PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS
TRABALHADOR
SUBROGAÇÃO
Sumário

O Fundo de Garantia Salarial fica sub-rogado nos direitos de crédito e respectivas garantias, nomeadamente privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efectuados acrescidos dos juros de mora vincendos, com referência aos artigos 589.º, 592.º e 593.º do Código Civil, ex vi dos artigos 336.º do Código do Trabalho e 1.º do DL n.º 59/2015, de 21/04.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 1053/22.6T8OLH-G.E1
Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Comércio ... – J...
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Recurso com efeito e regime de subida adequados.
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Decisão nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, alínea c) e 656.º do Código de Processo Civil:
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I – Relatório:
No âmbito da presente insolvência de “M..., Unipessoal, Lda.”, o Fundo de Garantia Salarial veio solicitar a sua habilitação como cessionário do credor AA. Proferida sentença, a interessada BB interpôs recurso da sentença proferida.
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O Requerente pediu que fosse habilitado no lugar do credor AA, invocando que os créditos deste foram satisfeitos pelo Fundo de Garantia Salarial, que está legalmente sub-rogado nos referidos direitos. Pretendia assim que, em substituição deste, fosse habilitado para os termos do processo de insolvência e incidentes apensos.
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Devidamente notificados, os Requeridos nada disseram.
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O Tribunal a quo decidiu:
a) declarar habilitado o Fundo de Garantia Salarial, em virtude de sub-rogação legal na posição assumida por AA, trabalhador da insolvente, cujos créditos foram reconhecidos.
b) admitir o Fundo de Garantia Salarial a intervir como Credor Reclamante, no lugar de tal credor trabalhador, na medida dos pagamentos efectuados acrescidos dos juros de mora que se venham a vencer, para ele revertendo os valores obtidos por via da sub-rogação.
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Inconformada com tal decisão, a sociedade recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões, aliás extensas e prolixas na relação de proporcionalidade com o corpo do recurso apresentado e que representam a transcrição integral do corpo do mesmo [1] [2] [3] [4] [5]:
«1.ª Decidiu o Tribunal a quo habilitar como credor o Fundo de Garantia Salarial.
2.ª Tal decisão, implica que o Fundo se torne credor da Insolvente.
3.ª Foi considerado provado nos autos (apenso) que o trabalhador AA não era um mero trabalhador, mas um gerente de facto.
4.ª Tal sujeito, ao ter ido accionar o Fundo de Garantia Salarial, fê-lo,
assim, indevidamente.
5.ª Bem sabia que o fazia indevidamente.
6.ª Tais factos ora alegados são provados nos autos aos que estes correm por apenso.
7.ª Tanto mais que foi levantado incidente por insolvência culposa.
8.ª A Recorrente não se pode, assim, conformar com tal decisão.
9.ª Tal decisão afectará ainda mais a massa insolvente.
10.ª Devendo, na óptica da Recorrente, afectar, apenas, o Requerido AA.
11.ª Pessoa que requereu tal Fundo indevidamente.
12.ª E que do mesmo beneficiou.
13.ª Assim, deverá esta decisão ora recorrida, ser revogada e substituída por uma outra que determine que apenas o Requerido AA tem que pagar tais quantias ao Fundo de Garantia Salarial.
Nestes termos, deverá a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine que apenas o Requerido AA tem que pagar tais quantias ao Fundo de Garantia Salarial, assim se fazendo Justiça!»
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Houve resposta ao recurso, pugnando pela improcedência do mesmo. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da possibilidade de habilitação do Fundo de Garantia Salarial.
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III – Da factualidade com interesse com interesse para a justa resolução do recurso:
Os factos com interesse para a justa resolução do recurso são aqueles que constam do relatório inicial, os quais se fundam na documentação presente no recurso e na consulta do histórico do processo.
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IV – Fundamentação:
A habilitação de cessionário constitui um incidente da instância destinado a conhecer da substituição facultativa de uma das partes, pelo cessionário do direito em litígio, operando uma modificação subjectiva da instância, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 262.º, alínea a)[6] e 356.º[7] do Código de Processo Civil.
O pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica, tal como decorre da letra do artigo 336.º[8] do Código do Trabalho.
O Fundo de Garantia Salarial fica sub-rogado nos direitos de crédito e respectivas garantias, nomeadamente privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efectuados acrescidos dos juros de mora vincendos, com referência aos artigos 589.º[9], 592.º[10] e 593.º[11] do Código Civil.
