrigir a vantagem patrimonial decorrente do arbitramento de uma indemnização de uma só vez.

9. Tal correcção, de acordo com a citada Jurisprudência, deve corresponder a um desconto usualmente fixado em cerca de ¼ do montante indemnizatório encontrado com recurso a tabelas financeiras.

10. Salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida – e que é muito, crê a recorrente que o montante indemnizatório fixado ao autor pelo dano biológico se mostra francamente exagerado.

11. Assim, no caso concreto, temos de ter primeiramente em conta a idade do apelado à data da alta (42 anos), um tempo provável de vida activa até aos 70 anos (29 anos de vida activa), uma incapacidade de 72 pontos e, ainda, que o apelado auferia mensalmente um salário médio de € 795,36.

12. Partindo destes elementos, e fazendo uso das respectivas tabelas financeiras, apura-se que seria devida ao apelado uma indemnização no valor aproximado de 180.000,00€, já depois de descontada a parcela atinente à vantagem patrimonial decorrente da entrega da indemnização relativa a 29 anos, de uma só vez.

13. Assim, e num puro juízo de equidade, atendendo a todos os factores já enunciados, à perda da capacidade de ganho, dano biológico e o facto de o A. não poder exercer a sua actividade habitual, entende a recorrente por justa a fixação no montante de € 230.000,00, sendo esta a quantia a que o A. tem direito a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho, contabilizados como danos futuros e dano biológico na vertente patrimonial

14. À mesma conclusão se chega, não se afigurando justo e conforme aos princípios da equidade, que, nas indicadas circunstâncias se fixe uma indemnização de valor muito superior a outras que vêm sendo atribuídas pela nossa Jurisprudência em situações semelhantes, nomeadamente num caso em que o lesado ficou a padecer de um dano biológico superior àquele que afecta o recorrido, sensivelmente da mesma idade e com um vencimento mensal não muito distante do auferido pelo aqui autor.

15. Veja-se, a título de exemplo, o decidido no seguinte Acórdão preferido recentemente num caso semelhante àquele de que ora nos ocupamos: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 09/12/2020, proferido no processo n.º 966/19.7T8PNF.P1: “II - Considerando os valores arbitrados na jurisprudência e ponderando o grau de limitação de que ficou a padecer o autor – défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 95 pontos, sendo tais sequelas impeditivas de qualquer atividade profissional -, não existindo qualquer perspetiva de recuperação, a idade (46 anos), o salário líquido (€ 686,45), a profissão (carpinteiro), o tempo profissional de vida ativa (70 anos), a dedução de 10%, ponderando a entrega antecipada do capital produtor de rendimento, mostra-se proporcional e adequado, segundo um juízo de equidade atribuir uma indemnização pela perda de ganho de € 190.000,00 (cento e noventa mil euro).”

16. Ora, perante o montante fixado no caso acima citado parecem não existir dúvidas de que o valor arbitrado ao recorrido a título de indemnização pelo défice funcional permanente de 72 pontos (com IPATH) de que o mesmo padece se afigura excessivo e injustificado.

17. Deste modo, perante as considerações acima expendidas acerca da indemnização do dano biológico permanente; perante a decisão jurisprudencial supra elencada, proferida recentemente em situação semelhante à dos autos; e perante a necessidade de proceder a uma redução da quantia indemnizatória devida à recorrida em virtude da antecipação de capital que a indemnização constitui, o montante fixado na sentença recorrida não se apresenta conforme aos princípios de justiça, de equidade e de proporcionalidade, justificando-se a sua redução para um valor não superior a 230.000,00€.

18. Em face do exposto, deve a sentença ser, nesta parte, revogada e substituída por outra que fixe em 204.280,77€ (230.000,00€ - 25.719,23€) a indemnização a arbitrar ao recorrido pelo défice funcional permanente de 4 pontos de que o mesmo ficou a padecer em consequência do acidente dos autos.

19. Ou, caso se entenda não ser este o valor adequado – o que, não se conceberia – sempre se imporia a redução da verba na qual esse dano foi fixado na douta sentença, o que, subsidiariamente, se requer.

20. O Tribunal a quo condenou a apelante a pagar ao autor a quantia de 300.000,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo mesmo em consequência do acidente dos autos, com o que a recorrente não se conforma.

21. Ressalvando sempre o devido respeito por opinião diversa, o montante indemnizatório fixado a este título peca por excessivo, distanciando-se não apenas da factualidade que vem dada como demonstrada, mas também do sentido das decisões que vêm sendo proferidas pela nossa Jurisprudência em casos análogos.

22. Efectuando uma síntese interpretativa da factualidade que vem dada como provada com relevo para a decisão a proferir nos autos, verifica-se que o autor, em consequência do presente sinistro, sofreu as lesões descritas no relatório médico-legal junto aos autos, com necessidade e sujeição a tratamentos, lesões essas que foram causa directa e necessária das sequelas permanentes e que originaram uma incapacidade permanente 72 pontos (que já foi considerada em termos de indemnização por incapacidade).

23. Mais se provou que apelado sofreu dores, com um quantum doloris de 7/7, tendo ainda um dano estético de 5/7, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixada no grau 6/7 e a repercussão permanente na actividade sexual no grau 5/7.

24. Provou-se ainda que deixou praticamente de conviver com familiares e amigos, tal como fazia anteriormente, a que acresce o facto de o mesmo ter ficado dependente de terceira pessoa para praticamente todos os actos da vida quotidiana, desde os mais elementares de higiene e mesmo de passar da posição de deitado para sentado, tendo ficado dependente de cadeira de rodas para se poder deslocar e necessitando de vigilância.

25. A aqui apelante tem consciência de que o cálculo da indemnização por danos não patrimoniais é sempre feito com base em critérios de equidade e atendendo a uma série de factores tais como o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado, devendo ser proporcionado à gravidade do dano.

26. No entanto, as indemnizações fixadas a este título devem aproximar-se em casos semelhantes, sob pena de não serem justas, por tratarem de maneira diferente situações idênticas.

27. Mais uma vez, não se pretende o unanimismo, mas, pelo menos, que haja uma uniformidade de critérios.

28. Vejamos, pois, algumas decisões proferidas pela nossa Jurisprudência no que tange a questão relativa às indemnizações por danos não patrimoniais atribuídas a sinistrados em diversas situações, todas elas semelhantes àquela de que nos ocupamos, acima citadas no corpo destas alegações e que aqui se dão por reproduzidas: Ac. Rel. Porto 18 de abril de 2017, Proc. 461/13.0TBPVZ.P1; Ac. STJ 25 de Novembro de 2009, Proc. 397/03.0GEBNV.S1; Ac. STJ 16 de Março de 2011, Proc. 1879/03.0TBACB.C1.S1; Ac. STJ 19 de Dezembro de 2018, Proc. 1173/14.0T2AVR.P1.S1; Ac. 16 de Março de 2017, Proc. Revista n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1; Ac. Rel. Porto datado de 09.12.2020, Proc. n.º 966/19.7T8PNF.P1;

29. Ora, não obstante considerarmos os danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido dignos de uma compensação expressiva, ainda assim, entendemos ser forçoso reconhecer que os mesmos revestem uma gravidade igual ou menor do que a de alguns dos casos acabados de citar.

30. Por conseguinte, considerando o enquadramento do dano não patrimonial sofrido pelo apelado nas situações acima retratadas e, bem assim, recorrendo a critérios de equidade, entende a recorrente que o valor da compensação pelos danos não patrimoniais não deverá exceder os 250.000,00€.

31. Ainda a propósito desta questão cumpre sublinhar que a indemnização arbitrada pelo Tribunal recorrido (e mesmo aquela pela qual se pugna), são muito superiores à que o legislador entendeu que seria, no caso, ajustada.

32. Um dos contributos preponderantes do legislador nacional para a prossecução da uniformização de indemnizações foi a criação da “proposta razoável”, que as seguradoras devem apresentar ao lesado em cumprimento do disposto nos artigos 38º e 39º do DL 291/2007 (e, anteriormente, nos termos previstos no DL 83/2006).

33. Os critérios fixados na aludida legislação e respectivas portarias, aplicáveis por força do artigo 291/2007, decorre um efeito de grande utilidade para o julgador, que é, precisamente o de densificar e esclarecer os critérios da equidade na determinação da indemnização.

34. Ora, recorrendo às regras da aludida legislação, a compensação do autor por danos não patrimoniais (na sua vertente de dias de internamento [1032 dias], dano biológico [72 pontos], quantum doloris [7/7], dano estético [5/7], prejuízo sexual [5/7]) seria na ordem dos 125.000,00€.

35. O que evidencia, salvo melhor opinião, a sobrevalorização da indemnização atribuída para compensar os danos não patrimoniais do autor, fixada na sentença recorrida, e bem assim, da justeza da pretensão recursiva da ré no que a este ponto respeita.

36. Assim, considera a Ré que a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor deve ser reduzida para o montante de 250.000,00€, o que se pede.

37. Ou, caso se entenda não ser este o valor adequado – o que, não se conceberia – sempre se imporia a redução da verba na qual esse dano foi fixado na douta sentença, o que, subsidiariamente, se requer.

38. A recorrente não pode estar mais em desacordo com a atribuição, a este título, da quantia de 633.139,20€ a título de indemnização pela necessidade de terceira pessoa (já descontados os 14.000,00€, recebidos pelo autor da ré a este título), em face da factualidade dada como provada.

39. Provou-se que o autor irá necessitar de terceira pessoa para o resto da sua vida durante 8 horas por dia, para que o auxiliar na realização das actividades da vida diária a vestir-se e no banho (cfr facto dado como provado no ponto 45).

40. Porém, é de fundamental importância ter em conta que não se provou que o autor tenha contratado, até à presente data, quem quer que seja para executar tal tarefa, sendo a sua mulher quem tem prestado ao autor tal auxílio.

41. A necessidade de auxílio de uma terceira pessoa não é, em si própria, um dano patrimonial, mas antes uma forma de o limitar, podendo a ele estar associado um dano patrimonial emergente, passado, presente ou futuro, que consiste no custo da contratação de quem preste o necessário auxílio.

42. Todavia, para que se conclua pela sua verificação, é necessário que se prove que o lesado, como forma de beneficiar do auxílio de que carecia, teve ou terá de suportar um gasto, ou seja, viu ou verá diminuído o seu património, devendo a indemnização reparar essa desvalorização.

43. A ocorrência desse dano, consistente no custo da contratação de uma terceira pessoa, não se pode presumir.

44. Antes de mais, cumpre ter em consideração que não se provou que o autor, até à data da sentença (28/09/2023), tenha contratado quem quer que seja para lhe prestar auxílio, pelo que até essa data, não sofreu qualquer prejuízo patrimonial que deva ser indemnizado.

45. É de admitir algum prejuízo patrimonial futuro a este título, indemnizável desde que seja previsível, como determina o artigo 564º do Cod Civil.

46. Nos autos provou-se é que o autor necessita dessa assistência, mas a mesma lhe vem sendo prestada pela sua esposa.

47. O autor, apesar de ser casado, e de no decurso dos 5 anos que já passaram desde a data do acidente, não ter tido de contratar qualquer pessoa para o auxiliar, isso não significa que não venha a ter necessidade de tal apoio prestado por terceira pessoa, tanto mais que o autor ainda é novo e a realidade familiar em que se mostra inserido poderá alterar-se no futuro, mantendo-se, é certo, a sua necessidade de assistência por terceira pessoa.

48. Todavia, tais circunstâncias, actualmente imprevisíveis, não permitem o cálculo, ainda que aproximado, do valor necessário para assegurar a ajuda de terceira pessoa que o autor tenha terá de contratar.

49. Como tal, sempre se impõe a revogação da decisão proferida quanto a esta indemnização e que a respectiva liquidação seja relegada para momento posterior.

50. Com efeito, mesmo que se configure como possível ou até provável o dano patrimonial futuro decorrente da necessidade de auxílio de terceiros, tal dano, além de futuro, não é certo enquanto tal auxílio for prestado pela esposa do autor.

51. Mesmo que se considere previsível o dano, é absolutamente incerto se e quando se verificará e por quanto tempo perdurará.

52. Como tal, a aqui apelante só deve ser condenada a pagar ao recorrido a quantia a liquidar ulteriormente e que corresponda às despesas que este venha efectivamente a suportar com a contratação de uma terceira pessoa, até ao limite da sua vida previsível, que se deve situar nos 77 anos de idade.

53. Tal condenação deve, no entanto, ser desde já balizada, tendo como limite, em primeiro lugar, o valor atribuído a esse título na decisão sob censura e sempre o valor do pedido, este deduzido das demais verbas indemnizatórias que sejam atribuídas ao demandante na decisão final que ponha termo à acção.

