JOGADOR DE FUTEBOL
INTERMEDIAÇÃO DESPORTIVA
CONTRATO
REGISTO NA FPF
DEPÓSITO
INVALIDADE
Sumário

1. Uma coisa é o tempo de duração do contrato de intermediação desportiva celebrado entre um intermediário desportivo e um clube com vista à contratação por este de determinado jogador para 4 épocas, outra as condições de pagamento do serviço prestado que foi acordado pagar em prestações (por referência às referidas épocas desportivas) e sob condição (desde logo, de efetiva celebração do contrato de trabalho desportivo, e, depois, de manutenção do jogador ao serviço do clube), tal como uma coisa é o prazo de duração do referido contrato de intermediação desportiva, e outra a duração do contrato de trabalho desportivo celebrado entre o jogador e o clube, na sequência do cumprimento do referido contrato de intermediação desportiva.
2. A intermediária desportiva tem de se encontrar registada na FPF nas épocas desportivas que abranjam o período de duração do contrato.
3. O disposto no art. 38º, nº 3, da Lei nº 54/2017, de 14.07, regula as situações em que o contrato de intermediação é celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo, não se aplicando às situações em que o contrato é celebrado entre um intermediário desportivo e uma entidade empregadora desportiva.
4. A remuneração fixada no contrato de intermediação desportiva tem nexo causal com os serviços prestados pelo intermediário desportivo, cujo objeto era a celebração de contrato de trabalho desportivo entre o jogador e o clube, para as épocas pretendidas, nada tendo a ver com a manutenção do contrato de trabalho desportivo, que apenas releva como condição de pagamento das prestações previstas.
5. A falta de depósito de contrato de intermediação desportiva na FPF, em violação do disposto no art. 9º, nº 2, proémio, do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol (comunicado nº 310, de 1.4.2015, da FPF), não invalida o contrato, levando, apenas, à atuação disciplinar da FPF.
6. A omissão ou inexatidão da indicação do número de registo do intermediário na FPF no contrato de intermediação desportiva não é causa de nulidade deste, desde que o intermediário desportiva se encontre, à data, registado na FPF.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 27.6.2022, A [ … Unipessoal Lda. ]apresentou requerimento de injunção contra B [ ….Futebol SAD ], pedindo a notificação da requerida no sentido de lhe ser paga a quantia de €25.953,96, sendo €24.600,00 de capital, €1.050,96 de juros à taxa …, €150 de outras quantias, e €153 de taxa de justiça.
Fundamenta o pedido no não pagamento pela requerida dos valores devidos pelos serviços de intermediação desportiva que lhe prestou.
Notificada, a R. apresentou oposição.
Perante a oposição apresentada, foram os autos remetidos à distribuição.
A convite do tribunal, a A. pronunciou-se sobre o conteúdo da oposição, e requereu a condenação da R. como litigante de má fé, em indemnização à requerente na quantia de €3.000,00.
A R. pugnou pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má fé.
Dispensou-se a realização de audiência prévia, as partes apresentaram as suas “conclusões”, e em 17.11.2023, foi proferido saneador-sentença que julgou a ação parcialmente procedente, e, consequentemente, decidiu:
• condenar a Ré B, a pagar à Autora A, a quantia de €20.000,00 [vinte mil euros], acrescida de IVA, à taxa legal em vigor na Região Autónoma dos Açores, contra a simultânea apresentação/entrega por esta das correspondentes faturas.
• Absolver a Ré do demais peticionado.
• Não condenar a Ré B como litigante de má-fé.
• Mais decidiu condenar a Autora e a Ré nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 10 % para a Autora e em 90% para a Ré.
Não se conformando com o teor da decisão, apelou a R., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A. O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida em 17.11.2023, a qual julgou a presente ação parcialmente procedente, condenando a Ré no pagamento do valor de €20.000,00, acrescido do IVA aplicável à taxa legal em vigor, contra a simultânea apresentação/entrega das faturas correspetivas.
B. Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento espelhado na sentença em crise, certo é que a Recorrente não se pode conformar com tal sufrágio e entende que a decisão em apreço incorreu em erro de julgamento e concomitante violação de lei.
C. Com efeito, entende modestamente a Recorrente que houve errada apreciação e interpretação do direito aplicável, sendo que a remuneração peticionada não é legalmente devida, até porque sempre seria nula a disposição do contrato que obrigaria ao pagamento à Autora.
D. Isto porquanto, a Autora não se registou nem se matriculou na F.P.F. para a época desportiva 2022/2023, conforme a lei imperativamente lhe impunha – pois que a listagem dos intermediários registados na época 2022/2023 apenas foi publicada e conhecida após 26.05.2023 – cf. documentação junta aos autos.
E. E não se mostrando a Autora devida e necessariamente licenciada para o  exercício daquela atividade para a época desportiva 2022/2023 (cf. facto provado n.º 6 a contrario sensu), mister é reconhecer-se que nunca poderia almejar qualquer direito remuneratório pelo facto de o atleta permanecer ao serviço da Ré após 31/08/2022 (data que está inteiramente inserida na época desportiva 2022/2023),
F. Da mesma forma que, não estando devidamente licenciada para todo o período de execução do contrato de intermediação desportiva celebrado com a Ré, tal como a lei expressamente postula, e só de si se pode queixar por tal facto (sibi imputet)  – pois apenas de si dependia o cumprimento de tal obrigação, obviamente que também não estão verificados os pressupostos do direito à remuneração pelo facto de o atleta ter permanecido ao serviço da Ré, pelo menos, também depois de 31/08/2021.
G. Na verdade, o direito de remuneração da Autora estava inextricavelmente dependente da sua válida matrícula, registo e cadastro (licenciamento) junto dos organismos do futebol profissional (maxime, F.P.F.) para todo o período de duração ou vida do referido contrato de intermediação desportiva,
H. Mais; demonstrou-se inequivocamente, através de prova documental junta  nos autos e não impugnada, que a Autora (rectius, o seu legal representante) passou a exercer funções de dirigente desportivo desde 06.06.2022, facto que torna imediatamente incompatível o exercício da atividade de intermediação desportiva e logicamente o direito ao recebimento de qualquer remuneração dela advinda.
I. Com efeito, a contratação do legal representante (sócio e gerente da Autora) foi realizada com efeitos imediatos, em 06.06.2022, tal como noticiado pelos órgãos de comunicação social, facto que assim se revela provado nos autos, sendo que, nos termos do disciplinado no artigo 39.º da Lei n.º 54/2017 - Limitações ao exercício da atividade de empresário “Sem prejuízo de outras limitações estabelecidas em regulamentos federativos nacionais ou internacionais, ficam inibidos de exercer a atividade de empresário desportivo as seguintes entidades: c) Os dirigentes desportivos; d) Os titulares de cargos em órgãos das sociedades desportivas ou clubes;”.
J. Ou seja, mostra-se inequívoco que também ainda no decurso da época desportiva 2021/2022 (cuja duração decorreu de 01.07.2021 a 30.06.2022) a Autora estava/ficou legalmente impedida e expressamente inibida de exercer qualquer atividade de intermediação, logo, também de receber remuneração decorrente de tal estatuto.
K. Neste sentido, e tal facto devia ter sido dado como provado pelo Tribunal: ainda no decurso da época desportiva 2021/2022, a Autora (seu sócio único e gerente) passou a exercer atividade legalmente incompatível com a intermediação desportiva – facto que deve ser aditado à factualidade assente, o que expressamente se requer
L. E naturalmente que essa incompatibilidade insanável que lhe retira absolutamente o direito de exercício da correspondente atividade (de intermediação desportiva) se projeta necessária e negativamente no consequente direito de recebimento de qualquer remuneração, que fica assim destituída de causa legal.
M. Logo, o exercício de tais funções devia estar pressuposto e autorizado para todo o tempo de vigência do contrato, e não, como é apodítico, para uma parte ou parcela temporal da vida e de execução do referido contrato de intermediação desportiva, como se uma entidade pudesse exercer a sua atividade sem estar (durante todo esse correspetivo tempo de execução do contrato) devidamente licenciada.
N. E neste sentido a douta sentença recorrida merece efetiva censura dado que não cuidou de saber (cf. facto provado n.º 6) se a Autora esteve registada como intermediária para todo o período de execução/duração do contrato em crise, até porque uma parcela da remuneração concerne ao facto verificado após o decurso máximo de vigência do contrato – 01.01.2020 a 31.12.2021.