Especificamente, estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do DL n.º 59/2015, de 21/4, que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja proferida sentença de declaração de insolvência do empregador e prevê o n.º 1 do artigo 4.º, do mesmo diploma, que o Fundo fica sub-rogado nos direitos e nos privilégios creditórios do trabalhador, na medida dos pagamentos efetuados, acrescidos de juros de mora vincendos.
Tal como afirma a sentença recorrida, o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da acção de insolvência ou à apresentação do requerimento do PER ou do SIREVE, tendo como limite máximo o montante correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida, com prioridade para o pagamento da retribuição base e diuturnidades, nos termos estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.
No caso de incidente de habilitação requerido pelo Fundo de Garantia Salarial, por pagamento de salários aos trabalhadores de devedora insolvente, o título da cessão é constituído pelo requerimento do trabalhador àquele fundo, pelo deferimento do mesmo, total ou parcial e pelo comprovativo do pagamento das quantias salariais ao trabalhador.
E estes elementos estão perfectibilizados nos autos e todos os requisitos formais e substanciais necessários à habilitação de cessionário mostram-se preenchidos.
A recorrente insurge-se contra o decidido pelo Tribunal, pretendendo que se determine que o Requerido AA tem que pagar tais quantias ao Fundo de Garantia Salarial, dado que era gerente de facto da insolvente.
Porém, existem aqui duas realidades distintas: uma a da cessão e a outro do ao incidente de insolvência culposa e da possível decisão de afectação do referido AA.
Caso se venha a demonstrar a ligação do referido credor nos termos referenciados no acórdão, em sede própria o Tribunal do Comércio ... determinará a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
Com efeito, se se provar a referida qualidade, a massa insolvente poderá ficar, então, dispensada de realizar o pagamento aqui programado, caso em que será o credor a ter de devolver as quantias indevidamente recebidas ao Fundo de Garantia Salarial.
Porém, a comprovar-se o alegado no recurso, a referida operação resultará de uma decisão concertada entre o incidente de qualificação de insolvência e a fase de liquidação do activo,
Neste momento e nesta sede, em função do pagamento demonstrado nos autos, o Fundo de Garantia Salarial ficou investido na posição jurídica até aí pertencente ao credor nos termos assinalados na sentença recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 23/04/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho


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[1] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões):
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
[2] Na visão de Abrantes Geral, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 130, «as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados».
[3] No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/97, de 11/03/1997, processo n.º 28/95, in www.tribunalconstitucional.pt é dito que «A concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça».
[4] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt assume que «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)».
[5] No caso concreto, não se ordena a correcção das conclusões ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil por que, na hipótese vertente, tal solução apenas implicaria um prolongamento artificial da lide e, infelizmente, no plano prático, a actuação processual subsequente constitui na generalidade dos processos uma mera operação de estética processual que não se adequa aos objectivos do legislador e do julgador.
[6] Artigo 262.º (Outras modificações subjetivas):
A instância pode modificar-se, quanto às pessoas:
a) Em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio;
b) Em virtude dos incidentes da intervenção de terceiros.
[7] Artigo 356.º (Habilitação do adquirente ou cessionário):
1 - A habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, para com ele seguir a causa, faz-se nos termos seguintes:
a) Lavrado no processo o termo da cessão ou junto ao requerimento de habilitação, que é autuado por apenso, o título da aquisição ou da cessão, é notificada a parte contrária para contestar; na contestação pode o notificado impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo;
b) Se houver contestação, o requerente pode responder-lhe e em seguida, produzidas as provas necessárias, é proferida decisão; na falta de contestação, verifica-se se o documento prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara-se habilitado o adquirente ou cessionário.
2 - A habilitação pode ser promovida pelo transmitente ou cedente, pelo adquirente ou cessionário, ou pela parte contrária; neste caso, aplica-se o disposto no número anterior, com as adaptações necessárias.
[8] Artigo 336.º (Fundo de Garantia Salarial):
O pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica.
[9] Artigo 589.º (Sub-rogação pelo credor)
O credor que recebe a prestação de terceiro pode sub-rogá-lo nos seus direitos, desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação.
[10] Artigo 592.º (Sub-rogação legal):
1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito.
2. Ao cumprimento é equiparada a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação ou outra causa de satisfação do crédito compatível com a sub-rogação.
[11] Artigo 593.º (Efeitos da sub-rogação):
1. O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.
2. No caso de satisfação parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos do credor ou do seu cessionário, quando outra coisa não for estipulada.
3. Havendo vários sub-rogados, ainda que em momentos sucessivos, por satisfações parciais do crédito, nenhum deles tem preferência sobre os demais.