54. Ainda que assim não se entenda, seria sempre exagerada a verba atribuída a este propósito, sobretudo porque se baseou em pressupostos inexactos, a saber, uma esperança de vida de 36 anos, sendo que, à data da sentença, o autor contava 45 anos de idade, já que nasceu no ano de 1978.

55. De acordo com os dados estatísticos mais recentes publicados pelo INE, que apontam para uma esperança de vida média dos homens situada nos 77 anos de idade, isso

significa que o apelado tem, na melhor das hipóteses, uma esperança média de vida de 32 anos (77 - 45).

56. Por fim, no cálculo da indemnização, a Sra. Juiz limitou-se a multiplicar o gasto diário referente à contratação de uma terceira pessoa (6,16€) pelo número de dias e anos até ao termo da esperança de vida.

57. Todavia, estando em causa danos que só se verificarão ao longo de um longo período de tempo, não pode ser atribuída ao lesado, antecipadamente, o valor global correspondente ao somatório dos prejuízos previsíveis que sofrerá.

58. Portanto, a indemnização deverá sempre ser corrigida (reduzida) de forma a que o lesado não obtenha um enriquecimento indevido decorrente da antecipação da indemnização pelo dano patrimonial futuro.

59. Tal redução, de acordo com a citada jurisprudência – e atendendo ao estado actual do mercado financeiro - não deve ser inferior a 1/4.

60. Por outro lado, não é expectável que o autor tenha uma esperança média de vida igual à da generalidade dos homens em Portugal, a qual ronda os 77 anos, mesmo para indivíduos do sexo masculino que tenham sofrido lesões graves e irreversíveis, mas que apesar das lesões sofridas, permanecem activos e com plena autonomia.

61. O estado de saúde do autor não permite considerar que a sua esperança de vida se situa dentro da média do homem português, dado o elevado número de lesões sofridas e limitações funcionais de que ficou a padecer.

62. A debilidade física e a doença são uma evidência e o estado de saúde, em regra, nestas situações tende a agravar-se, pelo que o tempo de sobrevida é sempre mais curto, mesmo ponderando os avanços da medicina.

63. Isto posto, entende a recorrente que, caso se venha a considerar ser devida ao apelado a indemnização pela necessidade de auxílio de terceira pessoa, esta deve ser substancialmente reduzida.

64. De acordo com os factos provados, que, de resto, são o reflexo dos relatórios periciais

constantes dos autos, o autor carece da ajuda de terceira pessoa durante 8 horas por dia, sendo compaginável com tal situação, a celebração de um contrato de trabalho doméstico, a remunerar acima do salário mínimo nacional, próximo dos 1.000,00€/mês, 15 meses por ano, atentas as necessidades do autor durante os fins de semana e durante as férias.

65. Assim, considerando que o apelado, à data da prolação da sentença, contava já 45 anos de idade e tinha uma esperança de vida inferior a 32 anos, o valor global a suportar pelo demandante a esse título ao longo desse período será o de cerca de 450.000€.

66. Ora, considerando, por um lado, uma taxa de crescimento do valor necessário à contratação de uma terceira pessoa (que se julga adequado cifrar-se em 1%), mas, por outro, atendendo a uma taxa de juro na ordem dos 3% (actualmente em crescimento), o valor que se encontra para esta indemnização ascende a cerca de 320.000,00€.

67. Se esta ajuda fosse prestada em regime de internamento, 24h/dia, em instituição apropriada, o valor a considerar seria semelhante àquele. (vide decisões proferidas pelos nossos Tribunais superiores em situações semelhantes àquela que ora nos ocupa, para se concluir precisamente nesse sentido. Ac. STJ 27 de Setembro de 2012, Proc. 560/04.7TBVVD.G1.S1 (acessível em www.dgsi.pt); Ac. STJ 11 de Abril de 2019, Proc. 5686/15.9T8VIS.C1.S1 (acessível em www.dgsi.pt); Ac. Rel. Porto de 09.12.2020, Proc. 966/19.7T8PNF.P1;

68. Mostra-se evidente a injustiça da decisão recorrida ao condenar a apelante a pagar ao apelado a quantia de 663.139,20€, a título de indemnização compensatória da necessidade do apelado de assistência de terceira pessoa.

69. O valor indemnizatório global de 320.000,00€ mostra-se, em equidade, mais ajustado a indemnizar esse dano, pelo que se requer a revogação, nessa parte, da douta sentença, e a fixação da indemnização nesse valor.

70. Tal montante, à semelhança do que sucede na sentença recorrida, deve ser deduzido do valor de 14.000,00€ pago pela aqui apelante ao autor a esse título, chegando-se ao valor indemnizatório global e final de 306.000,00€ a arbitrar ao apelado a título de indemnização para ressarcimento da necessidade de ajuda de terceira pessoa.

71. Ou, caso se entenda não ser este o mais adequado – o que não se concede – sempre se imporia a redução do valor atribuído a esse título, o que, subsidiariamente, se requer.

72. Nos termos da al. q) do dispositivo da sentença recorrida, a aqui recorrente foi condenada “a proceder à adaptação de veículo automóvel, substituição, manutenção, acrescida dos custos de aquisição de uma viatura que se fixa em valor nunca inferior a € 40.000,00 (quarenta mil euros)”, decisão com a qual a apelante não se conforma.

73. A aludida decisão tem arrimo num omisso estabelecimento do nexo de causalidade entre o acidente e o dano – e por tal motivo muito discutível, bem como, no teor do facto julgado provado n.º 75 da decisão recorrida, com o qual a ré não se conforma, por padecer de manifesto erro de julgamento.

74. respeito do aludido facto julgado provado, importa começar por sublinhar que não existe qualquer prova nos autos que permita julgar provado que o autor carece da substituição/manutenção de um veículo automóvel adaptado, nem, muito menos, que a dita adaptação/substituição/manutenção de veículo automóvel terá o custo de 10.500,00€.

75. Resultou apenas provado nos autos que o autor carece de um veículo automóvel adaptado para se poder deslocar (cf. relatório pericial do IML de fls…).

76. A tal propósito refere-se no documento de fls…, denominado “Avaliação de Medicina Física e de Reabilitação de condutor para veículo adaptado categoria B, Grupo 1”, emitido pelo Centro de Reabilitação ... (“Misericórdia ...”), datado de 10.04.2018 e notificado às partes em 12.10.2021, que perante a avaliação realizada ao autor, as adaptações necessárias ao veículo automóvel são as seguintes: Selecção automática da relação de transmissão (10.02); Travão de Serviço (20.06); e - Acelerador manual (25.04);

77. Acresce que, compulsada a fundamentação da decisão acerca do facto julgado provado n.º 75 a respeito do custo da dita adaptação/substituição/manutenção de um veículo automóvel, fixado no valor de 10.500,00€, verifica-se que tal decisão encontra arrimo única e exclusivamente no teor do documento n.º 157 junto aos autos com o incidente de liquidação apresentado pelo autor em 21.09.2022, que foi devidamente impugnado pela ré no seu requerimento de fls…, apresentado em 06.10.2022.

78. O documento em causa, denominado de “Relatório de Produtos de Apoio”, foi alegadamente emitido por uma entidade denominada “C...”, cuja existência e actividade é totalmente desconhecida nos autos, sendo certo que nenhuma testemunha depôs em audiência de julgamento com conhecimentos bastantes (ou não!) para atestar a credibilidade dessa entidade e a sua idoneidade para produzir as afirmações constantes do dito documento.

79. De resto, nem da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, nem da prova documental existente do processo, mormente do citado documento n.º 157, resulta que o autor ou a ré terá de suportar os custos de aquisição de uma viatura, posto que não alegou, nem provou que não dispunha, nem dispõe, de qualquer viatura automóvel passível de adaptação para ser por si conduzida, nem, sequer, que dispõe de carta de condução que o habilite a conduzir viaturas automóveis na via pública.

80. Como tal mal andou o tribunal recorrido em julgar provado que “o autor necessita de adaptação/substituição/manutenção do veículo automóvel, “fundamental para poder conferir mais autonomia ao Examinado, que já realizou testes demonstrativos da sua capacidade de conduzir viatura adaptada.”, o que terá um custo de € 10.500,00 (conforme doc. n.º 157 do incidente de liquidação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e ainda custos de aquisição de uma viatura”

81. Impõe-se a revogação da decisão que julgou provado o facto n.º 75 da sentença e, em sua substituição, atenta a prova produzida no processo, deve ser proferida decisão que julgue provado o seguinte: “75. O autor necessita da adaptação de um veículo automóvel, com a aplicação de selecção automática da relação de transmissão (10.02); de Travão de Serviço (20.06); e de Acelerador manual (25.04).”

82. A sentença recorrida não esclarece qual o nexo de causalidade entre o acidente dos autos e a atribuição ao autor de um veículo automóvel propriamente dito, ainda que adaptado à sua situação clínica.

83. A condenação da recorrente a proceder à adaptação de veículo automóvel, substituição, manutenção, acrescida dos custos de aquisição de uma viatura que se fixa em valor nunca inferior a € 40.000,00 (quarenta mil euros), num invocado puro juízo de equidade, não refere quais os pressupostos de facto, nem de direito, de que partiu para conceder ao autor essa concreta indemnização, dita atribuída de acordo com a equidade.

84. Nenhum elemento constante do processo permite sustentar que a aludida condenação da recorrente foi determinada segundo juízos de equidade.

85. Consubstanciando o dano em causa um dano patrimonial emergente, nenhuma razão sustenta a legalidade de atribuição da mencionada indemnização a título de equidade, devendo antes, como é bom de ver, apurar-se o valor do concreto do prejuízo dele emergente.

86. Donde, entende a apelante que a decisão de condenação ora em apreço deve ser revogada por Vªs. Exas. e substituída por outra que condene a apelante a suportar os custos de adaptação de um veículo automóvel, mediante a aplicação no veículo da selecção automática da relação de transmissão (10.02); de Travão de Serviço (20.06); e de Acelerador manual (25.04), a liquidar em incidente posterior e com o limite de 40.000,00€.” - o que se requer a Vªs. Exas.

87. A recorrente entende, salvo o devido respeito por opinião diversa, que ao julgar provado o facto 74 da sentença (cujo teor aqui se dá por reproduzido), o tribunal incorreu em notório erro de julgamento, devendo tal decisão ser revogada nos termos que a seguir se deixam expressos.

88. O julgamento acerca da matéria de facto provada sob o n.º 74 fundamentou-se única e exclusivamente no teor dos documentos n.º 157 e 158 juntos com o incidente de liquidação apresentado pelo autor em 21.09.2022.

89. É certo que resultou provado nos autos que o autor necessitará, ao longo do tempo, de ajudas técnicas para prevenir, compensar, atenuar ou neutralizar o dano pessoal, do ponto de vista anatómico, funcional e situacional, com vista à obtenção da maior autonomia e independência possíveis nas actividades da vida diária.

90. Resultou, nomeadamente, demonstrado, que tais ajudas técnicas compreendem, nomeadamente, uma cadeira de rodas manual e uma cadeira de rodas eléctrica com funções eléctricas de assento, uma almofada para cadeira de rodas, uma cadeira de banho com acessórios – almofada suave, aparadeira, apoios de braço, cama articulada de casal, colchão de prevenção e sua manutenção/substituição, elevador de transferência, cestas de transferência e respectivos acessórios, componentes e manutenção (cf. relatório pericial do IML de fls…, o relatório de fls… da Prof. BB, páginas 10 e 11; Nota de alta do Hospital ..., página 6; Adenda 1.1. do relatório do Hospital ...).

91. Todavia, compulsada a fundamentação da decisão acerca do facto julgado provado n.º 74 a respeito do custo das ditas ajudas técnicas, fixadas em cerca de 315.450,00€, verifica-se que tal decisão encontra arrimo única e exclusivamente no teor do documento n.º 157 junto aos autos com o incidente de liquidação apresentado pelo autor em 21.09.2022.

92. Ora, por requerimento de fls…, apresentado em 06.10.2022, a ré respondeu ao aludido incidente de liquidação, tendo impugnado o teor de todos os documentos juntos pelo autor com o dito incidente, incluindo, como tal, o referido documento n.º 157.

93. O documento em causa, denominado de “Relatório de Produtos de Apoio”, foi alegadamente emitido por uma entidade denominada “C...”, cuja existência e actividade é totalmente desconhecida nos autos, sendo certo que nenhuma testemunha depôs em audiência de julgamento com conhecimentos bastantes (ou não!) para atestar a credibilidade dessa entidade e a sua idoneidade para produzir as afirmações constantes do dito documento.

94. Trata-se, como é bom de ver, de um documento impugnado pela recorrida e sem qualquer valor probatório, muito menos para deixar estabelecido como provado que o custo das ajudas técnicas de que o autor carece, e vai carecer no futuro, tem o valor de cerca de 315.450,00€.