O. Na verdade, os dispositivos normativos aplicáveis obrigam a que o intermediário, para poder exercer válida e legalmente a sua atividade, esteja necessariamente, inscrito e registado na F.P.F. durante todo o tempo em que tal exercício profissional está em curso,
P. Não podendo, naturalmente, o intermediário desportivo registar-se junto da F.P.F. e depois deixar de estar registado (inscrição e matrícula deve ser renovada todos os anos, cumprindo-se com os apertados requisitos e pressupostos exigidos por lei a cada nova inscrição/registo) durante parte do contrato, sob pena de exercício ilícito de atividade (porque não licenciada).
Q. Donde, também o exercício de funções legalmente incompatíveis (dirigismo desportivo) e não inscrição e matrícula junto da F.P.F., durante todo o período de execução do contrato, gera a violação das regras conducentes a uma situação de nulidade jurídica – assim a qualifica a lei (cf. artigo 37.º, n.º 3 e artigo 42.º da Lei n.º 54/2017).
R. E nem se diga que a aqui Recorrente incorre em abuso do direito porquanto a jurisprudência é firme e assertiva quanto a tal premissa: se ocorrer ofensa de normas de conteúdo imperativo, tal clausulado tem-se por inexistente, não escrito ou inoponível, não podendo sequer ser aplicável o regime do abuso do direito, sob pena de ser atingido um fim contrário ao desígnio normativo (cf. artigo 42.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho).
S. Logo, e aqui chegados, se a Autora e Recorrida não chegou a cumprir com a sua privativa e inultrapassável obrigação legal de verificação obrigatória, designadamente, licenciando-se, conforme lhe competia, junto da F.P.F. para a época desportiva 2022/2023 (01.07.2022 a 30.06.2023).
T. E tal facto (sibi imputet) vem a ser completamente obstativo da pretensão de ser remunerada no âmbito da vigência da época desportiva 2022/2023, o mesmo sucedendo para a época desportiva que se espraia pelo ano de 2022, dado que o licenciamento da atividade tem que estar pressuposto para todo o período de execução do contrato, sendo que apenas de si se pode queixar quanto à violação de tal obrigação, pressuposto normativo do direito de remuneração.
U. Neste conspecto, e em face da aparelhagem jurídica já citada, o contrato datado de 01.01.2020 celebrado pelas partes, mostra-se nulo e insuscetível de ser cumprido, por razões unicamente atinentes à Autora,
V. Ou pelo menos, no que apenas se concebe à cautela de patrocínio, é evidente a sua nulidade a partir do início da época desportiva 2022/2023, estando também ferido de legalidade o exercício de quaisquer funções durante o ano de 2022, porquanto a Recorrida não esteve (e não está) devidamente credenciada junto da F.P.F. para poder atuar como intermediário desportivo, assim não podendo reclamar tal qualidade e estatuto – ao que acresce a incompatibilidade severa assinalada – a partir de 06.06.2022.
W. Com efeito, a Autora não se registou para a época desportiva 2022/2023, no final da época 2021/2022 passou a exercer atividade incompatível, sendo esse seu ónus nuclear, base e premissa inultrapassável dos putativos direitos que agita na presente lide, na condição única de intermediário, e para todo o período de execução do contrato, não admitindo a lei intermitências/suspensões no licenciamento da atividade.
X. Em síntese, e a lei não podia ser mais meridiana, o contrato é nulo se o intermediário não se apresentar devidamente inscrito e registado para exercer tal função (e não exercer outra legalmente incompatível) e ser-lhe reconhecido tal estatuto.
Y. Dos normativos citados resulta inequívoco que para a legislação desportiva que regula privativamente tal matéria, os contratos de intermediação, para granjearem validade legal, devem ser realizados unicamente com intermediários registados e apenas estes dispõem dos devidos poderes e faculdades de exercício reconhecidos, e naturalmente que para toda a duração do contrato em causa.
Z. Ora, não tendo cumprido a Recorrida com tal condição fundamental e essencial - sendo que reclama remuneração por tal período, por razões atinentes exclusivamente a si, que apenas a esta responsabilizam, nunca poderá reclamar validade e eficácia a tal instrumento contratual, ao menos, para efeitos de remuneração.
AA. Sendo que a lei não poderia ser mais impressiva e clara quanto a tal aspeto, quando se menciona perifrasticamente que “(…) o dever de pagamento apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor” – cf. n.º 3 do artigo 38.º do diploma referenciado).
BB. Destarte, com fundamento na violação dos preceitos normativos citados, deve ser conhecida e julgada a nulidade do presente contrato de intermediação desportiva, e assim se determinando, rejeitar-se qualquer direito da Autora à remuneração contratual, assim se absolvendo a Ré de todos os pedidos contra si formulados.
CC. Ainda que assim não se entenda, também a Recorrente não pode acompanhar o entendimento do tribunal a quo, dado que na prática a intermediária desportiva (única responsável pela elaboração unilateral do instrumento contratual) forjou um contrato com duração superior ao máximo previsto na lei.
DD. No que concretamente respeita ao contrato de representação, o mesmo foi elaborado para usufruir de uma vigência entre 01.01.2020 e 30.06.2022 (cf. artigo 38.º, n.º 4, da Lei n.º 54/2017, i.e., insuscetível inclusivamente de renovação automática (cf. n.º 5 do artigo 38.º da citada lei),
EE. E na prática, a Recorrida forçou a sobrevigência de um contrato de intermediação desportiva depois do seu término (após a ultrapassagem do período máximo legal) - pois mesmo após esse término, o referido contrato continuaria a produzir efeitos e a garantir um direito de remuneração àquela, em manifesta violação de inciso normativo injuntivo.
FF. Nos termos do preconizado no artigo 5., n.º 1, do Regulamento de Intermediários - Comunicado Oficial n.º 310, de 01.04.2015 da F.P.F., “O jogador e o clube podem contratar os serviços de um Intermediário quando negoceiem e celebrem contratos de trabalho desportivo ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações”.
GG. Ou seja, e neste sentido, o dispositivo normativo doméstico está perfeitamente alinhado com os normativos FIFA sobre intermediação desportiva; ou seja, o intermediário apenas pode patrocinar uma das partes na relação contratual (jogador ou clube), assim como os seus serviços apenas se podem destinar à (i) contratação de um atleta e eventuais alterações/renovações desse contrato de trabalho ou (ii) negociação de transferência do atleta (definitiva ou temporária).
HH. No caso presente, a Recorrida veio a impor à Ré no clausulado por si unilateralmente redigido, uma sucessão de pagamentos (ilegais) devidos por força da manutenção da relação laboral com o atleta em causa, quando na verdade os seus serviços contratados foram-no apenas para a contratação do jogador, não tendo havido qualquer prorrogação/alteração contratual no decurso das várias épocas desportivas seguintes.
II. Ou seja, não tendo a Recorrida efetuado qualquer serviço de intermediação desportiva relacionado com a renovação/alteração contratual do contrato de trabalho desportivo do atleta, fatalmente que está em falta o pressuposto legal do seu direito de remuneração por tais circunstâncias,
JJ. Pelo que, legalmente, apenas lhe pode ser devido o pagamento pela representação aquando da contratação do atleta em causa (e até ao termo do contrato), e não como pretende a Recorrida e o Tribunal a quo acedeu, constituindo essa a sua causa de pedir,
KK. Não lhe sendo assim legalmente devido quantias associadas à manutenção do contrato de trabalho desportivo do atleta, exatamente porquanto nenhum serviço, desde logo, foi prestado quanto a tal facto ou resultado circunstancial – que aliás, a lei não prevê como fundamento do direito de remuneração do intermediário, como é bom de ver (exceto, claro está, se tiver efetivamente tido ativa participação e intervenção na referida (se a tivesse havido) prorrogação do contrato – o que não existiu.
LL. Note-se até a este propósito que o pagamento pelo clube futebol (no caso, a Recorrente) ao intermediário desportivo (no caso, a Recorrida) de quaisquer quantias sem esse nexo de causalidade legal, sempre importaria uma camuflada e indireta cessão de direitos económicos sobre o atleta a entidades terceiras – prática expressa e veementemente proibida, que ofende direta e materialmente o conteúdo dos artigos 18bis e 18ter do Regulamento do Estatuto e Transferência dos Jogadores (FIFA).
MM. Com efeito, a lei (supra normação proveniente da FIFA) veda expressamente que o clube de futebol (titular dos diretos federativos e económicos sobre o atleta), ceda a terceiras entidades tais direitos económicos a si pertencentes.