95. Como tal mal andou o tribunal recorrido em julgar provado que o custo de tais ajudas técnicas tem um valor aproximado de € 315.450,00, posto que não dispunha, nos autos, de quaisquer elementos com valor probatório suficiente para esse efeito.

96. O mesmo se diga relativamente ao facto de o Tribunal ter considerado provado que os custos inerentes a taxas camarárias e outras devidas pelo elevador, tem o valor anual de cerca de € 600,00/ano e, bem assim, que os custos de manutenção da plataforma de escada de que o autor carece, tem o valor de cerca de € 300,00/ano, que igualmente configura um manifesto erro de julgamento, por manifesta falta de elementos probatórios no processo onde se estribar tal decisão.

97. Esta decisão encontra arrimo única e exclusivamente no teor do documento n.º 158 junto aos autos com o incidente de liquidação apresentado pelo autor em 21.09.2022, devidamente impugnado pela ré no seu requerimento de fls…, apresentado em 06.10.2022.

98. Importa referir que o documento em causa, denominado de “Contrato de Manutenção Standard - Plataforma de escada”, configura um alegado contrato celebrado entre o autor e uma entidade supostamente denominada INOVTEC ACESS, o qual, desde logo, não se mostra assinado por quem quer que seja e aparentemente foi emitido por uma entidade cuja existência e actividade é totalmente desconhecida nos autos, sendo certo que nenhuma testemunha depôs em audiência de julgamento com conhecimentos bastantes (ou não!) para atestar a celebração do dito contrato, nem a credibilidade da entidade que teria contratado com o autor ou a sua idoneidade para fornecer os bens e serviços aí mencionados, nem para estabelecer os preços nele convencionados.

99. Trata-se, também este documento, de um documento sem qualquer valor probatório, muito menos para deixar estabelecido como provado que o elevador instalado em casa do recorrido tem custos inerentes a taxas camarárias e outras, no valor anual de cerca de € 600,00/ano e, ainda, que a plataforma de escada também instalada na residência do autor tem custos de manutenção com o valor de cerca de € 300,00/ano.

100. Como tal mal andou o tribunal recorrido em julgar provados tais factos. Assim, em face do que se deixa dito, impõe-se a revogação da decisão que julgou provado o facto n.º 74 da sentença e, em sua substituição, atenta a prova produzida no processo, deve ser proferida decisão que julgue provado o seguinte: “74. Bem como necessitará, ao longo do tempo, das ajudas técnicas já aludidas, que compreendem, nomeadamente, cadeira de rodas manual e cadeira de rodas eléctrica com funções eléctricas de assento, almofada para cadeira de rodas, cadeira de banho com acessórios – almofada suave, aparadeira, apoios de braço, cama articulada de casal, colchão de prevenção e sua manutenção/substituição, elevador de transferência, cestas de transferência e respectivos acessórios, componentes e manutenção.”

101. O que se requer.

102. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 562, 563, 564 e 566 do código civil.


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2.2. O apelado contra-alegou, em 40 páginas cujo teor integral se dá por reproduzido, defendendo a integral manutenção do já decidido.

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3. Questões a decidir

1. Apreciar o recurso quanto à matéria de facto constante dos factos 74 e 75.

2. Fixar depois o dano não patrimonial e o dano biológico.

3. Apurar depois a justeza e valor do dano resultante da ajuda por uma terceira pessoa.

4. Apurar depois se deve ou não ser fixado, reduzido ou relegado para ulterior liquidação os danos constantes dos factos provados nºs 74 e 75.

5. Por fim, apreciar se o recebimento imediato das quantias relativas a danos futuros deve ou não ser objecto de um desconto e, assim sendo, qual.


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4. Do recurso da matéria de facto

Põe em causa o apelante a decisão factual constante dos factos nº 74 (despesas futuras de aquisição de ajudas e auxiliares médicos) e facto nº 75 (necessidade e montante das despesas de aquisição de um veículo e sua adaptação).

Quanto a este último é evidente a inexistência de qualquer meio de prova que demonstre que o acidente tenha lesado qualquer veículo da sua propriedade ou que este disponha desse veículo ou sequer de qualquer tipo de habilitação legal para a condução do mesmo.

Bastará dizer que decorre dos factos provados (nº 1 e 2) que o autor conduzia um motociclo propriedade da sua irmã e nunca foi alegado que dispunha de qualquer veículo cuja condução tenha sido impedida em virtude do acidente.

Note-se, aliás, que o documento que fundamenta esse facto, revela apenas que “caso o autor venha a conduzir” necessitará de despesas de adaptação do veículo sem que se logre compreender como o tribunal a quo (sem qualquer justificação) consegue demonstrar que a aquisição desse veículo atinge um valor de 40 mil euros.[1]

Acresce que a mulher do autor diz apenas, nesta matéria, “temos um fiat 600 e ele participava nos passeios”, sem que, portanto tenha demonstrado a efectiva necessidade de aquisição de outro veículo.

Diga-se aliás, que todas as testemunhas (incluindo a filha e amigos) referem o prazer do autor conduzir a sua mota e nunca mencionam qualquer outro veículo.

Note-se, por fim, que o pedido concretamente formulado foi “A proceder á adaptação de veículo automóvel, substituição, manutenção, “fundamental para poder conferir mais autonomia ao Examinado, que já realizou testes demonstrativos da sua capacidade de conduzir viatura adaptada.”, acrescida dos custos de aquisição de uma viatura a fixar em valor nunca inferior a € 40.000,00”.

Sendo que também foi pedido o pagamento das despesas de deslocação [2].

Acresce que a futura e eventual intenção do autor vir a adquirir e conduzir um veículo é meritória e legitima, mas a condenação da ré em suportar o custo de aquisição do mesmo não deriva da eclosão do acidente, pela simples razão que o autor nunca alegou ou demonstrou que já tivesse esse veículo no seu património.[3] E que nunca foi sequer fundamentado o valor de aquisição do mesmo (40 mil euros[4]), sendo que este não consta sequer do documento usado.

Por fim, teremos de notar que esse mesmo documento junto no decurso da liquidação foi efectivamente impugnado pela apelante/seguradora pelo que, isoladamente, não é apto a fundamentar esse juízo probatório.

Ou seja, a sentença recorrida comprovou um dano no valor de 40 mil euros sem qualquer justificação real e, ouvidas as inquirições, sem qualquer meio de prova que efectivamente o sustente[5].

Daí a procedência do recurso nesta parte.


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Quanto ao facto nº 74

Alega o autor nas suas alegações que o recurso é desnecessário, pois, afinal a ré seguradora foi apenas condenada a pagar as despesas concretas que apresentar. Omite, porém que esta factualidade reproduziu o teor da liquidação fixando já um valor global dessas despesas. Ora, esse valor pelo seu montante pressupunha a demonstração, pelo menos, do custo, dos elementos que o autor irá necessitar e o seu custo unitário.

Note-se aliás, nesta matéria, que a esposa do autor (cujo depoimento foi oficiosamente ouvido) admite que nem sequer possui qualquer contrato assinado e em vigor para a utilização do elevador, pelo que o valor é “estimado”.

A filha do autor (CC) não corrobora também esse valor já que “o valor não sei as contas são mais com a minha mãe”.

Analisando os documentos juntos nesse incidente de liquidação constata-se que a proposta da C...[6] apresenta valores dispares (cadeira elétrica  no valor de 30 mil euros ou manual no valor de 6 mil euros), sendo que o custo total da cadeira de rodas e almofada atinge 46800 euros.

Se somarmos todos os restantes itens desse orçamento (cujo número e quantidade abarca 35 anos de duração), atingimos o valor de 44 mil euros. Aliás a soma total desse orçamento implica a repetição do mesmo objecto (cadeira de todas eléctrica no valor de 180 mil euros e cadeira de rodas de metal 42 mil euros).

Logo é manifesto que mesmo com base nesse documento que foi impugnado pela parte contrária[7], nunca poderíamos atingir o valor que consta do facto provado.

Basta dizer que nenhum elemento demonstra a necessidade de “usar um elevador de transferência aos 60 anos”, ou que a soma de todos esses valores atinja 348 mil euros, já que existem verbas duplicadas (ex as duas cadeiras de rodas), sendo que, por exemplo, o autor já possuiu actualmente uma cadeira eléctrica (depoimento da sua filha e Sra.DD), a qual estava até avariada na data do julgamento.

Note-se, por fim que, no decurso do julgamento (com excepção das despesas do elevador) não foi feita qualquer pergunta às testemunhas (familiares e amigos do autor), nem a entidade que elaborou a proposta orçamental foi inquirida.

Logo, se esse documento foi impugnado não vislumbramos como, sem qualquer prova ainda que ténue, sobre esta matéria se possa liquidar um dano no valor de 348 mil euros.

Nestes termos, terá, pois, de ser procedente o recurso sobre a matéria de facto.


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5. Motivação de facto

1. No dia 30 de Janeiro de 2018, cerca das 13h30m, na Estrada Nacional ..., ao quilómetro 25,034, saída da ..., freguesia ..., concelho de concelho de Penafiel, ocorreu um embate, onde foram intervenientes: Um motociclo com cilindrada 125 cc, marca Kawasaki, matrícula ..-..-EJ, propriedade de EE, conduzido na altura do acidente pelo seu irmão, o aqui Autor, AA (conforme docs. nºs 1, 2 e 3 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), Um veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Opel, matrícula ..-..-PU, propriedade de D..., Lda., conduzido, na altura do acidente, por FF (docs. nºs 1 e 2 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

2. O veículo de matrícula EJ, propriedade da irmã do autor e conduzido por este, circulava na Estrada Nacional ..., no sentido Lousada, ..., numa velocidade ‘moderada’, pela sua hemi-faixa de rodagem, atento o sentido da marcha em que seguia, circulando com atenção ao tráfego de peões e veículos que se fazia sentir, quando foi subitamente embatido pelo veículo PU, que, saindo da ..., não respeitou o sinal de STOP, invadindo a faixa de rodagem onde circulava o EJ.

3. A Estrada Nacional ..., cerca do quilómetro 25, à saída da autoestrada ... configura uma reta com mais de 2 Km de extensão, de perfil plano com ligeira inclinação.

4. O piso era e é de asfalto betuminoso, encontrando-se em perfeitas condições de conservação, sem buracos, nem irregularidades.

5. O tempo estava seco, bem como o pavimento, ultrapassando a visibilidade os 2000 metros.

6. O limite de velocidade no local do acidente é, em toda a sua extensão, de 90 km/h.

7. O autor circulava na referida estada nacional 106 a uma velocidade inferior aos 90 km/h.

8. O veículo PU circulava ‘sem prestar atenção ao trânsito’, nomeadamente àquele que circulava na nacional 106, como era o caso do veículo conduzido pelo autor.

9. No local do acidente compareceram duas ambulâncias do INEM e uma ambulância dos Bombeiros Voluntários ..., tendo o A. sido transportado para o Centro Hospitalar ... EPE.

10. Em virtude do acidente, o A. sofreu politraumatismo com os seguintes traumas (conforme doc. n.º 4 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): Fratura apófises espinhosas C7, D1 e D3 Fratura articular C6-C7 e transversa esquerda C7 (sem listeses) Fratura corpo D3 Fratura-luxação D6-D7, com fraturas da transversa esquerda de D6 e bilateralmente D7 Fratura corpo D8 e transversas direitas D8 e D9 Hematoma agudo intra-canelar entre C3 e C6 e em D6-D7 Luxação do cotovelo esquerdo Luxação trapézio-MTC + carpo – 2º MTC + fratura proximal F2 polegar mão esquerda Fratura ramo isquío-púbico direito.

11. Foi submetido a intervenção cirúrgica: instrumentação pedicular D4- D5-D7-D8-D9 com APL + laminectomia D6 e parcial D7; CRIF luxação carpo – 1º e 2º MTC mão esquerda com fios Kirschener; CRIF luxação cotovelo esquerdo com cravo Steinemann – imobilização com tala à esquerda + 1º dedo mão esquerda.

12. Esteve internado na UCIP (unidade de cuidados intensivos polivalente) durante um período de 8 dias e posteriormente transferido para o Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar ... EPE.

13. Em 26 de Fevereiro de 2018 foi transferido para o ... (Centro de Reabilitação ...) onde ficou internado a realizar programa de reabilitação até 05-07-2018.