NN. Caso fosse atendível a pretensão da Recorrente no pagamento das quantias reclamadas por este e relacionadas exclusivamente com a permanência do atleta ao serviço do clube (para mais fora do período de vigência do contrato de intermediação desportiva – 31.08.2021), então tal colide frontalmente com a regra pública citada, fulminando de ilegal o conteúdo do alegado contrato de representação desportiva.
OO. De outro ângulo, se a remuneração do intermediário desportivo (tendo na sua génese um contrato de prestação de serviços) pressupõe que este preste necessariamente um serviço [concreto e tangível], qualquer remuneração só pode advir desse serviço prestado,
PP. Então não se pode admitir qualquer direito a perceber uma remuneração depois de 31.08.2021 dado que nenhum serviço pode ter sido, desde logo, prestado,
QQ. Designadamente, a continuidade ou não do atleta ao serviço da Recorrente após 31.08.2021 nunca esteve dependente (não podia) de qualquer atividade prosseguida pela Recorrida, donde também aqui incorreu a sentença em erro de julgamento.
RR. O facto de a lei admitir o pagamento único ou faseado da remuneração do intermediário, e o facto de este (pagamento) ocorrer após o término do contrato não interfere com o argumento da Recorrente que consiste em fundamento diferenciado: é que mesmo que o pagamento ocorra após o termo de cessação do contrato (data de vencimento ou exigibilidade), a sua causa tem necessariamente de derivar de serviço prestado durante o período de execução do contrato (e não posteriormente) e nessa data já a Autora exercia funções incompatíveis com a de intermediário desportivo e igualmente não se licenciou para todo esse período de atividade.
SS. Deste modo, a continuidade do atleta ao serviço da aqui Recorrente após 31.08.2021 não procedeu de qualquer atividade ou serviço da Recorrida, até porque tal permanência resulta automática do cumprimento do contrato de trabalho desportivo, não tendo sido a intermediária desportiva a garantir tal resultado – por nenhuma ação sua.
TT. Razão (de ordem normativa pública) que obsta à legalidade dos montantes aqui peticionados, a título de alegada remuneração por serviços de intermediação desportiva supostamente prestados.
UU. Acresce ainda a existência de uma multiplicidade de outros motivos que determinam a irregularidade e invalidade formal e substantiva do contrato de representação sub iudicio, e que, como tal, obstam à procedência do pedido, os quais não foram devidamente atendidos pela sentença recorrida.
VV. O contrato de representação ou intermediação é definido pelo o n.º 1 do artigo 38.º da citada Lei, como sendo um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e, nomeadamente, uma entidade empregadora desportiva. Impõe o n.º 2 do mesmo artigo, além do mais, que no seu clausulado seja “definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe será devida”.
WW. O reconhecimento desta premissa legal importa desde logo que a quantia abonada ao “empresário desportivo” será devida a título de remuneração pelo serviço concreto prestado, o que no caso reconduz à contratação do atleta e não a qualquer negociação de renovação/alteração contratual (que não existiram), que essas sim podiam desencadear outro direito remuneratório adicional/acrescido/autónomo, mas nada disto se passou – donde resulta a clamorosa nulidade de tal clausulado contratual.
XX. Determinando taxativamente a lei a forma de atuação do intermediário desportivo, fixando a sua remuneração em função de típicos negócios concretizados: (i) contratação de atleta, (ii) renovação do contrato de trabalho desportivo, (iii) cedência dos direitos do atleta – económicos e federativos (definitiva ou temporária), não está deferida ao intermediário a faculdade de remuneração por qualquer outra causa – designadamente porque o contrato de trabalho desportivo do atleta se mantém em execução/vigor durante o período da sua normal vigência!
YY. Ora, esta própria cláusula (remuneração adicional e crescente do intermediário em função da permanência do atleta dentro da duração inicial do contrato de trabalho celebrado) que constitui a causa de pedir dos presentes autos é absolutamente nula, dado que nenhum serviço é prestado pelo intermediário desportivo para que o contrato de trabalho do atleta seja mantido durante o período normal da sua vigência, como é lógico.
ZZ. Na verdade, a duração (ao menos a) inicial do contrato de trabalho desportivo do atleta inerente à sua contratação é que constituiu o serviço prestado pelo intermediário e pelo qual seria devida a sua remuneração.
AAA. Por outro lado, ainda, são diversas as desconformidades substantivas, formais e procedimentais do contrato do qual emergem os direitos da Requerente, quando analisado à luz do artigo 9.º do Regulamento da FPF, incorretamente desatendidas pelo tribunal a quo.
BBB. E não custa advertir que vale aqui a inadmissibilidade da tese de consagração implícita de elementos essenciais (isto é, identitários ou que constituem a essência do contrato): conforme resulta do n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento, pois que estes elementos sempre “constam expressamente do contrato de representação”.
CCC. Segue-se a falta de previsão, independentemente do enunciado adotado, da habilitação, pelo clube, do intermediário para o representar, quer se entenda que está em causa uma representação em sentido próprio (artigo 258.º do Cód. Civil), quer se entenda que se trata de uma “representação de interesses” – cf., por exemplo, os artigos 4.º, 5.º, n.º 2, e 9.º (epigrafado de contrato de representação), n.ºs 1, 2, proémio, 3 e 4, do Regulamento da FPF.
DDD. Adiciona-se ainda outro argumento que conduz à ilegalidade do contrato, pois não terão sido feitas as vias exigidas, uma destinada à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (artigo 9.º, n.º 2, proémio, do Regulamento da FPF). A terceira via, destinada à Federação Portuguesa de Futebol também não terá sido depositada nesta federação pelo intermediário, aqui Recorrida, como imposto pelo n.º 3 do artigo 9.º do Regulamento.
EEE. Igualmente, o contrato dos autos não conterá o número de registo de intermediário (artigo 9.º, n.º 2, al. a), do Regulamento da FPF), não se podendo confundir o seu representante legal, necessariamente também intermediário (artigo 7.º n.º 4, do RIFPF), com o intermediário interveniente no contrato.
FFF. Ainda o contrato padece de frontal nulidade porque a cláusula quarta, sempre por exigência da Recorrida, obrigará as partes a manter total confidencialidade com o seu conteúdo, quando é exigência imperativa que seja dada a devida publicidade daquele, desde logo pelo depósito junto dos organismos competentes.
GGG. Na verdade, são obrigatoriamente comunicados à FPF e à LPFP (artigo 9.º, n.º 2, do Regulamento da FPF), devendo ser depositados junto daquela entidade (artigo 9.º, n.º 3), que divulga a posteriori alguns dos seus elementos essenciais (artigo 10.º, n.º 7,), sendo que é da sua natureza, considerando o seu escopo essencial – a representação (de interesses) –, a possibilidade de revelação a terceiros, em ordem a justificar os poderes representativos do intermediário, e a sua revelação no contexto da celebração do contrato visado (artigo 10.º, n.º 4).
HHH. E, revelando o regime previsto no artigo 10.º, a tutela de interesses de ordem pública – em torno da transparência fiscal e do combate ao branqueamento de capitais – a cláusula quarta do contrato com ele esbarra frontalmente, o que não pode deixar de ter repercussões invalidantes sobre o contrato.
III. Termos em que, também com base nestes fundamentos, devia a sentença recorrida ter considerado nulo o presente contrato de representação/intermediação desportiva, e em consequência ter determinado a absolvição da aqui Recorrente, por violação, inter alia, dos artigos 36.º. n.º 1, 37.º. n.ºs 1 e 3, 38.º, n.ºs 1, 2 e 4, e 39.º da Lei n.º 54/2017, com a cominação plasmada no artigo 42.º desse diploma, e bem assim, artigo 801.º, n.º 1, do CC, artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), 4.º, 6.º, n.ºs 1 e 2, 9.º, n.º 2, alínea b) e d), e n.º 3, do Regulamento de Intermediários da F.P.F, pelo que não se poderá manter na ordem jurídica.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, com todas as legais consequências.
A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação e manutenção da decisão recorrida.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1do CPC), as questões a decidir são:
a) da nulidade do contrato celebrado entre as partes por falta de licença da A.; limitações ao exercício da atividade de empresário; impugnação da decisão sobre a matéria de facto (conclusões D a BB);
b) da “sobrevigência” ilegal do contrato; da nulidade do contrato por falta de atividade prestada pela A. (conclusões CC a ZZ);
c) da nulidade do contrato por desconformidades substantivas, formais e procedimentais do contrato (conclusões AAA a III).