14. Enquanto no ... o Autor apresentava: Derrame pleural, tendo sido realizado RX tórax a 06-03-2018 e avaliado por pneumologista consultor do ... que considerou que a etiologia do derrame pleural à esquerda necessitava de investigação diagnóstica, foi encaminhado para avaliação para o Centro Hospitalar .... Em 16-03-2018 realizou toracentese com drenagem de 160cc de líquido pleural, em 03-04-2018 realizou ecografia torácica que demonstrou derrame de médio volume à esquerda, a 12-04-2018 foi ao Centro Hospitalar ... e foi decidido manter vigilância; Citocolestase (que consiste numa diminuição ou interrupção do fluxo biliar. Na presença de colestase, o fluxo da bile é prejudicado em algum ponto entre as células do fígado (que produzem bile) e o duodeno (o primeiro segmento do intestino delgado)) Anemia Quadro de febre a 19-06-2018 com ponto de partida provável em infeção da ferida operatória Rouquidão (em virtude de pólipo na corda vocal, em provável relação com trauma da intubação de Janeiro de 2018) Onicocriptose (dor ou inflamação que ocorre no dedo quando a borda lateral da unha fere a pele adjacente, enterrando-a ao seu redor. Isto acontece porque a pele forma uma barreira ao crescimento da unha e, como esta é mais dura e não para de crescer, ela adentra a pele causando os sintomas mais comuns como dor e inflamação). Bexiga neurogénica (disfunção da bexiga (flácida ou espática) causada por lesão neurológica. Os sintomas podem incluir incontinência por transbordamento. O risco de complicações graves (por ex. infeções reincidentes, refluxo vesico ureteral e disreflexia automática) é elevado, tendo que fazer algaliações intermitentes). Intestino neurogénico, com resolução Hemorroidas Agravamento dos espasmos noturnos Déficite de vitamina D

15. A 5 de Julho de 2018 o Autor foi transferido para a Medicina Física e Reabilitação do Hospital ..., onde realizou programa de reabilitação integral e abrangente.

16. Em Março de 2020, com a declaração do estado de emergência, o Hospital ... fechou as portas a todos aqueles que eram estranhos ao serviço, pelo que o Autor ficou privado de receber visitas, facto que se manteve inalterado até 27 de Novembro de 2020, sendo que em 14 de Outubro de 2020 testou positivo a Sars cov 2 e finalmente em 27 de Novembro de 2020 foi programada alta para o domicílio, mantendo programa de reabilitação em ambulatório, devendo continuar o programa de reabilitação integrado e abrangente para estimular o potencial funcional que apresenta, o que até à presente data e não obstante as suas inúmeras solicitações à Ré ainda não logrou iniciar.

17. Desde a data do acidente e até à presente data o autor sofre de ‘imensas e torturantes’ dores físicas, nomeadamente dores ao nível da coluna cervical,

18. Ficou com a sua mobilidade reduzida, necessitando do auxílio de uma cadeira de rodas para se conseguir deslocar.

19. Perdeu, em consequência do acidente, toda a autonomia a que estava habituado, pois não consegue, nomeadamente, efectuar a sua higiene diária sozinho, vestir-se, preparar a sua alimentação, bem como praticar os demais atos da vida doméstica, condicionado e limitado como ficou, estando totalmente dependente de terceiros.

20. Tem ainda dificuldade em dormir as horas necessárias ao seu repouso, por não conseguir uma posição cómoda que lhe permita estar deitado sem dores, necessitando da ajuda de terceiros para durante a noite o mudarem de posição, atentas as dores que sente e a incapacidade de o fazer sozinho.

21. O programa de reabilitação integral e abrangente que realizou pelo menos até ao ano de 2020 e que deverá continuar, constituiu um processo ‘extremamente doloroso’ pois que os movimentos que era obrigado a realizar lhe causam ‘imensas dores’.

22. Tomou e toma, por prescrição médica, relaxantes, analgésicos e anti-inflamatório, tais como Lidocaina, Diosmina, Rivaroxabano, Paracetamol, Diazepam, Chinchocaína, Bisacodilo, Gelatina + Glicerol G Gel Rect Bisn, Fluconazol, Ácidos Gordos Hiperoxigenados, Benzidamina, Sildenafil Sandoz (conforme doc. nº 4 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

23. Necessita, ainda, para uso no seu dia-a-dia de 6 esponjas de higiene, Saba – solução antissética de base alcoólica, luvas não esterilizadas, compressas, lidocaína gel lubrificante, algalia Foley, sacos de urina com torneira (3x/dia), 7 vezes por dia saco e esvaziamento, soro fisiológico (3x/dia), seringas (2x/dia), resguardos de plástico e sondas de esvaziamento vesical Nelaton (6x/dia) (conforme doc. n.º 5 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

24. O A. necessita de realizar 4 a 5 sessões semanais de programa de fisioterapia de manutenção, os quais ainda não lograram iniciar-se por falta de autorização da Ré para o efeito.

25. Necessita, ainda, o A. da ajuda de terceira pessoa, quer para a execução dos normais e especiais cuidados de higiene de que necessita, quer para a confeção das suas refeições, quer para a preparação (lavagem e passagem a ferro) do seu vestuário e ajuda a vestir-se, quer para ir ao WC, quer para se deitar e levantar, quer mesmo durante a noite porque tem que ser virado regularmente (em virtude das dores de que padece), o que lhe retirou toda a qualidade de vida que tinha.

26. O A. submeteu-se a consultas de ortopedia, exames e tratamentos.

27. O Autor sofre de stress pós-traumático com deficit das funções cognitivas (atenção, concentração, memória).

28. O Autor sente diariamente dores por todo o corpo, vendo-se impossibilitado de caminhar, sendo que necessita de medicação diária para que as possa suportar, sofrendo de ansiedade, fobias várias, pesadelos frequentes, alterações de memória, que condicionam a qualidade de vida, quer em termos anímicos, quer em termos funcionais.

29. À data do acidente, o Autor exercia as funções correspondentes à categoria profissional de Operador Especializado, no E..., S.A., na Rua ..., ... Matosinhos, com um salário médio ilíquido de € 1.142,54, líquido médio de € 795,36 e base de € 670,00 (conforme docs. n.ºs 6 e 118 a 122 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente: € 670,00 a titulo de retribuição de base; € 52,81 a título de subsídio de transporte; € 118,00 a título de subsídio de alimentação; € 78,75 a título de retribuição por trabalho noturno; € 118,89 a título de prémio mensal de produtividade; € 54,42 por trabalhar ao domingo).

30. Fruto das lesões que sofreu, e nos períodos em que as dores e as limitações se agudizam, o Autor fica abatido, triste, desanimado e menos expansivo.

31. O autor nasceu a ../../1978, conforme doc. n.º 7 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

32. Era uma pessoa saudável, não padecendo de quaisquer lesões ou sequelas que o limitassem, pessoal ou profissionalmente.

33. Era uma pessoa alegre, extrovertida e de bom humor, muito dada a convívios sociais com familiares e amigos.

34. Fazia caminhadas regularmente, frequentava o ginásio, participava em passeios em grupo de motociclo, atividades que realizava com familiares e amigos e que lhe davam imenso prazer e cuidava de si e dos seus com afeto e dedicação.

35. Atentas as dores, as limitações físicas, a dependência constante de terceiros para a realização das tarefas mais básicas de um ser humano, tudo de que padece em virtude do acidente, tornou-se uma pessoa taciturna, triste e irrascível, evitando constantemente a presença de familiares e amigos, recusando-se a falar com os mesmos por qualquer forma, mesmo por telefone ou videoconferência, sentindo uma constante sensação de pânico sempre que tem que sair de casa.

36. O autor ficou impedido de andar, necessitando da ajuda de uma cadeira de rodas para o fazer, passou a necessitar de usar algálias diariamente, vivendo angustiado com a ideia de ficar com limitações permanentes na sua vida.

37. Sente a sua vida normal ter-lhe sido roubada, necessitando do apoio da mulher e filha, para as inúmeras atividades que fazia normalmente e que agora não consegue.

38. Não consegue proceder, sem ajuda, à sua higiene diária, à confeção dos seus alimentos, a qualquer saída à rua, a realizar o simples ato de se vestir, a ir ao WC, como sempre fez normalmente, atentas as dores e as limitações de que padece, pelo que necessita para o efeito da ajuda constante de terceiros, sentindo-se revoltado sempre que tem que pedir essa ajuda.

39. Não pode, sozinho, ir passear, ir às compras, apenas e só porque não consegue movimentar-se, pelo que e mais uma vez ficou a depender de terceiros para o fazer.

40. Deixou de fazer as suas normais caminhadas diárias, em virtude das dores que o impedem de o fazer e da impossibilidade de usar as suas pernas para o efeito, não tendo conseguido praticar qualquer desporto até à data da propositura da acção.

41. Fica triste e chora muitas vezes sem qualquer motivo aparente, tendo-se tornado uma pessoa triste e revoltada por ter perdido a sua independência e depender de terceiros para a realização de quase todos os atos da vida corrente.

42. Toda esta situação e a incerteza do futuro causa no autor grande tristeza, angústia e revolta, bem como receio de lhe advirem lesões no futuro por força das lesões sofridas em virtude do acidente em causa nos presentes autos.

43. O A. apresenta as seguintes sequelas: − Ráquis: Não apresenta capacidade por passar de deitado para sentado sem apoios. Impossibilidade de se manter na posição de sentado sem apoio dos membros superiores. − Membro superior esquerdo: Limitação na pronação do cotovelo esquerdo, a cerca de 30º. Rigidez na 1ª metacarpofalângica do polegar esquerdo. − Membro inferior direito: Força muscular 0 nos membros inferiores com marcada espasticidade, com ação de clónus muscular no membro inferior esquerdo na realização de flexão passiva dos membros inferiores.

44. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 27/11/2020. O Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 1033 dias. O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 1033 dias. O Quantum Doloris fixável no grau 7/7. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 72 pontos. As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional. O Dano Estético Permanente é fixável no grau 5/7. A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 6/7. A Repercussão permanente na Atividade Sexual é fixável no grau 5/7. O A. necessita das seguintes ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares; ajudas técnicas; adaptação do domicílio, do local de trabalho e do veículo; e de ajuda de terceira pessoa.

45. As Dependências Permanentes de Ajudas consistem em: ▪ Ajudas medicamentosas, conforme prescrição pelos médicos assistentes, de acordo com o previsto na página 10 do relatório da Prof. BB, junto em 13/08/2021 (e secundado nesta parte pelo relatório pericial do INML), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. ▪ Tratamentos médicos regulares, tais como acompanhamento em consulta de MFR (4 vezes por ano) e Urologia (1 vez por ano). Tratamentos fisioterapêuticos mantidos de acordo com prescrição por MFR, pelo menos 3 vezes por semana, para sempre). ▪ Ajudas técnicas, designadamente, cadeira de rodas, cadeira de banho, meias de compressão elástica, cama articulada e a respetiva substituição e manutenção dos equipamentos, assim como os restantes referidos nas páginas 10 e 11 do relatório da Prof. BB, na página 6 da nota de alta do Hospital ... e na adenda 1.1 do relatório do Hospital ..., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. ▪ Adaptação do domicílio, do local de trabalho e do veículo, designadamente de adaptação do domicílio, que já tem vindo a ser realizada mas ainda não está otimizada, adaptação de carro para permitir a utilização pelo examinando, melhorando a sua autonomia, e eventuais alterações no local de trabalho caso seja possível reconvertê-lo profissionalmente, numa ação conjunta com a entidade patronal. ▪ Ajuda de terceira pessoa, com dependência da mesma para a realização de atividades de vida diária, fixável em 8h diárias.

46. O autor despendeu em consultas e tratamentos e medicamentos a quantia de € 930,00 (conforme Docs. n.ºs 8 a 27 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

47. Desde que foi transferido para o Hospital ... em 05-07-2018, todos os finais de semana a mulher do autor deslocava-se ao referido hospital, à sexta-feira para recolher o autor, bem como a sua roupa para lavar, que passava o final de semana em casa com a família e deixava-o no estabelecimento hospitalar no domingo (conforme Docs. 28 a 91 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

48. A partir do mês de Março de 2020 o A. deixou de poder vir passar o final de semana com a família e mesmo de receber quaisquer visitas, sendo que e não obstante a mulher do A. tinha que se deslocar ao Hospital ... todas as semanas para levantar a roupa suja do autor, tratar da mesma e regressar ao hospital para aí entregar roupa limpa para essa semana (conforme doc. n.º 92 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

49. Desde que o autor deu entrada no Hospital ..., todos os finais de semana teve que despender 4 viagens (...-Hospital ..., Hospital ...-... e no regresso ...-Hospital ..., Hospital ...-...) e entre o Hospital ... e o local de residência do autor distam 39,4 quilómetros (conforme doc. n.º 93 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), pelo que todos os  finais de semana o autor (ou a sua mulher para seu benefício) percorria 157,60 (39,4 x 4) quilómetros para, e até 08 de Março de 2020, recolher o autor e a sua roupa e a partir dessa data recolher a roupa do autor, tratar da mesma e levá-la de novo ao hospital, tendo o autor (ou a sua mulher) percorrido nessas deslocações 19.384,80 quilómetros em viatura própria, com o valor mínimo de € 6.978,53 e a título de portagens por cada deslocação a quantia de € 2,15 (conforme doc. n.º 94 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), no montante global de € 1.057,80 (492 deslocações x € 2,15), tendo a R. já pago ao A. a título de deslocações a quantia global de € 3.530,30.