Cumpre decidir, corridos que foram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido deu como provada a seguinte factualidade:
1. Em 01 de janeiro de 2020, Autora e Ré subscreveram o escrito particular denominado de «Contrato de Representação», de fls. 22-23, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde, entre o demais, se lê o seguinte: «Cláusula Primeira O presente Contrato de Intermediação terá início em 01/01/2020 e termo em 30/06/2022. A INTERMEDIÁRIA representará o CLUBE com vista à realização do Contrato de Trabalho desportivo com o JOGADOR, válido para as épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022. Cláusula Segunda Caso o contrato de trabalho desportivo com o JOGADOR se venha a efetivar, em virtude dos serviços prestados pela INTERMEDIÁRIA nos termos supra descritos, o CLUBE pagará a esta ou a quem ela indicar, as seguintes quantias: i. € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2019/2020, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/02/2020, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/01/2020; ii. € 10.000,00 (dez mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2020/2021, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2020, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2020; iii. € 10.000,00 (dez mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2021/2022, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2021, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2021; iv. € 10.000,00 (dez mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2022/2023, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2022, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2022; Cláusula Terceira O presente contrato expressa integralmente o estabelecido entre as partes, representando a sua vontade e prevalecendo, portanto, sobre toda e qualquer declaração, negociação ou acordo anterior, constantes ou não de documento escrito. Cláusula Quarta O CLUBE e a INTERMEDIÁRIA obrigam-se a manter em total confidencialidade o presente contrato, não o podendo tornar público, ainda que por forma indireta, ou por intermédio de terceiros, salvo por força de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal, sendo que a parte que violar o dever de confidencialidade ora estabelecido deverá compensar a outra nos termos gerais de direito. As partes obrigam-se ainda a manter confidencial toda e qualquer informação de que tenham tido ou venham a ter conhecimento relativamente a qualquer uma das atividades da outra, bem como a guardar sigilo relativamente a toda e qualquer informação recebida ao abrigo do presente contrato». (…).
2. Em resultado dos serviços prestados pela Autora à Ré, no âmbito do acordo identificado em 1, foi firmado o contrato de trabalho entre esta última e o Jogador J... para as épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023.
3. J… foi jogador da Ré e manteve-se ao serviço da Ré depois do dia 31.08.2021.
4. A Ré não pagou à autora a quantia prevista nos pontos ii) e iii) da cláusula segunda do documento identificado em 1.
5. A Autora não emitiu as faturas a que se refere os pontos ii) e iii) da cláusula segunda do documento identificado em 1.
6. A Autora encontrava-se registada como intermediária desportiva, nas épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022, na Federação Portuguesa de Futebol.
7. O documento referido em 1. não foi depositado junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional nem da Federação Portuguesa de Futebol.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A sentença recorrida analisou todos os argumentos apresentados pela R. sustentando a falta de fundamento para a A. receber a remuneração que vem reclamar nos presentes autos, argumentação que a apelante repristina na presente apelação.
Dos termos do contrato objeto dos autos resulta que, na situação em apreço, a A. exerceu a atividade própria de empresário desportivo.
A Lei nº 54/2017, de 14.07, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, bem como o dos empresários desportivos [1], define o empresário desportivo como a pessoa singular ou coletiva que, estando devidamente credenciada, exerça a atividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, na celebração de contratos desportivos (art. 2º, al. c)).
Também o art. 4º do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol (comunicado nº 310, de 1.4.2015, da FPF) [2] define o intermediário como a pessoa singular ou coletiva que, com capacidade jurídica, contra remuneração ou gratuitamente, representa o jogador ou o clube em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência.
E tal como concluiu o tribunal recorrido, e a apelante não questiona, naquela qualidade a A. celebrou com a R. um contrato de representação ou intermediação, tipificado no artigo 38º da Lei nº 54/2017, de 14.07.
Dispõe o nº 1 deste preceito legal que “O contrato de representação ou intermediação é um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva.”.
A apelante não põe em causa a celebração do referido contrato e os termos dele constantes, o que questiona é a validade desse contrato, e a possibilidade de, com base nele, a A. ver reconhecido o seu alegado crédito sobre a R.
Apreciemos, então os fundamentos do recurso, sempre se dizendo que nos Acs. RL de 9.11.2023, P. 77412/22.9YIPRT.L1-6 (Eduardo Peterson Silva) [3], e de 11.1.2024, P. 77416/22.1YIPRT.L1-8 (Carla Cristina Figueira Matos) [4], consultáveis em www.dgsi.pt, se apreciou grande parte das questões suscitadas no presente recurso (perante circunstâncias muito semelhantes às dos presentes autos), em termos que merecem a nossa adesão, e coincidem com a fundamentação da sentença recorrida.
1. Sustenta a apelante que o contrato objeto dos autos é nulo, porquanto:
- a Autora não se registou nem se matriculou na F.P.F. para a época desportiva 2022/2023, pelo que nunca poderia almejar qualquer direito remuneratório pelo facto de o atleta permanecer ao serviço da Ré após 31/08/2022;
- o direito de remuneração da Autora estava inextricavelmente dependente da sua válida matrícula, registo e cadastro (licenciamento) junto dos organismos do futebol profissional (maxime, F.P.F.) para todo o período de duração ou vida do referido contrato de intermediação desportiva;
- a Autora (rectius, o seu legal representante) passou a exercer funções de dirigente desportivo desde 06.06.2022, facto que torna imediatamente incompatível o exercício da atividade de intermediação desportiva e logicamente o direito ao recebimento de qualquer remuneração dela advinda;
- facto que devia ter sido dado como provado pelo Tribunal - ainda no decurso da época desportiva 2021/2022, a Autora (seu sócio único e gerente) passou a exercer atividade legalmente incompatível com a intermediação desportiva -, atenta a prova documental junta aos autos;
- o exercício de tais funções devia estar pressuposto e autorizado para todo o tempo de vigência do contrato (reclamando a A. a remuneração por tal período), e não, como é apodítico, para uma parte ou parcela temporal da vida e de execução do referido contrato de intermediação desportiva, sendo a lei (nº 3 do art. 38º da Lei nº 54/2017, de 14.07) impressiva quanto a esta matéria.
Apreciemos, salientando, desde logo, que o disposto no art. 38º, nº 3, da Lei nº 54/2017, de 14.07 [5], não tem aplicação no caso em apreço, na medida em regula as situações em que o contrato de intermediação é celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo, o que não é o caso, uma vez que o contrato objeto dos autos foi celebrado entre uma intermediária desportiva, a A., e uma entidade empregadora desportiva, a R.
Tal como o tribunal recorrido sublinhou, uma coisa é o tempo de execução do contrato, outra, as condições de pagamento do serviço prestado que foram acordadas, tal como uma coisa é o prazo de duração do contrato de intermediação desportiva celebrado entre A. e R., e outra a duração do contrato de trabalho desportivo celebrado entre o jogador e a R., que não se confundem.
Escreveu-se na sentença recorrida que “…, no contrato de intermediação em causa nos autos, as partes estipularam expressamente o seu início em 01.01.2020 e o seu termo em 30.06.2022, período que excede o aludido prazo máximo de 2 anos, mas que terá de ser interpretado à luz do quadro legal em aplicação. Este foi o prazo de duração previsto para o contrato, no decurso do qual, a Autora prestaria os serviços tendentes à celebração de contrato de trabalho entre a Ré e o jogador, para as épocas de 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023 [cf. cláusula primeira, ponto 2 conjugada com o considerando B e cláusula segunda, ponto iv. Apesar disso, acordaram as partes que o pagamento da contrapartida pelos serviços prestados, no caso do contrato desportivo se efetivar, ocorreria nas condições previstas na cláusula segunda, não inteiramente coincidentes, em termos de prazo de vencimento, com o da duração do contrato. Não devemos - nem podemos - confundir o prazo fixado para a duração do contrato, isto é, no decurso do qual são prestados os serviços de intermediação, dentro de 2 anos, e o prazo estipulado para o pagamento da contrapartida por tais serviços. Na verdade, e conforme provado, o contrato de intermediação não ultrapassou a data de 31.12.2021, conforme se extrai dos factos provados sob os pontos 2 e 3, isto é, a duração do objeto do contrato esgotou-se (bem) antes dos 2 anos, uma vez que foi firmado em 02 de janeiro de 2020, pelo que logo em 02.01.2020 o jogador J.., e em resultado dos serviços prestados pela Autora à Ré, no âmbito do acordo identificado em 1, assinou o contrato de trabalho para as épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023. … No caso vertente, o contrato de intermediação teve o seu início em 01.01.2020 e termo em 30.06.2022. E demonstrou-se que a Autora se encontrava registada, como intermediária, junto da Federação Portuguesa de Futebol nas épocas desportivas 2020/2021 e 2021/2022 [época desportiva 1 de julho a 30 de junho]. Inexistem dúvidas que, durante a vigência do contrato, a Autora se encontrava licenciada para o exercício da atividade de intermediação desportiva.”.