50. Em consequência do acidente em causa nos presentes autos ficaram destruídos todos os bens (roupa, calçado, telemóvel, entre outros) que o autor tinha em sua posse, no montante global de € 1.621,79 (conforme docs. n.ºs 95 a 100 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente

reproduzido): Calças de ganga, marca Salsa, no valor de € 139,00 Sweatshirt, marca Salsa, no valor de € 64,90 T-shirt, marca Salsa no valor de € 49,90 Sapatilhas, marca adidas no valor de € 120,00 Capacete NEXX SX 100 BLAST, no valor de € 197,99 Casaco pele, marca Dainese, no montante de € 530,00 Luvas pele, marca SHOEI, no valor de € 120,00 Telemóvel marca Sony Xperia Z1 Compact, no valor de € 399,90

51. O veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Opel, matrícula ..-..-PU, propriedade de D..., Lda., conduzido, na altura do acidente, por FF, tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de viação transferida, à data do acidente, para a Ré, por contrato de seguro, com a apólice nº ... (conforme docs. nºs 1 e 2 da PI e apólice junta a 07/09/2022, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

52. A Ré assumiu a responsabilidade pelo acidente a 22 de Fevereiro de 2018 (conforme doc. n.º 101 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

53. A Ré já disponibilizou ao autor algumas das ajudas técnicas de que aquele necessita, nomeadamente, Cadeira de Rodas (a qual necessitará de manutenção e mais tarde possivelmente substituição), cama articulada, almofada anti escara e cadeira de banho.

54. Apesar de já ter a Ré disponibilizado ao autor a cadeira de rodas necessária ao seu transporte, certo é que não vem liquidando as quantias despendidas pelo autor quer numa bomba de ar para encher os pneus, quer nas reparações que se vêm mostrando necessárias, no montante global de € 58,42 (conforme docs. 102 a 105 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

55. Também já foram feitas obras de reabilitação da casa de morada de família onde o autor reside, de acordo com os orçamentos apresentados pelo autor e aceites pela Ré (conforme docs. nºs 106 e 107 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

56. Não obstante a Ré ter liquidado a quantia devida pelas obras realizadas na residência do autor e pela instalação do elevador para que o autor possa aceder à sua habitação, certo é que não procedeu à liquidação da quantia devido a título de IVA de € 299,10.

57. Em virtude do necessário aumento da capacidade elétrica do quadro das partes comuns para que o elevador pudesse funcionar, o autor teve que despender a quantia de € 152,50 (conforme docs. 110 e 111 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e um consequente aumento da conta de eletricidade todos os meses, tendo o A. já pago a quantia de € 75,92 (deduzindo os usuais € 9,00 despendidos mensalmente pelo condomínio), conforme doc. n.º 112 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo o condomínio optado por não ter acesso ao elevador (conforme doc. n.º 113 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), o qual se destina a uso exclusivo do autor que apenas necessita do uso do mesmo em consequência do acidente em causa nos presentes autos.

58. A instalação de um elevador exige que seja regularmente feita a sua manutenção, tendo a Ré sido confrontada com a escolha de um contrato de manutenção mais completo com o valor de € 80,00/mês e um contrato de manutenção mais simples com o valor mensal de € 50,00, tendo a Ré optado pelo contrato com o valor mensal de € 50,00/mês (conforme doc. n.º 114 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), contrato esse que a mulher do sinistrado celebrou em nome do autor em virtude de aquele se encontrar incontactável no Hospital ... (conforme doc. n.º 115 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

59. O autor já liquidou a quantia de € 55,35 referente à primeira mensalidade do contrato de manutenção (conforme doc. n.º 116 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

60. Atenta a necessidade de uso de cadeira de rodas, para que o autor se consiga deslocar é necessária a instalação de plataforma de elevador de escada a instalar na escadaria de acesso ao patamar do elevador na entrada do edifício, que por lapso do perito averiguador e do empreiteiro responsável pela obra não foi inicialmente colocado na obra realizada e sem esta plataforma de elevador de escada o autor não consegue aceder ao exterior do edifício onde reside em virtude da existência de escadas, sendo que é impossível ser levado ao colo, pois quer a mulher, quer a filha não conseguem suportar, nem têm que o fazer, o peso do autor.

61. O orçamento da colocação desta plataforma foi submetido à aprovação da R., no montante de € 9.970,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor (conforme doc. n.º 117 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), sendo que até à presente data a Ré só pagou o valor da colocação, faltando pagar o valor do IVA de € 299,10.

62. De 30 de Janeiro de 2018 a 27 de Novembro de 2020 o Autor deixou de auferir o seu salário e respectivos subsídios.

63. Até à data da entrada da acção em juízo, a R. procedeu ao pagamento ao A. das seguintes quantias: transporte, tal como referido, de € 3.530,30; assistência clínica € 193,25; farmácia € 878,61; perdas salariais € 50.722,05; subsídio de readaptação da habitação, que inclui a colocação de plataforma de elevador de escada para acesso ao exterior do edifício onde reside, de € 45.988,06; ajuda de terceira pessoa, de € 14.400,00, tudo conforme docs. 130 a 149 da PI e documentos juntos com o articulado superveniente da R. de 12/06/2023, tudo conforme o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido.

64. O ISS pagou ao A. a título de subsídio de doença a quantia de € 6.811,58, que a R. se obrigou a pagar àquele.

65. Não obstante ter o A. ficado impedido de realizar as atividades desportivas e de lazer que realizava antes do acidente, certo é que iniciou- se no desporto adaptado – Vela Adaptada – que de acordo com opinião médica (conforme Doc. n.º 1 do incidente de liquidação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), “é um desporto que promove a autonomia total na atividade, um aumento das capacidades físicas ao nível do equilíbrio e força muscular, uma eficaz integração social e por conseguinte um aumento da autoestima e da condição psicológica, pelo que se aconselha a sua prática”, exigindo a prática da vela adaptada que o A. seja proprietário dos meios necessários à sua prática, os quais orçam na quantia de € 12.028,01 (conforme doc. n. º 2 do incidente de liquidação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

66. Em virtude do acidente o A. ficou paraplégico e com impotência coeundi por ausência de ereção, sendo que por vezes, mas muito raramente, e já nem com a ajuda de medicação específica consegue ter ereção e em virtude da sua impotência sexual o A. sente-se diminuído enquanto homem, afirmando regularmente à sua mulher “eu agora não te consigo satisfazer, sou um zero à esquerda” e à data do acidente o A. e sua mulher andavam a tentar engravidar pois que ter um outro filho era o sonho do A., sendo que, mesmo e apesar de saber que o poderá fazer com ajudas próprias, refere que não é a mesma coisa e que nunca mais poderá fazer com um outro filho aquilo que fazia com a sua filha.

67. O A. já pagou: - Em consumos acrescidos de energia nas partes comuns do edifício, a quantia de € 435,60, correspondentes aos consumos entre os meses de março de 2021 e junho de 2022 inclusive (conforme Docs. 4 a 23 do incidente de liquidação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - Em despesas com conservação e assistência ao elevador (contrato de manutenção celebrado e já junto aos autos) entre os meses de março de 2021 e Setembro de 2022, a quantia de € 1.071,57 (conforme Docs. 24 a 30 do incidente de liquidação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

68. Em tratamentos de fisioterapia e acupunctura, entre outros o A. despendeu a quantia global de € 8.900,30 (conforme docs. 31 a 107 do incidente de liquidação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

69. Enquanto que os tratamentos de fisioterapia fornecidos pelos serviços da Ré apenas consistiam em tratamentos de manutenção (apenas à parte superior do corpo), os demais tratamentos realizados pelo A. destinam-se a trabalhar todo o seu corpo, desta forma impedindo que o A. perca a massa muscular na parte inferior do corpo, a qual por estar imobilizada necessita de mais trabalho que as demais.

70. As necessidades medicamentosas do A. consistem, nomeadamente, e actualmente de forma mensal: de esponjas com sabão 12x20m (pack de 24), algália de foley 2 vias latex siliconado 30 ml Ch14 (30 unidades), saco de urina c/ válvula Anti-ret c/ torneira puxar 2L (30 unidades), seringa com Luer Central estilizada 10 ml (60 unidades), resguardos para incontinência 60x90cm (180 unidades), Penso absorvente masculino lvl 2 Tena men (embalagem 20 unidades), solução desinfetante Sterillium 500ml (2 unidades), soro fisiológico 60 ml (7 unidades), compressa esterilizada de TNT 4cam 5(pc) 10x10cxm (271unidades) luvas de exame vinil s/pó M (1 caixa), venex forte 450mg x 60 comprimidos (1 caixa), paracetamol Sandoz 1000 x 20 comprimidos (1 caixa), diazepam Pharmakern 10 mg x 60 comprimidos (1 caixa), dulcolax 5 mg x 40 comprimidos (1 caixa), microlax 450/45mg/5ml x 6 enemas (5 caixas), sildenafil Sandoz 50 mg x 4 comprimidos (1 caixa), durex sensilube KY – gel intim Lubr 75 ml (4 caixas), Faktu pomada retal (1 caixa), Corpitol sol. Cutânea 50 ml (2 caixas), Lidonostrum gel 2% 30 g (4 caixas), Ditropan 5mg x 60 comprimidos (2 caixas), Betmiga 50mg x 30 comprimidos (1 caixa), Xarelto 10mg x 30 comprimidos (1 caixa), neutrogena corpo hid prof loção Psec 750 ml (4 unidades, meias elásticas AD plus 201 CL 2 s/ biq bege (III) (2 unidades) e outros conforme prescrição médica, de acordo com o estabelecido a páginas 10 e 11 do Relatório da Prof. Dra. BB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

71. O A. necessita, ainda, de tratamentos médicos regulares, nomeadamente: fisioterapia 12 x/mês, como já vem fazendo na Clínica ..., fisioterapia neurológica como já vem fazendo na clínica 1..., em Tondela, tratamentos de acupuntura, antibioterapia no caso de infeção urinária, entre outros necessários ao bem-estar físico e emocional do A..

72. O A. necessita, também, de consultas da especialidade: medicina física e de reabilitação, neurologia (as quais ocorriam 4 vezes por ano, com recurso a ressonâncias magnéticas e eletromiografias auxiliares de diagnóstico, anestesiologia medicina da dor, 3 vezes por ano com recurso a bloco operatório para infiltração de toxina, com apoio a mecanismo) e urologia (com ecografias vesicais e renais e estudos urodinâmicos), com cirurgias ou idas ao bloco quando necessário (o A. padece de uma lesão no nervo ciático, pelo que foi necessária uma ida ao bloco por forma a introduzir toxina no musculo da nádega, com uso de epidural, tendo sido informado pelo médicos que esta situação se iria repetir, sem previsão de quantas vezes por ano.

73. O A. necessitará de exames médicos que as especialidades possam requerer e como refere a Prof. BB no seu relatório “essencialmente, estudos analíticos com bacteriológicos de urina e antibiograma”.

74[8]. Bem como necessitará, ao longo do tempo, das ajudas técnicas já aludidas, que compreendem, nomeadamente, cadeira de rodas manual e cadeira de rodas elétrica com funções elétricas de assento, almofada para cadeira de rodas, cadeira de banho com acessórios – almofada suave, aparadeira, apoios de braço, cama articulada de casal, colchão de prevenção e sua manutenção/substituição, elevador de transferência, cestas de transferência e respetivos acessórios, componentes e manutenção, num valor indeterminado mas não superior a € 315.450,00, bem como custos inerentes a taxas camarárias e outras devidas pelo elevador, em valor indeterminado mas não superior a 600,00/ano e ainda custos de manutenção da plataforma de escada, num valor indeterminado mas não superior a € 300,00/ano.

75[9]. O autor necessita da adaptação de um veículo automóvel, com a aplicação de selecção automática da relação de transmissão (10.02); de Travão de Serviço (20.06); e de Acelerador manual (25.04) num valor indeterminado mas não superior a € 10.500,00.

76. O A. necessitará, ainda, do pagamento pela Ré de táxi ou outro transporte conduzido por terceiros, enquanto não dispuser de viatura adaptada, nomeadamente para se deslocar a tratamentos, consultas e exames, o que, nesta data, terá um custo de cerca de € 78,00/semana  (conforme Doc. n.º 159 do incidente de liquidação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), bem como da adaptação do domicílio já realizada com o devido custo de manutenção/reparação/substituição dos elementos colocados (nomeadamente no WC) e eventual adaptação do local de trabalho às necessidades do A..