O Capítulo VII da Lei nº 54/2017, de 14.07, regula o exercício da atividade dos empresários desportivos, estipulando o nº 1 do art. 36º que “Só podem exercer atividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou coletivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes.”.
Acrescentando o art. 37º que “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os empresários desportivos que pretendam exercer a respetiva atividade devem registar-se como tal junto da federação desportiva, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e atualizado. 2 - O registo a que se refere o número anterior é constituído por um modelo de identificação do empresário, cujas características serão definidas por regulamento federativo. 3 - São nulos os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo referido no presente artigo.”.
Ou seja, para exercer a atividade de empresário desportivo exige a lei que a pessoa (singular ou coletiva) esteja registada, como tal, junto da federação desportiva da respetiva modalidade.
Por seu turno, dispõe o art. 6º do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol (comunicado nº 310, de 1.4.2015, da FPF), que só podem exercer a atividade de intermediário desportivo as pessoas registadas na F.P.F. (nº 1), devendo o intermediário requerer o seu registo sempre que participe numa transação (nº 2), podendo o registo ser requerido para uma época desportiva (nº 3) [6].
O mencionado registo é obrigatório, é condição essencial de exercício da referida atividade, tendo o art. 36º caráter imperativo, na medida em que a falta do referido registo determina a nulidade do contrato e das cláusulas contratuais que prevejam a respetiva remuneração pela prestação desses serviços.
Ou seja, só pode exercer a atividade de empresário a pessoa que se registe, como tal, junto da respetiva federação desportiva [7].
Conforme resulta da factualidade provada, em 1.1.2020, A. e R. subscreveram o escrito particular denominado de «Contrato de Representação», junto aos autos, do qual consta, no que ora importa, o seguinte: «Cláusula Primeira O presente Contrato de Intermediação terá início em 01/01/2020 e termo em 30/06/2022. A INTERMEDIÁRIA representará o CLUBE com vista à realização do Contrato de Trabalho desportivo com o JOGADOR, válido para as épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022. Cláusula Segunda Caso o contrato de trabalho desportivo com o JOGADOR se venha a efetivar, em virtude dos serviços prestados pela INTERMEDIÁRIA nos termos supra descritos, o CLUBE pagará a esta ou a quem ela indicar, as seguintes quantias: i. € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2019/2020, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/02/2020, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/01/2020; ii. € 10.000,00 (dez mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2020/2021, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2020, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2020; iii. € 10.000,00 (dez mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2021/2022, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2021, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2021; iv. € 10.000,00 (dez mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2022/2023, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2022, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2022; Cláusula Terceira O presente contrato expressa integralmente o estabelecido entre as partes, representando a sua vontade e prevalecendo, portanto, sobre toda e qualquer declaração, negociação ou acordo anterior, constantes ou não de documento escrito”.
Mais resulta assente que, em resultado dos serviços prestados pela A. à R., no âmbito do referido acordo, foi firmado o contrato de trabalho entre esta última e o Jogador J... para as épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023, o qual se manteve ao serviço da R. depois do dia 31.08.2021.
Resulta, ainda, provado que a A. encontrava-se registada como intermediária desportiva na FPF nas épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022.
Dispõe o art. 38º da Lei nº 54/2017, de 14.07, que “1 - O contrato de representação ou intermediação é um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva. 2 - O contrato está sujeito a forma escrita, nele devendo ser definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe será devida e as respetivas condições de pagamento. …”.
Nos termos do acordo firmado entre A. e R., aquela obrigou-se a realizar, em nome desta, as diligências necessárias para a contratação do jogador  para as épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022, prevendo-se o pagamento da remuneração estipulada no caso de se vir a efetivar o contrato de trabalho desportivo com o jogador, em virtude dos serviços prestados pela A., serviços estes que deveriam ser prestados entre 1.1.2020 e 30.6.2022.
O que resulta da interpretação do contrato, efetuada à luz do disposto nos arts. 236º a 238º do CC, tendo em conta, também, os respetivos “Considerandos” [8], é que a A. se obrigou perante a R. a prestar serviços de intermediação desportiva com vista à contratação de determinado jogador para 3 épocas desportivas, estando o pagamento da respetiva remuneração dependente da efetiva contratação do jogador, e da manutenção deste ao serviço da R. durante as mencionadas épocas desportivas, sem que esteja em causa a prestação de qualquer serviço de intermediação da A. para além do serviço de contratação inicial e pelas referidas épocas, não se prevendo a sua intermediação para celebrar com o jogador a renovação do contrato de trabalho em cada uma das épocas subsequentes à inicial, até porque a permanência do jogador no clube resulta de forma automática do cumprimento do contrato de trabalho desportivo.
E a esse contrato de intermediação foi fixado um prazo (entre 1.1.2020 e 30.6.2022), durante o qual deveriam ser efetuadas as diligências necessárias com vista a obter o fim visado, o que se veio a concretizar muito antes do termo do prazo previsto, na medida em que o jogador, em resultado dos serviços prestados pela A. à R. no âmbito do mencionado acordo, firmou contrato de trabalho com esta, em 2.1.2020, para as épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023.
Ou seja, a A. cumpriu a obrigação a que se vinculou no acordo firmado com a R. em 2.1.2020 (quando, por força da sua intermediação o jogador celebrou com a R. o almejado contrato de trabalho), dentro do prazo fixado para a vigência daquele (e do prazo máximo permitido pela lei – art. 38º, nº 4, da Lei 54/2017, de 14.7), encontrando-se, à data, registada como intermediária desportiva na FPF, nascendo, naquela data, o direito da A. à remuneração do serviço prestado, verificadas as condições estipuladas.
O prazo de duração do contrato de intermediação desportiva é independente do prazo de duração do contrato de trabalho firmado entre o jogador e o clube, na medida em que, como resulta daquele, o fim pretendido era a concretização do contrato de trabalho desportivo por 4 épocas, como se veio a verificar, logo, com renovação automática resultante do cumprimento do contrato, sem qualquer necessidade de uma concreta atividade para tal (para a renovação).
Por outro lado, a duração do contrato de imediação desportiva também não se confunde com a forma de pagamento fixada para a remuneração do serviço prestado pela A., que ficou previsto ser efetuada em prestações (por referência às épocas desportivas) e sob condição (desde logo, de efetiva celebração do contrato de trabalho desportivo, e, depois, de manutenção do jogador ao serviço da R.), ao abrigo da liberdade contratual (art. 406º do CC), e de acordo com o disposto nos arts. 38º, nº 2, da Lei nº 54/2017, de 14.07 [9], 9º, nº 2, als. d) e e), e 11º, nº 2, do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol (comunicado nº 310, de 1.4.2015, da FPF) [10].
Como se escreveu no Ac. da RL de 12.10.2023, P. 60930/22.6YIPRT.L1-2 (Carlos Castelo Branco), em www.dgsi.pt, perante um contrato com cláusulas semelhantes,  “Apreciando a mera redação da Cláusula 1.ª do contrato dos autos se afere a fragilidade de uma tal argumentação. É que, de acordo com tal cláusula, o acordo firmado entre as partes respeita ao “trabalho desenvolvido pela Segunda Outorgante na assinatura do contrato do jogador” aí identificado, constituindo tal trabalho a causa para a possibilidade de a autora exigir da contraparte o pagamento dos valores ali considerados. E, conforme resulta do n.º 2 da mencionada Cláusula 1.ª, certo é, todavia, que os outorgantes acordaram “que a prestação referida no número anterior que fiz respeito à Época 21/22 apenas será devida caso o atleta se mantenha no clube após o fecho da janela de mercado em 31 de Agosto de 2021”. Encontra-se vertida no n.º 2 da mencionada cláusula uma condição suspensiva – que, como se sabe, constitui o “acontecimento futuro e incerto” ao qual as partes condicionam a produção dos efeitos do negócio jurídico (cfr. artigo 270.º do CC) – em que os efeitos  atinentes ao pagamento referente à época de 21/22 ficaram suspensos à espera da verificação do evento condicionante, no caso, a circunstância de o atleta se manter no clube após a data de 31 de agosto de 2021, o que, na realidade, veio a suceder (cfr. facto provado n.º 2). Para além deste aspeto, cumpre sublinhar que, o pagamento dos valores referidos na cláusula 1.ª apenas se reportava ao “trabalho desenvolvido pela Segunda Outorgante na assinatura do contrato do jogador”, o qual se mostrava concluído com tal assinatura, não se encontrando relacionado ou conexionado com a necessidade de qualquer prestação de serviço atinente à prorrogação ou alteração contratual no decurso das épocas desportivas, mas tão só, à verificação do aludido “acontecimento futuro e incerto” – a manutenção do jogador no clube após a data de 31-08-2021.”.