77. De acordo com os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito ao relatório pericial, quanto à necessidade de ajuda de terceira pessoa durante 8h/dia, “o sinistrado apresenta uma paraplegia de nível alto, com afetação do tronco. Assim não tem funcionalidade nos membros inferiores e não tem capacidade de segurar o tronco sem apoio externo, como sejam os braços, nem de passar sozinho da posição de deitado para sentado. Tem alguma autonomia nas transferências de e para a cadeira de rodas. Assim é de prever que o examinando necessite de ajuda de terceiros para todas as atividades que obriguem a transferir da posição de deitado para sentado e que necessitem de estabilidade do tronco, tais como levantar da cama, vestir-se, tratar da sua higiene, como tomar banho e fazer a barba, comprar produtos para a alimentação, transportá-los para o seu domicílio e armazená-los devidamente, preparar as refeições, gerir os resíduos produzidos, entre outras atividades. Também é necessário ter em conta que caso tenha a infelicidade de cair ao chão, não tem nenhuma possibilidade de se levantar sem ajuda de uma terceira pessoa, pelo que também é de considerar esta necessidade de vigilância em caso de acidente.”


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6. Motivação Jurídica

Previamente cumpre salientar que o caso julgado favorável ao apelado incluiu o valor global do objecto do recurso e não os montantes parcelares invocados pelo apelante, pois, como veremos, o tribunal irá aumentar o valor fixado nalguns danos e diminui-lo noutros, sem nunca afectar a reformatio in melius e in peius.


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1. Da fixação do montante relativo aos danos não patrimoniais

Este foi fixado na sentença em 300 mil euros.

No actual recurso a apelante pretende que “não deverá exceder os 250.000,00”.

E, na liquidação o autor fixou o mesmo, nos seguintes termos: A pagar ao A., a título de quantum doloris, a fixar em grau 7/7, indemnização nunca inferior a € 100.000,00 e ainda A pagar ao A., a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 100.000,00 pelo dano estético irreversível que o afeta, de grau 5 numa escala de 7 graus, a quantia de € 70.000,00 pela Repercussão Permanente nas atividades Desportivas e de Lazer fixável em grau 6 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, a quantia de € 50.000,00 a título de compensação pelos danos sofridos de repercussão permanente na atividade sexual[10], perfazendo, pois, a quantia de 320 mil euros.


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Os danos não patrimoniais, são aqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496º nº 1 do CCivil).

O seu ressarcimento destina-se a permitir que, com essa quantia monetária, o lesado encontre compensação para a dor, o que impõe que o seu montante deva ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, nas regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e a realidade da vida, em conformidade com o preceituado no nº 3 daquele art. 496º do CCivil.

Teremos ainda de considerar que a componente sancionatória da indemnização não é aplicável ao caso, pois a responsabilidade foi transferida para a ré contratualmente.

Mas não podemos esquecer que a indemnização tem de ser saliente para ser efectiva e que para ser saliente tem de atingir uma quantia que proporcione ao AA uma satisfação de valor subjectivo idêntico aos sofrimentos de que padeceu.

Sendo que, como bem salienta a apelante, nessa tarefa o tribunal deve atender aos casos análogos para obter uma aplicação uniforme do direito (art. 8°, n° 3, do CC, “fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, sem se perder de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso concreto”.

Nessa medida quer os valores pedidos quer o valor atribuído parecem extravasar em muito os padrões normais da nossa jurisprudência, mesmo tendo em conta a alta gravidade das lesões sofridas.

Em casos semelhantes a nossa jurisprudência fixou esses valores em:
1. 70 mil euros numa vitima com quantum doloris de 6 numa escala de 7, um dano estético relevante de 4 em 7 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 6 em 7 pontos, tendo apenas 15 % de incapacidade de Ac do STJ de 8.12.22 nº 2133/16.2T8CTB.C1.S1 (António Magalhães).
2. 100 mil euros, lesado submetido a 17 cirurgias com 67% incapacidade; Ac do STJ de 19.1.16, nº 3265/08, (José Rainho) sumários STJ.
3. Com uma incapacidade ligeiramente superior (80%), mas na mesma situação de dependência de terceiros, o Ac do STJ de 6.7.2017, nº344/12 (Isabel Pereira), fixou o valor de 160.000 a titulo de danos não patrimoniais e 150 mil pelo dano biológico. [11]
4. Depois com incapacidade superior (80%), e numa situação de tetra paraplégico o AC do STJ de 15.11.09 nº 397/03 (Raúl Borges) fixou o montante de 350 mil pelo dano biológico e 250 mil pelos DNP, mas numa situação criminal em que, a indemnização era suportada pelo lesante, o lesado foi uma criança de tenra idade e conclui-se pela prática de um crime.
5. O dano morte de uma criança de sete anos foi fixado em 100 mil euros (e ainda 40 mil a título de danos próprios a cada um dos pais) Ac do STJ de 11.2.21, nº 625/18.8T8AGH.L1.S1 (Abrantes Geraldes).
6. O Ac do STJ de 6.2.2024 nº 21244/17.0T8PRT.P1.S1 (Manuel Aguiar Pereira), fixou esses danos em 175 mil euros num jovem com 23 anos, com sequelas profundas.
7. O Ac do STJ de 7.12.23 nº 1393/12.1T8PNF.P1.S1 (Cura Mariano), fixou essa indemnização em € 100.000,00 num caso de um jovem lesado com “um percurso clínico profundamente doloroso”.
8. No Ac do STJ de 9.7.15, nº 4931/11.4TBVNG.P1.S1 (Pires da Rosa), o valor foi fixado em € 60.000,00, num caso em que o lesado de 58 anos passou por um processo clínico extremamente doloroso, de depende de terceiros para as tarefas básicas
9. No Ac do STJ de 7.9.2020, nº5466/15.1T8GMR.G1.S1, (José Rainho), confirmou-se a fixação em € 60.000,00 num lesado com 34 anos que na sequência do acidente sofreu esmagamento dos membros inferiores, com amputação traumática do membro inferior esquerdo e com amputação do membro inferior direito (do joelho para baixo).
10. No Ac do STJ de 19.10.21, nº 7098/16.8T8PRT.P1.S1 (Manuel Capelo), esse valor foi fixado em 125 mil euros, no caso de um jovem lesado com 62 graus de incapacidade, com dependência total de terceiros

Da análise dessas decisões, podemos concluir que o valor pedido e fixado é desajustado dos padrões da nossa jurisprudência e da indemnização fixada em casos semelhantes. Aliás por algum motivo é que decisão recorrida não cita qualquer decisão nesta matéria, pois, ao abrigo dessas decisões a situação dos autos situa-se num valor entre 100 a 150 mil (de notar que o caso em que foi fixado um valor de 160 mil, a incapacidade total foi de 80%).


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1.2. Da aplicação de um caso análogo e recente

 Recentemente esta secção[12] teve de analisar um caso semelhante, o qual foi nessa parte confirmado pelo recente Ac do STJ DE 6.3.24, Nº 13390/18.0T8PRT.P1.S1 (Luís Espírito Santo).

Este aresto, concluiu que era “razoável, equilibrada e equitativa, a fixação a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial da quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros)[13], numa situação em que:

“Havendo a A., que contava 22 anos de idade na data do acidente que a vitimou (em 13 de Junho de 2016), sofrido, em consequência daquele, graves lesões físicas que a obrigaram a permanecer na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente cerca de um mês, com alta em finais desse ano, com transferência para outro hospital em 2 de Fevereiro de 2017, apenas regressando a casa em 18 de Abril de 2019, mas continuando, não obstante, a padecer definitivamente de diversas sequelas; registando um défice funcional total de 1223 dias e um quantum doloris de grau 7 numa escala de 1 a 7, com incapacidade parcial permanente para o trabalho de 76%, impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, embora compatíveis com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional; um dano de grau 5 numa escala de 1 a 7; repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala de 1 a 7; repercussão na actividade sexual de grau 4 numa escala de 1 a 7 e dependência de ajudas técnicas (medicação analgésica em SOS, laxantes, medicação psicofarmacológica, tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala); andarilho, poltrona, cadeira de rodas eléctrica, adaptação da casa de banho, colocação de barras de apoio para sanita, cadeira de duche, cadeira de rodas de encartar; estrado articulado para a cama, ajuda de terceira pessoa, com a necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene, acompanhamento nas deslocações (pelas alterações de equilíbrio imprevisíveis) e necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária”.

Confrontando estes dois casos, temos que :

A lesada padeceu de traplegia flácida,(lesado destes autos Sr.AA também traplegia
quantum doloris 7/7Tal como o autor
dano estético de 5/7;

Tal como o autor
dano sexual de 4/7

Dano sexual 5/7
permaneceu internada mais de 1223 dias, O Período de Défice Funcional Temporário Total foi de 1033
perdeu a locomoção sem cadeira,

Tal como o autor
Perdeu a capacidade de escrita,
precisa para sempre do auxilio de terceira pessoa,Tal como o autor
esteve em coma, foi submetida a várias operações,
abdicou do objectivo de ter filhos;O autor tem uma filha.
A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas é fixável no grau 6/7
Incapacidade permanente de 76%Incapacidade permanente de 72%

Logo, podemos concluir que a situação dessa lesada é análoga à do autor, sendo até mais grave quanto a algumas consequências (capacidade de escrita e incapacidade permanente), atingiu uma pessoa mais jovem e, na qual apenas o dano sexual é menor (4 v 5).

Importa salientar que nada poderá compensar o actual estado do lesado, mas que o valor de 150 mil euros, situa-se no patamar mais elevado das indemnizações atribuídas[14], a situações semelhantes, e é até uma indemnização superior comparativamente, à atribuída no caso decidido pelo Ac do STJ de 6.3.24, que a considerou equitativa.

Procede, pois, parcialmente o recurso nesta parte fixando-se o valor desse dano em 150 mil euros.


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2. Da fixação da perda da capacidade de ganho.

Está em causa o ressarcimento de um dano que o autor qualificou como lucros cessantes” e que quantificou em 370 mil euros, mas no qual a sentença recorrida incluiu o dano biológico e os lucros cessantes.[15]

Essa metodologia não nos parece a mais correcta, pois, apesar da multiplicidade de pedidos acaba, como veremos, por prejudicar o autor ao privá-lo de uma valoração real da total dimensão do dano biológico.

Assim iremos separar o cálculo dessas duas dimensões de danos (lucro cessante e dano biológico).

2.1. Quanto aos lucros cessantes

Nesta matéria a sentença fixou o valor  global em 300 mil euros, tendo elencado critérios matemáticos temperados pela equidade.

Pretende a apelante a sua redução para 230 mil euros, aduzindo vários argumentos.

Quanto aos elementos a ponderar como critério para a fixação desse dano, temos que foram usados os seguintes :  

a) a idade do autor na data do acidente à data do acidente (39 anos),

b) um tempo provável de vida activa até aos 70 anos (31 anos)

c) a incapacidade de 72 pontos.

Efectuando um cálculo puramente matemático com esses elementos usados na sentença atingiríamos o valor de 248.534 euros, sem aplicação de aumentos inflacionários ou taxa de juro.

Pretende o apelante que o momento inicial desse valor seja o da data da alta e não a do acidente, pois, esse período de IPA foi já objecto de indemnização.

Nesta matéria, porém, não lhe assiste razão prática, pois, a sentença descontou ao valor fixado (300 mil) o valor, entretanto recebido a este título.

Acresce que o termo final não é, neste caso, o da esperança de vida mas sim o da data da reforma, neste caso 67 anos[16], pois, trata-se de um dano patrimonial que cessa com a reforma e que depois dessa data é exclusivamente ressarcido através do dano biológico.

Assim tendo em conta a incapacidade de 72%, a data do acidente e a data previsível de reforma (aos 67 anos o que implica 28 anos), o autor teria direito a receber 224.482,44 euros, a qual terá de ser descontada da quantia de € 25.719,23.

Nesta parte, ajustaremos a quantia por equidade para 200.000 mil euros, tendo em conta a escassa dimensão da mesma, e os factos instrumentais referidos em sede de julgamento[17] relativos à atribuição à categoria profissional do autor de um “subsídio de frio”, pouco tempo após o acidente num montante indeterminado.


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2.2. Quanto ao dano biológico

Os factos alegados e provados permitem autonomizar nesta parcela o dano biológico, dos lucros cessantes a título de rendimentos de trabalho auferidos, metodologia mais adequada.

O dano biológico foi consagrado entre nós, pela portaria nº 377/2008 de 26.5 que o define como “o dano pela ofensa à integridade física e psíquica (dano biológico), de que resulte ou não perda da capacidade de ganho, determinado segundo a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”.

Este dano abrange assim, quer a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou o incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes[18].

Neste caso, podemos afirmar que o dano biológico diz respeito apenas às consequências permanentes do acidente, não incluindo, pois, as lesões e danos temporárias ou que não permaneçam no futuro.[19]

Deste modo, no caso presente o dano biológico dirá respeito, apenas ao défice permanente que atinge 72 pontos conforme factos provados.