O acordado pagamento em prestações da remuneração da A. não se confunde com o prazo de vigência do contrato, pelo que não é por referência às datas de pagamento dessas prestações que se tem de verificar o cumprimento da obrigação de registo daquela na FPF, ao contrário do que pretende a apelante, pelo que não tinha a A. de se encontrar registada na FPF para a época desportiva 2022/2023.
A época desportiva de 2022/2023 não releva para os efeitos previstos no art. 37º da Lei nº 54/2017, de 14.07, uma vez que o contrato em causa já findara, pelo decurso do seu termo, sendo certo que a prestação da A. (de representação da R. para efeitos da contratação do jogador) foi cumprida aquando da concretização do contrato de trabalho desportivo entre aquela e este, em 2.1.2020, como já referido.
A própria apelante refere que não houve qualquer prestação de serviços pela A. após o termo do contrato de intermediação desportiva (30.6.2022).
Conforme resultou provado, a A. encontrava-se registada como intermediária desportiva na FPF nas épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022, que abrange todo o período de duração do contrato.
Invoca a apelante que, através de prova documental junta nos autos, a A. “(rectius, o seu legal representante)” passou a exercer funções de dirigente desportivo desde 6.6.2022, facto que torna imediatamente incompatível o exercício da atividade de intermediação desportiva e logicamente o direito ao recebimento de qualquer remuneração dela advinda, conforme dispõe o art. 39º da Lei nº 54/2017, de 14.7, pretendendo que à factualidade provada seja aditado o seguinte facto: “Ainda no decurso da época desportiva 2021/2022, a Autora (seu sócio único e gerente) passou a exercer atividade legalmente incompatível com a intermediação desportiva.”.
É um facto que o art. 39º da Lei nº 54/2017, de 14.7, estipula que ficam inibidos de exercer a atividade de empresário desportivo os dirigentes desportivos (al. c)).
Contudo, e ao contrário do que a apelante pretende, não resultou demonstrado nos autos que, ainda na época desportiva de 2021/2022 (que decorre de 1.7.2021 a 30.6.2022), o legal representante da A. exercia a atividade de dirigente desportivo, não procedendo a pretensão da apelante de ver aditado tal facto aos factos provados.
As notícias divulgadas pela comunicação social juntas aos autos pela R. não permitem uma conclusão isenta de dúvidas, ao contrário do que pretende a apelante, uma vez que, se numa das notícias (do Facebook de 7.6.2022) se refere a contratação do sócio gerente da A. como diretor geral para o futebol do …, e que aquele “assumirá de imediato o cargo”, na outra (da rádio sintonia, emissão online, de 7.6.2022) refere-se que “os leões corticeiros já preparam a próxima temporada”, que “N... vai assumir” e que “O … anunciou esta segunda feira que o novo diretor geral será responsável …” (futuro), o que resulta confirmado pela documentação junta aos autos pela A. em resposta, concretamente a resultante da pesquisa no site da segurança social, de onde resulta que a referida situação só se veio a concretizar na época desportiva de 2022/2023 (1.7.2022 a 30.6.2023).
Ou seja, não só a A. se encontrava registada na FPF como intermediária desportiva nas épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022, que abrange todo o período de duração do contrato, como não resulta dos autos qualquer facto que a inibisse de exercer aquela atividade no mencionado período, e impedisse de auferir a correspondente remuneração.
Em conclusão, não procede a apelação, nesta parte, não nos merecendo censura a integração jurídica dos factos feita pelo tribunal recorrido.
2. Sustenta a apelante que, em todo o caso, o contrato é, também, nulo porquanto:
- na prática a apelada forjou um contrato com duração superior ao máximo previsto no art. 38º, nºs 4 e 5 da Lei, pois mesmo após o término previsto, continuaria a produzir efeitos e a garantir um direito de remuneração àquela;
- o que a lei impede de forma clara no art. 38º, nº 3, da Lei nº 54/2017, de 14.07;
- os  pagamentos contratados são devidos por força da manutenção da relação laboral com o atleta em causa (o que a lei não prevê como fundamento do direito de remuneração do intermediário), quando na verdade os seus serviços contratados foram-no apenas para a contratação do jogador, não tendo havido qualquer prorrogação/alteração contratual no decurso das várias épocas desportivas seguintes;
- o pagamento pelo clube futebol (no caso, a Recorrente) ao intermediário desportivo (no caso, a Recorrida) de quaisquer quantias sem esse nexo de causalidade legal, sempre importaria uma camuflada e indireta cessão de direitos económicos sobre o atleta a entidades terceiras, prática que ofende os artigos 18bis e 18ter do Regulamento do Estatuto e Transferência dos Jogadores (FIFA).
Sobre esta matéria discorreu o tribunal recorrido nos seguintes termos: “Sustentou a Ré, a este propósito, que será improcedente qualquer pedido respeitante ao pagamento de quaisquer pretensos honorários, por referência a qualquer período que exceda a duração do contrato; que tal possibilidade se mostra vedada pelo artigo 38.º, n.º 3 da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho; que a Ré impôs uma sucessão de pagamentos (ilegais) devidos por força da manutenção da relação laboral com o atleta, quando os serviços lhe foram solicitados apenas para a contratação do jogador, não tendo havido qualquer prorrogação/alteração contratual no decurso das várias épocas desportivas seguintes. Acrescentou, ainda, que o pagamento de quantias sem aquele nexo de causalidade, importaria uma camuflada e indireta cessão de direitos económicos sobre o atleta a entidades terceiras – prática expressa e veementemente proibida, que ofende direta e materialmente o conteúdo dos artigos 18bis e 18ter do Regulations on the Status and Transfer of Players. Ora, como se disse supra, importa não confundir a duração do contrato com o prazo convencionado pelas partes para o pagamento da contrapartida dos serviços de intermediação prestados. Concluímos já, que o prazo do contrato não ultrapassou o limite máximo da duração legalmente prevista. Aliás, sempre acrescentamos que a duração do contrato não coincide temporalmente, nem pode coincidir, com o ano civil, porquanto dada a atividade desportiva objeto da intermediação, o elemento que releva são as épocas desportivas (de 1 de julho a 30 de junho), ocorrendo na situação vertente a prestação do serviço contratado pela Ré junto da Autora no limite temporal a que a lei em aplicação alude. A questão que importa agora apreciar prende-se com a fixação de prazos de pagamento, em momento posterior ao do termo do contrato e sujeitos à condição da manutenção do jogador ao serviço da ré no período de vigência do contrato de trabalho desportivo. Nesta situação, está apenas o peticionado pagamento da quantia de €20.000,00, previsto nos pontos ii) e iii) da cláusula segunda do documento identificado em 1. Como primeiro fundamento para sustentar a inadmissibilidade do pagamento, a Ré socorreu-se do disposto no artigo 38.º, número 3 da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho. Dispõe a citada norma que, «no caso de contrato de representação ou intermediação celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo, a remuneração paga pelo praticante não pode exceder 10 % do montante líquido da sua retribuição e o dever de pagamento apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor». Ora, o preceito citado destina-se somente aos contratos de representação ou intermediação celebrados entre um empresário desportivo e um praticante desportivo. Trata-se, assim, de um regime especial, inaplicável ao contrato de intermediação, como o dos autos, celebrado entre um empresário desportivo e uma entidade empregadora desportiva. Estabelece, outrossim, o número 2 do citado artigo 38.º, que, no contrato de representação ou intermediação, devem os outorgantes incluir, além do mais, as condições de pagamento. Acrescentando o artigo 11.º, número 2 do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol que «o clube que contrate os serviços de um Intermediário deve acordar a remuneração antes da realização da transação, podendo o pagamento ser efetuado de uma só vez ou em prestações». Volvendo ao contrato em análise, cumpre atentar no teor da sua cláusula segunda. Da sua leitura extraímos duas conclusões: a) as quantias fixadas destinam-se a remunerar os serviços prestados pela Autora e no caso de estes conduzirem à efetiva celebração de um contrato desportivo com o jogador J..., por quatro épocas desportivas; b) as partes sujeitaram a obrigação de pagamento à condição do jogador manter o seu vínculo com o clube, nas épocas desportivas previstas no contrato. Ora, ao contrário do que sustenta a Ré, não se vislumbra que tenha sido estipulada qualquer remuneração pela manutenção do jogador no clube. Ao invés, o pagamento da remuneração fixada pelos serviços prestados com vista à celebração do contrato desportivo por quatro épocas, ficou condicionado à manutenção do jogador no clube em tais épocas desportivas – [cfr. facto 1, cláusula segunda]. Dito, por outras palavras, a remuneração fixada relaciona-se com o contrato de trabalho desportivo outorgado e com a sua duração inicial. A este propósito, preceitua, de resto, o disposto no artigo 11.º, número 3, alínea b), do Regulamento dos Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol, que «salvo acordo em contrário, que deve constar de cláusula escrita no contrato inicial, o montante total de remuneração por transação devido ao Intermediário não pode exceder, quanto ao Intermediário que tenha sido contratado para agir em nome de um clube, para fins de celebração de um contrato de trabalho com um jogador, 5% do rendimento bruto do jogador correspondente ao período de duração do contrato de trabalho». Salienta-se que o limite dos 5% pode ser afastado por acordo, caso resulte de cláusula escrita do contrato, como sucedeu in casu. Soçobra, assim, o argumento avançado pela Ré de que os referidos pagamentos não apresentam qualquer nexo de causalidade com os serviços prestados pela Autora. Nem se pode entender que as condições de pagamento fixadas impliquem uma «camuflada» cessão de direitos económicos dos jogadores. Com efeito, nenhuma quantia foi fixada com vista a remunerar ou compensar a Autora pela transferência do jogador.”.