Em fase de conciliação e por aplicação da tabela que consta do anexo IV da portaria 679/2009, de 25.6 o autor teria direito a quantia de 105.267 euros (72 pontos x valor máximo correspondente à sua idade).

Mas esse valor diz respeito apenas à fase de conciliação.

A nossa jurisprudência tem dado relevo ainda:

a) ao grau do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (a tendência é a de que quanto maior for o défice maior será a indemnização);

b) à idade do lesado;

c) à esperança média de vida,

d) e a casos análogos.


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2.3. O valor da esperança de vida

Quanto ao valor a atender para a esperança de vida temos que estamos perante uma previsão de um elemento futuro que não é concretamente cognoscível.

A utilização das tábuas de vida e elementos estatísticos permite apenas ponderar a previsibilidade estatística geral e não o caso concreto que, recorde-se, depende não apenas dos elementos particulares do lesado, mas fundamentalmente da sua data de nascimento[20].

Nessa medida, mesmo em termos estatísticos a esperança de vida do lesado depende da sua região de nascimento, sexo e data de nascimento, pois, as tábuas estatísticas são aferidas fundamentalmente face a dois momentos o nascimento e a idade de 65 anos.

É evidente que as consequências do acidente também poderão diminuir essa esperança de vida. Mas tal realidade é neste caso desconhecida, porque não foi alegada e provada e caberia à seguradora que a saúde do lesado se afasta da média dos cidadãos nacionais apesar da sua alta clínica (art. 342º, do CC).

Na última tábua apresentada a esperança de vida à nascença, em 2010, era para o sexo masculino de 76,67 anos e para os nascidos em 2020 de 78 anos[21]. Caso se atenda à idade de 65 anos a esperança média de vida, nessas tábuas já seria de 17 anos o que perfaz a idade média total de 72.

Caso se atenda à data de nascimento do autor a sua esperança de vida à nascença seria de apenas 67,1 ano [22] (fonte pordata).

Deste modo, a esperança média de vida usada pela decisão recorrida peca até por escassa na medida em que é inferior à esperança média actual de um cidadão com 65 anos de idade.

Consideramos, pois, adequada usar os últimos dados estatísticos disponíveis, usando a média entre a esperança de vida à nascença mas ponderando a relativa à idade de 65 anos que perfaz, neste caso, o valor de 74 anos.


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2.4 A fixação do dano biológico

Quanto à repercussão concreta do dano biológico é evidente o seu elevado grau.

Basta dizer que, como referimos, aplicando a tabela anexa ao diploma que visa fomentar a reparação e conciliação extra-judicial na eclosão de acidentes de viação obtemos já um valor elevado.

In casu, o autor ficou condenado a uma cadeira de rodas, passou a necessitar do auxílio permanente de um terceiro e alterou por completo a sua vida com elevadas consequências psicológicas.

Analisando os casos análogos o Ac do STJ de 29.10.2020, nº 2631/17, (Pinto Oliveira) fixou esse valor em 125 mil euros para um lesado com 48 anos e profissão de professor que sofreu um défice de 31 pontos, ficou a coxear e sofreu um dano estético de 5/7.

O mais recente, é o do Ac da RC de 30.5.2023, nº 6048/18.1T8VIS.C1 (Fonte Ramos), que fixou esse valor em 125 mil euros, num caso em que o lesado com 52 ficou dependente de terceira pessoa e teve uma incapacidade global de 66 pontos.

Ora, o caso presente é bem mais grave quer porque o autor tem menos idade, e padece de uma incapacidade superior

Acresce que, nesta dimensão o autor sofreu um elevado grau de privação de actividades de lazer e nunca mais poderá conduzir a sua mota[23] ou sequer caminha e correr.

Importa salientar que a psicologia traumatológica apresenta um modelo sociopsicológico de reacção a eventos traumáticos, nos termos do qual o grau de vulnerabilidade do lesado é analisado em três dimensões: a) valoração do evento; b) análise das características especificas e c) forma de reação particulares.[24]

Outros sectores da psicologia desenvolveram um modelo de tabela da perda de prazer  ou qualidade de vida nos termos do qual a perda sofrida pelo lesado é qualificada em quatro níveis ou dimensões ( vida corrente, nível psicológico/emotivo, nível social e nível ocupacional)  e qualificada em sete níveis de gravidade (nenhum, mínimo, leve, moderado, grave, extremo e catastrófico).[25]

O caso presente situa-se nesse grau mais elevado o que implica, pois, uma indemnização acentuada.

Com efeito o autor sente uma justificável revolta, angústia e problemas (até cognitivos) que são acentuados pela dimensão do seu problema sexual.

Logo, englobando esse valor no dano biológico, atingimos uma indemnização de 150 mil euros, a qual parece ser proporcional ao dano biológico e adequada aos valores semelhantes atribuídos pela nossa jurisprudência tendo em conta os enormes danos sofridos pelo autor.


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Deste modo o valor global devido ao autor (350 mil euros), nesta parte do pedido é superior ao valor fixado pela decisão recorrida pelo que a apelação terá de improceder.

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3. Da indemnização devida pela necessidade de assistência de uma terceira pessoa

A primeira questão suscitada pela apelante, no sentido de que o dano não deve ser fixado porque essa assistência está a ser realizada gratuitamente pela esposa do autor, é recorrente e já foi abundantemente tratada entre nós.

Podemos identificar duas correntes sobre a matéria.

Uma, mais antiga defende que o lesado não ter direito à indemnização quando se demonstre que o auxílio é prestado gratuitamente por familiar da vítima. Nestes termos o Ac. do STJ de 19/06/2014, Sérgio Poças,  que decidiu: “I- Não há lugar a indemnização por danos patrimoniais a favor da autora por assistência que lhe foi prestada por familiares de forma gratuita.”.

Outra considera que mesmo neste caso o lesado tem direito a ser ressarcido pelo dano consubstanciado na necessidade de auxílio diário de terceiro. Ac. do STJ de 09/09/2014, (Fernandes do Vale) (porque) “O facto de serem familiares do lesado quem, conjunturalmente, presta a este a assistência tornada imprescindível apenas em consequência do acidente não justifica que aquele não deva ser indemnizado do correspondente dano, certo como é que, além do mais, aquela pode cessar a qualquer momento, quer por causas naturais (morte ou impossibilidade de quem a presta), quer por esmorecimento ou apagamento do inerente afecto e solidariedade familiar, repugnando, por outro lado, ao sentimento dominante da colectividade que, em tal situação, o lesado fique privado dos meios materiais que lhe permitam retribuir, minimamente, os serviços de que beneficia.”

Aderimos, neste caso, à segunda posição, na medida em que consideramos que o dano existe, com suficiente densidade, mesmo que não tenha ainda um valor económico negativo efectivo no património do autor.

Na verdade, a sua esposa e filha podem alterar por várias vicissitudes a sua disponibilidade para esse cuidado sendo que o que prejudica efectivamente o autor é a necessidade dessa pessoa e não a identidade desta.

Na verdade, estamos perante uma despesa futura e certa decorrente causal e directamente do evento danoso, cuja reparação cabe à seguradora por força do contrato de seguro. Caso contrário estar-se-ia a impor à família do autor um encargo que cabe unicamente à seguradora e que por isso iria beneficiar dessa prestação de terceiro.

Nestes termos o artº 566º nº 2 do CC impõe que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos.

Logo, esse pedido é devido desde o momento em que foi formulado e foram reconhecidos os seus fundamentos.

Note-se aliás que a apelante não põe em causa esse pedido na medida em que está demonstrado que já liquidou a quantia de € 14.400,00 (facto 63º dado como provado).

3.2. Da quantificação desse valor

O pedido formulado pelo autor foi “A reconhecer necessitar o autor de assistência de terceira pessoa fixada em 8h diárias, pela qual deverá o A. ser compensado, de acordo com o fixado no Anexo V da Portaria 377/2008 com as alterações introduzidas pela portaria 679/2009 de 25-06, na quantia de € 6,16/hora, no montante global de € 647,539,20 (6,16 x 8h x 365 dias x 36 anos), deduzidas as quantias já entretanto liquidadas pela Ré.”

A decisão condenou “  a reconhecer necessitar o autor de assistência de terceira pessoa fixada em 8h diárias, a € 6,16/hora, pela qual deverá o A. ser compensado, no montante global de € 647.539,20 – seiscentos e quarenta e sete mil quinhentos e trinta e nove euros e vinte cêntimos (€ 6,16 x 8h x 365 dias x 36 anos), deduzidas as quantias já entretanto liquidadas pela Ré de € 14.400,00 – catorze mil e quatrocentos euros (e outras que a R. venha a pagar a este título ou outro), pelo que tem o A. direito a receber a este título € 633.139,20 (seiscentos e trinta e três mil cento e trinta e nove euros e vinte cêntimos).

Como vimos a esperança de vida a atender é de 74 anos e não o que foi alegado e aplicado que ultrapassa a esperança de vida do lesado.

O momento inicial desse dano não está fixado nos factos provados (nem no pedido), pelo que ter-se-à de entender que é devido desde a alta clínica momento em que esse dano se estabilizou na esfera jurídica do autor.

Tal decorre do que consta do facto provado nº 46 “Ajuda de terceira pessoa, com dependência da mesma para a realização de atividades de vida diária, fixável em 8h diárias e do facto nº 25 que está inserido após a alta clínica.

A não ser assim a apelante estaria a suportar esse dano quando o autor estava ainda internado e o mesmo não existia no seu património, já que esse internamento pressupõe o auxílio de várias terceiras pessoas.

Note-se aliás que o valor pedido (36 anos) implicaria que tendo o autor nascido em 1978 e o acidente ocorrido em 2018 o mesmo fosse indemnizado desse dano para além da esperança de vida usada para o ressarcimento dos restantes danos.

Logo, existe aqui uma manifesta contradição.

O autor terá direito a esse valor, portanto desde a data em que terminou o internamento 05-07-2018 até à data da esperança de vida (74 anos), ou seja, 28.2.2052, perfazendo 33 anos e oito meses.

Quanto ao valor diária mensal existe um valor indicativo constante do anexo V da portaria 679/2009, na versão actualizada pela portaria 679/2009, de 25.6 (6,16 euros por hora).

Dos factos provados nada resulta sobre a dimensão concreta desse prejuízo.

Acresce que ao estarmos perante um dano futuro que irá perdurar durante 33 anos, o seu valor exato não é passível de fixação.

Pelo que se reputa adequado usarmos os mecanismos do no n.º 3 do art. 566.º do CC[26].

Teremos ainda de frisar, face ao teor das alegações do autor, que o seu pedido concreto não diz respeito a 15 meses por ano, ou incluiu acréscimos legais ou horas extraordinárias, nada tendo sido sequer alegado (e provado) nessa matéria.

O valor constante da portaria (6,16 euros) parece ser o mínimo actual para limitar esse dano. Bastará dizer que implica uma quantia semanal de 246 euros, o qual nem sequer incluiu os demais descontos legais necessários sejam eles IVA na modalidade de prestação de serviços ou impostos e descontos legais.

Acresce que foi esse o valor aceite e liquidado pela apelante nas despesas que já suportou nesta matéria.

E, a sua liquidação efectiva implica  6,16 x 8 horas diárias x 365 dias x 33 anos e 8 meses = 605.404,80 euros.

Portanto, neste dano este tribunal usa os mesmos pressupostos para liquidação do dano, atingindo apenas um resultado inferior por força do erro de cálculo cometido pela sentença recorrida.

5. Da correcção monetária e desconto pela entrega antecipada

Por fim, pretende a apelante que essas quantias (com excepção da relativa aos danos não patrimoniais) sejam objecto de um desconto.

 Note-se, porém, que nessa valor a sentença não efectuou qualquer correcção devida pela valorização do salário, nem por força da inflacção.

Na verdade, tratando-se de um dano futuro de elevada duração (28 anos) é previsível e provável que o salário do autor aumenta-se ao longo do tempo e que essa quantia seja afectada pela previsível desvalorização da moeda.

Do mesmo modo, os custos relativos ao auxilio de uma terceira pessoa (33 anos) também tenderão a aumentar e acompanhar o crescente nível de vida.

Mas, a apelante pretende que seja tomada em consideração o efeito de recebimento imediato dessa quantia.

Nessa parte, parece pacífico que se deve subtrair o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, já que o autor irá receber um capital relevante que poderá capitalizará sobre os montantes a receber.

Note-se que, neste caso estamos perante cerca de 1 milhão de euros, o qual aplicado à uma taxa de juro de mercado (3,55) produzirá anualmente a quantia de 35 mil euros a qual multiplicada por 33 anos implica 1.155.000,00 euros, sem juros compostos.

Nesta questão existe apenas uma corrente jurisprudencial com várias sub-posições.

Em tese geral, e tanto quanto podemos constatar nenhum aresto nega que o recebimento imediato de uma indemnização futura, em especial de elevado valor é um benefício que deve ser ponderado.

Face à situação conjuntural de juros baixos e inexistência de inflação, o desconto pela entrega imediata não foi sendo aplicado por diversas explicações[27], sejam elas conjunturais (intervenção do BCE), ou derivadas do caso concreto (dificuldades de cálculo, ou pouca relevância). [28]

Mais recentemente o Ac do STJ de 16.1.24, nº 3527/18.4T8PNF.P2.S1, (Luís Correia de Mendonça), optou também por não aplicar qualquer desconto, tendo em conta “a conjuntura económica alia taxa de depósitos baixos a uma inflação descontrolada (sem prejuízo das aliás polémicas intervenções do BCE)”.

Apesar desses doutos argumentos mantemos a nossa anterior posição[29], pois, parece que a realidade da vida económica e social (com uma taxa de inflacção de 2,1% ano e uma taxa de juro média de 3-3,5%) demonstra que é, como sempre foi, possível determinar a rentabilidade da entrega de uma soma de capital a longo prazo e que essa entrega, como pensamos ter demonstrado é altamente rentável e produtiva. Acresce que este é um dano de natureza futura pelo que em rigor se não se pode prever um dos seus componentes (taxa de juro) será no mínimo contraditório argumentar que se pode prever o outro (taxa de inflação).

Nessa medida é que existem obrigações perpétuas ou com prazos de vencimento de 20, 30, 50, 60 anos e cujo valor é fixado diariamente pelos operadores de mercado.

Por isso, parece-nos que a realidade estrutural e actual implica a constatação de que existe a longo prazo uma taxa de juros comercial relevante que implica a aplicação de alguma forma de desconto.

Acresce que o fundamental na referida posição jurisprudencial parece ser o equilíbrio da posição dos riscos futuros inerentes à posição das partes o qual poderá ser salvaguardado através da ponderação necessária da inflacção futura e da aplicação de um desconto prudente.

Nessa medida, o Ac do STJ DE 6.2.24, nº 21224/17.0T8PRT.P1.S1 (Manuel Aguiar Pereira):  decidiu “o apuramento do montante da indemnização deverá, no entanto, ser ajustado face à antecipação integral do capital do que viria a receber ao longo de várias décadas, com uma muito ligeira redução do valor encontrado decorrente da possibilidade que confere ao lesado de o rentabilizar (…) (ponderando) a evolução positiva do nível dos rendimentos do trabalho em geral – e inerentes perdas do autor que dela não irá beneficiar”.

E “tem vindo a considerar adequada, em face da conjuntura financeira actual, uma dedução de 10%[30]

Porque (Ac do STJ De 12.10.23, nº 22082/15.0T8PRT.P1.S1 (Cura Mariano), “Quanto à preocupação de que o valor do capital antecipadamente pago ao lesado por um dano que se irá a refletir continuadamente no futuro se esgote no termo previsível da sua vida, o facto de, no período já decorrido, o nível da remuneração dos depósitos a prazo ser efetivamente muito baixo, embora seja uma realidade a atender, não justifica que não se deva operar uma redução do valor a atribuir, uma vez que essa não é a única forma de investir uma soma avultada em dinheiro, assim como não existe uma previsibilidade dessa realidade se manter durante muito tempo”.

Consideramos, pois, que no caso presente o equilíbrio dos riscos da parte está assegurado, pois, as quantias arbitradas foram também aumentadas tendo em conta a inflacção futura, e que a situação previsível implica um ganho financeiro que se situa num patamar mínimo de 10%.

Nesta medida, o Ac do STJ de 12.11.19 (já citado)[31], a propósito de um caso exatamente idêntico (salário auxílio terceira pessoa), decidiu: “para além da imprevisibilidade da variação da taxa de rentabilidade, atento o período temporal a considerar (42 anos), há que ter em conta o expectável aumento das despesas a suportar nesse período, sendo expectável que vá, e a breve trecho, além dos € 750,00 mensais que foram considerados pela Relação. Perante tais elementos, e com recurso à equidade, afigura-se correto e ajustado dever proceder-se a uma dedução, para compensar o recebimento antecipado do capital, situada à volta dos 10%”.

Nestes termos, será parcialmente procedente a apelação aplicando-se ``as quantias entregues essa redução.

Procedendo-se nos seguintes termos:

Os montantes das quantias serão aumentados do valor da inflacção e aumentos salariais e depois deduzidas dos juros, dando lugar, por equidade e não tabela matemática ao valor de desconto pela entrega antecipada de 10%.


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6. Da indemnização decorrente dos factos provados nºs 74 e 75

Face à alteração da decisão de facto ter-se-á de alterar também a sentença em conformidade já que, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º do CPC não existem elementos para fixar desde já a quantidade da condenação.

Pelo que ter-se-á de condenar no que vier a ser liquidado, quanto aos elementos que constam desses factos provados não incluindo, pois, o seu concreto valor ou necessidade de aquisição de um automóvel.

Quanto a esta parte do pedido acrescentamos apenas que se algo resulta certo da audição do julgamento é que o autor tinha um especial prazer em conduzir a sua mota, e que o casal possui até um “fiat 500” pelo que está por demonstrar a necessidade de aquisição dessa viatura. Tanto mais que, a apelante não pôs em causa o pagamento das despesas de deslocação as quais fazem parte de factualidade autónoma e que, aliás, podem vir a gerar um montante total superior ao valor desse veículo.


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7. Deliberação

Pelo exposto o tribunal julga a presente apelação parcialmente provida e por via disso:

Condena a apelante a pagar ao autor, já descontando a estas quantias os montantes parcelares entregues de 14.000,00 euros (catorze mil euros) e 25.719,23€ (vinte e cinco mil, setecentos e dezanove euros e vinte e três cêntimo):

1.  O montante da indemnização relativa aos danos não patrimoniais que se fixa em cento e cinquenta mil euros (150.000,00);

2. O montante de 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros) a título de dano biológico;

3. O montante de 544.864,32 (quinhentos e quarenta e quatro mil, oitocentos e sessenta e quatro  euros e trinta e dois cêntimos) euros a título de despesas pela assistência de terceira pessoa, deduzidas das quantias já entregues pela apelante;

4. No montante de 180.000,00 (cento e oitenta mil euros) a titulo de lucros cessantes.

5. No montante que vier a ser liquidado quanto à quantificação do custo concreto de aquisição dos objectos e  serviços constantes dos factos provados nº 74 e 75.

6. Mantêm-se todo o restante teor da decisão recorrida, incluindo o relativo às condenações de juros.


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Porto, 4.4.2024
Paulo Teixeira
António Carneiro
Judite Pires
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[1] A fundamentação nesta matéria foi “As testemunhas do A., a sua mulher, a filha, as colegas que trabalharam com a mulher do A. e conviviam com a família e um antigo colega de trabalho do A. (que atestou, também, o funcionamento da empresa a nível dos salários), todas elas confirmaram o estado em que o A. ficou após o acidente e as dores que sentiu e sente, a necessidade de ajuda de terceira pessoa para praticamente todas as tarefas do dia a dia, o seu estado psicológico, as actividades que exercia antes e o que deixou de poder fazer, tendo, ainda, a sua mulher confirmado com mais acuidade as despesas que teve e tem por causa do acidente, os bens destruídos, quais as suas necessidades, o que auferia antes, o acompanhamento que fez enquanto ele estava no hospital e que faz actualmente, as deslocações, todas as terapias e tratamentos de que necessita e os que realiza, as necessidades de adaptação da casa, de veículo e outros locais/materiais, bem como o que recebeu da R. e o que não recebeu (tudo para prova, designadamente, de parte dos factos provados sob os n.ºs 10º a 30º, 32º a 42º, 46º a 50º, 54º a 62º, 65º a 76º)”. Como vimos, nenhuma testemunha afirma essa realidade e o documento junto orçamenta apenas a verba de 10500 euros para adaptação do veículo sendo que foi impugnado.
[2] Pedido 20 “Ao pagamento de táxi ou outro transporte conduzido por terceiros, enquanto o autor não dispuser de viatura adaptada, nomeadamente para se deslocar a tratamentos, consultas e exames, o que, nesta data, terá um custo de cerca de € 78,00/semana”.
[3] De notar que, apenas nas suas alegações, vem agora o apelada alegar “ser proprietário de um único veículo automóvel usado pela sua mulher”.
[4] Sem que se explique porquê esse valor já que os veículos novos têm valores variáveis que começam na casa dos vinte mil euros e terminam em várias centenas de milhares de euros.
[5] Como veremos, mais tarde, na fixação dos danos, a sentença atribuiu também ao lesado uma esperança de vida para ressarcimento dos lucros cessantes (71 anos) e outra bem maior para o auxilio de terceira pessoa, num lapso que importa algumas dezenas de milhares de euros.
[6] Doc junto em 22.9.22 e que foi impugnado pela seguradora.
[7] No art 6 da resposta consta que “Finalmente, a ré impugna o teor de todos os documentos juntos pelo autor com o articulado a que ora se responde, nos vários requerimentos em que o fez, com excepção dos documentos que se mostrem por si efectivamente emitidos”..
[8] Facto alterado por efeito do recurso sobre a matéria de facto.
[9] Facto alterado por efeito do recurso sobre a matéria de facto.
[10] Pedidos 4 e 6 do incidente de liquidação.
[11] Para se demonstrar a rápida atualização dos valores indemnizatórios basta confrontar este aresto com o Ac do STJ de 16.3.2011, in CJ, ACSTJ, nº 1879/03 (Roque Gameiro) que numa situação mais grave (tetraplagia) com incapacidade de 90% tinha fixado esses valores em 350 mil (dano biológico) e 120 mil DNP.
[12] Ac da RP de 15.6.23, nº 13390/18.0T8PRT (Paulo Teixeira)
[13] De notar que nesse recurso a decisão de 1º instância tinha fixado esse valor em 175 mil euros (não 300 mil como no caso presente).
[14] Ficando apenas 25 mil euros atrás da fixada a um lesado com 80% de incapacidade.
[15] Foi escrito que “Assim, e num puro juízo de equidade, atendendo a todos os factores já enunciados, à perda da capacidade de ganho, dano biológico, o défice funcional temporário e o facto de o A. não poder exercer a sua actividade habitual”.
[16] Nesta medida a sentença indemnizou a mais o lesado em 4 anos de rendimentos laborais.
[17] Logo perante os quais ambas as partes usaram o contraditório.
[18] Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil - Indemnização dos Danos Reflexos, II, 2. a ed., Almedina, Coimbra, 2007, p.37.
[19] Cfr. entre outros o Ac do STJ de 14.3.2017, nº 595/14.1TBCBR.C1 (Vítor Amaral).
[20] Paulo Santana e Helena Nogueira, a esperança de vida em Portugal, Cadernos de Geografia, 20, 2001, acedido em https://www.uc.pt/fluc/depgeotur/publicacoes/Cadernos_Geografia/Numeros_publicados/CadGeo20/artigo01
[21] https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=613423139&DESTAQUESmodo=2
[22] https://www.pordata.pt/europa/esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo-1260-57
[23] Ouça-se o depoimento da sua mulher, filha e amigos.
[24] Gulotta, G. (a cura di) (2000), Elementi di psicologia giuridica e di diritto psicologico, Giuffrè, Milano.
[25] Berlà, E., Andrews, P., Meyer, G. (1996), Development of the Lost Pleasure of Life Scale, Law and Human Behavior, 20, 1, 99-111.
[26] Nestes termos Ac do STJ de 12.11.19º, Nº 468/15.0T8PDL.L1.S1 (Acácio das Neves).
[27] Cfr. Ac do STJ de 19.10.16, SUPRA CITADO (Fernanda Isabel Pereira). O Ac. do STJ de 19/4/2018, processo n.º 196/11.6TCGMR.G2.S1, (ANTÓNIO PIÇARRA), optou pela “ elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento face à baixas taxas de juro”., e o Ac. STJ de 30/3/2017, Proc. nº 2233/10, eliminou qualquer desconto.
[28] Ac do STJ de 6.3.24, (Luís Espírito Santo), com amplas citações jurisprudenciais que concluiu no caso concreto não ser previsível o cálculo dessa taxa de juro e por isso não devia ser aplicada qualquer redução pela entrega total da quantia. No caso concreto, a decisão de 1º instância liquidou a inflacção futura em 20%, mas não os juros.
[29] Ac da RP de 23.9.21, nº 654/19.4T8PVZ.P1 (Paulo Duarte Teixeira).
[30] Ac STJ de 19/5/2020 ( proc nº 3907/17), Ac STJ de 30/3/2017 ( proc nº 2233/10).
[31] Lavrado durante um período com juros negativos e sem inflacção.