Face ao que se deixou já escrito aquando da análise da 1ª nulidade invocada, que aqui se tem por reproduzido, não podemos deixar de subscrever a sentença recorrida, não aduzindo a apelante qualquer argumento (novo) que ponha em causa a fundamentação do tribunal recorrido.
A remuneração fixada relaciona-se com o contrato de trabalho desportivo outorgado e com a sua duração (quatro épocas), tendo o contrato de intermediação desportiva sido cumprido pela A. dentro do prazo fixado, e dentro do prazo máximo legalmente permitido.
A remuneração fixada tem nexo causal com os serviços prestados pela A., cujo objeto era a celebração de contrato de trabalho desportivo entre o jogador e a R., para as épocas pretendidas, nada tendo a ver com a manutenção do contrato de trabalho desportivo, que apenas releva como condição de pagamento das prestações previstas.
Não obstante a apelante insista na alegação de que a A. foi a “única responsável pela elaboração unilateral do instrumento contratual”, o que é um facto é que do contrato consta que “Entre as PARTES é celebrado livremente, de forma consciente de boa fé o presente contrato”, e que “O presente contrato expressa integralmente o estabelecido entre as partes, representando a sua vontade …” (cláusula terceira), não tendo a R. alegado (nem resultou provado) qualquer vício de vontade na sua outorga.
As prestações fixadas respeitam à prestação de serviços de intermediação pela A. com vista à celebração de contrato de trabalho desportivo entre o jogador e a R., por 4 épocas desportivas, que se concretizou como já referido, com pagamento sob condição [11], nada tendo sido acordado com vista a remunerar ou compensar a A. pela transferência do jogador, pelo que carece de fundamento a alegação de que as acordadas prestações implicam uma “camuflada” cessão de direitos económicos sobre o atleta a entidades terceiras, em violação dos arts. 18bis do Regulamento do Estatuto e Transferências dos jogadores (FIFA) – que proíbe qualquer cenário em que qualquer pessoa ou entidade (clubes contrários ou terceiros) adquiram a capacidade de influenciar a independência de um clube em assuntos de contratação ou transferências, políticas, ou atuações da sua equipa - , e 18ter do Regulamento do Estatuto e Transferências dos jogadores (FIFA) – que proíbe qualquer acordo que preveja o direito de um terceiro a participar, total ou parcialmente, na compensação paga em relação a uma futura transferência do jogador de um clube para outro, ou lhe seja reconhecido qualquer direito em relação a uma futura transferência ou compensação por transferência [12] -, que encontram respaldo no art. 37º do Regulamento do Estatuto, da Categoria, da Inscrição e Transferência de jogadores da FPF, em cujo nº1 se estabelece que “Nenhum clube ou jogador pode celebrar um acordo com terceiros em que estes sejam autorizados a participar, total ou parcialmente, em compensação a pagar relativamente a futura transferência de um jogador de um clube para outro, ou que lhe sejam concedidos quaisquer direitos em relação a uma futura transferência ou compensação por transferência.”.
As prestações livremente acordadas (que poderiam não ser pagas caso não se verificasse a condição estabelecida), visam remunerar a A. dos serviços prestados que levaram à contratação do jogador pela R., nada tendo a ver com os direitos económicos da R. sobre o jogador, ou participação em qualquer transferência deste.
Improcede, também nesta parte, a apelação.
3. Mais uma vez, a apelante vem invocar uma multiplicidade de desconformidades substantivas, formais e procedimentais, de que o contrato padece, nos mesmos termos em que já as havia invocado na oposição, sem que ponha em causa os concretos termos em que tais questões foram decididas pelo tribunal recorrido.
Vejamos.
3.1. Falta de previsão, independentemente do enunciado adotado, da habilitação, pelo clube, do intermediário para o representar.
Conforme se escreveu na sentença recorrida, “Em primeiro lugar, impõe-se destacar que não foi suscitada a falta de poderes das pessoas que, em representação, da Ré outorgaram o contrato de representação junto aos autos. E, neste acordo, é expressamente estipulado pelas partes que a Autora representará a Ré com vista à realização de contrato de trabalho desportivo com o jogador – cfr. Cláusula Primeira, ponto 2. Dito por outras palavras, a Ré habilitou a Autora, em sua representação, a negociar as condições do contrato de trabalho que veio a ser celebrado com o jogador.”.
Pelo que se conclui, como concluiu a sentença recorrida, que “Não se vislumbra, assim, a apontada falta de previsão de habilitação.”.
Dispõe o art. 5º, nº 2, do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol (comunicado nº 310, de 1.4.2015, da FPF) que “2. No processo de seleção e de contratação, o jogador e o clube devem agir com o devido cuidado, devendo, nomeadamente, antes do início da prestação dos serviços, certificar que o Intermediário está registado na FPF e assinar um contrato de representação, conforme o disposto neste Regulamento”, ou seja, de acordo com o disposto no art. 9.
O nº 1 do referido art. 9º determina que os elementos essenciais da relação jurídica entre o clube e o intermediário, no que ora importa, têm de constar expressamente do contrato de representação, e o nº 2 concretiza vários dados que têm de constar do mesmo, nomeadamente, a descrição do âmbito do contrato, esclarecendo a natureza dos serviços a prestar, a duração da relação jurídica, a remuneração do intermediário pela atividade desenvolvida, e as condições de pagamento (als. b) a e)), o que se mostra observado no contrato objeto dos autos, tendo a R. habilitado a A., para, em sua representação, negociar as condições do contrato de trabalho que veio a celebrar com o jogador, conforme resulta da cláusula 1ª, “A INTERMEDIÁRIA representará o CLUBE com vista à realização do Contrato de Trabalho desportivo com o JOGADOR, válido para as épocas desportivas de 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022.”.
O contrato mostra-se datado e assinado por ambas as partes, não tendo a R. suscitado a falta de poderes das pessoas que, em sua representação, assinaram o contrato.
Improcede, também nesta parte, a apelação.
3.2. Não terão sido feitas as vias exigidas, uma destinada à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, e o contrato não foi depositado na FPF.
É um facto que o art. 9º, nº 2, proémio, do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol (comunicado nº 310, de 1.4.2015, da FPF) se estipula que “O contrato de representação é celebrado em quadruplicado, sendo uma cópia para cada uma das partes, outra para a FPF e outra para a LPFP, quando os contratos digam respeito a jogadores ou clubes que participam nas suas competições”, e, no caso em apreço, resultou provado que o contrato celebrado entre A. e R. não foi depositado junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nem da Federação Portuguesa de Futebol.
Contudo, e tal como o tribunal recorrido esclareceu, e a apelante não contradiz, as consequências de tal omissão não levam à invalidade do contrato, mas à atuação disciplinar da FPF (art. 13º, nº 1 do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol (comunicado nº 310, de 1.4.2015, da FPF)).
No que se discorda da sentença recorrida, é no artigo do Regulamento Disciplinar da FPF convocado (art. 188º), quando o aplicável é o art. 107º da tal Regulamento 2019/2020, tendo em conta a data em que o contrato foi outorgado (1.1.2020), cujo nº 4 estatui que “O clube que não proceda ao depósito de contrato de representação com intermediário junto da FPF ou que o deposite após o decurso do prazo estabelecido no Regulamento de Intermediários da FPF é sancionado com multa entre 5 e 10 UC.”.
Improcede, pois, a apelação, nesta parte.
3.3. O contrato dos autos não conterá o número de registo de intermediário (artigo 9.º, n.º 2, al. a), do Regulamento da FPF), não se podendo confundir o seu representante legal, necessariamente também intermediário (artigo 7.º n.º 4, do RIFPF), com o intermediário interveniente no contrato.
Consta do contrato que o intermediário está registado na FPF com o nº 1571, pelo que o contrato não é omisso quanto a tal número.
O que sucede é que, esse número não é o número de registo da A. (1572), mas do seu sócio-gerente, N… (conforme certidão de registo da A. junta aos autos), como resulta da listagem dos Intermediários Registados na Época 2019/20, junta pela A. aos autos com o seu requerimento de 2.11.2022 (refª 4874039).
Afigura-se-nos, porém, que tal inexatidão não é causa de nulidade do contrato, uma vez que, aquilo que a lei impõe é que o intermediário esteja registado na FPF, e a A. encontrava-se, à data, registada na FPF, como já supra analisado, ainda que se entenda que a indicação de número de registo errado equivale à falta de indicação do número de registo do intermediário da FPF.
Como se escreveu no referido Ac. da RL de 9.11.2023, “… o Regulamento não sanciona com a nulidade a falta de indicação do número de registo no contrato – a exigência do artigo 9º quanto às menções relativas aos elementos essenciais do contrato não é sancionada, na falta, no caso do número de registo do intermediário , com a nulidade do contrato – visto que não é falta de identificação, mas sim a falta de registo, que constitui impedimento absoluto para o exercício da atividade, pois que (artigo 6º nº1) “Só podem exercer a atividade de Intermediário as pessoas singulares ou coletivas registadas na FPF”. No artigo 9º não se encontra nenhuma consagração do vício da nulidade para a falta de indicação do número de intermediário.”.
Improcede a apelação, também nesta parte.
3.4. O contrato é nulo porquanto a cláusula 4ª obriga as partes a manter total confidencialidade com o seu conteúdo, quando é exigência imperativa que seja dada a devida publicidade daquele, desde logo pelo depósito junto dos organismos competentes.
Da simples leitura da cláusula em questão resulta claro que a exigência de confidencialidade aí consagrada, não abrange a necessária publicidade junto dos organismos competentes: “Cláusula Quarta O CLUBE e a INTERMEDIÁRIA obrigam-se a manter em total confidencialidade o presente contrato, não o podendo tornar público, ainda que por forma indireta, ou por intermédio de terceiros, salvo por força de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal, sendo que a parte que violar o dever de confidencialidade ora estabelecido deverá compensar a outra nos termos gerais de direito. …” (sublinhado nosso).
Como se escreve na sentença recorrida, “… a simples leitura da cláusula quarta, número 1, do contrato para afastar o vício suscitado: … Com efeito, o dever de confidencialidade convencionado cede – evidentemente - quando em causa esteja a necessidade de cumprimento, pelos outorgantes, de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal, onde naturalmente se inclui o dever de depósito a que alude o artigo 9.º, número 2 do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol.”.
Em conclusão, a apelação improcede na totalidade, devendo manter-se a sentença recorrida.
As custas da apelação, na modalidade de custas de parte, são a cargo da apelante, por ter ficado vencida – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Lisboa, 2024.05.07
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa
Ana Rodrigues da Silva
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[1] Que revogou a Lei nº 28/98, de 26.06, que estabelecia o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva (RJCTPD).
[2] Regulamento que é aplicável aos intermediários e a todos os jogadores e clubes filiados na Federação Portuguesa de Futebol (FPF), na Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e nas associações distritais e regionais de futebol, nos termos do art. 3º.
[3] Com o seguinte sumário: “… II – Resultando da interpretação do teor do contrato de intermediação celebrado  entre empresário desportivo e clube desportivo, que a obrigação principal do empresário é contratar de terminado jogador para quatro épocas, se tal contratação é conseguida de imediato, o contrato não é nulo porque tem duração superior à legal (visto que foi executado e cumprido antes de esgotada esta duração) e não é nulo porque o  empresário desportivo já não está registado como intermediário na Federação Portuguesa de Futebol na última das quatro épocas (visto, novamente, que foi executado e cumprido antes desta época, ou seja, quando o empresário ainda estava registado). III – O nº 3 do artigo 3º Lei 54/2017 não se aplica ao contrato de intermediação celebrado entre o clube e o empresário desportivo, mas apenas ao contrato de representação ou intermediação celebrado entre  empresário desportivo e o jogador. IV – O artigo 9º do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol não sanciona com a nulidade a falta de indicação do número de registo do intermediário no contrato; não é a falta de identificação, mas sim a falta de registo, que constitui impedimento absoluto para o exercício da atividade.”.
[4] Com o seguinte sumário: “I.– A nulidade do contrato de intermediação desportiva por falta de registo do intermediário desportivo junto da Federação Portuguesa de Futebol pode ser invocada a qualquer momento por qualquer interessado e pode declarada oficiosamente pelo tribunal nos termos do art. 286º do Código Civil. II.–Uma coisa é a duração do contrato de intermediação de intermediação desportiva e outra coisa é a duração do contrato cuja celebração constitui o objeto último daquele, o contrato de trabalho desportivo entre o Jogador e o Clube. As respetivas durações não se confundem. III.–O que importa avaliar é se no referido período de vigência do contrato de intermediação desportiva a autora se encontrava registava como intermediária desportiva junto da Federação Portuguesa de Futebol.”.
[5] Que dispõe que “No caso de contrato de representação ou intermediação celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo, a remuneração paga pelo praticante não pode exceder 10 % do montante líquido da sua retribuição e o dever de pagamento apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor”.
[6] Estabelecendo o art. 7º do referido Regulamento os requisitos desse mesmo registo.
[7] São normas imperativas (ou “cogentes” nas palavras de Castro Mendes, em Introdução ao Estudo do Direito, FDL, 1977, pág. 74) as que impõem um dever, uma conduta, por ação, ditas percetivas, ou omissão, ditas proibitivas - “a conduta que estatui é obrigatória, verificada a previsão”.
[8] A saber, “A. A INTERMEDIÁRIA é uma pessoa coletiva com experiência e competências adquiridas nas áreas da observação, acompanhamento, avaliação e seleção de jogadores profissionais de futebol, dedicando-se ao auxílio e intermediação de serviços desportivos. B. O CLUBE pretende realizar um contrato de trabalho desportivo com o jogador de futebol profissional J…, adiante designado como JOGADOR, para as épocas desportivas 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023, e para isso recorreu, em regime de exclusividade, aos serviços prestados pela INTERMEDIÁRIA, que aceitou prestar os seus serviços a favor do CLUBE.”.
[9]2 - O contrato está sujeito a forma escrita, nele devendo ser definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe será devida e as respetivas condições de pagamento.” (sublinhados nossos).
[10] Respetivamente, o contrato de representação tem que conter “d) Remuneração do Intermediário pela atividade desenvolvida; e) Condições de pagamento”, e “O clube que contrate os serviços de um Intermediário deve acordar a remuneração antes da realização da transação, podendo o pagamento ser efetuado de uma só vez ou em prestações.”.
[11] Não se mantendo o contrato de trabalho desportivo do referido jogador com a R. em alguma(s) das épocas referidas, não haveria o pagamento da prestação, o que está diretamente relacionado com o fim visado pela R. aquando da contratação dos serviços da A., conforme Considerando B, transcrito supra na nota 6.
[12] Consultar o Manual “on “TPI” and “TPO” in football agreements" da FIFA, acessível on line.